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CURSO STORYTELLING

HISTÓRIAS PRA CONTAR

MARIA HELENA ALVIM – OFICINA VIVA

RESUMO DA AULA

AULA 7 – ESTRUTURAS MÍTICAS


QUAL É A SUA AVENTURA?
UMA HISTÓRIA PRA COMEÇAR

Quando ainda estava na faculdade, no final dos anos 90, fiz um


curso de teatro e mitologia na Oficina Três Rios em São Paulo. Esse
curso tinha uma lista com mais de 30 títulos relacionados à
mitologia e ao estudo da psicologia junguiana. Eu não conhecia
nada daquilo, mas aquilo para mim, essa lista foi um “chamado à
aventura”. O que aprendi (e venho aprendendo) com eles,
principalmente no que diz respeito à construção de histórias, é o
assunto desta aula.

Histórias que se repetem em diversas civilizações


Alguns contos populares se repetem em diversas culturas ao longo
dos séculos, mesmo entre povos que não tiveram contato entre si.
É o caso da Cinderela, que se repete ao longo da história, em
diversas versões.
Yeh Xian ("YuyangTsatu”) China - 860 A.C.
Era uma vez uma menina chamada Ye Xian, que viveu durante a dinastia Tang
na China. O pai dela tinha duas esposas e duas filhas, uma de cada esposa. A
mãe de Ye Xian morreu, e logo depois o pai. A madrasta a maltratava,
demonstrando preferência pela própria filha.
Ye Xian era uma ceramista de talento e passava todo o tempo no torno,
aperfeiçoando seu dom. As pessoas vinham de longe para comprar seus
potes. Seu único amigo era um peixe dourado que ela adorava. A madrasta
ficou com ciúme, pegou o peixe, comeu e botou as espinhas debaixo de um
monte de esterco. Ye Xian encontrou as espinhas e escondeu em seu quarto.
As espinhas de peixe lançavam raios mágicos que atribuíam um brilho especial
a seus potes.
Houve uma grande festa, mas a madrasta proibiu Ye Xian de participar.
Quando a madrasta e a irmã saíram, Ye Xian se vestiu com um belo manto de
penas de martim-pescador e um par de sapatos dourados que eram leves e
elegantes.
Na festa, ela conversou brevemente com o nobre senhor guerreiro local, que
ficou muito impressionado com sua beleza. A madrasta a reconheceu e a
perseguiu. Ye Xian correu para casa, mas perdeu um dos sapatos, que foi
encontrado pelo nobre guerreiro. Ele ordenou que todas as moças de seu
reino o experimentassem, mas o sapato era muito pequeno. O sapateiro que
fizera os sapatos apresentou-se e contou ao nobre senhor guerreiro que
pertenciam a Ye Xian, que havia trocado um de seus potes pelos sapatos
dourados. Com seu próprio talento e esforço, Ye Xian havia comprado os
sapatos que acabaram levando ao seu casamento com o nobre senhor
guerreiro. Os dois viveram felizes para sempre.
(Fonte: livro “A cinderela chinesa”, de Adeline Yen Mah)
La Gatta Cenerentola (1697) Charles Perrault
A história tradicional de Cinderela, como a conhecemos e como aparece no
filme da Disney, com a menina órfã de pai e mãe, criada pela madrasta do
segundo casamento do pai. Criada como serviçal da família, ela vive suja de
cinzas (“cinder” em inglês, “cenere” em italiano) e colocada em posição
inferior em relação às irmãs, filhas da madrasta. O Príncipe dá um grande baile
mas Cinderela não pode ir. Nem teria roupas adequadas. Mas uma fada
madrinha à ajuda, dando-lhe vestidos e sapatos perfeitos, além de uma linda
carruagem para que possa ir ao baile e ser bem recebida por lá. O Príncipe se
encanta por Cinderela mas ela deixa o baile às pressas: à meia-noite a magia
da sua transformação termina. Na fuga, ela deixa um dos sapatinhos de cristal
que usou aquela noite. O Príncipe vai atrás da dona do sapatinho e acaba
encontrando Cinderela, a única capaz de calçar perfeitamente o sapatinho,
para ódio das irmãs e da madrasta. É assim que se torna princesa, casando
com o Príncipe.
Uma Linda Mulher (1990)
[SPOILERS: Se não viu o filme, pule essa parte. 😊
%]
$
#
"

