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Luiz Olavo Baptista Arbitragem Comercial e Internacional Sao Paulo [BA MAGISTER 2011 ee sre Copyright © 2011 Eprrora rns, Yone Silva Pontes i ASSISTENTE EDITORIAL Ana Lucia Grillo DIiAGRAMACAO E REVISAO Linotec ILUSTRACAO DE CAPA Fernanda Napolitano FRACTAL Humberto Rossetti Baptista IMPRESSKO E ACABAMENTO. Graphic Express Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Baptista, Luiz Olavo Arbitragem comercial e internacional / Luiz Olavo Baptista. -- S30 Paulo: Lex Editora, 2011 Bibliografia ISBN 978-85-7721-139-5 1. Arbitragem (Direito) - Leis e legislacao 2. Arbitragem comercial — Brasil 4, Comércio Internacional |. Titulo, 11-05759 (CDU-347.918:341 382 (81) A ortografia desta obra esta atualizada conforme o Acordo Ortografico aprovado em 1990, promulgado pelo Decreto n® 6.583, de 30/09/2008, vigente a partir de 01/01/2009. 2011 Proibida a reproducao total ou parcial. Os infratores serio processados na forma da lei. LEX EDITORA S.A. EDITORA MAGISTER Rua da Consolagao, 77 — CEP 01301-000 Al. Coelho Neto, 20 — 38 andar — Sao Paulo-SP_ CEP 91340-340 — Porto Alegre-RS Tel.: 11 2126 6000 - Fax: 11 2126 6020 Tel.: 51 4009 6160 comercial @lex.com.br — www.lex.com.br www.editoramagister.com gunda Parte Clausula Arbitral'®® A arbitragem nasce'” de um acordo entre as partes, no qual estas idem nomear um ou mais terceiros para resolver desavenga ou con- érsia que possa surgir entre elas. A esse acordo usa-se denominar usula arbitral ou convengao de arbitragem. A expressdo convengao sada para sublinhar a autonomia da clausula arbitral inserida em um contrato. A clausula nascida do acordo de vontade das partes pode visar Iver divergéncias relacionadas a um contrato (existéncia, valida- , interpretagdo, execucao etc.) ou aquelas decorrentes de qualquer ‘0 relacionamento (arbitravel) entre as partes. Como ocorre com os tratos em geral — cujo regime se aplica - ela pode ser objeto de \dificagdes, da cessdo dos direitos que contempla, de renuincia, resi- Ao, etc. Todavia, no caso da cessdo de direitos, é preciso que haja o senso das partes. ANEXO |, NOTA PRATICA, ITEM B. ANEXO |, NOTA PRATICA, ITEM A. pitulo IV Convencao de rbitragem A convencao de arbitragem'** é fruto e expressdo da autonomia da tade dos contratantes. Encontra abrigo no principio da legalidade,'** siGdo constitucional que visa 4 garantia do exercicio da autono- da vontade e a liberdade de contratar, manifestagdes da liberdade ividual. A convengao de arbitragem, como sabemos, designa um gé- que agambarca duas nogées: a cldusula compromisséria e 0 jpromisso,'®’ suas espécies. A Lei de Arbitragem manteve esta dis- o, que ja existia em nosso direito: “Art. 3° As partes interessadas podem submeter a solugdo de seus litigios ao juizo arbitral mediante convengao de arbitragem, assim entendida a cldusula compromisséria e 0 compromisso arbitral.” 1- Diferengas entre a clausula compromiss6ria e 0 compromisso A distingdo entre compromisso e clausula compromissoria nao é rsal, nem antiga. re a convencao de arbitragem, entre outros, ver BARROCAS, M. P., op. cit., p. 143 RCEZ, J. M. R. Arbitragem nacional e internacional: progressos recentes. Belo Hori- Del Rey, 2007, p. 181-202, e REDFERN e HUNTER, on Intemational Arbitration, Fifth Oxford University Press, 2009, p. 85-161 igo 5°, Il, da Constituigao Federal Brasileira de 1988: “ninguém serd obrigado a 'ou deixar de iazer alguma coisa senao em virtude de | Ver CARMONA, C. A., op. cit., p. 16-17, Arbitragem Comercial e Internacior Ha legislagdes que nao a admitem'®' e houve tempo em que, Brasil, essa separagdo parecia enevoada e duvidosa.' Atualmen no Brasil, na Franga,'® na Bélgica'®* e na Holanda'® a diferenga nitida e produz efeitos.'°° A cladusula compromissoria, também chamada pactum de cot promittendo, 6 a convengao pela qual as partes contratam resolver, meio de arbitragem, as possiveis divergéncias que possam surgir en\ elas, geralmente quanto a execucao e a interpretagao de um contrat A lei brasileira de arbitragem, assim a define: “Art. 4° A cldusula compromissoria é a convencao através da qué as partes em um contrato comprometem-se a submeter a arbitr gem os litigios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrat (..)n07 "Por exemplo, os direitos: inglés (cf. Macassey, Sir Lynden, “Grand Bretagne”. In: “Ul Arbitrage International Commercial”, 1, 68), alemao e escandinavo. 2 V. RT 334/194, 296/410 e 135/157. ‘ROBERT, J. “Arbitrage Civil et Commercial”, 3. ed. Paris: Sirey. 1961, t. 1 (Dr. Interr n® 30 ess. ‘| BERNARD, A. “Belgique”. In: “UIA, Arbitrage International Commercial”, |, 122. SANDERS, P. “Pays Bas”. In: “UIA, Arbitrage International Commercial”, |, 388. Exemplo de decisao que reconheceu essa distingdo 6 a SEC n° 1210/GB, envolvent International Cotton Trading Limited ICT e Odil Pereira Campos Filho, julgada pela Cot Especial do ST] em 20/06/2007: “2. As duas espécies de convencao de arbitragem, quais sejam, a clausula compromiss6r € 0 compromisso arbitral, dao origem a processo arbitral, porquanto em ambos ajustes partes convencionam submeter a um jutzo arbitral eventuais divergéncias relativas ao cut primento do contrato celebrado. 3. A diferenca entre as duas formas de ajuste consiste no fato de que, enquanto 0 compr misso arbitral se destina a submeter ao jufzo arbitral uma controvérsia concreta ja surgi entre as partes, a clausula compromiss6ria objetiva submeter a processo arbitral apen questes indeterminadas e futuras, que possam surgir no decorrer da execugao do contrato. (Rel. Min. Fernando Goncalves). Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, art. 4°. A Lei Modelo da UNCITRAL 1985, emendada em 2006, assim define a clausula compromisséria na Opgao | do Art. 7 (1 “Arbitration agreement’ is an agreement by the parties to submit to arbitration all or certai disputes which have arisen or which may arise between them in respect of a defined le relationship, whether contractual or not. An arbitration agreement may be in the form of arbitration clause in a contract or in the form of a separate agreement’. A definicao de cla A Convengao de Arbitragem Jao compromisso, segundo a doutrina dos pafses que o distinguem da clausula compromissdria, destina-se 3 solucao de uma divergéncia ‘ou controvérsia ja existente:'® “Art. 92 O compromisso arbitral é a convengao através da qual as partes submetem um litigio 4 arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial’."” As distingdes feitas entre os dois institutos estao associadas a fun- 0, & forma e a natureza juridica. Vejamo-las. A DISTINGOES QUANTO A FUNCAO A clausula compromisséria distingue-se por ser genérica, ob- ivando resolver némero nao definido de divergéncias enquanto 0 mpromisso arbitral € especitico, visando a solucao de uma ou mais ntrovérsias, jd existentes € definidas. E 0 futuro condicional, em opo- 4o ao presente. Dessa diferenca, temporal e modal, deduziu-se, com tileza, que a clausula compromissoria € prenunciadora ou precursora compromisso. Entretanto, a deducao nao subsiste, pois nem todo compromisso é edido de cldusula compromissoria. O compromisso somente suce- aesta se, e quando, ocorrer desavenga a qual as partes nao possam Ausula compromisséria nao fizer referéncia a ‘al que supra a necessidade do compromisso.'”" A cldusula chamada de “vazia”'”' apenas indica que as controver- entre as partes serao solucionadas por arbitragem; nao determina mero de arbitros, a sede da arbitragem ou outros detalhes, por Pompromiss6ria na Opgao Il do Art. 7 € a seguinte: “Arbitration agreement’ is an agree- by the parties to submit to arbitration all or certain disputes which have arisen or which aise between them in respect of a defined legal relationship, whether contractual or ‘© Cédigo Civil francés, por sua vez, se refere & cléusula compromissoria em seu artigo | nos seguintes termos: “La clause compromissoire est qulle s'il n'est disposé autrement loi” (Code Civil. Paris: Dalloz, 1988-1989). Determinada ou existente, uma condigao nao exclui a outra Lei n® 9.307, de 23 de setembro de 1996, artigo 9°. Do tipo que se chama de vazia ou incompleta. Wer MARTINS, P. A. B., op. Cit, P. 113 ess. 96 Arbitragem Comercial e Internacional exemplo, se a arbitragem sera ad hoc ou institucional. E, em sendo esta internacional, nada refere em relacao ao idioma e a lei aplicavel. Nela, as partes terao que resolver estes aspectos que podem constar de ung compromisso ou documento de efeitos similares, 0 qual detalhara a clausula arbitral e permitira que se instaure a arbitragem.'7? Para os que fazem a distingdo entre compromisso arbitral e clausulal compromissoria, esses s40 elaborados em momentos diferentes e so dess dobramentos de um mesmo instituto, a convengao de arbitragem. Ora, sucessdo e & autonomia de ambos, compromisso e clausula compromis- s6ria, associam-se fungdes diferentes. Seria ilégico, inutil, e até mesm perigoso que, sendo sucessivos, clausula compromisséria e compromis tivessem as mesmas fungGes. A fungao da cléusula compromissoria nao € s6 servir como arau da vontade das partes de comprometerem-se, mas, também, expressai do liame obrigacional que se estabelece entre elas para escolher o for arbitral. Tao importante essa fungao, que um autor," ha algumas dé das, apontara que cerca de 80% dos contratos do comércio internacii nal continham cldusula compromisséria. No Brasil, a clausula compromisséria s6 comecou a ter importa Cia nos contratos de direito interno apés a Lei de Arbitragem. Essa | que simplificou e deu maior efetividade ao instituto foi recebida co Sobre a distingao entre cléusulas compromissérias cheia e vazia, v. Carlos Alberto de Oliveira Andrade e outros v. Renault do Brasil S.A. e outros, Embargos de Declaracao n® 117.830-1/9 e Agravo de Instrumento n® 124.217.4/0, julgados pelo Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo em 15.04.2008 e 01.10.1999, respectivamente. FOUCHARD, P. Larbitrage Commercial International. Paris: Dalloz, 1965, n® 91 Segundo 0 CONIMA, a utilizacao da arbitragem crescerd, no minimo, 10% (dez por: Cento) ao ano. O pais conta hoje com mais de 200 entidades de mediagao e arbitragem, 77% (setenta e sete por cento) delas concentradas nas regides Sul e Sudeste (Diario do Co- mércio, Industria & Servigos, 21 de julho de 2010, “Arbitragem cresce 10% ao ano e ganha espaco nas empresas”). http://www.cbar.org.br/bib_pesquisa_fgv_cbar.htm|). Ainda as estatisticas da CCI do ano de 2009 indicam uma presenca brasileira sem precedentes ras arbitragens administradas por essa instituigao. O Brasil est em 4° lugar, apés EUA, Franca €Alemanha. (Ver Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de La CCI —Vol. 21/1 - 2010). ‘A Convengao de Arbitragem 97 Charles Carabiber'”* no seu curso da Academia de Haia, ensina que: “A clausula compromisséria 6 0 compromisso aos termos conven- cionados pelas partes de, antes do nascimento de uma controvérsia, submeter aos arbitros aquilo que as poderia opor eventualmente.” Ora engagement é obrigacao, é contrato. Qual a finalidade deste contrato? Resolver as questdes que surgirem entre as partes pela via arbitral. J40. compromisso é um ato que tem por finalidade a escolha do modo pelo qual sera realizada a arbitragem, pois como lembra 0 autor citado, nele, “As partes designam as quest6es em litigio e o nome dos arbitros’"”° Estas definigdes sao harmoniosas com os conceitos empregados pelo direito brasileiro que reserva ao compromisso arbitral esta fun¢ao, expressa no artigo 10 da Lei n® 9.307/1996,'” o qual exige que se inscre- va no instrumento de compromisso a designa¢ao dos arbitros ¢ a especi- ficacao dos litigios que serao objeto de sua cognigao. Continua, assim, a tradicao do excelente Cédigo Civil de Bevilacqua, artigo 1088." Daf poder-se dizer que a cléusula compromissoria pode ser como a lagarta que da origem mariposa, que € 0 compromisso. Quando este vier a existir, nele se aperfeigoara a clausula. Embora seja mais estreito 0 objeto do compromisso (somente aquele litigio), ele contém a fungao da clausula compromissoria de rendincia ao foro estatal € escolha da arbitragem para resolver litigios. Por isso, ela nao cessa de produzir efeitos caso as partes hajam celebrado o compromisso, este ultimo tam- bém produzindo um efeito vinculante, mesmo que a arbitragem nele se funde, sem cldusula compromissoria antecedente. vs “La clause compromissoire est I'engagement aux termes duquel les parties convien- ent, avant la naissance de tout différend, de soumettre a des arbitres ce qui pourrait les ‘opposer éventuellement (...)’. CARABIBER, Charles. Evolution de arbitrage Commercial International. In: RCADI, 1960, p. 167. 