Você está na página 1de 22

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/321775809

Arte e Política em Joseph Beuys: o Homem como obra de arte

Article · August 2013

CITATIONS READS
0 181

3 authors, including:

Paloma Oliveira de Carvalho Santos Manoel Friques


Rio de Janeiro State University Center for Science and Technology
2 PUBLICATIONS   0 CITATIONS    13 PUBLICATIONS   2 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Fragmentos da arte contemporânea View project

arte e politica em Joseph Beuys: o homem como obra de arte View project

All content following this page was uploaded by Manoel Friques on 13 December 2017.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Arte e Política em Joseph Beuys: o Homem como obra de arte
Art and Politics in Joseph Beuys: Man as work of art

Camila Nogueira Barbosa Alves dos Reis


Bacharel em Artes – Figurino e Indumentária pelo SENAI CETIQT.

Paloma Carvalho Santos


Doutora em História Social da Cultura, PUC-Rio. Professora do SENAI CETIQT.

Manoel Silvestre Friques


Mestre em Artes Cênicas, UNIRIO. Professor do SENAI CETIQT.

Resumo
O artigo procura abordar as relações entre arte e política presente na obra de
Joseph Beuys. A hipótese para a análise baseia-se no fato de a obra do artista
alemão não poder ser reduzida a mero discurso político. Pois, no momento do
diálogo, de interação com o público, Beuys acredita que ambos estão esculpindo;
“todo homem é um artista”. Seja na forma de cartazes, múltiplos, vídeos,
performances, ou “conversas”, o espectador não só é levado a transformar a
sociedade em que vive (ação política), mas também a transformar-se, a construir
uma nova estrutura pessoal, aberta e, portanto, plena de significados – poética.
Restringimo-nos às duas obras “Não conseguiremos sem a rosa” e “Uma rosa pela
Democracia Direta” – cartaz e múltiplo, uma vez que esses dois trabalhos nos
permitem refletir sobre algumas questões da produção beuysiana.
Palavras- chave: Joseph Beuys; Arte e Política; Arte Contemporânea.

Abstract
The article seeks to address the relationship between art and politics present in the
work of Joseph Beuys. The hypothesis for the analysis is based on the fact that the
work of the German artist can not be reduced to mere political discourse. At the
moment of dialogue, interaction with the public, Beuys believed both are carving, so
"every man is an artist." Whether in the form of posters, multiples, videos,
performances, or "conversations", the viewer is led to not only transform the society
in which he lives (political action), but also to become, to build a new staff structure,
open and therefore full meanings - poetry. Restrict ourselves to the two works "will
not succeed without a rose" and "A Rose for Direct Democracy" - poster and
multiple, since these two works allow us to reflect on some production issues
present in the work of Beuys.
Keywords: Joseph Beuys. Art and Politics. Contemporary Art.

www.cetiqt.senai.br/redige │1│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

INTRODUÇÃO

Adotamos como estratégia historiográfica concentrar toda a pesquisa sobre Beuys


à análise das duas obras “Não conseguiremos sem a rosa” e “Uma rosa pela
Democracia Direta” – cartaz e múltiplo. Esses dois trabalhos tocam questões da
obra de Beuys como um todo, destacadas acima. Incorporamos, assim, duas faces
da poética beuysiana – as relações entre arte e política e a Escultura Social.

O Cartaz “Não conseguiremos sem a rosa” e o Múltiplo “Uma rosa pela Democracia
Direta”

Figura 1 – Não conseguiremos sem a rosa.


Fonte: Beuys, 1972.

www.cetiqt.senai.br/redige │2│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Figura 2 – Uma rosa pela democracia direta.


Fonte: Beuys, 1973.

O múltiplo “Uma rosa pela Democracia Direta” de 1973 é derivado do cartaz “Não
conseguiremos sem a rosa”, realizado um ano antes por Joseph Beuys a partir da
sua participação na Documenta V de Kassel. Observamos uma imagem do próprio
artista, que aparentemente se encontra sentado, com a feição de quem está
dialogando. De costas, vemos um homem (desfocado) também sentado, com quem
o artista conversa. O cartaz apenas nos permite ver a parte superior dos corpos
das duas pessoas, acima do tórax. Beuys está usando seu famoso chapéu de feltro
e seu colete de pescador. O homem, vestindo um paletó azul e o que parece ser
um par de óculos típico da década de 1970, parece um homem comum – um típico
cidadão alemão.

Uma rosa vermelha, que podemos notar em primeiro plano entre os dois, tem,
contudo, uma posição de destaque: ela prepondera na composição, enquanto eles
se encontram perifericamente à esquerda. A rosa, muito longa, nos dá a impressão

www.cetiqt.senai.br/redige │3│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

de ser muito maior do que sabemos que ela é. Vermelho e delicado, o botão da
rosa está entreaberto. Está colocado dentro de um recipiente de vidro com água,
que parece ser um copo. É interessante atentarmos para o fato de a comprida rosa
vermelha estar como ponto de destaque do cartaz. Do ângulo em que a foto foi
tirada, a rosa ocupa 2/3 do quadro, enquanto os outros dois ocupam 1/3. Para
finalizar, temos a assinatura do artista começando exatamente no botão da rosa.

Neste momento, já podemos perceber que a força do cartaz se encontra na rosa.


Quando nos deparamos com o título do mesmo – Não conseguiremos sem a rosa –
obtemos esta certeza. Torna-se de extrema importância o conhecimento e a
contextualização no qual a obra foi produzida: para a quinta Documenta da cidade
de Kassel.

Segundo o site oficial da Documenta, “durante a reconstrução cívica alemã no


início dos anos 1950, a Documenta foi concebida como uma resposta direta às
políticas do terceiro Reich em torno da ‘arte degenerada’. Ao longo dos anos, a
exposição veio a significar, no contexto da Europa Oriental, um espaço onde a
liberdade de expressão poderia ser alcançada”. Os mais importantes artistas da
época expunham lá, e Beuys utilizava essa ambiência como um elemento de sua
própria poética.