“Edward Lewis, um empresário da alta sociedade, é largado por sua namorada


durante um telefonema desagradável, no qual ele pediu que ela o
acompanhasse durante sua viagem de negócios. Edward é um invasor
corporativo de Nova York, que compra empresas que estão com problemas
financeiros, as divide em partes para vendê-las separadamente. Ao deixar uma
festa de negócios em Hollywood Hills, ele pega o carro esportivo Lotus Esprit
de seu advogado e, acidentalmente, acaba na Hollywood Boulevard, em plena
zona de meretrício da cidade, onde ele encontra a prostituta Vivian Ward.
Como ele está tendo dificuldades para dirigir o carro, ela entra e o guia para o
Beverly Wilshire Hotel, onde ele está hospedado. Fica claro, durante a viagem,
que Vivian sabe mais sobre a Lotus do que Edward, e ele para no meio do
caminho para passar o volante do veículo para ela dirigir. Vivian cobra Lewis
vinte dólares pelo passeio e eles se despedem; ela vai a um ponto de ônibus,
onde ele a encontra posteriormente e se oferece para contratá-la durante a
noite; no dia seguinte, ele pede a Vivian para fazer o papel que sua namorada
recusou, oferecendo três mil dólares para ficar com ele pelos próximos seis
dias, além de pagar por vestimentas e mais aceitáveis perante à sociedade
para ela usar. Naquela noite, indo para um jantar de negócios, ele fica
visivelmente comovido com a transformação nela provocada pelo gerente do
hotel, que a ajuda a comprar roupas novas. Edward começa a ver Vivian uma
pessoa amigável, passando a se aproximar cada vez mais dela e revelando sua
vida pessoal e empresarial.

Edward leva Vivian para um jogo de polo na esperança de encontrar


networking para seu negócio. Seu advogado, Phillip, suspeita que Vivian é
uma espiã corporativa e Edward diz a ele como eles realmente se conheceram.
Phillip mais tarde se aproxima de Vivian, sugerindo que eles "façam negócios"
depois que o trabalho dela com Edward terminar. Insultada e furiosa por
Edward ter revelado seu segredo, Vivian quer terminar o acordo; Edward se
desculpa e admite ter tido ciúmes dela ao avistá-la conversando com um sócio
de negócios - que ela o conheceu no jantar da noite anterior - a quem Vivian
prestou atenção na partida de polo. A personalidade direta de Vivian está
passando por Edward, e ele se vê agindo de maneiras desacostumadas.
Claramente envolvido emocionalmente com a moça, Edward leva Vivian em
um jato particular para ver uma encenação de La Traviata na Ópera de São
Francisco; durante a peça, Vivian é levada às lágrimas pela história da
prostituta que se apaixona por um homem rico. Ela quebra sua regra de "não
beijar na boca" e eles fazem sexo; no crepúsculo, acreditando que Edward
está dormindo, Vivian cochicha para si mesma dizendo que o ama, e quando
ela adormece, Edward abre os olhos. Edward se oferece para colocá-la em um
apartamento para que ela possa sair das ruas; entristecida, ela se recusa, diz
que este não é o "conto de fadas" que ela sonhava quando criança, no qual
um cavaleiro em um cavalo branco a resgatava.

Encontrando-se com o magnata cuja sua empresa de construção naval está no


processo de invasão, Edward muda de ideia. Seu tempo com Vivian mostrou a
ele uma maneira diferente de encarar a vida, e ele sugere trabalhar juntos para
salvar a empresa em vez de dissolvê-la e vendê-la em partes, como Edward
sempre fez. Phillip, furioso por perder tanto dinheiro, vai até o hotel para
confrontar Edward, mas encontra apenas Vivian; culpando-a pela mudança em
Edward, ele tenta estuprá-la. Edward chega, luta contra Philip, dá um soco no
rosto e o expulsa do quarto.

Com seus negócios em Los Angeles completos, Edward pede a Vivian para
ficar mais uma noite com ele, mas porque ela quer, não porque ele está
pagando a ela; ela, porém, se recusa. Edward repensa sua vida, e quando ele
está indo para o aeroporto para voltar a Nova York, ele pede ao motorista do
hotel para levá-lo ao prédio onde Vivian mora. Ao chegar lá, Edward pula do
teto solar da limusine branca e a "resgata", superando sua medo extremo de
alturas para subir a sua escada de incêndio em direção à ela, que está o
avistando da janela. Quando finalmente fica frente à frente com ela, Edward
pergunta: "Então, o que foi que aconteceu depois que ele subiu na torre e a
salvou?" a qual Vivian responde: "Ela o salvou também"; os dois se beijam.”