15 “Les parties désignent les questions en litige et les noms des arbitres“, CARABIBER, Charles. Evolution de Varbitrage Commercial. International op. cit WV, ANEXO IV -A. LEI N? 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. 378 Revogado, expressamente, pela Lei da Arbitragem, que manteve, com outras palavras, ‘o teor da norma Arbitragem Comercial Internacional Outra dessemelhanga se coloca: a do termo de vida de um e outro, A cldusula arbitral vive enquanto durar a relacdo entre as partes estabe- lecida pelo contrato principal, e nao se extinguira com 0 perecimento deste, pois pode regular os seus efeitos sobrevivendo-o (ela é autonoma em relacao ao contrato).'”* O compromisso, entretanto, como as rosas de Malherbes, tera vida curta: a da arbitragem que dele nasce para so- lucionar o litfgio que é seu objeto. Por isso, convém rememorar o iter da sucessdo de atos juridicos que levam a constitui¢ao do tribunal arbitral, no qual se inserem a clau- sula compromisséria e 0 compromisso. Em primeiro lugar, as partes, exercendo sua libercdade de escolha, manifestam livremente, por meio da clausula compromiss6ria, seu desejo de solucionar um ou mais lit/- gios incertos e futuros. Trata-se de acordo amplo e genérico que estabelece a obrigagdo de submeter eventuais divergéncias a arbitragem; no direito brasileiro, seu objeto s40 negécios juridicos sobre bens de que as pessoas, maio- res e Capazes, tém a livre disponibilidade. Como impera a vontade das partes, qualquer disposi¢do anterior. mente estabelecida na clausula compromisséria pode ser alterada pela concordancia dos litigantes no momento da celebracao do compromisso. Via de regra, 0 compromisso arbitral é facultativo: sera obrigatério quando anteriormente previsto em cléusula compromissoria vazia. A Lei da Arbitragem prevé, no seu artigo 7°, 0 precedente a seguir, no caso de resisténcia pelo demandado para quando haja clausula vazia. Ocorrendo uma divergéncia que se insira nos limites da clausula, as partes podem'*° celebrar um compromisso arbitral a fim de definir os elementos necessdrios para a instauracao e composi¢ao do tribunal ar- bitral (incluindo a definicdo do objeto litigioso, escolha dos arbitros, prazos, etc.) permitindo inicid-lo o mais breve possivel. Por vezes, esse compromisso recebe outras denominagdes como “Ata de misao”, Ter- mo de Arbitrage," etc. '" Artigo 8 da Lei de Arbitragem ~ANEXO IV ~A. Lei n® 9.307, de 23 de setembro de 1996. “ Podem celebrar porque, se a cléusula compromisséria for cheia, 0 compromisso pode nao ser necessdrio. Além disto, hd regulamentos arbitrais em que um Termo de Missao, ou documento equivalente faz as vezes do compromisso. *! ANEXO |, NOTA PRATICA, ITEM F. Convengao de Arbitragem Alternativamente, sendo 0 compromisso um ato que nasce da vontade comum das partes, surgido um conflito, independentemente da existéncia de cldusula compromiss6ria, as partes podem celebra-lo tiverem interesse em decidir a divergéncia por meio da arbitragem. este caso, nao teria sentido a exigéncia de uma clausula arbitral. O sompromisso, portanto, pode ser celebrado mesmo sem previsao ante- or, ou seja, a qualquer momento, desde que a matéria seja arbitravel esteja presente e manifesta a vontade dos interessados Esta distincao dos efeitos temporal e dimensional dos institutos a-nos a compreender porque 0 reconhecimento da validade ou nu- dade da clausula compromiss6ria nao implica no reconhecimento ou lidade do compromisso. Se for nula (ou inexistente) a clausula compromiss6ria, uma parte 0 podera obrigar a outra ao compromisso; valido este ultimo, pouco portard a inexisténcia ou uma eventual nulidade da clausula com- iss6ria que o tenha precedido.'® Com efeito, a nova manifestacao ontade supre a eventual omissao da anterior. Da distingao entre compromisso e clausula compromiss6ria, tam- A nasceu uma orientacdo doutrindria hoje superada, e que, por anos, prevaleceu na Franca: a de negar validade as cléusulas mpromissorias porque, como diziam Planiol e Ripert:'®* “A a¢ao judicial é o meio para reclamar ou defender o direito. Quan- do nao se pode dispor do direito, nao se pode, naturalmente, dispor a acdo: por exemplo, todas as rentincias ou transagées sobre as 6es de estado sao ilicitas. Mas nao é verdade que, inversamente, (este propésito, v. Ph. Fouchard, op. cit., n° 90, p. 54. aducao livre de: “V/action en justice est le moyen de réclamer ou de défendre le droit. he peut disposer du droit, on ne peut naturellement pas disposer de laction pple, toutes renonciations ou transactions sur les actions d'état sont illicites. Mais iS vrai, a, |'inverse, que la personne qui peut disposer de son droit soit également disposer de I'action en justice, car I’action touche a l'administration de la justice et admettre que les particuliers, par leurs conventions, puissent bouleverser cette . Ainsi la clause compromissoire qui prive une personne du recours a la justice set elle a du étre autorisée spécialement par la loi pour des contrats commerciaux.” 'M.; RIPERT, G. Traité Elémentaire de Droit Civil”. 3. ed. Paris: LGDJ, 1949, t. Il, j07. 100 Arbitragem Comercial e Internacions promiss6ria que priva uma pessoa do recurso a justica é nula e de! ser especialmente autorizada pela lei de contratos comerciais.” Uma lei de 3 de dezembro de 1925 autorizara, na Franga, a cldu- sula compromisséria em matéria comercial, contrariando a orientagat doutrinaria, hoje totalmente superada e criando condigées para umi abordagem mais moderna e adequada da matéria. No Brasil, também ocorreu evolugao semelhante. j Alguns autores investiram nao s6 contra a clausula compromiss6: ria, como também contra a arbitragem, por exemplo, o professor Alci: des de Mendonga Lima.'® A tese é antiga e ja fora suscitada perant tribunais ainda quando imperava a Constituigdo de 1946. Resolvend questao em que o argumento fora levantado, 0 TSP decidiu que: “Podem as partes interessadas estabelecer 0 fuizo arbitral, se com isso ferir o art. 141, § 42 da CF, pois a decisao que vier ser proferida nesse juizo podera ser apreciada em grau de recurs pelo tribunal que homologaré, ou nao, a decisao arbitral” Ha que se levar em conta — como nem todos 0 fizeram — que Constituicdo assegura no artigo 52, XXXV"*° 0 direito subjetivo da pa de ter acesso ao Poder Judiciario. Mas este € direito disponivel como € 0 de entrar em ju(zo para resolver disputas e divergéncias, pois, como. se sabe, ninguém é obrigado a demandar. O mandamento constitucional do artigo 5°, XXXV dirige-se ao Es- tado, que nao pode criar norma proibitiva do acesso das pessoas ao Judiciario. Estas, entretanto, podem exercer seu direito, dele declinar st" _MENDONGA LIMA, A. de. O Juizo Arbitral e 0 art. 150, § 4° da Constituigio de 1967. In: RT 402/9-14, 1969. " Apelacao Civel n® 98.462, 3*C. Civel, 17/1959, RT 296/410-11. Constituicao Federal, art. 5%, XXXV: “a lei ndo excluird da apreciagao do Poder Judici- rio lesdo ou ameaga de direito.” Esta disposicao aparece nas constituicées anteriores. Convengio de Arbitragem 5u se omitir, Tanto assim é que alguém pode aceitar uma lesao a direito seu, sem reagir — por razes econdmicas, psicoldgicas, morais, etc. — como pode, também, como ocorre no caso da transagao, desistir de ma aco em curso ou comprometer-se a nao litigar, e, portanto, pode ecidir que um terceiro resolverd a questao, sem recurso ao Judiciario, submetendo-se a arbitragem. A matéria é tao simples quanto isto: 0 direito de acao quando sxiste a arbitrabilidade objetiva é disponivel. O sujeito dele dispde ao eu alvedrio, tanto em relagao a um caso determinado, quanto no seu elacionamento com determinada pessoa. Realmente, os motivos para alguém desistir de demandar, fazer essar uma demanda, ou leva-la a instancia arbitral séo do interesse do foro intimo desta pessoa e 0 Estado nao poderia, nem deveria, priv-la desse direito. Pode, entretanto, como 0 faz, determinar que por razoes de ordem ptiblica certas matérias de interesse social ou coletivo Jo possam ser arbitraveis. Mas, mesmo assim, ndo pode subtrai-las da conciliagao ou da mediacao, pois estaria violando a liberdade indivi- A discussao sobre a validade e eficdcia das clausulas compromis- sorias e sobre a legalidade da arbitragem foi superada com o advento da Lei n° 9.307/1996, e com a decisao proferida pelo STF, na qual foi reconhecida a constitucionalidade de dispositivos da Lei." A clausula ompromissoria, de acordo com disposto no artigo 7° da referida Lei, obrigacao de fazer que, atualmente, comporta execugao especifica. Esta evolucao foi precedida por manifesta¢ao dos tribunais, atentos ara a realidade do comércio internacional." Antes, a clausula com- Um voto infeliz ressuscitou os mesmos argumentos, mas 0 STF, por maioria, decidiu la plena constitucionalidade da lei arbitral (SE n® 5206 AgRg, de 12/12/2001, Relator Mi- istro Sepiilveda Pertence, MBV Commercial and Export Management Establishment v. Resil Industria e Comércio Ltda.). Foi marco definitivo para esta mudanga de linha de entendimento, a publicacao do 6rdao no Recurso Especial n® 616/R), do STJ, em 13/08/90 (RST) v. 37, p. 263) que decidiu pela eficdcia da cldusula compromisséria para instituicao do juizo arbitral, nos contratos gidos pela Convengao de Genebra. “Ementa: Clausula de Arbitragem em Contrato Inter- ional. Regras do Protocolo de Genebra de 1923. 1. Nos contratos internacionais subme- tidos ao Protocolo, a clausula arbitral prescinde do ato subsequente do compromisso e, por i 56, € apta a instituir 0 juizo arbitral. 2. Esses contratos tém por fim eliminar as incertezas 102 Arbitragem Comercial e Internacional promiss6ria (obrigagao de fazer) nao permitia obrigar as partes a sub- meter-se a arbitragem, e a infragao contratual se resolvia em perdas e danos. Nemo potest precise cogi ad factum, era a regra que imperava. Com o advento da Lei de Arbitragem, existindo a clausula com- promiss6ria, a parte que deseja realizar 0 compromisso pode, por inter- meédio da autoridade judicidria competente para julgar a causa, obter 0 termo do compromisso. Tal 6 a maneira como a lei resolve a questao: * a parte prejudicada promove a citagao da outra para compare- cer em juizo a fim de celebrar 0 compromisso; * 0 juiz designard audiéncia especial para 0 ato. Verifica-se, en- tao, uma das seguintes situacdes: (i) O autor nado comparece a audiéncia nem apresenta um justo motivo e extingue-se 0 processo sem julgamento de causa (artigo 72, § 5°); (ii) 0 réu nao comparece a audiéncia. O juiz ouvird, entdo, apenas 0 autor, e, a seguir, dispord sobre o contetido do compromisso, nomeando arbitro Gnico (art. 7°, § 69); (iii) ambas as partes comparecem e o juiz tenta a conciliacdo, com éxito. Neste caso, lavra-se o termo de acordo conforme 0 artigo 449'" do CPC (artigo 72, § 22). Nao havendo concilia- ao, pois as partes néo concordam com o contetido do compromisso, 0 juiz ouvird as partes e decidira (artigo 7°, § 3°). A sentenga proferida pelo juiz julgando procedente o pedido valeré como compromisso arbitral. B — DISTINGOES QUANTO A FORMA E NATUREZA JURIDICA A primeira das distingdes formais feita pelo direito é, como se sabe, aquela entre a forma oral e a escrita. No direito brasileiro, essa separagao se faz por meio do dispositivo processual,'*? que exige con- trato escrito para as obrigagdes de valor superior ao décuplo do maior salario minimo existente no pais. juridicas, de modo que os figurantes se submetem, a respeito do direito, pretensio, ago ou excecdo, a decisao dos arbitros, aplicando-se aos mesmos a regra do art. 244, do CPC, se a finalidade for atingida. 3. Recurso conhecido e provido. Decisao por maioria.” ™ "Art, 449. O termo de conciliacao, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, teré valor de sentenga.” '% Cédigo de Proceso Civil, art. 401. ‘A Convengao de Arbitragem E bem verdade que é dificil atribuir valor & cléusula compromis- soria, 0 que exigiria mais elaboracao quanto a necessidade ou nao de forma escrita para prova de sua existéncia. Acresce que, antigamente tratada como contrato, a clausula compromiss6ria nao gerava a “excep- tio ex compromisso” a que aludia Pontes de Miranda.'*' Hoje, como dissemos, sob 0 império da nova legislagao, ela tem esta propriedade. Sendo contrato, no direito brasileiro, a cldusula compromissoria deve obedecer as regras gerais sobre a validade, as quais nao impdem forma especifica e nem requisitos de natureza substancial.'" Desta forma, a natureza da clausula compromisséria é de contrato preliminar e auténomo e tem por objeto outro ato juridico, o compro- misso arbitral."”’ A Lei’ tornou obrigatoria a forma escrita’”® para a cldusula com- promissoria e, nos contratos de adesio, condicionou sua eficdcia a 1% PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959, vol. 26, p. 339. 1 Cédigo Civil, art. 136. 18g cléusula arbitral 6 um negécio juridico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes procuz desde logo efeitos negativos em relacao ao processo (estatal) e postivos, em relax Go ao processo arbitral j4 que, com a clausula, atribui-se jurisdigao aos arbitros). Com efeito, aps 0 advento da Lei, cldusula e compromisso podem, indistintamente, institut a arbitragem, deixando a primeira de ser mera promessa de celebrar o segundo, de modo que uma e outro So acordos mediante os quais renuncia-se & solucao estatal de conflitos, em prol da atuacao do juiz escolhido pelos ltigantes: se na celebragio do compromisso tem-se em mira um conflito Atual, jd existente, definido, na cléusula aponta-se para um litigio futuro, eventual, definivel. A diferenca entre as duas convencoes arbitrais, portanto, vai pouco a pouco perdendo o interesse (..).” (CARMONA, Carlos Alberto, op. cit. p. 102) 1% Lei n® 9.307, de 23 de setembro de 1996, “Art. 42(...) § 12. A cléusula compromissoria deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no proprio contrato ou em documento apartado que a ela se refira. § 2°. Nos contratos de adeséo, a cléusula compromisséria s6 terd eficdcia se o aderente tomar iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressa~ mente, com sua instituicao, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cléusula.” (grifamos) A exigéncia legal, que também aparece na Lei Modelo e nas Regras da Uncitral tem sido objeto de indimeras criticas. As RecomendagGes da UNCITRAL, adotadas em 2006, sobre a interpretacao do artigo il2) da Convengao de Nova York, que menciona “agreement in wri- ting”, foram no sentido que de as circunstancias ali estabelecidas nao devem ser consideradas fexaustivas, tendo em vista o reconhecimento da ampla utilizagdo do comércio eletrénico, & a existéncia de legislacao e jurisprudéncia domésticas mais favoraveis do que a Convencao Quanto 20s requisitos formais da cldusula compromiss6ria, procedimentos arbitrals e execu- Gio de sentencas arbitrais. V. também as opgoes de definicao da cléusula, compromissoria Constantes do artigo 7° da Lei Modelo da UNCITRAL (ver nota de rodapé n? 167). 104 Arbitragem Comercial e Internacional expressa concordancia da parte aderente'®, Seu objeto 6 0 compromis- so, cuja licitude esta sujeita 4 arbitrabilidade subjetiva e objetiva. Quanto ao compromisso, as regras sdo claras e especificas em nossa sistematica legal, estabelecendo requisitos de carter substancial. Tanto 0 Codigo Civil’? como 0 Cédigo de Processo Civil" ja conti- nham regras rigidas quanto ao contetido do compromisso, no qual: “A forma tem de ser, pelo menos, a escrita e 6 necessdrio que duas testemunhas assinem o termo. E possivel realiza-lo por escritura publica”. Além disso, impunha-se a presenga de certas declaracées e ele- Mentos sem os quais 0 compromisso seria nulo. Essa imposi¢ao foi con- firmada pela lei brasileira que dispde da mesma forma: “Art. 9° (... § 1° O compromisso arbitral judicial celebrar-se-4 por termo nos autos, perante juizo ou tribunal, onde tem curso a demanda.” § 2° O compromisso arbitral extrajudicial sera celebrado por escri- to particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento plblico.” Aqui referimo-nos novamente 4 autonomia do compromisso em face da clausula arbitral a que nos referimos anteriormente. O compromisso pode modificar condigdes ou rever estipulacdes da clausula compromisséria. A lei impde cuidados, de natureza formal, "© Sobre a exigéncia de forma escrita, Supremo Tribunal Federal (SEC n® 6753/UK, Tribu- nal Pleno, Rel. Min. Mauricio Corréa, DJU de 04/10/2002): “Em que pese nao se exija, a0 menos segundo a lei nacional, uma forma solene rigida para a clausula compromissGria, 6 essencial que 0 ajuste, além de escrito, surja de uma comunhio de vontades. Admite-se, 6 certo, sua convencao mediante troca decorrespondéncia, telegrama, fac-simile, ou outro modo expresso qualquer, desde que,conforme assevera Carreira Alvim, ‘comprovada a pro- posta de uma das partes e a aceitacao da outra.” Artigos 1.038, 1.039 ¢ 1,040 1% Artigos 1.073, 1.074 e 1.075. COUTO E SILVA, C. Comentérios ao CPC. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, vol. XI, tL, n® 639, p. 562 A Convengio de Arbitragem 105 ignorados na cldusula, pois como lembrava Pierre Lalive: “a velocidade dos negdcios em nossos dias nem sempre permite aos contratantes, mesmo em importantes transagées internacionais, dedicar suficiente atencdo as questdes formais.”?” Exemplo dessa possibilidade de modificagao foi o caso ARRAMCO”" em que, entre outros detalhes, 0 local da arbitragem previsto pela cléu- sula compromisséria era a Holanda, e foi trocado, quando da celebragao do compromisso, pela Suiga. No Direito Internacional Privado, o problema da diferenga ou diferencas formais entre a cldusula e 0 compromisso esta ligado inti- mamente a lex fori, a lei do local da arbitragem. Ao contrario do que ocorre com as diferencas de fundo, estas podem ser sujeitas a outra lei, ressalvada a Ordem Publica local. Umautorsu/co, Klein, dizia quea lei aplicavel asolugao da disputa nao deve ser confundida com “la loi de I’arbitrage”. Trata-se de dis- tinguir o método de solucao do direito substantivo que regera a de- cisdo.7? No plano internacional, diferentes convengdes: a Europeia de 21/04/1961, a de Nova York de 1958 e a Interamericana Panama de 1975” tratam, cada qual a seu modo, de aspectos formais relativos clausula arbitral e ao compromisso. Acrescente-se a essas 0 projeto de Convengao Européia sobre uma Lei Uniforme de Arbitragem, de 1966, preparado pelo Conselho da Europa, que, apesar de ter sido considera- da promissora na época, nao foi ratificada por nenhum pais (0 tratado 2% —Traducdo livre de: “le rythme actuel de la vie des affaires ne permet pas toujours aux “contractants, méme lors d’importantes transactions internationales, dévouer beaucoup dat- tention & des questions de forme.” LALIVE, Pierre, Problémes relatifs a |’arbitrage interna- tional Commercial. In: Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1967, |, p. 604 21 27 1LR 117. Saudi Arabia v. Arabian American Oil Co. 22 KLEIN, F. E. Considerations sur arbitrage en droit international privé. Bale, Helbing und Lichtenham, 1955, p. 246. 28 European Convention on International Commercial Arbitration (1961), em vigor entre (0 paises membros da Comissdo Econémica para a Europa das Nages Unidas. 20 Ratificada pelo Brasil em 2002, por meio do Decreto n® 4.311, de 23 de julho de 2002, 285 Ratificada pelo Brasil em 1995, por meio do Decreto Legislative n* 90. Arbitragem Comercial e Internacional é de 20 de janeiro de 1966, mas nunca chegou a entrar em vigor). Tere- mos, entdo, um panorama da complexidade que o estabelecimento da distingdo formal entre a cldusula arbitral e 0 compromisso apresenta. Essas convenc6es, na pratica, complicaram ao invés de simplificar a problematica do conflito de leis. Assim é que, embora a exigéncia da clausula compromiss6ria escrita nao seja universal, a Convengao de Nova York, como o antigo Protocolo de Genebra de 1923 (este ainda em vigor no Brasil até a data da promulgagao da Convengao de Nova York de 1958), preveem a obrigatoriedade da forma escrita. O artigo II (2) da Convengao de Nova York de 1958 dispde que: “O termo ‘acordo por escrito’ deve incluir uma clausula arbitral no contrato ou um compromisso arbitral, assinados pelas partes ou constrito em trocas de cartas ou telegramas.’2° As convencoes Europeia, de 1961,””” e Interamericana, de 1975,2% acrescentam 0 telex a tais formas. Nao se sabe se 0 telefax, 0 e-mail ou outra forma de documento eletrénico corresponderiam a esse conceito de “documento escrito”. No Brasil, a Lei da Arbitragem permite a aplicacao da lei escolhida pelas partes.?°° A este respeito, na Italia, a decisao “Ditta Trumpy v. Societa SALGOI"?""° se voltou para a lex contractus ou /ex loci actus. Essa deci- 2° Traduc3o livre de “The term “agreement in writing” shall include an arbitral clause in contract or an arbitration agreement, signed by the parties or constrained in an exchange of letters or telegrams.” Como visto na nota 196, no ano de 2006 a UNCITRAL editou reco- mendagGes & interpretagao desse artigo. 27 art. 2. “the term “arbitration agreement” shall mean either an arbitral clause in a contract of an arbitration agreement, the contract or arbitration agreement being signed by the parties, or contained in a exchange of letters, telegrams, or in a communication by the teleprinter (. 2 Ve art. 1, “(..) © respectivo acordo (cléusula arbitral) constara do documento assinado pelas partes, ou de troca de cartas, telegramas ou comunicagées por telex.” 2” Antigo 2% Uma divida pode surgir: aplicam se as regras relativas aos contratos sobre a forma e a validade das clausulas compromissérias e do compromisso arbitral? Aplicam-se as regras gerais sobre a capacidade das partes, isto é lei do domicilio (artigo 7%, da LIC)? Para 05 contratos em geral, a forma extrinseca é regida pela lei do lugar da celebracao assim como a substancia e efeitos da obrigacao (artigo 98, da LICC) ~ todos com reserva da ordem piiblica (artigo 17, da LIC). O intérprete deve ser cuidadoso para nao cometer erro na matéria. 2° CASS, 2.5.1960, Riv. Dir. Int., 1960, p. 686. A Convencao de Arbitragem 107 so foi seguida por outras.2!' A ultima de que temos noticia — e que in- dicava 0 predominio dessa tendéncia j4 em 1978, — foi “Ditta Nosengo e Morando vy. Ditta Bohna Friedrich e Co" ’’* Nos EUA, 0 Federal Arbitration Act também exige que a clausula compromisséria seja escrita. Em certo caso, havia troca de cartas onde se tratava do assunto. O contrato epistolar foi complementado por atos do comprador; além disso, apés troca de intimeras cartas, o vendedor enviou ao comprador as suas Special Instructions que previam a arbitra- gem pela American Arbitration Association. A questao ai*'* era de saber se existia a clausula arbitral nessas condigGes, 0 que foi respondido afir- mativamente, pois predominou 0 entendimento de que nao é preciso um instrumento especial em que a clausula esteja contida, mas que esta pode resultar de contrato epistolar. Por mais dispersa que ela aparega na troca de correspondéncia, “havendo escrito” que indique a vontade das partes de submeter-se a arbitagem, ha a clausula: “Nenhum contrato integrado é necessdrio para a exclusdo de ou- tros eventos vinculantes, de acordo com os principios gerais do direito contratual’?"* Assim se vé que, ao contrario do compromisso para 0 qual muitos sistemas juridicos, inclusive o brasileiro, preveem determinadas condi- des ou declaracées, para a clausula arbitral tais exigéncias ndo ocorrem, nem no plano internacional, nem no direito brasileiro ou de outros paises. Secao II - Arbitrabilidade A arbitrabilidade tem sido encarada pela doutrina sob dois as- pectos: o de quem pode submeter-se a arbitragem, a que usualmente chama-se de arbitrabilidade subjetiva, e das matérias que podem ser arbitrdveis, a arbitrabilidade objetiva.?'® 2" DELAUME, G. Transnational Contracts. Nova York: Oceana, 1981, p.141, vol. II 22 CASS. It., Riv. Dir. Int. Priv. e Proc, 1978, p. 341. 