Em sua contribuição para o evento, Beuys passou 100 dias conversando com as
pessoas que visitavam a Documenta, de manhã até ao anoitecer; ele dialogava
sobre diversos assuntos visto que sua intenção era entrar em contato com o
público. Da interação com os visitantes, o artista produziu alguns objetos, dentre
eles, o cartaz Não conseguiremos sem a rosa, e um livro – Cada Homem um
Artista, que reúne as conversas de um final de semana. As falas registradas em
livro e a imagem descrita anteriormente ressaltam, antes de tudo, Joseph Beuys
como um articulador e um idealizador. Através destas e de outras obras, o artista
consegue mostrar ao mundo uma única ideia: o princípio de que a arte é antes de
tudo uma ação pública, uma articulação do pensamento.1

1
Informações retiradas da palestra “Joseph Beuys: Arte, Filosofia e Ativismo Social”, ministrada por Antonio
D´Avossa em 16 de setembro de 2010 no SESC Pompéia.

www.cetiqt.senai.br/redige │4│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Com isso, o artista quer provocar no espectador uma mudança de postura e de


comportamento, que se configura em uma atitude política. Política no sentido grego
da palavra, na maneira como nos colocamos na pólis. Essa maneira do indivíduo
se colocar, se apresentar o configura em um determinado tempo, lugar ou espaço;
o insere ou o desvincula a um determinado grupo, caracteriza-o como sendo de
“tal” ou “qual” maneira, enfim o contextualiza.

Contudo, a obra de Beuys não pode ser reduzida a um mero discurso político. As
suas crenças transbordam para o seu fazer artístico, seja na forma de cartazes,
múltiplos, vídeos, performances, ou “conversas” (como as do gabinete). Nas duas
obras analisadas, o espectador não só é levado a transformar o seu entorno, mas,
sobretudo, a si mesmo. É neste sentido que encontramos o conceito de Escultura
Social: no momento do diálogo, da interação com o público, Beuys está esculpindo
– ele acredita. Não se trata, com isso, da noção clássica ou tradicional de
escultura, entendida como a representação de imagens plásticas em relevo sobre
um determinado material. No caso de Beuys, a escultura é imaterial, mas nem por
isso deixa de ser concreta. Pois, a escultura só se torna possível a partir da troca.
“Todo homem é um artista”, segundo o próprio Beuys. Uma melhor compreensão
de sua poética deve, necessariamente, passar pelo contexto de sua produção,
exposto a seguir.

1 O PODER SIMBÓLICO NA OBRA DE ARTE

A produção artística de Joseph Beuys é subsequente à transferência do eixo


econômico e cultural da Europa para os EUA, onde todos os significados são, em
certa medida, planificados sob uma abordagem mais empírica, com base na
experimentação e tentando liberar-se da tradição europeia.

Após a Segunda Guerra Mundial, a crise europeia chega ao seu ápice, não apenas
no sentido econômico e estrutural dos países destruídos, mas principalmente uma
crise de identidade. Como era possível uma cultura que possui como alicerce a
ciência e a razão poder “aceitar” os horrores da guerra? Neste sentido, é inevitável
que no campo das artes esta crise se dê através do congelamento, do bloqueio
com relação à produção artística:

www.cetiqt.senai.br/redige │5│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

A dificuldade da relação entre arte e sociedade, que despertara a cadente


dialética das correntes após a Primeira Guerra Mundial, agravara-se
depois da Segunda Guerra a ponto de levar a crer que a “morte” da arte
era inevitável, iminente e talvez já tivesse ocorrido. Na origem, há uma
revolta moral: numa sociedade que aceita o genocídio, os campos de
extermínio, a bomba atômica, não é possível que, simultaneamente,
produzam-se atos criativos. (ARGAN, 2006, p. 508)

Nesse sentido, a arte americana vem como um impulso, segundo Giulio Argan
(2006), a “criação imediata de fatos estéticos”. Uma arte que se apresenta a partir
de uma potência; como uma força desafiadora do ser humano:

O que na Europa traz o signo de uma dedução final e constitui o


documento desesperador de uma civilização em crise, nos Estados Unidos
é descoberta, invenção, ímpeto criativo. Não que a imagem existencial
apresentada pela arte americana seja mais otimista do que na Europa,
mas justamente por isso ela é, em termos objetivos, mais vital.(ARGAN,
2006, p. 507)

Entretanto, essa arte imediata e “vital”, repleta de ímpeto criativo, é sustentada por
uma sociedade de consumo, voltada ao trabalho e à acumulação de capital: “Afinal,
a arte é a não inibição num mundo onde a inflexível ‘regularidade’ da vida social,
inteiramente empenhada no esforço produtivo e na acumulação capitalista, cria
uma condição geral de inibição e neurose” (Id, Ibid, p.508). Desse modo, a arte
americana surge como uma arte que se permite dialogar com os moldes do
American Way of Life. Ela vem como um sopro de criatividade dentro de uma
sociedade “planejada” e fundada, ao menos idealmente, na democracia:

Assim se explicam a action painting e a arte pop, que a sociedade


americana aceita alegremente como sua contrapartida: na realidade,
porém, a saúde esfuziante que parece caracterizar a arte americana,
comparada à arte europeia, era ilusória, assim como ilusória era a imagem
de uma América democrática, sempre pronta a correr em auxílio dos
oprimidos. (Id)

Inversamente, Beuys retoma fortemente imagens tradicionais da cultura europeia,


confrontando o desencantamento do mundo operado pelo consumismo. O artista
alemão coloca essas questões no cerne de seu trabalho artístico e provoca uma
tensão característica dos anos 1960, quando, por exemplo, Andy Warhol e Claes
Oldenburg estão aproveitando o esvaziamento simbólico dos objetos, das formas
da indústria cultural. Beuys terá na Europa a dimensão de um contemporâneo
norte-americano como Warhol, operando de maneira inversa com a indústria de
massa.

www.cetiqt.senai.br/redige │6│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Uma de suas estratégias é a escolha atenta de cada elemento, que ganha


biografias, narrativas e relevância ao ser reutilizado em diversas peças, numa
profundidade xamânica, até mesmo ritualística. A relação dialética – ao discordar
da indústria de massa utilizando recursos da mesma – e, portanto, didática dessa
operação está em não sublimar o pensamento discordante (no caso, o estilo de
vida norte-americano), mas entrar em confronto, em contato direto, o que ele faz
literalmente, por exemplo, com uma luva de boxe.