Enredo do filme, encontrado em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pretty_Woman


Interpretação possível
Psicanalistas consideram que, na história de Cinderela, há muito
mais do que uma simples trama romântica. Por ter origem
atemporal e ter surgido em várias civilizações diferentes, a trajetória
da protagonista traduziria uma espécie de arquétipo fundamental,
traduzindo o anseio natural da psiquê humana em ser reconhecida
de forma especial e levada a uma existência superior.

Inconsciente coletivo - O sonho do mundo


Inconsciente Coletivo, segundo o conceito de psicologia analítica
criado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, é a camada mais
profunda da psiquê. Ele é constituído pelos materiais que foram
herdados, e é nele que residem imagens modelo, que seriam
comuns a todos os seres humanos.

Arquétipos – Modelos de comportamento


humano
Na psicologia analítica, é um conceito criado por Jung para se
referir a conjuntos de imagens fixas, “personagens conhecidos”
que dão sentido a um determinado modo de agir, sentir e pensar.

Agem como estruturas comuns a todos os seres humanos, e


tendem a servir de modelo inconsciente para o comportamento
humano. Seria por isso que “personagens conhecidos” das nossas
culturas tendem a se comportar de modo parecido, porque estão
sob influência psicológica do arquétipo. Por exemplo, o modo
como as mães tendem a ser comportar, ou o modo como os bobos
da corte são.

Os modelos não são fixos nem únicos. Uma só pessoa pode


“ativar” vários arquétipos ao mesmo tempo, da mesma forma
como alguns períodos da vida ou situações particulares também o
fazem. Por exemplo, o nascimento de uma filha, pode ativar os
arquétipos de Deméter e Perséfone como veremos a seguir.
ALGUNS ARQUÉTIPOS

A Mãe e a Filha - Deméter e Perséfone


“Deméter, deusa dos campos dourados, que trabalhava incessantemente junto
aos homens, ensinando-lhes o plantio e a colheita de trigo, tinha uma filha
chamada Perséfone, uma jovem virgem adolescente com os cabelos dourados
como os raios de Sol. Sua mãe, Deméter, a incumbia de colher ramos de trigo
em um campo separado dos outros, preservando-a do contato com os
homens. No mundo subterrâneo habitava um deus chamado Hades, senhor do
mundo subterrâneo. Em uma de suas passagens pela superfície, Hades avistou
Perséfone nos campos de trigo e se apaixonou imensamente por ela. Indo em
sua direção, agarrou-a pelos cabelos e a colocou em sua carruagem negra
puxada por cavalos negros que soltavam chamas verdes das ventas. A terra se
abriu num terremoto e Hades raptou Perséfone, levando-a ao seu reino nas
profundezas.
Quando isso acontece, Deméter ficou desesperada. Saiu como louca pelo
mundo afora sem comer e nem descansar. Decidiu não voltar para
o Olimpo enquanto sua filha não lhe fosse devolvida, e culpando a terra pelo
acontecido:
– Ingrato solo, que tornei fértil e cobri de ervas e grãos nutritivos, não mais
gozará de meus favores!
Durante o tempo em que Deméter ficou fora do Olimpo a terra tornou-se
estéril, o gado morreu, o arado quebrou, os grãos não germinaram. Sem
comida a população sofria de fome e doenças. A fonte Aretusa então contou
que a terra abriu-se de má vontade, obedecendo às ordens de Hades e que
Perséfone estava no Érebo, triste mas com pose de rainha, como esposa do
monarca do mundo dos mortos.
Com a situação caótica em que estava a terra estéril, Zeus pediu a Hades que
devolvesse Perséfone. Ele concordou, porém com uma condição: “que não
tivesse comido nada no mundo inferior”. Perséfone confessa ter comido um
bago de romã e assim estava presa para sempre aos Ínferos: quem comesse
qualquer alimento nessa região ficava obrigado a retornar.
Com isso, ficou estabelecido que Perséfone passaria um período do ano com a
mãe, e outro com Hades. O primeiro período corresponde à primavera, em
que os grãos brotam, saindo da terra assim como Perséfone. Neste período
Perséfone é chamada Core, a moça. O segundo é o da semeadura de outono,
quando os grãos são enterrados, da mesma forma que Perséfone volta a ser
Rainha do submundo no reino do seu marido. E isso prossegue pelo inverno,
período em que Perséfone está mais distante da mãe e, por isso, Deméter se
recusa a trazer a vida para a terra. Sua disposição volta apenas quando, na
primavera, Perséfone retorna e passa duas estações com a mãe.”