28 DELAUME, G., op. cit, cap. 13. “Joseph Muller Corp. Jurich V. Commonwealth Petro- chemicals Inc. 334 F. Sup. 1013 (SDNY, 1971), 2% + Traducio livre de: “No single integrated agreement is required to the exclusion of ‘other binding events under the generally operative principles of contract law.” 25 Vv. MISTELIS, L. A; BREKOULAKIS, S. L. Arbitrability, International & Comparative Perspec- tives. The Netherlands: Wolters Kluwer, 2009. V. ainda BARROCAS, op. cit., p. 215-221 110 Arbitragem Comercial e Internacional Assim, as regras sobre capacidade dependerao da lei aplicavel em cada caso, 0 que nos coloca diante de larga variedade de solugdes. Secao III - Forma e Prova Alguns pontos parecem assentes quanto a validade dos compro- missos ou das cldusulas compromiss6rias. No que tange a forma, a exigéncia da escrita parece geral, sendo inclufda em tratados interna- cionais, como a Convengao de Nova York de 1958 (artigo Il (2),ea Convengao Europeia de 1961, que, mais moderna, aceita o uso do te- lex para esse fim (artigo | (2) 6. A lex contractus ou a lex loci actus é que, do ponto de vista con- flitual, determinardé a necessidade da forma escrita do compromisso ou da clausula arbitral.?2? Do ponto de vista material, a questéo é mais complexa: podem ocorrer objegdes quanto a expressio do consentimento. A questao de saber se as partes acordaram, ou nao, a celebragao da arbitragem Surge nos acordos epistolares e verbais (ou telefénicos). Pode ocorrer, também, no caso de contratos escritos, quando as partes neguem ter. consentido. Também ha uma questao de lei aplicdvel quando uma das partes alegue a nao arbitrabilidade da matéria por razGes de ordem publica (ou leis de policia), ou ainda, que os fatos extravasem os limites da clausula arbitral. A apuragao da manifestagdo de vontade sera feita com base na redagao da cléusula e das circunstancias que cercaram a negociacao. Um exemplo interessante de como uma parte pode tentar escapar a clausula arbitral € 0 caso Lowry & Co. v. S. S. Le Moyne d'Iberville??3, A clausula arbitral discutida era a Centrocon clause, que previa a so- lugao de disputas entre comerciantes ingleses em charter party, a qual acrescentaram os contratantes que a arbitragem, if any, deveria ter lu- GEORGES R. DELAUME, op. cit., § 13.02, e também Cass., 17/10/61, Soc. Alfatiére. du Sud Oranais “versus” Soc. Foy Woodpulp. “Revue Critique de Droit International Privé” 1962, p. 129, e Paris, 26/10/62, Cooperativa Agricola de Stokaje v. Betreide Import Gesell- schaft, “Revue Critique de Droit International Privé, 1965, p. 535. No mesmo sentido, nos Estados Unidos, “Restatement” 2d, § 199. “234 F. Sup. 396 (SDNY, 1966) ap. dismissed 372 F 2d 123 (2d Cir. 1967), comentado por Delaume, op. cit., 13.03. onvencao de Arbitragem m1 em Paris. A empresa autora, prendendo-se 4 expressao “if any”, egava ter consentido na arbitragem, sendo a clausula citada mera xpressdo de sua vontade de, se recorresse a arbitragem, fazé-la ter ar em Paris. Foi vencida. O Superior Tribunal de Justiga manifestou-se em algumas opor- idades sobre a prova da convencao de arbitragem. Em uma delas, deferiu pedido de homologacao de sentenga arbitral estrangeira em zao da auséncia de assinatura da clausula arbitral: “Nao trazida aos tos prova da convengao de arbitragem, nao é possivel homologar-se ido arbitral (...) O contrato ou ‘minuta de contrato’ apresentado pelo Oprio requerente, que deu origem ao pedido de arbitragem pela em- esa requerente (f.), ndo traz a assinatura das partes envolvidas, e pe- ite 0 juizo arbitral - embora haja registro de aceite de um tnico bitro, sem indicar ou concordar com o nome do mesmo, fez a reque- ida tempestivas contestagdes, alegando que nao estava submetida, por ontrato, ao julgamento da AAA".?74 SEC n? 885, Kanematsu USA Inc. vs. ATS — Advanced Telecommunications Systems do fasil Ltda. (Corte Especial do STJ, Rel. Min. Francisco Falcao, julgado em 02/08/2010). la SEC n® 856 (L'Aiglon S.A. vs. Téxtil Unido S.A., julgado em 18/05/2005) por sua vez, a eito de o contrato nao ter sido assinado pela requerida, 0 STJ entendeu que o requisito aceitacao de arbitragem foi satisieito, uma vez que a parte “de acordo com a prova dos tos, manifestou defesa no jufzo arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existéncia clausula compromisséria”. ‘n® 978 (Indutech SPA vs. Algocentro Armazens Gerais Ltda., julgado em 17/12/2008) 967 (Plexus Cotton Limited vs. Santana Téxtil $.A., julgado em 15.02.2006) os pedidos homologaco de também foram indeferidos pela auséncia de assinatura na cléusula com- gromisséria. Na SEC n® 866 (Oleaginosa Moreno Hermanos Sociedad Andénima vs. Moinho lista Ltda., julgado em 17/05/2006), © pedido foi indeferido por nao “elementos seguros” comprovassem a aceitacao da clausula arbitral. Foram celebrados, ao que tudo indica, ontratos verbais pelas partes o que, segundo o entendimento do ST), nao impediria a esti- lado de cldusula arbitral, “desde que esta estivesse pactuada de forma expressa e escrita n outro documento referente ao contrato originario ou em correspondéncia”, 0 que nao se prificou. Consta da decisio, ainda, que foi apresentada defesa no juizo arbitral alegando a competéncia daquela instituicao. O Tribunal entendeu que a participacao de empresa na bitragem implica aceitacao da convengao desde que esta nao apresente impugnacao sobre auséncia da mesma. Capitulo V A Autonomia da Clausula Arbitral A cldusula compromisséria é auténoma. £ um contrato em si mes- mo, independendo de outros para existir ou subsistir. Todavia, pode estar ligada a um contrato ou, melhor dizendo, a solucionar alguma di- vergéncia decorrente de um contrato especifico, ou relacionada a ele, pode ser seu objeto. Mas também pode visar a solucao de divergéncias nao especificadas que possam ocorrer entre as partes. A sua autonomia se pronuncia em fungao do contrato em que a convengao de arbitra- gem possa integrar ou em relacao a determinado sistema juridico. Seco | - Autonomia da Clausula compromiss6ria em relagao ao Contrato E um principio de direito geralmente aceito o de que a clausula arbitral tem cardter independente e auténomo*’*. Vamos encontrar esse 25 Nese sentido BARROCAS, M. P,, op. cit., p. 149 € ss, Também Nadia de Araujo a res- peito de acérdio proferido pelo Tribunal de Justica de Santa Catarina que © aplicou: “Uma das vantagens da arbitragem é 0 respeito ao principio da autonomia da clausula arbitral que contribuiu para a sua larga utilizacao, tanto no plano interno quanto intemacional Esse principio s6 se tornou realidade no direito brasileiro com o advento do art. 8° da Lei de Arbitragem. (...) 0 acdrddo entendeu que ante a existéncia da cléusula arbitral ndo po- deria haver a andlise prévia da questo relativa & nulidade do conirato pelo Poder Judic rio. Para o integral cumprimento do contrato, somente o tribunal arbitral poderia analisar a questo. Com isso aplicou-se o principio da competéncia-competéncia e deu-se obrigatorieda- de & autonomia da cléusula arbitral, na forma do que determina o art. 8° da Lei de Arbitragem A decisio segue a posicao de outras manifestacdes da jurisprudéncia brasileira, que tem sido tunissona no sentido de respeitar integralmente a opcao das partes quando escolhem a arbitra- gem para dirimir seus litigios.” (O principio da autonomia da clausula arbitral na jurisprudéncia brasileira, in Revista de Arbitragem e Mediacdo, Sao Paulo, n® 27, p. 265-286, out/dez. 2010). 4 - Arbitragem Comercial e Internacional principio convertido em norma por diversas legislagdes,”° 0 que fez com que a Lei Modelo da UNCITRAL*” 0 incorporasse. Do ponto de vista te6rico, a clausula arbitral é um negécio juridico de organizagao,”* pois, pelo seu objeto de afastar a cognigao judicial (...) “cuida-se de negécio processual””® O conceito de negécio juridi- co processual, que segundo Clévis do Couto e Silva 6 sempre disposi- tivo, esté mencionado no art. 158 do CPC que dispde sobre os efeitos dos “atos das partes” e processual. A sua autonomia deve ser entendida como a independéncia em relagao ao contrato, de cujo destino estd desligada. Assim, a validade e licitude da clausula arbitral so examinadas separadamente das do con- trato principal. Alias, a doutrina e os tribunais anglo-saxGes referem-se a essa qualidade da clausula arbitral como severability ou separability,?°° expressdes essas, que sublinham a independéncia da clausula.?>! Como exemplo, a Lei n® 9.307, de 23 de setembro de 1996, em seu artigo 8, dispoe que “a clausula compromisséria 6 auténoma em relagao ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste nao implica, necessariamente, a nulidade da cléusula compromissdria” "CHAPTER Il, ARBITRATION AGREEMENT Article 7. Definition and form of arbitration agreement (1) “Arbitration agreement” is an agreement by the parties to submit to arbitration all or certain disputes which have arisen or which may arise between them in respect of a defined legal relationship, whether contractual or not. An arbitration agreement may be in the form of an arbitration clause in a contract or in the form of a separate agreement. "SILVA, Clovis do Couto e, Comentarios ao CPC. Sao Paulo, vol. XI, tomo Il, artigos 1046 1102, p. 564, artigo 642, jan. 1982. 2” SILVA, C. do C. e, op. cit., p. 564, artigo 642 Sobre a abordagem norte-americana da doutrina da “separability”: “In the U.S. the basic compromise focuses on whether the party resisting arbitration targets its complaint ‘on the larger contract, which contains the arbitration clause, or on the arbitration clause itself. If the challenging party alleges that the larger ‘container’ contract is invalid ~ for ex- ample, because of fraudulent misrepresentation affecting the entire transaction - and that the arbitration clause is therefore derivatively invalid (it stands or falls with the rest of the contract), then U.S. courts will send this ‘container-contract’ question to the arbitrators. It is only if the alleged invalidating defect goes specifically to the arbitration clause itself - for ‘example, a claim that the clause was included in the contract by fraudulent misrepresenta- tion or that it is so indeterminate or contradictory that there was no real meeting of minds on arbitration — that the court would retain jurisdiction to decide the question. The distinction just drawn (...) is the core of the separability doctrine.” (VARADY, Tibor; BARCELO, John J.; A Autonomia da Clausula Arbitral 115 Mas a independéncia da clausula arbitral em relacao ao contrato em que se insere nao impede que, se a causa de invalidade ou nulida- de do contrato afetar a cldusula, esta seja atingida. E 0 caso tipico dos vicios de vontade: um erro substancial, a fraude e a coagao quando causam a nulidade do contrato principal, arrastam consigo a clausula arbitral, pois esta, contrato que também 6, esta sujeita as mesmas re- gras quanto a sua validade. Todavia, esta hipdtese é uma excegao que precisa ser examinada com muito cuidado, pois hé defeitos do contrato principal que nao se estendem a clausula, e mais, podem mesmo ser objeto dela entrar em acdo. Um exemplo é 0 caso de promessas de pa- gamento de suborno. Estas sao sancionadas pela ordem publica nacio- nal na maioria dos paises e pela ordem publica internacional, havendo mesmo tratados que declaram e sancionam essa ilicitude.’” A clausula arbitral conclufda juntamente com um contrato relacionado com 0 pa- gamento deste suborno nao sera necessariamente nula, podendo ocor- rer uma controvérsia sobre a qualificagdo do pagamento como suborno ou pagamento legal (como no caso dos sponsors em certos paises do Oriente Médio). $6 0 exame dos fatos podera permitir distinguir se os pagamentos eram ou nao ilicitos naquelas circunstancias, o que poderd ser objeto da arbitragem. Outra caracteristica da autonomia da clausula arbitral é a possibi- lidade dela incluir entre os sujeitos a seus efeitos quem nao é parte do contrato principal (embora seja parte na convengao para arbitrar). As- sim, pode ocorrer de uma empresa, controladora de outra, sendo esta Ultima signatdria do contrato principal, poder ser inclufda junto com as partes deste contrato na convencao de arbitragem.*** VON MEHREN, A. T. Intenational commercial arbitration: a transnational perspective. St. Paul: West Group, Fourth Edition, 2009, p. 101), 21 Adj. Capable of being severed or separated; separable into legally distinct rights or ob- ligations, as a contract. The American Heritage® Dictionary of the English Language, Fourth Edition, 2000, Updated in 2003, Houghton Mifflin Company 282 Assim, o pagamento de divida de jogo no Brasil, os negécios com heranga de pessoa viva, e outros. 23 Q ST}, quando do julgamento dos pedidos de homologacao de sentengas estrangeiras, que foram deieridos, pronunciou-se no sentido de que, em casos de incorporacao de empre- sas por outra, esta assume todos os direitos e obrigacdes das cedentes, inclusive a cléusula arbitral (SECs n® 894/UY e 831/FR, julgados em 20.08.2008 e 03.10.2007, respectivamente). Arbitragem Comercial e Internacional Secao Il — A Autonomia da Clausula Arbitral em relacao a Legislacao aplicavel a substancia da controvérsia A clausula arbitral também independe da legislacao aplicavel a substancia da controvérsia. E com base nela que os arbitros podem decidir sobre sua competéncia e sobre a validade da propria clausula. Todavia, embora a clausula arbitral independa da legislagao, ela € afetada pela ordem ptiblica e por normas imperativas que podem, por exemplo, limitar a esfera de aplicabilidade mediante definigGes mais estreitas dos critérios subjetivos ou objetivos de arbitrabilidade (v. Quinta Parte — O Direito Aplicavel ao Litigio). Secao III — Transmissao e Extingao da Clausula Arbitral A cldusula arbitral, como obrigagdo convencional que é, pode ser transmitida. Como todos os contratos, ela também pode extinguir-se. Ainda que se sujeite ao regime geral das obrigagGes, dadas suas carac- teristicas, obedece a algumas regras especificas. A-TRANSMISSAO DA CLAUSULA ARBITRAL A transmissibilidade da obrigacao contida na cldusula arbitral tem ca- racteristicas especiais que a fazem um caso raro. Ela depende da vontade das partes envolvidas (cedente e cessionario), e, também, da contraparte na clausula arbitral. A cessao tem de ser consentida e expressa, claramen- te. A transmissdo da clausula pode ocorrer em casos de sub-rogagao, su- cessao, cessdo de créditos ou de contratos e fusao, cisdo ou incorporagao de sociedades.?