É o que percebemos num primeiro momento, com o cartaz e o título da obra “Não
conseguiremos sem a rosa”, que remetem-nos à histórica imagem da Revolução
dos Cravos2. Os cravos vermelhos dispostos nos canos das armas dos militares
dialogam paradoxalmente: a beleza das flores e a frieza e a rigidez das armas. É
importante ressaltar que a revolução é posterior à origem do cartaz e múltiplo –
apenas em um ano –, mas que, de certa maneira, possuem um diálogo comum,
frutos de um mesmo contexto: as conquistas sociais da década de 1970.

Essa comparação dá-se primordialmente no âmbito de seu discurso, da sua


mensagem. Há uma ligação no que diz respeito ao potencial imagético desses
dois. De certo modo, a incorporação da rosa no cartaz de Beuys é o que Roland
Barthes, em seu livro Câmara Clara (1984, p.46), chama de punctum: “o punctum
de uma fotografia é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica,
me fere)”, aquilo que salta aos olhos assim que nos deparamos com a imagem. O
mesmo ocorre quando vemos os cravos nos canos das armas: ali não é terreno
fértil para que nasça um flor. A rosa promove uma mudança de atitude: na
Documenta, seduz o espectador a participar; na revolução, a humanizar os
guardas, numa ação pacífica, mas não menos participativa ou eficiente.

2
Movimento ocorrido em Portugal, que derrubou o regime ditatorial de Antônio Oliveira de Salazar no ano
1974. Com o golpe militar em 1926, Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades
de reunião, de organização e de expressão foram suprimidas com uma nova constituição em 1933.

www.cetiqt.senai.br/redige │7│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Figura 03 – A Revolução dos cravos.


Fonte: http://old.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=1094

Esses elementos equivalentes (rosa e cravo) se destacam, e nos fazem pensar o


porquê de suas escolhas. Está claro que possuem uma importância. Obviamente, a
obra “Não conseguiremos sem a rosa”, remete à figura histórica da militante
revolucionária da Social Democracia Rosa Luxemburgo. Efetivamente, a rosa
vermelha foi escolhida como símbolo da Social Democracia,3 cujos defensores
acreditavam ser possível uma transformação social a partir da luta não armada,
sem o uso da força. Quando Beuys diz “não conseguiremos sem a rosa”, ele
enfatiza a mudança de mentalidade e de comportamento: em como vemos o
mundo e nos comportamos nele. No ato de dar uma rosa a alguém, ou colocar um
cravo numa arma, estamos realizando um gesto terno e pacífico. As flores não se
configuram apenas em força estética, mas também em força de representação
simbólica, ou seja, ganham uma conotação ampla, cultural, e até mesmo mítica,
como sugere também a sua narrativa biográfica.

Dentre os muitos elementos existentes nesse sentido na poética de Beuys,


pondera-se porque, afinal, tanto se discute e considera para a sua poética a
narrativa sobre seu resgate na Crimeia – se esta é verídica ou não? É grande a
polêmica. Benjamin Buchloh acredita que a operação de Beuys é toda falsa; que
Beuys nega o passado alemão, querendo apagá-lo, esquecê-lo:

3
Ideologia política de esquerda surgida no final do século XIX por partidários do marxismo. Esta ideologia que
acreditava que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revolução, mas por meio de
uma evolução democrática.

www.cetiqt.senai.br/redige │8│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

The public myth of Beuys life and work, by now having achieved
proportions that make any attempt to question it or to put into historic
perspective an almost impossible critical task, is a result of these
conditions, just as it tries to perpetuate them by obscuring historical
facticity. (BUCHLOH, 2001. p.200)

Buchloh continua sua linha de pensamento afirmando que através do mito – sobre
a figura de Beuys e de seu trabalho artístico – a Alemanha do pós-guerra encontra
lugar para retirar prematuramente a “culpa” e a responsabilidade dos fatos que
ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial:

In the work and public myth of Beuys the new German spirit of the postwar
period finds its new identity by pardoning and reconciling itself prematurely
with its own reminiscences of a responsibility for one of the most cruel and
devastating forms of collective political madness that history has known.
(Id, Ibid. p.203)

De fato, Beuys elabora uma narrativa biográfica complexa, difícil de ser verificada:

Had it not been for the Tartars I would not be alive today. They were the
nomads of the Crimea, in what was then no man’s land between the
Russian and Germany fronts, and favored neither side. I had already struck
up a good relationship with them, and often wandered off to sit with them.
‘Du nix njemcky’ they would say, ‘du Tartar’ and try to persuade me to join
their clan. Their nomadic ways attracted me (...). Yet it was they who
discovered me in the snow after the crash, when the German search
parties had given up. I was still unconscious then and only came round
completely after twelve days or so, and by then I was back in a German
field hospital. So the memories I have of that time are images that
penetrated my consciousness. The last thing I remember was that it was
too late to jump, too late for the parachutes to open. That must have been
a couple of seconds before hitting the ground. Luckily I was not strapped in
(...) My friend was strapped in and he was atomized on impact – there was
almost nothing to be found of him afterwards. But I must have shot through
the widescreen as it flew back at the same speed as the plane hit the
ground and that saved me, though I had bad skull and jaw injuries. Then
the tail flipped over and I was completely buried in the snow. That’s how
the Tartars found me days later. I remember voices saying ‘Voda’ (Water),
then the felt of their tents, and the dense pungent smell of cheese, fat and
milk. They covered my body on fat to help it regenerate warmth and
wrapped it in felt as an insulator to keep warmth in. (BEUYS apud BEUYS;
GOMES, 2010, p.14)