Elementos dessa história se repetem em quase todas as relações


de mães com filhas, em especial quando são muito ligadas às mães
e se casam. Há como que uma disputa (velada ou não) entre mãe e
marido e uma felicidade da mãe que só se realiza quando a filha
está novamente próxima dela. Na filha, esse modelo arquetípico
gera o “jogo duplo”. Não querendo desagradar nem mãe, nem
marido, a filha tende a mentir, a não se impor, e a moldar-se hora
ao desejo de um, hora ao desejo de outro, prejudicando o
desenvolvimento de ideias e personalidade próprias. É, como a
mãe, um personagem dependente, que precisa de outra pessoa
para existir.

O Curador Ferido – Quíron


“Na mitologia grega, Quíron era um centauro imortal, que foi abandonado
após seu nascimento e adotado por Apolo e Atena. Quíron era considerado
um centauro superior, por ser bondoso, civilizado e inteligente, além de ter
habilidades com a medicina.
Certa vez, seu amigo Hércules, ao vencer e matar a Hidra de Lerna, feriu
acidentalmente Quíron na coxa com uma das flechas. Ainda que imortal,
Quíron não conseguia curar a si mesmo e assim, ficou condenado a viver em
sofrimento, após reconhecer que também era vulnerável.
Quíron, então, passou a compreender a dor do outro por meio de sua própria
dor, entendendo e tendo compaixão com o sofrimento do outro por conta de
seu próprio.”1

O arquétipo de Quíron está ativo em muitas pessoas que escolhem


profissões de cura e assistência. A consciência da dor gerada pelos
ferimentos faz com que elas se interessem pelo sofrimento do
outro. Na impossibilidade de curar por completo suas feridas, elas
se dedicam a curar outras pessoas, como forma de aliviar a própria
dor.

1https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/horoscopo/o-que-e-quiron-na-astrologia-entenda-sua-
influencia,c8e748d503d750ed9086898f8c821b95hmknc6q4.html
O Monstro Príncipe - A Fera
“O conto "A Bela e a Fera"2 relata a história da filha mais nova de um rico
mercador, que tinha três filhas, porém, enquanto as filhas mais velhas
gostavam de ostentar luxo, de festas e lindos vestidos, a mais nova, que todos
chamavam de Bela, era humilde, gentil, e generosa, gostava de leitura e
tratava bem as pessoas.
Um dia, o mercador perdeu toda a sua fortuna, com exceção de uma pequena
casa distante da cidade. Bela aceitou a situação com dignidade, mas as duas
filhas mais velhas não se conformavam em perder a fortuna e os admiradores,
e descontavam suas frustrações sobre Bela, que humildemente não reclamava
e ajudava seu pai como podia.
Um dia, o mercador recebeu notícias de bons negócios na cidade, e resolveu
partir. As duas filhas mais velhas, esperançosas em enriquecer novamente,
encomendaram-lhe vestidos e futilidades, mas Bela, preocupada com o pai,
pediu apenas que ele lhe trouxesse uma rosa.
Quando o mercador voltava para casa, foi surpreendido por uma tempestade,
e se abrigou em um castelo que avistou no caminho. O castelo era mágico, e o
mercador pôde se alimentar e dormir confortavelmente, pois tudo o que
precisava lhe era servido como por encanto.
Ao partir, pela manhã, avistou um jardim de rosas e, lembrando do pedido de
Bela, colheu uma delas para levar consigo. Foi surpreendido, porém, pelo
dono, uma Fera pavorosa, que lhe impôs uma condição para viver: deveria
trazer uma de suas filhas para se oferecer em seu lugar.
Ao chegar em casa, Bela, mediante a situação resolveu se oferecer para a Fera,
imaginando que ela a devoraria. Ao invés de a devorar, a Fera foi se
mostrando aos poucos como um ser sensível e amável, fazendo todas as suas
vontades e tratando-a como uma princesa. Apesar de achá-lo feio e pouco
inteligente, Bela se apegou ao monstro que, sensibilizado a pedia
constantemente em casamento, pedido que Bela gentilmente recusava.
Um dia, Bela pediu que Fera a deixasse visitar sua família, pedido que a Fera,
muito a contragosto, concedeu, com a promessa de Bela retornar em uma
semana. O monstro combinou com Bela que, para voltar, bastaria colocar seu
anel sobre a mesa, e magicamente retornaria.
Bela visitou alegremente sua família, mas as irmãs, ao vê-la feliz, rica e bem
vestida, sentiram inveja, e a envolveram para que sua visita fosse se
prolongando, na intenção de Fera ficar aborrecida com sua irmã e devorá-la.
Bela foi prorrogando sua volta até ter um sonho em que via Fera morrendo.
Arrependida, colocou o anel sobre a mesa e voltou imediatamente, mas