™* Ha outros casos, além da transmissao, em que nao signatarios da clausula arbitral sao afetados por seus efeitos e que serao tratados adiante. 1 — Cessdo consentida e expressa Como sabemos, 0 contrato no qual uma cldusula compromis- s6ria esta inserida é independente desta. Tratando-se de ato juridico, ™ V, JABARDO, C. S. “Extensdo” da cléusula compromiss6ria na arbitragem comercial internacional: o caso dos grupos societarios. 125p. Dissertacdo (Mestrado). S40 Paulo. Uni- versidade de S. Paulo. Orientador: Luiz Olavo Baptista. 2009. A Autonomia da Clausula Arbitral uW7 sua existéncia depende de manifestacao de vontade. A vontade, como ocorre em qualquer ato juridico, tem de se manifestar de maneira a nao deixar dtividas quanto a sua existéncia, seja implicita ou explicitamente e, deve estar formulada segundo disponha a lei. No Brasil, a cldusula arbitral 6 ato juridico formal por determina- Jo expressa da lei (como se explicou, o fundamento desse requisito é ‘0 de que essa clausula contém rentncia ao direito), como se vé na Lei de Arbitragem: Art. 42A clausula compromissoria precede a existéncia do litigio e é estipulada por escrito em contrato entre as partes ou em docu- mento apattado.” ( “§ 2° Nos contratos de adesao, a clausula compromissoria so tera eficacia se 0 aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com sua instituigao |...].” (grifamos) O § 2% acima transcrito, embora cuidando de caso particular dos contratos de adesio, além de ser coerente, ilustra bem a necessidade de uma escolha consciente e expressa da via arbitral para que a clausula seja valida. O ensinamento de Clévis Bevilacqua nos seus “Comentarios ao Cédigo Civil”, ainda é atual e de valor: “O modo pelo qual se manifestam as partes nao tem forma rigorosa, em geral. Qualquer que seja a forma, 0 contrato gera obrigacées, salvo se a lei exige forma especial, ou as partes convencionaram estabelecé-la. Eo que nos diz o art. 1079. “A manifestacao da von- tade pode ser tacita, quando a lei nao exige que seja expressa.” A expressa podera constar de algum escrito, de palavra ou de gesto. Qualquer, porém, que seja o modo de manifestar a vontade, nos con- uratos, deve ser inequivoco. O consentimento nao se presume. E taci- to, quando se induz claramente, de atos, que nao seriam praticados, sem 0 animo de aceitar a situagao criada pelo contrato’? (grifamos) 25 BEVILACQUA, C. Cédigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janei- ro: Livraria Francisco Alves, 1958, p. 191 Arbitragem Comercial ¢ Internacional Segundo Silvio Rodrigues, que nao discorda de Clovis: “O contrato tem como substrato elementar a vontade humana. Enquanto nao se externa, mantendo-se oculta no espirito do ho- mem, a vontade conserva-se ignorada de todos, nao adquirindo, por conseguinte, relevancia na vida dos negocios. Somente quan- do se manifesta de maneita séria, obrigante e definitiva é que vai repercutir no campo do direito, criando relacées juridicas. A manifestagdo da vontade - 0 contrato, definido como ato bila- teral, so se aperfei¢oa pela manifestagdo concordante da vontade dos contratantes. Tal manifestacao, externada por uma declara¢ao, pode ser expressa ou tacita. O consentimento é tdcito quando provém de atos do agente, in- compativeis com a decisao contraria. Eis a ementa de um julgado que decidiu hipétese ilustrativa:” (...) 0 consentimento pode resul- tar de ato ou fato inequivoco, que faz presumir a anuéncia do ven- dedor, como seja o inicio da execugao do contrato pela remessa da mercadoria.”. 2 —Cessao tacita da obrigacao de arbitrar A clausula arbitral, obrigatoriamente escrita, pode abranger quem: nao foi signatdrio. Isso ocorre em virtude de um consentimento tacito da pessoa em questao, 0 qual indica sua inequivoca adesao a clausula. Esse tipo de consentimento (tacito) decorre de atos”"” do sujeito os quais indicam a sua adesao ao contrato que contém a cldusula, ou que indicam a aceitagao da obrigacao de arbitrar. E um exemplo alguém intervir espontaneamente num procedimento arbitral. A hipdtese de se admitir a competéncia dos arbitros para determi- nar a extensao dos efeitos da clausula arbitral é rara na pratica e, por envolver apreciacao de matérias de fato que envolvem a comprovagao de uma intengao pode ser questiondvel. RODRIGUES, S. Direito Civil. Sao Paulo: Saraiva, 1973, vol. 3, p. 61 No sentido juridico, que inclui as manifestacdes de vontade por qualquer forma 120 Arbitragem Comercial e Internacional Dow Chemical vs. Isover-Saint Gobain *° é um exemplo de abran- géncia dos efeitos da cléusula compromisséria incluindo empresas pertencentes a um mesmo grupo econdémico. Uma subsididria “A’ da sociedade americana Dow Chemical celebrou acordo de distribuigao com trés sociedades francesas, tendo dai surgido a sociedade /sover- Saint-Gobain. Foi entao firmado um segundo contrato entre a socieda- de “B”, subsidiaria de “A” (portanto, sub-subsidiaria da Dow Chemical), eas mesmas sociedades francesas. Na execucao dos contratos que con- tinham, cada qual, cldusula arbitral propria, surgiram divergéncias. As sociedades “A” e “B”, Dow Chemical, e “X” — outra subsididria da Dow Chemical — demandaram a sociedade Isover-Saint-Gobain pela via arbi- tral. Isover-Saint-Gobain sustentou que o tribunal nao tinha competén- cia com relagao as sociedades Dow Chemical e “X”, pois elas nao eram signatarias dos contratos de distribuicao. O tribunal arbitral decidiu que as fontes de direito adequadas para a avaliacdo dos efeitos da cldusula arbitral eram a vontade das partes € os usos do comércio internacional, especialmente no que tange ao grupo de sociedades. Os drbitros, em seguida, analisaram as circuns- tancias da negociacao, da execucao e da rescisao dos contratos. Con- clufram que, embora nao fosse signataria dos instrumentos, a sociedade “X” os tinha negociado e realizado as entregas previstas. Além disso, costumava corresponder-se com as empresas francesas referindo-se aos “nossos contratos”. Quanto a controladora Dow Chemical, o tribunal concluiu que, por essa razao, ela estaria sujeita aos efeitos da clausula arbitral, jé que era a proprietaria das marcas que eram usadas na co- mercializagao e difusdo dos produtos objeto dos contratos. Ela exercia, ainda, controle absoluto sobre todas as suas subsididrias que participa- ram diretamente da conclusao, execugao ou da rescisdo dos contratos em litigio.#" Decisao interlocutéria do Caso CCI 411, em 198, JDI, 198, p. 899 e ss. Também dispo- nivel no site: “VD. VIDAL, para quem “Cette casuistique gravite cependant autour d'un point de re- pére : le consentement & la clause compromissoire. Dans certains cas, ‘extension se justifie par une certaine proximité du consentement; celui-ci fait @ premiére vue défaut, mais Il n’es Pas loin, et extension de I'engagement compromissoire s'explique par une interprétation extensive du consentement. La part de création dans le raisonnement juridique suivi par les sentences est ici déji appréciable tout en restant limitée a la mise en oeuvre de principes juridiques éprouvés qui assurent un lien entre l'engagement compromissoire qu'il s'agit le cas A Autonomia da Clausula Arbitral No Brasil, a questao é tratada do mesmo modo, e como se disse “verificando-se, no caso concreto, grupo societario, no qual varias socie- dades integrantes tenham participado ativamente da contratagao, quer seja na celebragao, quer na execu¢ao, torna-se possivel que todas se vin- culem ao mesmo procedimento, sem ser fundamental que todas tenham assinado 0 contrato que prevé a cldusula compromissdria. Reconhecida unidade econémica no(s) contrato(s) discutido(s) no processo arbitral, legitima-se a extensdo da cléusula compromiss6ria” O autor entende que a exigéncia legal de forma escrita para a convengao arbitral nao constitui Gbice a sua extensao a partes naosignatarias no ambito do gru- po de sociedades, na medida em que haverd previsdo escrita de cldusula compromiss6ria. O que deve ser examinado € a forga vinculante dessa clausula em relacdo as naosignatarias, que existira quando demonstrada a existéncia de inequivoco consentimento (que poderd ser verificado, por exemplo, com a participagao da sociedade nao signataria ao longo da contratacao). Assim sendo, verificados os pressupostos de aplicagao da teoria, nao ha dbice normativo para sua incidéncia.”* No Reino Unido, 0 que se tem observado nos Ultimos anos, se- gundo Elena Gutiérez Garcia de Cortazar, é uma rejeicao a doutrina do grupo de sociedades quando ha falta de consentimento por parte do ter- ceiro. A autora cita decisio de novembro de 2008 do caso envolvendo Mr. Sancheti (cidadao indiano) e o Reino Unido, com base no tratado bilateral existente entre 0 Reino Unido e a india, no qual a Corte de Apelacao “determined that a stay of court proceedings under Section 9 of the Arbitration Act 1996 will only granted against a party t an arbitra- tion agreement o a person claiming through or under such a party, and that the exitence of a legal or commercial connection with a party to an arbitration agreement was not sufficient for a stay to be ordered”.** échéant de reconnaitre et un consentement implicite, interprété, provoqué, caché ou révélé par certains comportements. Le consentement est ici comme L’Arlésienne de Georges Bizet on ne le vois pas, mais on en parle beaucoup.” (L’extension de l’engagement compromissoire dans un groupe de sociétés: application arbitrale et judiciaire de la théorie de Valter ego Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de la CCl, Paris, v. 16, n. 2, p. 67-80, 2005) 28 G, TEPEDINO, (Consensualismo na arbitragem e teoria do grupo de sociedades. In Revista dos Tribunais, Sao Paulo, v. 903, p. 9-25, jan. 2011) 29 Non-Signatories and Arbitration: Recent Developments, Liber Amicorum Bernardo Cremades, Madrid, Wolters Kluwer Espafia, 2010, p. 564) 122 Atbitragem Comercial ¢ Internacional Outra hipotese de abrangéncia dos efeitos de uma clausula arbitral pode ocorrer em uma relacao de agéncia, quando as circunstancias permitem presumir que as atividades e relagdes comerciais habituais das partes indicam que elas aceitaram a clausula arbitral cujo alcance e efeitos conheciam.2* A existéncia da cldusula arbitral abrangendo terceiros alheios ao contrato no qual ela se encontra, também pode se dar por referéncia, no caso de grupos de contratos ou contratos conexos. O caso, decidido nos EUA, opondo Kvaerner ASA e outros a The Bank of Tokyo-Mitsu- bishi Ltd. e outros,*** é esclarecedor a esse propésito. BCH Energy, LP, celebrou contrato de construgao Turn-key com Metric/Kvaerner Fayet- teville, uma joint venture, para construgdo de uma usina de energia termoelétrica a partir do lixo. Um grupo de bancos de Nova York finan- ciou 0 projeto. Kvaerner e Jones aportaram garantias de boa execucao pelo consércio (performance bonds) em favor dos bancos financiado- res. Houve uma divergéncia no final da obra, e, com base numa cldu- sula compromiss6ria inserida no contrato de construgdo, BCH, o dono da obra deu inicio a uma arbitragem. A BCH sucessivamente fechou a usina e deixou de pagar os empréstimos. O Banco de Téquio ingressou com a¢ao judicial cobrando a garantia. Kvaerner e Jones, entao, apre- sentaram um pedido de instauragao de arbitragem sobre 0 crédito dos bancos decorrente da chamada garantia. O Banco, de sua parte, alegou que nao tinha nenhuma convengao de arbitragem com os demandan- *" “La convention d'arbitrage étend ses effets aux personnes liées par un mécanisme de représentation. Les juridictions frangaises apprécient ce mécanisme au regard du droit ap- plicable, mais en tenant compte aussi du souci, propre au commerce international, de faire participer instance arbitrale les personnes directement impliquées dans le litige. Ce souci a 6té exprimé par la cour d’appel de Paris dans son arrét Orri c/ Lubrifiants — Elf Aquitance, du 11 janvier 1990, dans lequel la cour a considéré que “selon les usages du commerce international la clause compromissoire insérée dans un contrat international a une validité et une efficacité propres qui commandent d’en étendre l'application aux parties directe- ment impliquées dans l'exécution du contrat et les litiges qui peuvent en résulter, des lors quiil est établi que leur situation contractuelle, leurs activités et les relations commerciales habituelles existant entre les parties font présumer qu’elles ont accepté la clause d’arbitrage, dont elles connaissaient existence et la portée, bien qu’elles n’aient pas été signataire du contrat qui la stipulait. Decisao interlocutéria do Caso CCI, caso (affaire) n° 7604-7610, 1995, 210 F. 3d 262 (US App — 4th Circuit, 2000). Autonomia da Clausula Arbitral s. A US Court of Appeals confirmou a decisao do juiz federal ao qual 5 demandantes haviam recorrido para compelir os Bancos a se sub- eterem A arbitragem. A US Court of Appeals entendeu que o Banco taria vinculado a arbitragem para valer-se da garantia. Isso porque 0 ontrato de construgao (do qual o banco nao era signatdrio) continha ma cldusula compromissoria abrangente, determinando que contro- érsias “relativas ou derivadas do” contrato de construgao deveriam solucionadas mediante as regras da American Arbitration Associa- ion. Os juizes da Court of Appeal entenderam que o contrato de ga- rantia continha uma disposicgdo determinando que ao garantidor eram dados os mesmos “direitos e recursos” concedidos a joint venture sob ‘o contrato de construcao, e a clausula compromissdria do contrato de construcao assim teria sido incorporada a garantia. Concluido, como ‘a controvérsia estava relacionada ao contrato de construgao haveria a ubmissao dos Bancos s obrigacées decorrentes da clausula arbitral. Outro exemplo de abrangéncia dos efeitos da clausula arbitral por referéncia sio as condigées gerais, como lembrado por Philippe Fou- chard.