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TEXTO #04 DA SÉRIE

#contágiosinfernais

ORGANIZADORES:
fellipedosanjos e joãoluizmoura

ESCRITO POR
FábioPy*

*Professor do Programa de Pós-


Graduação em Políticas Sociais da
Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF). Doutor em Teologia
pela PUC-Rio.
INTRODUÇÃO
A teologia está em cena e é uma arena em disputa. Isso
se percebe desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro
em 2018, quando utilizou como base o famoso versículo
de “conheces a verdade, e a verdade vos libertará”, do
Evangelho de João (Jo. 3, 32). Com ele, impulsionou sua
disputa política entre os setores cristãos. O que é pior:
os setores mais intelectualizados e acadêmicos não
percebem ou ignoram essa disputa. Nisto, é preciso ser
enfático: não colocar a teologia em pauta é perder de vista
o poder existente em sua utilização política pela via do
fundamentalismo cristão das grandes corporações.
Destaco tal dado porque uma teologia parece
acompanhar um movimento que abarca desde o governo
autoritário de Bolsonaro, passando pela “Bancada
Evangélica” (ou de forma mais expandida a Frente
Parlamentar Evangélica – FPE) e se reflete, sobretudo, no
cotidiano das favelas, das roças e das periferias. Em tais
contextos, uma expressão específica de teologia encontra
seu idioma. É comum no dia-a-dia ouvir os chamamentos:
“Vai com Deus”, “Deus abençoe”, “A Bíblia diz”. Portanto,
desprezar a força da teologia no cotidiano é desprezar
(Pollack, 1987) um dos fatores mais importantes que
contribuíram para eleição de Bolsonaro e cegar-se de
que uma expressão teológica tornou-se forma de poder
institucional (Schmidtt, 1988; Py, 2020). Sobretudo, à
teologia apologética das grandes corporações tonificam o
atual poder político do Brasil (Py, 2020).
Contudo, ao mesmo tempo, devo ressaltar que
essa expressão teológica, sustentáculo do atual
governo é apenas uma fração do imenso ramo das
teologias, atualizadas continuamente no cotidiano.
De fato, atual teologia governamental, ao apropriar-se
das teologias populares, opera uma simplificação das
questões e problemas da fé. Castra todas as possibilidades
de vivências plurais (Pollack, 1987; Das, 2006). É filha
do fundamentalismo evangélico que se monetariza em
prol das grandes corporações, como a Igreja Mundial
do Poder de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus,
a Assembleia de Deus Vitória em Cristo e tantas outras
em moldes próximos. Portanto, a governabilidade de
Bolsonaro se estrutura prioritariamente a partir das pautas
cristãs presentes no cotidiano dos contextos populares,
mas moldada por um corte fundamentalista, alimentada
pelas grandes corporações evangélicas e suas influências
orgânicas no atual governo.
Logo, este pequeno livro, busca destacar que,
diante da pandemia do novo coronavírus, que causa a
COVID-19, as grandes estruturas evangélicas são
partes monumentais das forças que compõem o
bolsonarismo. Essa força se exerce tanto por meio da
atuação da Bancada Evangélica, quanto na ação direta
junto às bases sociais cristãs. Assim, se alienar das pautas
teológicas é não entrar na disputa pelos termos e semânticas
que envolvem a fatia fundamental da população brasileira.
Esse é o problema chave dos setores progressistas hoje: não
se atentam que as periferias suspiram teologias (Birman &
Machado, 2012).
Por isso, a importância deste pequeno livreto. Nele,
há o reconhecimento de que as bases do bolsonarismo se
plainam a partir da racionalidade religiosa. Logo, deve-
se dizer que me posiciono junto à teologia da libertação
latino-americana (Schwantes, 2001; Boff, 1972; Gebara,
2002). Tomo tal posição, por seu recurso de intenso diálogo
com as ciências humanas. Assim, nesta obra, a intenção
é inicialmente destacar a base política de Bolsonaro,
destacando a forma de utilização teológica do presidente
para manter-se no poder. Ao final, busco um exercício
de interpretação bíblica para indicar caminhos, linhas
de esperança (Schwantes, 2001). Antes, porém, alguns
detalhes sobre o lugar vivencial da teologia da libertação
latino-americana.