2
BEAUMONT, Jeanne-Marie Le Prince de. Beauty and the Beast. In: A Bela e a Fera de Beaumont
encontrou Fera morrendo no jardim, pois ela não se alimentara mais, temendo
que Bela não retornasse.
Bela compreendeu que amava a Fera, que não podia mais viver sem ela, e
confessou ao monstro sua resolução de aceitar o pedido de casamento. Mal
pronunciou essas palavras, a Fera se transformou num lindo príncipe, pois seu
amor colocara fim ao encanto que o condenara a viver sob a forma de uma
fera até que uma donzela aceitasse se casar com ele. O príncipe casou com
Bela e foram felizes para sempre.”

Para Jean Gold3, o conto da Bela e Fera fala sobre a dificuldade


que as mulheres têm em aceitar as partes do homem que mais
lembram a sua natureza animal: seus muitos pelos, seu cheiro forte,
sua força física, seu desejo sexual. O conto sugere que o caminho
de encontro entre o lado animal do homem e o lado doce da
mulher é o intelecto, onde os gostos em comum podem construir
uma ponte entre dois mundos.

O TEMA NA PRÁTICA

A Jornada do Herói

“A Jornada do Herói é uma estrutura para contar histórias que


nasceu com Joseph Campbell, na obra O Herói de Mil Faces.
Depois foi adaptada por Christopher Vogler, na obra A Jornada do
Escritor, para chegar nas 12 etapas hoje conhecidas como a
Jornada do Herói.

As 12 etapas da Jornada do Herói são: o mundo comum; o


chamado à aventura; recusa do chamado; encontro com o mentor;
a travessia do primeiro limiar; provas, aliados e inimigos;
aproximação da caverna secreta; a provação; a recompensa; o
caminho de volta; a ressurreição; e o retorno com o elixir.

3
GOULD, Jean – “Fiando palha, tecendo ouro – O que os contos de fadas revelam sobre as
transformações na vida da mulher”, Editora Roco, 1ª. Edição, 2007.
Ela nasceu a partir de uma análise mais aprofundada feita por
Joseph Campbell, em seu livro O Herói das Mil Faces.

Embora sua opção acadêmica tenha sido por assuntos relacionados


à Biologia e Matemática, Joseph John Campbell foi um
pesquisador com uma atração irresistível pela construção dos
mitos, por religião e psicologia: importantes ingredientes na
composição de uma história.

Ao longo da obra, ele analisa diversas histórias e encontra nelas


uma espécie de técnica comum às lendas, mitos e fábulas antigas
— o personagem passa por transformações sequenciais até se
tornar um herói.

A análise original continha 17 etapas no total e, posteriormente, foi


adaptada por Christopher Vogler, em sua obra A Jornada do
Escritor, e condensada em 12 etapas para conduzir ao sucesso na
construção de uma história.”4

4
https://comunidade.rockcontent.com/jornada-do-heroi/
1. O mundo comum
É a ambientação inicial, que mostra quem é o personagem, como e
onde ele vive, com quem se relaciona e como sua vida poderia ser
monótona e bem parecida com a vida de qualquer outra pessoa
comum.

Aqui, a natureza do personagem é exibida, assim como suas


qualidades e defeitos, forças e fraquezas, e demais detalhes
capazes de fazer com que o público encontre pontos de
identificação com ele.

2. O chamado à aventura
A aventura começa quando o personagem se depara com o
conflito, com o chamado para uma missão que o tira do seu
mundinho comum, da sua zona de conforto. Não necessariamente
precisa ser algo dramático como a morte — basta que seja um
desafio que o obrigue a experimentar coisas novas.
Esse desafio está relacionado a coisas importantes para ele, como a
manutenção da sua própria segurança ou da sua família, a
preservação da comunidade onde vive, o destino da sua vida, ou
qualquer outra coisa que ele queira muito conquistar ou manter.

3. Recusa do chamado
Diante de um grande desafio, é natural que surjam os medos,
hesitações e muitos conflitos interiores. Por isso, em um primeiro
momento, o personagem recusa o chamado que recebeu e tenta
convencer a si mesmo de que não se importa com aquilo.