** Ele também menciona decisdes da jurisprudéncia francesa em que os tribunais concluiram que, em determinados casos de sub- rogacao, pode haver a transmissao da clausula arbitral,” daf resultando 3 “(...) C’est a dire que, dans une chaine de contrats, la convention d’arbitrage ne circule ‘que s'il résulte des circonstances que le cessionnaire a accepté, au moins implicitement, “d’étre lié par cette convention. (Onse gardera de confondre cette situation avec celle dans laquelle les mémes parties ont ‘successivement conclu une série de contrats de méme nature sans toujours rappeler qu’elles ‘entendent faire régler leurs différends par voie d’arbitrage. Dans ce dernier cas, il est permis ‘de tirer de la pratique antérieure des parties la preuve de leur intention de soumettre a l'arbi- trage |’intégralité de leurs relations.” FOUCHARD, P.; GAILLARD, E.; GOLDMAN, B. Traité de |'arbitrage commercial international. Paris: LITEC, 1996. p. 442. 2 “La jurisprudence tant étatique qu’arbitrale tend de la méme maniére a admettre que, sauf stipulation contraire, 'acceptation d'une convention d’arbitrage vaut acceptation par avance, par le cocontractante initial, de la subrogation susceptible d’intervenir au profit de Vassureur de son partenaire. FOUCHARD, P.; GAILLARD, E.; GOLDMAN, B. Traité de I’ar- bitrage commercial international. Paris: LITEC, 1996. p. 442 “ainsi, par arrét du 13 novembre 1992, la Cour d’appel de Paris a admis, & propos de l'action intentée devant les arbitres par un assureur subrogé dans les droits de I'assuré qui avait stipulé “une clause compromissoire dans le contrat dont Vassureur tirait ses droits que «par \'effet tans- Jatif de cette subrogation, la clause compromissoire est transmise a I'assureur avec la créance et Jes droits de l'assuré dont elle constitue une modalité” (grifamos) Fouchard, op. cit. p. 447-8 agem Comercial e Internacional abranger outros que nao os signatarios originais. Recorda o exemplo em que um banco, sub-rogado nos direitos do beneficiario de um titulo a ordem endossado a seu favor, podia valer-se da clausula compromis- s6ria inserida no contrato concluido entre o subscritor do titulo e seu beneficiario.“* Mas esses casos tem em comum 0 fato de haver ocorrido em cada um deles uma indiscutivel manifestacao de vontade de que resultou a aceitacao tacita da clausula arbitral.2* Para determinar a extensdo dos efeitos da cldusula arbitral, em todos esses casos, como nao poderia deixar de ser, levou-se em conta que havia manifestagao de vontade, seja porque se tratava da mesma vontade (no caso de grupos econdmicos, desconsiderou-se a perso- nalidade de cada sociedade — e, portanto, sua vontade — para consi- derar apenas a da sociedade de comando do grupo pela identidade de interesses representados), ou porque havia uma pratica constante de atos decorrentes de um contrato onde constava a clausula arbitral, Ou, como ocorreu em certas sub-rogacgGes, porque a intervengao do terceiro decorreu da incorporagao expressa do contrato celebrado pelo sub-contratante que demanda, ao celebrado com que o sub- MAYER, P. Extension of the aritration clause to non-signatories under French Law. In: PERMANENT Court of Arbitration (Ed.). In: Multiple party actions in international arbitration. Nova York: Oxford University, 2009. p. 189-199. O autor aborda a questdo de se um ind viduo ou empresa que nao assinaram e nem consentiram com a cléusula compromisséria poderiam ser a ela vinculados, e examina trés situacdes nas quais isso seria possivel, citando decisdes das cortes francesas, quais sejam: (i) um dos signatérios pertence a um grupo de sociedades; (ii) 0 individuo ou a empresa nao assinaram o contrato, mas participaram da sua Negociagao ou execugao; (iii) quando um contrato contendo uma cldusula arbitral ou um direito decorrente desse contrato é transferido a terceiro, por exemplo, por cessao. OST) admitiu a aceitacao tacita da cléusula arbitral na SEC n® 856 (L’Aiglon S.A. vs. Téxtil Unido $/A. julgado em 18/05/2005). Embora 0 contrato nao tenha sido assinado pela requerida, 0 tribunal entendeu que © requisito da aceitacao de arbitragem fora satisfeito, uma vez que a parte “de acordo com a prova dos autos, manifestou defesa no juizo arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existéncia de cléusula compromisséria”. Jd na SEC n® 866 (Oleaginosa Moreno Hermanos Sociedad Andnima vs. Moinho Paulista Ltda., julgado em 17/05/2006), 0 pedido de homologagao foi rejeitado por ndo haver “elementos seguros” que comprovassem a aceitacao da clausula arbitral. O tribunal verificou que a parte apre- sentara defesa no juizo arbitral alegando a incompeténcia daquela instituic3o, concluindo que: “a participagao de empresa na arbitragem implica aceitago da convengao desde que estando apresente impugnagao sobre a auséncia da mesma.” A Autonomia da Clausula Arbitral 125 roga. Nestas situagdes, a intengdo de obrigar-se foi manifestada po- sitivamente pela conduta inequivoca do sujeito, configurando uma adesao implicita ou tacita 4 convengao de arbitragem. Mas sempre 6 util recordar que o direito brasileiro, como a Con- vengao de Nova York (artigo 2°),?° a Lei Modelo da Comissao das Na- Ges Unidas para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI ou UNCITRAL), € 0 direito de muitos paises, exigem manifestagao escrita da vontade para que ocorra a rentincia ao foro judicial e a escolha do arbitral. Ha flexibilidade quanto ao teor do escrito e sua forma; por ou- tro lado, ha rigor quanto a necessidade da vontade da parte submeter-se ao juizo arbitral ser expressa e inequivoca, constando de um escrito (que nao precisa estar no mesmo contrato). A clausula arbitral é, por natureza, um contrato separado daquele que ser objeto da arbitragem pactuada. Como contrato que é, obedece A regra (de alcance universal) que exige a livre manifestagao da vontade de alguém para obrigar-se perante outrem. Sem que exista a expressao dessa vontade, nao ha contrato. Ao indagar sobre sua existéncia, verifica-se, finalmente, entre ou- tras coisas, se, no relacionamento entre as partes, como ocorreu nos exemplos citados, aquele que se opés a arbitragem alegando a inexis- téncia da clausula arbitral, agiu como se a tivesse aceitado, no bojo de outro contrato ou relagao juridica.?*' 250 Convengao de Nova York, artigo 2°: “Chacun des Etats contractant reconnait la conven- tion écrite par laquelle le parties s‘oblige a soumettre a un arbitrage tous les différends ou certains des différends qui ce sont élevés ou pourtaient s’élever entre elles au sujet d'un rapport de droit déterminé, contractuelle ou non contractuelle, portant sur une question susceptible d’étre réglée par voie d’arbitrage. Onentend par “convention écrite” une clause compromissoire insérée dans un contrat, ‘ou compromis signé par les parties ou contenus dans un échange des lettres ou des télé- grammes.” 251 Hi legislagdes que dispdem expressamente sobre a incluso no procedimento arbi- tral de ndosignatarios da clausula compromiss6ria. Exemplos sao as Leis de Arbitragem da Holanda (artigo 1045), da Ruissia (artigo 7) e do Peru, de 2008, cujo artigo 14 merece ser transcrito: “Articulo 142, El convenio arbitral se extiende a aquellos cuyo consentimiento de someterse a arbitraje, segtin la buena fe, se determina por su participacién activa y de ma~ nera determinante en la negociacién, celebracién, ejecucién o terminacién del contrato que comprende el convenio arbitral o al que el convenio esta relacionado. Se extiende también a quienes pretendan derivar derechos o beneficios del contracto, segtin sus términos.” 126 Arbitragem Comercial e Internaci C — EXTINCAO DA CLAUSULA ARBITRAL Como os contratos, as cléusulas arbitrais extinguem-se porque s objeto se perfez. E também por outras razées — rentincia das partes valer-se dela, novacio etc. 1 — Extingao porque a obrigacao ja se cumpriu Quando a clausula arbitral se refere unicamente a uma divergén: cia ou litigio, ela extingue-se ao ser instaurada a arbitragem, pois 0 set objeto se esgotou.?* 2— Extincao por outras causas Uma das causas de extingao é 0 recurso das partes ao Poder Judi- cidrio, ignorando a existéncia da cldusula arbitral. Ocorre af sua revo- gacao tacita. Outra causa € 0 desaparecimento de uma das partes da conven- Gao — por exemplo, a extin¢do de uma empresa pela faléncia,?*3 ou a Sao Paulo, n. 13. p. 16-29.abr/jun. 2007; WALD, A.. A arbitragem e as empresas em liquidacao estrajudicial. Revista de Arbitragem e Mediacgao, Sao Paulo, v. 5, n. 19, p. 167-190, out/dez., 2008; SANTOS, J. A. P. O instituto da arbitragem no ambito da recu- Peragao judicial. In: FERRAZ, R. (Coord.); MUNIZ, }. de P. (Coord.). Arbitragem doméstica internacional: estudos em homenagem ao Prof. Théophilo de Azeredo Santos. Rio de Ja- neiro: Forense, 2008. p. 155-172 “A arbitragem na recuperacao de empresas”, José Emilio Nunes Pinto (disponivel em http://www.ccbe.org.br/arbitragem.asp?subcategoria=artigos), no qual conclui ser possivel a utilizagao da arbitragem para assegurar a implementagio do Plano de Recuperacao; e RECHSTEINER, B. W. Efeitos juridicos da decretagao da faléncia © da concessio da recuperacao judicial em relacdo a arbitragem no direito brasileiro, In: LEMES, S. F.; CARMONA, C. A.; € MARTINS, P. B, (Coord.). Arbitrage, Estudos em Ho- menagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, In Memoriam. Sao Paulo: Atlas, 2007, p: 351-371 "Lei n® 11.011: “Art. 76. O juizo da faléncia é indivisivel e competente para conhecer todas as agoes sobre bens, interesses e negécios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais ¢ aquelas nao reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo, Pardgrafo nico. Todas as agdes, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terdo prosse- guimento com 0 administrador judicial, que deverd ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do proceso.” “Att. 117. Os contratos bilaterais nao se resolvem pela faléncia e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar 0 aumento do passivo da massa falida ou for necessario 4 manutencao e preservacao de seus ativos, mediante autorizacao do Comité. ia Arbital ‘A Autonomia da Claus a fisica. Na recuperagao judicial ou extrajudicial, morte de uma pesso tilizada desde que haja 0 consenso dos cre- a arbitragem pode ser Ul dores.’" Jo da clausula arbitral também causa No caso da faléncia, a anulaG 0.0 faz. Decaindo a parte do direi- sua extingdo, assim como a prescri¢a to de demandar, a clausula extingue-se- J4 0 compromisso arbitral extingue-se quando é proferida a sen- tenga. Também, por vontade das partes. Por ser um negécio bilateral, todas as partes devem concordar com 0 distrato. A qualquer momen- to, as partes podem desfazer 0 compromisso, mesmo que ja protert- da a sentenga. Havendo vontade manifesta das partes, nao ha como obrigd-las a aceitar a decisao arbitral, assim como ocorre na sentenga judicial. Além disso, a extincao do compromisso arbitral também pode ‘ocorrer nas hipoteses do artigo 12 da Lei de Arbitragem: (i) quando qualquer Arbitro recusat-se, antes de aceita a nomeacao, € as partes tiverem deliberado que nao seria aceito substituto; (ii) quando, tam- bém, deliberado pelas partes que nao seria aceito substituto em caso de falecimento ou impossibilidade do arbitro proferir seu voto; (iii) quan- tiver expirado 0 prazo fixado no compromisso € © arbitro, embora ‘otificado a respeito do prazo de 10 dias para apresentar 4 sentenca pitral, nao profira sua decisao.’” prazo de até 90 (noventa) lar o administrador judicial, nO dentro de 10 (dez) dias, 42.0 contratante pode interpel fas, contado da assinatura do termo ce sus nomeacao, para que, Jare se cumpre ou no 0 contrat 38 A declaracio negativa ou o silencio do administrador judicial confere a0 contraente © ito a indenizagao, cujo valor, apurado er processo ordindrio, constituira crédito quiro~ sfario.” V. NUNES PINTO, J. EA arbitragem "a recuperacao de empresas, artigo publicado Jus Navegandi, < http://jus2 ol.com.br/doutrina/texto.asptide7170> Elaborado em 2005, consultado em 27/12/2008 CARMONA, C. A. Arbitragem @ Processe = Um Comentario a Lei Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 21-22. DOMM, ‘Arbitragem e Processo — Um Comentario fe) 9.307/96. 