O que vamos relatar, é verídico e passou-se recentemente no vizinho
lugar de Valdeira. O Zé, após uns meses afastado da família em terras de França, resolveu regressar a «penates» pelo Natal, afim de matar as «soidades» que o ralavam lá dentro, e retemperar as forças para a árdua luta pela vida. Para festejar tão grande acontecimento, lembrou à cara metade que fossem abrir o pipo de cinco almudes do vinho da última colheita, que ela dizia ainda não ter provado e deveria ser uma delícia. Guardava-o porém, para quando estivesse presente o seu Zé, e então se veria a qualidade do precioso néctar. Condescendeu de boamente a Maria em se abrir o piparote, tanto mais que estava desejosa de saber que tal seria a pinga e para festejar o acontecimento vá de trazer qualquer coisa para fazer peito. Chega o momento «solene» de conhecer o conteúdo desejado da recatada vasilha. Amigos e conhecidos convidados de goelas secas, antegozam a delícia de provar tão afamada pinga. O Zé, em satisfação da harmonia conjugal, pergunta à mulher:
- Ó Maria, olha lá. Ponho a torneira em cima ou em baixo?
- Pranta-a em baixo, «home» qu´é p´ra gente não andar sempre a mudá-la.
Assim fez o Zé. Mas... ao abri-la, óh céus!... ia desmaiando.
GUILITAS COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL
O rutilante e apetitoso líquido, que julgava ir encontrar, «transformou-se
em nojenta borra, tal qual vomitado de bêbado.
- Ó Maria, grita o Zé. O que é que fizeste ao vinho?
- Eu... eu... cá, gagueja ela, não o «buí, home». Só se foram aquelas duas ratazanas que andam aí na adega e que todos os dias tenho visto fugir p´rós lados da casa da tua mãe!...
E o pobre do Zé, condescendente, conta a quantos lhe aparecem que as
ratazanas lhe beberam o vinho. Pois se a mulher e a mãe são testemunhas...
Autor: GUILITAS
Publicado no Jornal “O ECO” em 26 de Março de 1959