Mesmo que surja algum tipo de ansiedade para realizar a missão


que recebeu, ele compara a segurança e conforto do seu lar com
os caminhos tortuosos que poderá encontrar à sua frente e,
consequentemente, prefere se manter onde está. Porém, o conflito
não deixa de incomodá-lo.

4. Encontro com o mentor


Diante do impasse em que se encontra, o nosso herói precisa de
um empurrãozinho. É chegada a hora de ele encontrar seu mentor,
que dará a ele o que for necessário para que ele enfrente o desafio
que foi proposto.

Nesse ponto, é possível incluir até mesmo algum tipo de força


sobrenatural, que dá ao personagem um objeto, um treinamento,
conselhos, poderes ou qualquer outra coisa que faça com que ele
encontre a autoconfiança necessária para resolver o seu conflito e
aceitar o desafio.

5. A travessia do primeiro limiar


Finalmente, chegou o momento em que o nosso herói está pronto
para cruzar o limite entre o mundo que ele conhece e com o qual
está acostumado e o mundo novo para o qual ele deve ir.

Esse mundo não precisa ser um local físico, de fato, e sim algo
desconhecido pelo personagem. Pode ser, por exemplo, a
descoberta de um segredo, a aquisição de uma nova habilidade,
ou até mesmo a mudança de lugar propriamente dita.

6. Provas, aliados e inimigos


Agora que o herói colocou o pé na estrada rumo ao seu objetivo
maior, ele começa a se deparar com diversos desafios menores,
contratempos e obstáculos que, gradativamente, vão testando suas
habilidades e deixando-o mais preparado para as maiores
provações que ainda estão por vir.

Aqui, é mostrada uma visão mais profunda do personagem e sua


capacidade de descobrir quem são as pessoas com quem pode
contar e quem são as que desejam prejudicar sua jornada, ou seja,
seus aliados e inimigos. Nesse ponto, a identificação com o público
se torna ainda maior.

7. Aproximação da caverna secreta


Sabe o recuo do mar antes do Tsunami? É nesse ponto que chegou
o nosso herói. Aqui, ele faz uma espécie de pausa, se recolhe em
um esconderijo — interior ou não — e retorna aos seus
questionamentos iniciais e ao enfrentamento dos medos que o
impediam de iniciar sua jornada.

Quando não há o conflito interior, ainda assim, essa pausa é


necessária para mostrar ao público a magnitude do desafio que
está por vir e, então, esse recuo é utilizado para que o nosso herói
se prepare melhor para ele.

8. A provação
A provação é uma espécie de morte pela qual o nosso herói
precisa passar para cumprir o seu destino. Para isso, ele passará por
um teste físico de extrema dificuldade, enfrentará um inimigo letal
ou passará por um conflito interior mortal.

Seja qual for a prova, para que ele seja capaz de enfrentá-la,
precisará reunir todos os conhecimentos e experiências adquiridos
durante a sua jornada até aquele momento. Essa provação tem um
significado de transformação e, por isso, é comparada com a morte
e ressurreição para uma nova vida.

9. A recompensa
Depois que o nosso herói já passou por diversos desafios, como
derrotar o inimigo e sobreviver à morte, ele merece uma
recompensa, você não acha?

Essa recompensa simboliza a sua transformação em uma pessoa


mais forte e pode ser representada por um objeto de grande valor,
a reconciliação com alguém querido, um novo conhecimento ou
habilidade, um tesouro ou o que mais a imaginação do autor
permitir.

Metaforicamente, essa conquista é representada pela força do


nosso herói para arrancar a espada da vitória enterrada em uma
pedra. Mas vale lembrar: ele não deve se demorar muito em suas
comemorações, pois sua jornada ainda não chegou ao fim. Ele
precisa voltar para o ponto de onde veio como um vitorioso.

10. O caminho de volta


O caminho de volta para casa não oferece tantos perigos, mas sim
um momento de reflexão, em que o nosso herói poderá ser
exposto à necessidade de uma escolha entre a realização de um
objetivo pessoal ou um bem coletivo maior.

De qualquer modo, a sensação de perigo iminente é substituída


pelo sentimento de missão cumprida, de absolvição e de perdão,
ou aceitação e reconhecimento pelos demais.

11. A ressurreição
Aqui é o ponto mais alto da história. É aquela última batalha em
que o inimigo ressurge quando mais ninguém esperava por isso,
nem mesmo o nosso herói. Esse desafio é algo que vai muito além
da vida dele, representando perigo para as pessoas à sua volta, sua
comunidade, família, enfim, seu mundo comum. Se ele perder,
todos sofrem.