3. ed. Sao Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 220-224 _ Arbitragem e Pro- ~ Um Comentario 3 Lei 9.307/96. 3. ‘Fd, So Paulo: Editora Atlas, 2009. P. 408-409. INS, P. A. B. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. 1. ed. Rio de Janetro. Editora se, 2008. p. 178-183. n® 9307/96. 3. ed Capitulo VI Elementos Basicos As clausulas arbitrais, como vimos, geralmente estao inseridas em algum contrato e, dessa forma, submetem-se a lei aplicavel ao mesmo quando nela nao houver escolha especifica.°° Ao optar por nao submeter o processo arbitral as regras de algu- “ma instituigao dedicada a administragao e facilitagao das arbitragens, convém ter em mente alguns aspectos importantes, tais como o pro- cedimento para nomeagao dos arbitros ou do arbitro nico, confor- me 0 caso, a sede da arbitragem, a lingua e lei aplicaveis no caso de contratos internacionais, além de disposigGes relativas 4 execugdo da clausula. Esses elementos sao basicos e necessarios para que a clausula seja eficaz. cao | - Nomeagao dos arbitros*” O primeiro elemento basico é a determinagao do ntimero de arbi- s e da forma de nomeacao dos mesmos. O 4rbitro singular é menos sado que a triade***. Sdo raros os casos com numero par ou maior le trés, pois a operacionalidade e eficiéncia do tribunal arbitral fica sjudicada’”’. REDFERN, A. e HUNTER, M. International commercial Arbitration. Londres: Sweet & well, 1986, p. 112 e115 V. Capitulo Vill As regras da CNUDCI/UNCITRAL estabelecem que na omissio ou na auséncia de senso das partes, os Arbitros serdo trés. Varios paises seguem o mesmo preceito. Segundo Barrocas, as cdmaras arbitrais adotam a indicacdo de arbitro Gnico mais am- inte em seus regulamentos do que as leis de arbitragem, para que possam admitir 0 némero possivel de processos a menor custo. Ver BARROCAS, M. Pop. cit., p. 238. 130 Arbitragem Comercial e Internacior A-MODALIDADES Quando a regra estabelecida é de serem trés os Arbitros, o sister mais comum é 0 de cada parte escolher um arbitro, e os arbitros escolhi dos indicarem o terceiro. Nao havendo consenso entre eles, recorre-se alguma autoridade externa. A escolha do terceiro também pode ocorrer por consenso das par- tes. Tal como ocorre com a escolha pelos drbitros, convém designa uma autoridade externa para elegé-lo no caso de impossibilidade d escolha conjunta dentro de certo perfodo. E claro que os prazos estabelecidos na clausula para escolha dos arbitros, como outros, podem ser modificados pelas partes de comum acordo. Certos contratos-padrao, criados por associagdes de comerciantes internacionais, em especial as ligadas a compra e venda de commodi- ties, contém clausulas arbitrais que delegam a essas entidades o poder de escolher os drbitros (ou limitam sua escolha a uma lista aprovada por elas). B - SUBSTITUICAO E prudente, também, regulamentar 0 caso de impedimento de al- gum dos arbitros e a forma de substitui-lo. A substituigdo de um rbitro pode ocorrer, ainda, por consenso das partes, por razOes variadas — a verificagao de que nao preenche os requisitos de competéncia especifica, falta de tempo e quaisquer outros que as partes entendam ser valido. O usual é que a parte que escolheu o arbitro indique o substituto; todavia, alguns regulamentos arbitrais dispdem de outra maneira. O impedimento pode decorrer de qualquer causa — a impugnacao do arbitro por falta de independéncia presente ou contlito de interesses que venha a ocorrer no curso da arbitragem, ou razées de satide, e até mesmo o falecimento de um dos rbitros. De qualquer forma, se a pes- soa escolhida nao puder exercer a fungao, deve ser substituida, e é isto que a clausula deve contemplar. Uma cldusula cuidadosamente redigida deveria conter disposicao Jativa a impedimento temporario (em geral, por razdes de satide, mas dendo ter outras causas), definindo o prazo de tolerancia, passado o qual seria substituido 0 arbitro. No caso do terceiro drbitro, ou presidente do tribunal, como se usa designar, a forma de substituigao mais comum éseguindo a mesma ‘regra da nomeacio original. ecao I — Lugar da arbitragem Nao é preciso recordar a importancia do local da arbitragem, so- bre o qual se fala mais extensamente em outro local deste livro (v. Ca- pitulo XI - O Direito Aplicdvel ao Procedimento). Nao é matéria de simples conveniéncia, mas tem importancia do ponto de vista juridico pois numa arbitragem nao administrada serao aplicadas supletivamen- te as regras do local escolhido, salvo se uma legislacao especifica for escolhida para reger 0 processo arbitral. Deve-se ter presente nessa escolha, também, se o pais onde fica a sede da arbitragem é signatario da convengao de Nova York, pois isso é garantia da exequibilidade do laudo. Também € util levar em conta a facilidade de transportes € aces- sibilidade do local, além da disponibilidade de meios modernos de comunicagao e alojamento. Finalmente, o pais onde ficara a sede da arbitragem deve ter uma legislacao sobre arbitragem moderna e um poder judiciario simpatico a arbitragem. Secao III - Idioma da arbitragem A lingua da arbitragem é outro aspecto importante, @ caso a de uma das partes nao predomine, convém escolher uma terceira lingua neutra. Neste caso, é preciso levar em conta que as express6es juridicas de cada idioma referem-se a significados precisos dentro de um sis- tema. Embora pertencente a uma das grandes familias do direito — 0 sistema romano germanico, 0 da common-law, ou algum sistema de fundo religioso como a sharia adotada nos paises muculmanos — ha Arbitragem Comercial e Internacional diversidade em varios pontos, em decorréncia da evolucao histérica. A escolha de uma lingua que nao corresponda aquela falada em pais integrante de uma determinada familia do direito, 4 qual pertence a lei escolhida pelas partes, sera fonte de dificuldades. A escolha de uma terceira lingua pode também ser fonte de des- pesas adicionais com tradugdes. Uma forma de se evitar essas despesas é, havendo concordancia das partes, incluir no Termo de Arbitragem ou documento afim previséo de que os documentos produzidos em determinada(s) lingua(s) poderao ser apresentados em sua versao origi- nal, sem necessidade de traducao. Secao IV - Lei aplicavel E preciso distinguir bem quanto a lei aplicavel —a expressao refere-se a duas situagdes. Uma é a lei aplicavel a relagao juridica decorrente do contrato, que alguns chamam de lei material ou substantiva, outra é a lei aplicavel ao procedimento arbitral e sua execucao. Além desses elementos basicos, hd outros, opcionais, que as partes poderao incluir. Exemplos de clausulas arbitrais detalhadas podem ser encontrados no Anexo II. Capitulo VII Efeitos da Clausula Arbitral A clausula arbitral valida produz dois efeitos diretos: um positivo, de submeter as partes ao juizo arbitral, e outro, negativo, de subtrair o conhecimento da questao a jurisdic¢ao estatal. Este ultimo efeito decorre de uma rentincia das partes a valer-se da jurisdigdo estatal, enquanto 0 primeiro vincula-as contratualmente a solucao arbitral’. Todavia, a cldusula arbitral pode padecer dos mesmos defeitos de qualquer outro contrato — desde aqueles que acarretam sua nulidade, em razao da inarbitrabilidade subjetiva ou objetiva, até aqueles que de- 29 No Brasil, Lei n® 9.307/96: “Art. 72 Existindo cléusula compromisséria € havendo re- sisténcia quanto & institui¢ga0 da arbitragem, poderé a parte interessada requerer a citagao da outra parte para comparecer em juizo a fim de lavrar-se © compromisso, designando (0 juiz audiéncia especial para tal fim.” Lei Modelo da UNCITRAL: “Article 8. Arbitration agreement and substantive claim before court (1) A court before which an action is brought in a matter which is the subject of an arbitration agreement shall, if a party so requests "not later than when submitting his first statement on the substance of the dispute, refer the parties to arbitration unless it finds that the agreement is null and void, inoperative or in- capable of being performed.” Na ltélia: Decreto Legislativo de 2 fevereiro de 2006, n. 40, Capo II: modificazioni al codice di procedura civile in materia di arbitrato, “Art, 819-ter "(Rapport tra arbitri e autorita giudiziaria). La competenza degli arbitri non é esclusa dalla pendenza della stessa causa davanti al giudice, ne’ dalla connessione tra la controversia ad essi deferita ed una causa pendente davanti al giudice. La sentenza, con la quale il giudice afferma o nega la propria competenza in relazione a una convenzione d'arbitrato, é impug- nabile a norma degli articoli 42 e 43. Leccezione di incompetenza del giudice in ragione della convenzione di arbitrato deve essere proposta, a pena di decadenza, nella comparsa di risposta. La mancata proposizione dell’eccezione escluce la competenza arbitrale limi- tatamente alla controversia decisa in quel giudizio. Nei rapporti tra arbitrato € processo non si applicano regole corrispondenti agli articoli 44, 45, 48, 50 € 295. In pendenza del procedimento arbitrale non possono essere proposte domande giudiziali aventi ad oggetto Vinvalidita 0 ineificacia della convenzione d'arbitrato.” 134 Arbitragem Comercial e Internacional correm de falhas em sua tedacao, tornando-a defeituosa, contraditéria ou nao operacional. Neste caso, cabe uma interpretagao da cléusula, a qual pode permitir que a mesma, apesar dos defeitos, ainda opere. Trata-se do que se conhece como dar efeito Util ao texto.2"" A doutrina indica que o principio do efeito titil vem sendo adota- do pela jurisprudéncia brasileira ao exarar decisGes que convalidam e reiteram os efeitos de cldusulas compromiss6rias omissas, lac6nicas ou: contradit6rias, determinando que as matérias sejam resolvidas na sede arbitral. Vejamos mais de perto estas hipoteses. Secao | — Efeitos Positivos da Clausula Arbitral A clausula arbitral apresenta dois efeitos Positivos: obriga as par- tes a submeter suas divergéncias a arbitros e atribui competéncia a eles. A obrigacao das partes de submeterem-se ao juizo arbitral, nas- cida de uma clausula de arbitragem, 6 fruto do principio pacta sunt servanda, ou seja, de que o contratado é lei entre as partes. O princi- pio da for¢a obrigatéria dos contratos é traduzido em regras do direi Positivo, figurando de modo expresso na legislacdo de muitos paises, estando implicito na dos demais. Esse Principio visa assegurar a order 1 na economia € permitir que negdcios possam ser feitos e dividas sejar Exemplo da aplicagao desse principio na contrado na sentenca arbitral do caso CCI n® 5.983, de 31 de outubro de 1989: “On pe ailleurs relever qu une telle interpretation, qui assure la validité de la clause arbitrale, seule conforme [au Code de I'Etat X régissant les contrats), aux termes duquel / jurisprudéncia internacional pode ser e (ch. en ce sens la sentence dans la cause CCI 5.103, Clunet 198% 8, p. 1206 ss., spéc. 1209, les autres sentences citées au sujet de désignations incorrectes de l'institution d'arbitrage): Tribunal Arbitral composto pelo Pr ‘ofessor Jean-Francois Poudret, Lausanne, Presiden Keorges Flécheux, Paris e Lucien Simont, Bruxelas, com sede em Genebra (in (ed), ASA Bul letin, 1993, Volume 1 1, Issue 4, p. 507-519), Efeitos da Clausula Arbitral 135 A jurisprudéncia arbitral também reconhece a importancia e vali- dade desse principio.?