Como piloto da Força Aérea Alemã, Beuys teve seu avião abatido na região da
Crimeia. Muitas questões são ambíguas, entretanto. Afinal, que tipo de relação o
artista poderia ter desenvolvido com essa população a ponto de, efetivamente, ter
sido convidado a participar do clã? Difícil dizer. O mais importante são os
elementos – queijo, leite e, principalmente, feltro e gordura – que Beuys incorpora
em toda sua poética, dentro dessa imagem romantizada de seu salvamento.

www.cetiqt.senai.br/redige │9│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Dentro dessa consideração não biográfica, mas poética, da forma como o criador
alemão lida com a História, Júlio do Carmo Gomes no livro Cada Homem um
Artista (2010) entende que essa operação é um recurso que produz uma verdade
artística autônoma, independente dos fatos; independente dele esquecer, ou pior,
falsificar o passado histórico alemão dentro de sua obra:

[...] a crítica a um Beuys mitificador parece ter metido no mesmo saco a


verossímil tentativa de o artista alemão procurar com essa narração
legitimar parcialmente o seu trabalho artístico (nomeadamente, o uso de
matérias como o feltro e a gordura, e a produção de um discurso evocativo
do nascimento do sujeito)... (BEUYS; GOMES, 2010, p.15)

Mais à frente, o autor comenta a posição de Buchloh sobre a persona de Beuys:

O historiador de arte Benjamim Buchloh no ensaio: The Twilight of the idol


denuncia a verve ficcionista de Beuys na elaboração da sua biografia e
considera a retórica do artista alemão um sintoma de uma tendência
cultural para evitar o confronto com um passado traumático e subterfúgio
para fugir ao envolvimento com o nazismo, o holocausto e as suas
implicações. (Id, Ibid, p.16)

Contrário a Buchloh, Gomes ratifica sua opinião com relação ao “compromisso com
a verdade” dentro do fazer artístico:

O que o crítico norte-americano parece ignorar é que o mito funda-se (e


funda) numa autoridade relativa, mas relativa num sentido radical. Nem
verdadeiro nem falso, e onde nenhum predicado é racionalmente
pertinente para colaborá-lo ou negá-lo (Id)

Ou seja, para o autor, importa a Beuys levantar discussões, promover debates


democráticos, sem que sua atuação derive numa conclusão unânime. O que
Buchloh parece não compreender é que o mito sobre a persona de Beuys legitima
o conjunto de sua obra artística. Portanto, a partir desse olhar, podemos
compreender que a arte não possui compromisso com uma “verdade absoluta”,
mas sim com sua “própria verdade”.

2 O ÍNDICE E A OBRA ABERTA NA POÉTICA BEUYSIANA

Para Jean-Philippe Antoine, Beuys cria índices, não símbolos. Sob essa ótica, a
relação entre a poética de Beuys e a História seria algo operado, na realidade, pelo
espectador. Assim, o artista apenas sugere certas interpretações ao colocar
objetos em contextos específicos, que já carregam em si uma potência de

www.cetiqt.senai.br/redige │10│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

significação, numa operação contrária a de Duchamp. Beuys joga com elementos


de grande potencial simbólico, mas não fecha um significado narrativo. No ensaio A
Dialogue on Blood & Iron: Matthew Barney and Arthur C. Danto on Joseph Beuys,
publicado na revista Modern Painters, Barney e Danto também dialogam sobre
essa “narrativa aberta” existente nas obras de Beuys, e a comparam com a
narrativa que Barney propõe em suas obras. Segundo Matthew Barney:

[…] Its narrative is more a proposal, and has an intentionally open-ended


structure that invites the audience to complete the story. And as the
primary objective of this system is to generate sculpture, the narrative
remains abstract – a way to leave space for more specific distillation in the
form of sculpture. I believe these ideas are sympathetic with those of
Beuys. (BARNEY; DANTO, 2006, p.62)

Seguindo essa linha, os elementos das obras são figurativos, mas não são
conectados a outros de forma a fazer um sentido lógico, ou seja, narrativo,
sintático. É uma colagem aberta. Retornando ao pensamento de Antoine, a
atenção de Beuys é toda voltada para a ativação do espectador:

Os trabalhos de Joseph Beuys definem um corpus cuja compreensão


abandona o espectador inadvertido no desamparo, sem recurso imediato:
objetos residuais, detritos usados de um cotidiano essencialmente
biográfico, pesados pedaços disjuntos de maquinário ou suas reproduções
fragmentares, blocos de gordura, feltro, salsichas ressecadas, lascas de
unhas, nada disso reivindica pertencimento à arte [...]

Esse fio condutor encontra sua expressão no papel de ‘muleta’ ou de


‘acessório para lembrança’ (Erinnerungstütze) destinado à produção
beuysiana, no âmbito de um vasto projeto social e político: superar o
trauma causado pela Segunda Guerra Mundial e pelo nazismo na
Alemanha, mas também, de modo amplo na Europa, e, por meio do ‘duro
labor da rememoração’, exibir os sintomas da doença da cultura que
tornou possível tal catástrofe, a fim de, uma vez identificados, curar o
corpo social.

Exibir os sintomas do mal, dando-os à experimentar, efetivamente, tornar


possível uma tomada de consciência que orienta o retorno à saúde, ou
seja, ao equilíbrio dinâmico de forças. (ANTOINE, 2009, p. 169-170)

Para uma melhor compreensão, pegaremos como apoio a semiótica4 e a definição


dos três tipos de signos. Começaremos pelo ícone que possui qualidade de
primeiridade (sentimento, imediaticidade) com o seu interpretante: “[...] se o signo
aparece como simples qualidade, na sua relação com o seu objeto, ele só pode ser

4
Ciência fundamentada por C.S. Peirce que estuda as linguagens verbal e não verbal.

www.cetiqt.senai.br/redige │11│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

um ícone, isto porque qualidades não representam nada. Elas se apresentam”.