É nesse ponto que ele destrói o inimigo definitivamente — ou não


— e pode, de fato, renascer para uma nova vida, totalmente
transformada para todos.

12. O retorno com o elixir


Chegou o momento do reconhecimento efetivo do nosso herói. A
chegada ao seu local de origem simboliza o seu sucesso, conquista
e mudança. Aqueles que nunca acreditaram nele ou mesmo os que
tentaram prejudicá-lo serão punidos, além de ficar muito claro para
todos que as coisas nunca mais serão as mesmas por ali.

Como você pode ver, a Jornada do Herói é o “caminho das


pedras”, que nos foi deixado por Campbell, para o sucesso de uma
escrita capaz de prender a atenção de quem nos lê. 5A técnica
pode ser aplicada até mesmo em textos comerciais, tornando-os
muito mais interessantes e menos cansativos.

55
https://comunidade.rockcontent.com/jornada-do-heroi/
A Jornada do Herói em 3 atos
A Jornada da Heroína

O que é a JORNADA DA HEROÍNA?


A Jornada do Herói descrita por Joseph Campbell foi criada sem
levar em conta o gênero do protagonista. Por isso, muitas histórias
protagonizadas por mulheres se encaixam com facilidade no
modelo de Joseph.

Entretanto, ao analisar mais a fundo, Maureen Murdock, uma aluna


de Campbell, percebeu como a estrutura do professor falhava ao
não levar em consideração uma jornada muito mais específica: a
busca psicológica e espiritual da mulher contemporânea.

É importante dizer que a autora acredita que aspectos culturais e


sociais criam diferenças psicológicas entre os gêneros e mudam a
maneira como homens e mulheres reagem diante de conflitos.
E assim surgiu, em 1990, o livro “A Jornada da Heroína”, que não
renega o modelo de Campbell, mas propõe um modelo paralelo
ao dele, que leva em conta as necessidades, dilemas e angústias da
mulher arquetípica contemporânea e do feminino na alma
masculina.

1) Troca do feminino pelo masculino


As etapas desse mito descrevem a história de uma protagonista
que começa tentando se desvencilhar dos valores femininos na
intenção de buscar aprovação e reconhecimento num contexto
fundamentalmente patriarcal.

2) A estrada das provações


Seguindo valores e comportamentos tipicamente masculinos, a
heroína passa por uma estrada de provações, na tentativa de se
mostrar capaz, “mesmo sendo uma mulher”.

3) A ilusão do sucesso
Continuando pela sua estrada, a heroína acaba por encontrar o
sucesso. Ela recebe os mesmos prêmios e honrarias que os
homens. Se “iguala”, ao mesmo tempo em que se afasta da sua
identidade feminina.

4) A descida
Vencendo, ela percebe que a vitória é vazia para ela. Falta alguma
coisa. É como se, para vencer no modelo masculino, tivesse
esquecido quem ela é de verdade. Tivesse perdido partes
importantes de si mesma. E então passa por um período de
conflito que culmina em uma morte simbólica.

5) Encontro com a deusa


Buscando a própria identidade, ela vai atrás de aspectos do
feminino que tinham ficado em segundo plano, ou até mesmo
tinham sido negados, na tentativa de “vencer como um homem”. É
nesse momento que encontra com a “deusa”, algum símbolo de
grande feminilidade que serve como consolo e orientação nesse
momento.

6) Reconciliação com o feminino


Depois o encontro com a deusa, a heroína retoma o contato com
seus aspectos femininos perdidos. Pode ser a maternidade, a
culinária, o artesanato, a colaboração com outras pessoas
(principalmente mulheres e pessoas mais frágeis), reincorporando o
gosto e o sentido desses elementos perdidos de si mesma.

7) (Re) incorporação do masculino


Tendo vivido os dois lados da vida, o masculino e o feminino, a
heroína agora pode voltar sua atenção, novamente, para o
masculino. Agora tendo também a relação com o masculino à
disposição.