°* Ao lado do principio da forga obrigatéria dos contratos, encontra- mos o da boa-fé na execugao dos contratos e, por vezes, os dois prin- cipios aparecem como fundamento de decisdes*** como o reconhece a doutrina.2“ O descumprimento do contratado é visto como infragao ao dever de boa-fé. Varios tratados, a comegar pela Convencao de Genebra de 1923," reconhecem o efeito positivo da clausula arbitral, tema retomado com mais vigor pela Convengao de Nova York de 1958.% Também a Con- 20, entre outras, a Sentenca CCI n® 3540 (1980), JDI, 1981.915, em especial p. 917 € comentario de Yves Derains; a Sentenga CCI n® 2321 (1974), Yearbook, 1976, 133; a Sen- tenca ICSID de 20 de novembro de 1984, caso Amco Asia v. Indonesia, JDI, 1987, 145, em especial p. 154, nota de Gaillard. 26 Brasil: Superior Tribunal de Justica. Principio da forga obrigatéria dos contratos. REsp. n® 33458/SP, Terceira Turma, Ministro Eduardo Ribeiro, 13 de junho de 1994. V. Também. ‘AgRg no REsp. n® 969596/MG, Quarta Turma, Ministro Jodo Otdvio de Noronha, 18 de maio de 2010. 21, MAYER P,, Le principe de bonne foi devant les arbitres du commerce international, In: Etudes Lalive, p. 543 e ss. 255 “art, 12, Each of the Contracting States recognises the validity of na agreement whether relating to existing or future differences between parties, subject respectively to the juris- diction of different contracting states by which the parties to a contract agree to submit to arbitration all or any differences that may arise in connection with such contract relating to commercial matters or to any other matter capable of settlement by arbitration, whether or not the arbitration is to take place in a country to whose jurisdiction none of the parties is subject. Each Contracting State reserves the right to limit the obligation mentioned above to contracts which are considered as commercial under its national law. Any Contracting State which avails itself of this right will notify the Secretary-General of the League of Nations, in order that the other Contracting States may be so informed” The Geneva Protocol on arbitration clauses, 1923 26 “Antigo Il, 1. Cada Estado signatério deverd reconhecer 0 acordo escrito pelo qual as partes se comprometem a submeter & arbitrage todas as divergéncias que tenham surgido ‘ou que possam vir a surgir entre si no que diz respeito a um relacionamento juridico defi- ido, seja ele contratual ou nao, com relagao a uma matéria passivel de solucdo mediante arbitragem. 2. Entender-se-d por “acordo escrito” uma clausula arbitral inserida em contrato ou acordo de arbitragem, firmado pelas partes ou contido em troca de cartas ou telegramas 3. O tribunal de um Estado signatério, quando de posse de acao sobre matéria com relacao a qual as partes tenham estabelecido acordo nos termos do presente artigo, a pedido de uma Arbitragem Comercial e Internacional vengao de Genebra, de 21 de abril de 1961, aborda a matéria de modo obliquo ao estabelecer no seu artigo 8° 0 modo de escolha dos arbitros pelas partes. A clausula de arbitragem estabelece uma obrigagao de fazer, cuja execugao é especifica. A citada convencao de Genebra de 1961, assim como a Lei de Arbitragem, no Brasil, regulam como se procederé no caso de inadimpléncia por uma das partes. A questo das imunidades de jurisdigao e execugao esta ligada aos efeitos positivos das clausulas arbi- trais e a questao das imunidades de jurisdigao e execucdo. Em geral, os arbitros, decidindo sobre sua competéncia, consideram que o Estado que subscreveu uma clausula de arbitragem renunciou a sua imunidade de jurisdigao, e esta vinculado nao s6 em razao da boa-fé, como do princi- pio da forga obrigatéria dos contratos. O caso da imunidade de execucao foge ao ambito da cléusula arbitral. Sobre esta matéria, a obra de Antenor Madruga’®” é basica no direito brasileiro. Como se disse, os arbitros tém competéncia para decidir sobre sua jurisdigao, e esta 6 decorréncia do efeito positivo da clausula ar- bitral. Segundo Fouchard,?" a relacao existente entre os arbitros e as partes, da qual decorrem direitos e obrigagdes para aqueles, procede de um ato distinto, a aceitagdo da nomeagao. A investidura dos arbi- tros e sua competéncia, por isso, sao distintas. A primeira confere a eles o poder de decidir ou julgar, e a tiltima determina a abrangéncia da jurisdicgao. A clausula de arbitragem (mais frequentemente 0 compromisso ou equivalente), ao indicar 0 objeto do litfgio, em principio, delimita o poder judicante dos drbitros. Todavia, cabe tomar essa afirmacao com um grao de sal, porque no curso da arbitragem aparecem reconven- ges, demandas acessérias, que poderiam modificar ou ampliar essa competéncia. delas, encaminhara as partes & arbitragem, a menos que constate que tal acordo € nulo e sem’ efeitos, inoperante ou inexequivel.” MADRUGA FILHO, A. P. e GARCIA, M. (coords.). A imunidade de jurisdicao e 0 judi- cidrio brasileiro. Brastlia: CEDI, 2002 2 FOUCHARD, P. et alli., Traité de'larbitrage commercial international. Paris: Litec, 1996. tos da Cldusula Arbitral 137 Mas, como todo texto, a clausula de arbitragem pode ser inter- retada, sobretudo, quando uma leitura gramatical afronte a ldgica ou ulte em ambiguidade. Para avaliar a importancia da interpretagdo da onvencao de arbitragem basta recordar 0 que se disse a propésito da rangéncia da clausula arbitral (v. Capitulo V, Segao Ill, B - Abrangén- cia da clausula arbitral). O principio de que os arbitros avaliam sua propria competéncia é conhecido como “principio da competéncia-competéncia’* € os es- critos a propdsito s40 muitos. Esse principio 6 admitido pacificamente hoje em dia, e aparecem em tratados como a Convengao de Genebra de 1961, que 0 contempla no seu artigo V, pardgrafo 3, na Convengao de Washington que criou 0 ICSID, no artigo 41; também aparece no projeto de Lei Uniforme da CNUDCVUNCITRAL, no artigo 16, pardgrafo 3, e em outros textos.”7! Finalmente, vamos encontrar essa regra Nos principais regulamen- tos arbitrais. Seco II - Efeitos Negativos da Clausula Arbitral O primeiro efeito negativo da clausula de arbitragem € 0 afasta- mento da competéncia do juizo estatal. 2%. a critica de Fouchard quanto ao uso da expressao alema Kompetenz-kompetenz, mais um exemplo de sua qualidade como comparatista. FOUCHARD, P.; GAILLARD. E; GOLDMAN, B. Traité de arbitrage commercial international. Paris: Litec, p. 409-416, 1996. 270 Ver a citacdes de Fouchard, nota 60, p. 409; GOLDMAN, Berthold. Arbitrage in Ency- clopédie Dalloz - Droit International, 1968. MAYER, Pierre. Lautonomie de Varbjtre inter ational dans l'appréciation de sa propre compétence in Collected Courses of The Hague ‘Academy of International Law. Vol 217, Parte V, 1989 2 Art. 16 (1) da Lei Modelo UNCITRAL, materializado nos artigos 8°, pardgrafo Unico, € 20 da nossa Lei de Arbitragem; Artigo 18 da Lei espanhola 36/1988; Artigo 1697 do Cédigo Civil Belga; Jurisprudéncia: 6-/-0/2005 — Processo n® 2004.209.003660-3 ~ 2VC Barra da Tijuca - Rainbow/Saie et al. Texaco Overseas Petroleum Company and the California Asiatic Oild Company v. The Government of the Libyan Arab Republic (January 19, 1977); Hilaire, Constantine and Benjamin et al v. Trinidad and Tobago Preliminary Objections Judgment of September 1, 2001) and Case Judgment of June 21, 2002), Inter-American Court of Human Rights; First Options of Chicago, Inc. v. Kaplan, 514 US 938 (1995). 2) \, ANEXO Ill - REGULAMENTOS DE INSTITUIGOES ARBITRAIS E REGRAS DE ARBI- TRAGEM. 2) SEC n® 6. 753/UK. E 2008 — Apelacao Civel n® 70023007396 — TIRS - CORAQUIM INDUSTRIA DE PRODUTOS QUIMICOS E REPRESENTACOES LTDA. x TFL ITALI S.P.A Arbitragem Comercial e Internacional Este aparece na Lei da Arbitragem’”* e em tratados internacionais, como 0 protocolo de Genebra de 1923, no artigo IV, alinea 1, na Con- vengao de Nova York de 1958, artigo Il paragrafo 3, e na Convengao de Genebra de 1961, artigo VI, paragrafo 3. A lei modelo da CNUDCVUNCITRAL contém essa regra no artigo 8°, formulado de modo similar ao que se 1é na Convencao de Nova York. A maioria das legislagoes também consagra essa regra. O efeito negativo nao é absoluto porque depende, como € 6dbvio, da validade da clausula de arbitragem.?”° Ao defrontar-se com uma clausula arbitral, 0 juiz nao pode, sponte propria, alegar sua incompeténcia — € preciso que uma das partes susci- te a questao’”®. Isso decorre do fato de que as partes podem desistir ta- citamente do juizo arbitral se uma delas, tendo apresentado a demanda a outra, nao arguir a incompeténcia do juizo em razdo da existéncia da cldusula de arbitragem e responder 4 demanda. Como vimos no Capf- tulo V, Secao III — Transmissao e Extingao da Clausula Arbitral-supra), essa 6 uma das causas de extingao da clausula arbitral. Em direito internacional, essa solugao aparece no Protocolo de Genebra de 1923, artigo Il, pardgrafo 3, na Convengao de Nova York de 1958, e pela de Genebra de 1961, artigo VI, pardgrafo 3. Lei n® 9,307/1996: “Artigo 4° A clausula compromisséria é a convengao através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter a arbitragem os litigios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato." V., a titulo exemplificativo, Al n® 460.034-4/5-00, TJSP; Apel. Civ, n® 316.842-1, TIPR, muito embora em algumas decisées o principio competéncia-competéncia tenha sido rela- tivizado (v., por exemplo, 0 caso julgado pelo TIMG ~ Apel. Civ. n 445064-4, 471260-9 e 002681-2, que “avocou para si a apreciacao da cléusula compromiss6ria, em seus termos € limites, como condigao prévia eventual extingao do processo sem julgamento de mérito” (in Pesquisa FGV-CBar: http:/Avww.cbar.org.br/PDF/Validade_Eficacia_e_Existencia_da_ Convencao_Arbitral pdb) 27% Hé casos julgados pelo Tribunal de Justica de Minas Gerais nos quais o processo foi ex- tinto sem julgamento do mérito de offcio pelo juiz (v. Apelagdes Civeis n®* 2,0000.00.425811- 7/000 e 2.0000.00.394534-0/000). Em outros casos, 0 Tribunal adotou posicionamento diferente, manifestando-se pela necessidade de a existéncia da clausula arbitral ser arguida pela parte (Apelacao Civel n® 1.0702.04.169908-4/001), Os Tribunais do Distrito Federal (Apel. n£. 2005.01.1.038212-9) e do Rio de Janeiro (Apelagao n® 2007.007.48344) ja se manifestaram pela impossibilidade de o juiz conhecer de oficio a cléusula compromiss6ria: sitos da Clausula Arbitral O juiz apreciara a questao da existéncia de uma clausula de arbitra- — que afastaria sua competéncia —no momento em que ela for arguida. s poderd também decidir, naquele ou em outro momento, por provoca- io. de uma das partes sobre a validade (como ato juridico) da clausula de itragem. Esse exame da questao poderia ser visto, diz Fouchard, como a expressdo negativa do principio “competéncia-competéncia”. Esta questao é delicada porque se reveste de aspectos politico-judi- jais e reflete um modo de pensar dos juizes de cada nagao, daf por que matéria no é tratada de forma idéntica por toda a parte, ainda que em jas linhas gerais seja aceita. ao II — Clausulas arbitrais patologicas Chamam-se patologicas as cldusulas que apresentam defeitos que tornam inconsistentes, incertas ou inoperantes. Segundo Lemes, “[als clausulas patoldgicas sao pedras no caminho la arbitragem e dois serao os percursos adotados. Primeiro, quando a clau- ula denotar que a arbitragem seria institucional, a parte interessada dirigira solicitagao de abertura de processo arbitral, competindo ao drgao arbitral fetuar andlise prévia (prima facie) para decidir se tem competéncia para administrar 0 processo, dando inicio a arbitragem. Em seguida, 0 tribunal arbitral verificard se tem competéncia para decidir a controvérsia. Caso opte pela negativa, determinara que as partes instituam a arbitragem no judicidrio. O segundo caminho, que também convergird para 0 judiciario, ocorrerd se a cldusula nao der a minima orientagao de como proceder”.”” No exame dessas clausulas, 0 intérprete deverd observar em pri- meiro lugar 0 tipo de defeito da cléusula, e proceder tendo em vista o principio do efeito Util no exame que delas fara. A -INCONSISTENCIA A inconsisténcia pode ser aparente ou real. De qualquer modo, uma regra tradicional de direito manda que se busque uma interpreta- 27 Cldusulas arbitrais ambiguas ou contraditérias e a interpretagao da vontade das partes. In: Reflexdes sobre Arbitragem. In Memoriam do Desembargador Claudio Vianna de Lima, Pedro Batista Martins e José M. Rossani Garcez (orgs.). S40 Paulo: LTr, 2002, p. 188/208.

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