(SANTAELLA, 2004, p.63). Entendemos então que os ícones são “poros abertos à
simples e despojada possibilidade qualitativa das coisas.” (Id).

Como signo que possui qualidade de secundidade (experiência, factualidade do


existir), temos o índice: “O índice, como seu próprio nome diz [...] indica uma outra
coisa com a qual ele está factualmente ligado. Há, entre ambos, uma conexão de
fato.” (SANTAELLA, 2004 p.66). Ligando-o ao fazer artístico: “Qualquer produto do
fazer humano é um índice mais ou menos explícito do modo como foi produzido.”
(Id). Para uma maior compreensão da obra de Beuys: “Enfim, o índice como real,
concreto, singular é sempre um ponto que irradia para múltiplas direções.” (Id).

Contudo, observamos que o índice necessita que haja, por parte do interpretante,
essa leitura: “Mas só funciona como signo quando uma mente interpretadora
estabelece a conexão em uma dessas direções. Nessa medida, o índice é sempre
dual; ligação de uma coisa com outra.” (Id)

Por fim temos o símbolo, ligação de terceiridade (análise pronta), que possui uma
definição extremamente direta: “Sendo uma lei, em relação ao seu objeto o signo é
um símbolo.” (Id, Ibid, p.67). Dessa maneira: “[...] extrai o seu poder de
representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo,
determina que aquele signo represente seu objeto.” (Id.)

Podemos compreender assim o porquê do uso de índices em Beuys: esta categoria


peierciana proporciona ao espectador infinitas interpretações. Nesse sentido,
parece haver na obra de Beuys a supremacia do índice sobre o símbolo, definindo,
por sua vez, uma crença do artista que perpassa toda sua obra, talvez mesmo um
ideal político:

Uma interpretação prematura destrói o impacto de uma imagem.


Devemos, antes de mais nada, vivê-la, uma primeira, uma segunda, uma
terceira vez. Só depois a interpretação se tornará interessante. (BEUYS
apud ANTOINE, 2009, p.169)

Ligando os materiais usados por Beuys, mencionados por Antoine, obtemos uma
interpretação interessante contida no livro O que é Semiótica sobre os índices:
“Rastros, pegadas, resíduos, remanências são todos índices de alguma coisa que
por lá passou deixando suas marcas” (SANTAELLA, 2004, p.66).

www.cetiqt.senai.br/redige │12│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

No caso da rosa vermelha, observa-se que este elemento possui um significado


determinado e inconfundível enquanto símbolo internacionalmente reconhecido da
Social Democracia. Por sua beleza e delicadeza, a rosa representa a história da
defesa da luta não armada. No cartaz e no múltiplo aqui analisados, podemos
entender que a rosa remete a esta significação. Porém, o espectador sabe que
essa ligação é indireta, sugerida pelo artista, apenas indicativa. Aquele símbolo,
deslocado de seu contexto original, e colocado numa situação onde o significado
do “todo” não é definido, permite a dimensão poética e aberta da significação
múltipla. Dessa maneira, tem-se a rosa como signo indicativo: “[...] o mais
proeminente é o seu caráter físico-existencial, apontando para uma outra coisa
(seu objeto) de que ele é parte.” (SANTAELLA, 2004, p.67). Assim, Beuys, apesar
de trabalhar com objetos que têm significados fortes e precisos, é capaz de
abri-los, permitindo assim uma construção sutil que não pode restringir-se a uma
mera comunicação narrativa.

De maneira comparável, Andy Warhol e Claes Oldenburg descontextualizam


objetos cujas funções são definidas pela indústria de massa. Ao estetizá-los, esses
objetos são esvaziados de suas funções. Na imagem abaixo, temos uma das obras
da série As Flores de Andy Warhol. Podemos observar nessa obra a planificação
das flores. Com a técnica de silkscreen, o artista cria flores “chapadas”, sem
volume e com pouca definição quanto à sua forma – não podendo ser identificadas
quanto à sua espécie. São constituídas apenas por uma cor, como se fossem
grandes borrões de tinta. Ao contrário de Beuys, As Flores de Warhol não possuem
valor poético ou simbólico quanto à sua origem. Elas possuem significados como
objetos de desejo dentro da indústria de massa, dentro do universo da moda, por
exemplo.

www.cetiqt.senai.br/redige │13│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Figura 04 – Flores.
Fonte: Warhol, 1967.

Como outro termo de comparação, podemos analisar a famosa frase de Warhol,


“todos teremos 15 minutos de fama”, a “todo homem é um artista” de Beuys.
Nestas duas frases podemos perceber semelhanças, ao se referirem ao fazer
artístico, porém em linhas contrárias de significação. Warhol esvazia o valor do
fazer artístico, a ponto deste ser tão frágil, que sua relevância duraria apenas 15
minutos. Desta forma, mostra-nos uma sociedade onde a fama e o sucesso podem
ser momentos efêmeros. Já Beuys eleva o potencial humano, diz que todos
possuem potencial criativo. Seríamos todos artistas, entretanto, não artistas
reconhecidos, mas sim no momento em que podemos empregar o potencial criativo
em nossas vidas.

A partir da mesma operação, só que em direções contrárias, Beuys e Warhol


ressignificam os símbolos em suas obras. Enquanto Beuys apropria-se de formas
que possuem forte significação histórica, causando um estranhamento quando não
definidas em um discurso sólido, Warhol apresenta uma imagem que já
“consumida”, tratada como resíduo de seu original – seu valor é puramente
estético.