8) A união
Por fim, ela renasce, somando as forças dos dois lados.
Simbolicamente, seria o momento da união com um homem, onde
as forças masculinas e femininas estão equilibradas e trocam uma
com a outra, de maneira fértil, simbolicamente ou fisicamente
falando.
6

LEMBRANDO QUE:
• A Jornada do Herói não serve só para os personagens
masculinos. Homens e mulheres vivem esse modelo sempre
em que são chamados à uma aventura de conquista externa,
para si mesmo ou para a comunidade.
Por exemplo: a Bela, de A Bela e a Fera, é corajosa ao se oferecer
em sacrifício para salvar a vida do pai. Passando por uma série de
provas, ela chega ao coração da Fera, vendo além da aparência.
Tem que enfrentar a própria cidade, mostrando que a Fera não é
quem parece. E alcança a transformação mágica da Fera em

6
https://www.ezoom.com.br/blog/trend/precisamos-falar-sobre-a-jornada-da-heroina
Príncipe ao demonstrar amor verdadeiro por ele. É uma jornada
externa de conquistas, baseada em sua coragem de enfrentar os
desafios.

• A Jornada da Heroína não serve só para personagens


femininos. Ela pode estar presente, por exemplo, na busca
espiritual do homem. No entrar em contato com aspectos da
alma e do sentimento que ficam adormecidos no chamado a
ser e se comportar como um homem.
Por exemplo: o Papa Francisco, na minissérie sobre a sua vida
exibida na Netflix vive uma Jornada da Heroína, na sua busca por
incorporar sua fé às exigências das posições políticas que ocupa
como líder religioso.

• As duas jornadas podem acontecer ao mesmo tempo na


história. Por exemplo, enquanto vai atrás de uma conquista
externa grandiosa, o herói (ou a heroína) passa por uma
reavaliação de si e dos próprios valores, crescendo
internamente.
Por exemplo: Clube de Compras Dallas, onde um cowboy
machista, ao se infectar com o vírus da AIDS nos primeiros anos de
conhecimento da doença, não só vai atrás de tratamentos para si e
para os outros, como também modifica sua relação com as
pessoas, em especial com os homens homossexuais que estão
passando pelo mesmo drama da doença.
RECADINHO DA PROFE:

Como puderam notar ao longo do curso, a vida da gente também


é uma aventura constante. Estão sempre acontecendo “chamados”
que podemos recusar ou não.

Se abraçamos o chamado e vamos atrás do que ele nos propõe,


crescemos. Se recusamos o chamado ele continua existindo na
forma de arrependimento ou na de paralisia da vida.

Por disso a vocês, não se enganem:

“A AVENTURA É OBRIGATÓRIA”.

Abracem os conflitos como desafios mandados pela vida para que


sejamos melhores.

Mesmo que a estrada seja sofrida e que seja difícil deixar pessoas e
situações para trás.

Mesmo que seja preciso morrer e renascer novamente.

Mesmo que seja reaprender tudo o que você (acha que) já sabe.

É este o convite que a vida faz a gente - abraçar a aventura e sair,


do outro lado, com histórias cheias de sentido para contar.
EXERCÍCIO PRÁTICO (para a vida)

Estude os passos da Jornada do Herói e procure vê-lo nos filmes


que for assistir a partir de agora.
INDICAÇÕES

A Mensagem do Mito
(parte da série O Poder do Mito,
entrevista com Joseph Campbell)
https://www.youtube.com/watch
?v=x5gZKFny3Hc

A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica


para Escritores
Christopher Vogler
https://www.amazon.com.br/
jornada-escritor-Estrutura-
m%C3%ADtica-
escritores/dp/8576572176/

As Deusas e a Mulher: Nova


Psicologia
das Mulheres
Jean Shinoda Bolen
https://www.amazon.com.br/
As-Deusas-Mulher-Psicologia-
Mulheres/dp/8534907099/
Os Deuses e o Homem: uma
Nova Psicologia da Vida e
dos Amores Masculinos
Jean Shinoda Bolen
https://www.amazon.com.br/
Os-Deuses-Homem-Psicologia-
Masculinos/dp/8534919038/

As Deusas e a Mulher Madura


Jean Shinoda Bolen
https://www.amazon.com.br/
Deusas-Mulher-Madura-Shinoda-
Bolen/dp/8585464631/
PARA CASA

QUAL É A SUA AVENTURA?

Falamos de aventuras e de jornadas nesta última aula. Na próxima,


faremos uma roda de histórias onde cada um vai poder contar uma
sua aventura, passada, presente ou futura, procurando identificar
os passos da Jornada do Herói ou da Jornada da Heroína.

Não é para escrever e ler. Contaremos, uns para os outros,


espontaneamente nossas aventuras durante esta última aula. Ao
vivo e sem ensaio, como se estivéssemos reunidos à noite ao redor
de uma grande fogueira.

Venha com a cara e a coragem e alguma boa aventura para


compartilhar.

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