Voltando ao público, essa ambição de convidar o espectador a participar da obra é


característica dos movimentos artísticos da década de 1960, dentro da rubrica arte-
vida: “[...] para numerosos artistas desse período (1960), a força subversiva da arte
residia em seu caráter efêmero, aberto e reprodutível […]”. Portanto:

www.cetiqt.senai.br/redige │14│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

[…] a instabilidade da representação é desencadeada pelo ‘deslocamento


do espectador’. O que apaga a fronteira entre a obra e o espaço do
espectador, e antecipa já virtualmente a interação entre eles. A partir
desse fato, modifica-se a atitude do espectador em relação à arte, cessa
daí por diante de ser estática, separada das condições espaço-temporais,
e inscreve-se em uma situação dada que deve ser considerada.
(HOHLFELDT, 2004, p.84)

Podemos, então, entender que Beuys buscava rever o espaço institucional da obra
de arte e, dessa forma, a sua capacidade simbólica. Era necessário ir contra esse
espaço tradicional, era necessário deslocá-lo ou subvertê-lo. A partir desse
deslocamento, o espectador é convidado a participar das obras, sendo de uma
maneira corporalmente ativa – comum aos movimentos artísticos da década de
1960 – ou mentalmente, como podemos observar em Beuys. Em ambos os casos,
o público é convidado a sair do lugar da mera contemplação estético-visual da arte
para fazer parte dela, vivê-la. É neste contexto que podemos compreender a
escultura social proposta por Beuys.

3 A ESCULTURA SOCIAL DE JOSEPH BEUYS

A escultura social se encontra no âmbito da linguagem e do pensamento. Pensar é


esculpir, já dizia Beuys: “Para mim, a formação do pensamento já é escultura. E,
bem entendido, a linguagem é escultura. Eu mexo minha laringe, eu faço mexer
minha boca, e o som é uma forma elementar de escultura” (BEUYS, apud
ANTOINE, 2009, p. 176).

A linguagem pode ser entendida como um meio de se fazer arte de uma maneira
abrangente. Essa “escultura” começa a ser modelada a partir de uma ideia ou de
um pensamento, a linguagem é a sua massa modeladora e que é esculpida no
momento da fala, através da língua e da boca. Faz uso de um material intrínseco e
inerente a todo ser humano, fazendo de todos nós possíveis escultores. Como
conclui Antoine: “Modelagem plástica do ar pela boca e laringe a palavra fabrica
uma ‘impressão na matéria’ sem a qual o acontecimento do sentido não ocorreria.”
(ANTOINE, 2009, p.176).

Podemos entender melhor a intenção de Beuys na criação do múltiplo e do cartaz


“Não conseguiremos sem a rosa” e “Uma rosa pela Democracia Direta”. O ato de

www.cetiqt.senai.br/redige │15│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

dar a rosa à alguém transmite a intenção sugerida por Beuys, quando o artista diz
que a partir da rosa poderemos mudar algo: propagá-la ratificaria o pensamento do
artista. Essa ação incitaria ao pensamento e, nesse momento, estaríamos
esculpindo junto a ele. O cartaz indica o caminho, e o múltiplo transforma a sua
ideia em ação. É o multiplicar do múltiplo.

Logo, a escultura social não está preocupada com suas características puramente
estéticas, e sim com a forma poética com que um conteúdo será elaborado
coletivamente pelas pessoas:

Meus objetos têm sido estimulados para a transformação da ideia de


escultura ou da arte em geral. Eles devem provocar reflexões sobre o que
a escultura pode ser e sobre como o conceito de escultura pode ser
expandido para materiais invisíveis usados por todos. Como podemos
moldar nossos pensamentos ou, como podemos formar nossos
pensamentos em palavras ou, como nós moldamos e damos forma às
palavras nas quais nós vivemos: a escultura como um processo
evolucionário; todos como artistas. Isto porque a natureza da minha
escultura não é fixa e nem finita. O processo continua na maioria delas:
com reações químicas, fermentações, mudanças de cor, decadência,
ressecamento. Tudo em estado de mudança. (BEUYS apud PORTUGAL,
2006, p. 49).

Como podemos observar na citação acima, em Beuys tudo se encontra em estado


de mudança, até mesmo as suas obras palpáveis, por assim dizer. A
transformação das coisas e, mais especificamente, do homem é a obra de arte
mais importante, e ela pode ser feita através da escultura social. É a arte feita do
homem para o homem.

Apesar dessa transformação, podemos notar que a noção de escultura social do


artista está intimamente ligada à lógica do monumento que pautou as produções
escultóricas até o século XIX:

A categoria escultura, assim como qualquer outro tipo de convenção, tem


sua própria lógica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que
possam ser aplicadas a uma variedade de situações, não estão em si
próprias abertas a uma modificação extensa. Parece que a lógica da
escultura é inseparável da lógica do monumento. Graças a esta lógica,
uma escultura é uma representação comemorativa — se situa em
determinado local e fala de forma simbólica sobre o significado ou uso
deste local. (KRAUSS, 1984, p.131)

Dentro dessa lógica, percebemos como a escultura social faz uso de


características fundamentais à escultura – assim como as de monumento. Essa
www.cetiqt.senai.br/redige │16│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

escultura que é social (e que precisa da interação entre indivíduos) e que tem no
homem sua massa modeladora e seu escultor, se encontra representada no
próprio indivíduo que a constrói a partir do diálogo com o outro. Logo, este homem
possui, ao mesmo tempo, tanto o local a que esta escultura pertence quanto o seu
significado:

As esculturas funcionam portanto em relação à lógica de sua


representação e de seu papel como marco; daí serem normalmente
figurativas e verticais e seus pedestais importantes por fazerem a
mediação entre o local onde se situam e o signo que representam. Nada
existe de muito misterioso sobre esta lógica; compreendida e utilizada, foi
fonte de enorme produção escultórica durante séculos de arte ocidental.
(Id, Ibid, p.136)

Assim, a linguagem, para Beuys é o melhor meio de comunicação e o mais eficaz –


o melhor veículo para transmitir suas ideias, logo a sua arte. Podemos perceber
que, na arte de Beuys, ela se torna tão presente, pois sua arte investe no campo da
transformação social, o foco da sua obra é fazer o espectador sentir, pensar e
refletir.

Esse novo tipo de escultura é feito através da verbalização, do uso de


pensamentos, que, entretanto, só se “materializam” no momento que são divididos
com o outro, quando são passados adiante. Aí sim, a escultura social se
concretiza:

Meu caminho passava pela palavra; por mais que pareça estranho, não
provinha do chamado talento artístico. Quando percebi que a palavra seria
também uma via única, então decidi-me pela arte (...). A arte me levou ao
conceito de uma escultura que começa na palavra e no pensamento; que
aprende a construir ideias com a palavra, e a transferir, para as formas, o
sentir e o querer. Se o pensamento não falhar nessa tarefa, se prosseguir
inabalável, aparecerão as imagens que espelham o futuro. As ideias
tomarão forma. (BEUYS apud D´AVOSSA; In: FARKAS, 2010, p. 14).

A escultura social defende que todos somos artistas e que podemos desenvolver o
nosso potencial criativo. Entretanto, esse potencial criativo precisa ser
compartilhado. O artista (incluindo todos nós) não faz uma obra de arte sozinho;
faz-se necessária a colaboração do outro, a participação do espectador; é uma
maneira de todos serem colaboradores e coautores.

www.cetiqt.senai.br/redige │17│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

CONCLUSÃO

Para além de sua ocupação como artista, Joseph Beuys foi professor na faculdade
de Belas Artes de Dusseldorf. Dedicava-se totalmente a esta função, onde possuía
muito carisma entre os alunos. Suas aulas logo se tornaram polêmicas, pois
lecionava a maioria delas apenas palestrando do lado de fora da faculdade. Beuys
acreditava no puro poder da palavra, enquanto comunicadora de conceitos.

Para o artista, a sua função de professor ultrapassava os limites da sala de aula,


diferindo do mero ensino de técnicas do fazer artístico. Joseph Beuys era um
pedagogo, estava preocupado em mostrar o caminho para uma nova percepção da
vida humana, logo, para uma nova visão de arte. Uma arte preocupada com a
criatividade ampliada, renovadora e, principalmente, libertadora – não
simplesmente estática.

Enquanto professor, Beuys tinha uma vida pública diária. O seu


compromisso pedagógico é uma prova irrefutável da reflexão global que
fez constantemente sobre o presente e o futuro e o papel que pode caber
ao ser-aluno de resistir à aniquilação do humano – naquilo que nele é
capacidade criadora e potência para a autonomia – risco a que se
submete o indivíduo-aluno face aos valores dominantes da sociedade
burguesa. (GOMES apud BEUYS; GOMES, 2010, p.44)

Dessa maneira, os ensinamentos do professor seguiam seu curso e corroboravam


sua teoria. Como um pedagogo, um condutor – em referência aos Fond (BEUYS, op.
cit., loc. cit.), onde o material cobre é usado como o fio condutor de ideais –, Beuys
transmite ideias aos seus alunos, propaga o pólen rumo ao processo da mudança
pessoal e social.

A partir do estudo de duas obras de Joseph Beuys, “Não conseguiremos sem a rosa”
e “Uma rosa pela Democracia Direta” podemos perceber, através da análise dos
fatos históricos e míticos relacionados à vida do artista, como esses influenciaram a
sua poética. A arte de Beuys deve ser compreendida para além da mera exposição
do fazer artístico. O artista retira o espectador da pura contemplação e o recoloca no
papel de participantes pensantes de suas obras. Assim suprime a primazia do
individualismo no complexo coletivo social. Com o uso de materiais como a gordura,
sangue, alimentos, cobre e feltro que possuem o dever de transmitir tais conceitos,
(BORER, 2001, p.20) assim o nomeia como “o condutor de almas”.

www.cetiqt.senai.br/redige │18│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

Pelo exposto acima, observa-se, portanto, a relação entre arte e política e a


Escultura Social existentes na poética de Beuys. É possível notar que, apesar das
incertezas referentes à sua biografia, o que importa na obra deste artista é a sua
verdade artística, fundamentada no mito. A partir de sua figura, Beuys trabalha com
importantes elementos de seu passado, que, de uma forma não narrativa, possibilita
ao público inúmeras formas de leitura. Assim, verificamos que, ao explorar a força
individual desses elementos, ao descontextualizá-los, o artista trabalha com índices
e não símbolos. É possível notarmos essa operação em obras como o cartaz e o
múltiplo, onde a rosa – que pode ser lida como um forte símbolo da Social
Democracia – aparece como um índice, que sugere uma mudança na nossa maneira
de pensar e agir, seja no ato de darmos uma rosa a alguém ou ao contemplá-la.

Dessa forma, Beuys quer romper com as hierarquias dominantes das esferas sociais
e culturais. Segundo o artista, a humanidade se encontra corrompida e doente,
individualista e mesquinha; guerras e crises econômicas levaram a sociedade
moderna ao seu limite material e espiritual, sendo agora necessária uma mudança
radical. Desse modo:

Beuys perturba o mundo da arte e dos seus poderes (e da estabilidade


desses poderes) assumindo o papel do dissidente, não só contra a
linguagem da arte, mas contra a linguagem do poder, e ainda mais
inusitadamente contra o exercício desses poderes, transcendendo a crítica
hermenêutica da política de arte para fundar uma prática crítica de arte
política. (GOMES apud BEUYS; GOMES, 2010, p.42)

Isto faz pensar que, para uma mudança acontecer, é necessária uma mudança de
postura, uma nova forma de nos colocarmos no mundo em que vivemos. Todavia,
é preciso se libertar dos antigos padrões e isto é uma forma de se fazer arte e
principalmente uma maneira de se fazer política. É preciso injetar nosso capital de
criatividade, rumo à liberdade de escolhas e pensamento.

Quando Beuys falava sobre arte (‘de momento, eu já não pertenço à arte’)
falava sobre a sociedade e o ser humano. Nesse sentido predispõe-se ao
campo político, à ação na polis, porque acredita que o objeto da política é
a liberdade. (GOMES apud BEUYS, 2010, p.42).

Sendo assim, ao pensar a coletividade da ação artística, esta se torna política. Esta
relação entre arte e política está colocada na obra de Beuys no sentido defendido
por Jacques Rancière, como forma operativa, e não por seu conteúdo:

www.cetiqt.senai.br/redige │19│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

[...] a arte não é política antes de tudo pelas mensagens que ela transmite
nem pela maneira como representa as estruturas sociais, os conflitos
políticos ou as identidades sociais, étnicas ou sexuais. Ela é política antes
de mais nada pela maneira como configura um sensorium
espaço temporal que determina maneiras do estar junto ou separado, fora
ou dentro, face a ou no meio de... Ela é política enquanto recorta um
determinado espaço ou um determinado tempo, enquanto os objetos com
os quais ela povoa este espaço ou o ritmo que ela confere a esse tempo
determinam uma forma de experiência específica, em conformidade ou em
ruptura com outras: uma forma específica de visibilidade, uma modificação
das relações entre formas sensíveis e regimes de significação,
velocidades específicas, mas também e antes de mais nada formas de
reunião ou de solidão. (RANCIÉRE, 2010, p. 45)

Dessa maneira, a escultura social ocorre no âmbito individual, mas depende da


interação com o outro. Em várias palestras, Beuys indica: esta troca é a escultura
social. Logo, é educação e também política. Ele não comunica só conteúdos e
também não resulta numa formação isolada. Para Beuys, é muito importante essa
ação coletiva, esse crescimento conjunto. O que importa ao artista é que a sua arte
levante discussões, promova questionamentos, provoque estranhamento em seu
público. O que importa ao artista é o Homem – como espécie – modelado através
da arte. No entanto, este Homem deve ser esculpido socialmente por meio do
pensamento livre de cada indivíduo.

REFERÊNCIAS:
ANTOINE, Jean-Philippe. "Eu não trabalho com símbolos." Joseph Beuys, A
experiência e a construção da lembrança. In: Arte & Ensaios. Rio de Janeiro:
Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - EBA /UFRJ, ano XVII,
n. 19, p. 168-181, 2009.

ARGAN, Giulio. Arte Moderna. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

BARNEY, Matthew; DANTO, Arthur C. A Dialogue on Blood & Iron: Matthew


Barney and Arthur C. Danto on Joseph Beuys. In: Modern Painters. Nova York:
Setembro, 2006.

BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1984.

BEUYS, Joseph; GOMES, Júlio de Carmo (trad) Cada Homem um Artista. Porto: 7
Nós, 2010.

BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo: Cosac & Naif, 2001.

www.cetiqt.senai.br/redige │20│
Camila Reis; Paloma Santos; Manoel Friques. REDIGE v. 4 (Edição Especial), jul. 2013.
______________________________________________________________________________

BUCHLOH, Benjamim. Beuys: The Twilight of the Idol. In: Gene Ray (ed.) Joseph
Beuys, Mapping the Legacy. Nova York: D.A.P, 2001.

FARKAS, Solange Oliveira. Joseph Beuys: A Revolução Somos Nós. Catálogo de


exposição. São Paulo: Sesc Pompeia, 2010 .

HOHLFELDT, Marion. Sub specie ludi Função e estrutura de uma "arte lúdica". In:
Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais – EBA/ UFRJ, ano XI, n. 11, p. 81-89, 2004.

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. In: Gávea. Rio de Janeiro:


Revista semestral do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no
Brasil - PUC-RJ, n. 1, 1984.

PORTUGAL, Ana Catarina Marques da Cunha Martins. O pensamento de Joseph


Beuys e seus aspectos rituais em ação. 2006. 111 f. Dissertação de Mestrado,
Departamento de História. Rio de Janeiro: PUC-RIO, Rio de Janeiro, 2006.

RANCIÉRE, Jacques. Política da Arte. In: Urdimento. Florianópolis: Revista de


Estudos em Artes Cênicas do Programa de Pós-Graduação em Teatro – CEART/
UDESC, vol.1, n.15, p. 45-59, 2010.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Currículo Resumido do(s) Autor(es)

Camila Nogueira Barbosa Alves dos Reis


Estudante de pós-graduação Lato Sensu em Museologia, Colecionismo e
Curadoria do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Possui
bacharelado em Artes – Figurino e Indumentária pelo SENAI CETIQT.
Email: camila.nbareis@gmail.com

Paloma Carvalho Santos


Mestre e doutora em História Social da Cultura pela PUC - Rio de Janeiro
Linha de pesquisa: História da Arte. Bacharel em Comunicação Social pela
UFRJ. Professora dos Cursos de Artes das Faculdades Senai Cetiqt
desde 2008, e do curso de Cinema da Universidade Gama Filho de 2000 a
2008. Assistente de câmera e diretora de fotografia.
Email: palomacarvalho@yahoo.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4150417300695515

Manoel Silvestre Friques


Manoel Silvestre Friques é editor de conteúdo do TEMPO-FESTIVAL das
Artes (TEMPO-CONTÍNUO/site), Mestre em Teatro pela UNIRIO e
professor dos cursos de graduação Design de Moda e Artes – Figurino &
Indumentária no SENAI Cetiqt. Engenheiro de Produção (UFRJ) e Teórico
do Teatro (UNIRIO), atualmente é doutorando em História Social da
Cultura pela PUC-Rio.
Email: manoel.friques@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6977735142712423

www.cetiqt.senai.br/redige │21│

View publication stats

Você também pode gostar