EXÍLIOS E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO LATINO-


AMERICANA NOS TEMPOS DE COVID-19
A teologia da libertação latino-americana é um discurso
sobre o divino em sua relação com os desastres naturais, as
pestes e as guerras do continente. Nossas dores são nosso
lugar de vivência de Deus. Logo, o exílio (Schwantes, 1989;
Gebara, 2000) é nossa condição estrutural. Por essa linha,
o jesuíta John Sobrino (2001) destaca que os desastres,
tanto aqueles os provocados pela natureza, quanto às
mazelas resultantes do processo histórico como a pobreza
e insalubridade ajudaram a construir os cristianismos
latino-americanos. No livro: “Onde está Deus? Terremoto,
terrorismo, barbárie e utopia”, de 2001, Sobrino, sintetiza
as dores e a imaginação teológica entre os escombros
dos terremotos de El Salvador, de 13 de janeiro e 13 de
fevereiro de 2001.
Naquele contexto, o teólogo retoma uma indagação
da Europa “onde Deus estava diante Auschwintz?” - algo
tão profundo e importante após a II Guerra Mundial. Na
indagação, enfatiza o grito de desespero por Deus diante
do horror dos campos de concentração na Alemanha. Com
isso, o jesuíta se envolve com a produção de religiosos e
religiosas, que construíram reflexões críticas em meio
ao desespero das guerras. Logo, Sobrino pondera que o
questionamento “onde está Deus?” tornou-se lugar de
sentido tanto na Europa cingida pelo nazismo, quanto
na América Latina, sob escombros dos terremotos. Ao
indagar-se “onde está Deus?”, amplia a questão ao inquirir
“quem é Deus diante do Mundo?”. Quem é Deus diante de
tanta miséria? Quem é Deus diante das desgraças? Quem
é Deus diante das espirais de violência que cotidianamente
devastam populações? No conjunto de questões incubadas
nos desastres que assolaram a Europa, brotou uma
inteligência religiosa renovada a partir da década de 1960
(Gebara, 2000; Dussel, 2013).
Se pensar quem é Deus diante da tragédia é
importante, imagine por entre os territórios que
serviram de colonização contínua europeia (Dussel, 2013).
Territórios que sustentaram nos lombos sua seletiva e
racista modernidade burgo-capitalista. Sobre isto, não
se pode esquecer o ímpeto de Aimé Césaire: “A Europa é
imperdoável” (2010).
Sim, porque a América Latina sempre
foi laboratório colonial europeu.
Aqui, os invasores europeus treinaram as táticas do
sítio que anos depois utilizaram nos próprios territórios,
por entre as guerras dos estados nacionais, como método
de rapina das frações fascistas (Césaire, 2010, p.8-15;
Benjamin, 2012).
Ao tomar os questionamentos de Sobrino, não
desprezo que o continente europeu não tenha sofrido
tragédias. Não mesmo. Contudo, “ela é imperdoável”
(Césaire, 2010, p.16). Pois, acima de tudo, causou as piores
calamidades às suas antigas colônias. Explorando-as até
o último fio de ouro e prata (Dussel, 2013). A lembrança
da exploração tem muito significado diante da expansão
da COVID-19, porque se a Europa, diante de todo seu
desenvolvimento técnico-científico, sofreu forte impacto
da pandemia da COVID-19, imaginem o continente com
traços coloniais como o latino-americano? Fora isso, deve-
se colocar na conta que o Brasil está em 2020 sob a gestão
autoritária bolsonarista.
Bolsonaro congrega o somatório laboral de desprezo
à ciência e ao humanismo. Tal desprezo se torna mais graves
nos tempos pandêmicos. O presidente e suas lideranças
devem responder pelas tragédias causadas.
Assim, no meio da pandemia no Brasil, Bolsonaro
grita “eugenias com desculpas econômicas” (Butler,
2020) se justificando a partir do falso dilema “vírus ou
desemprego”. Portanto, nos seus discursos, transborda
toda sua necropolítica (Mbembe, 2014) governamental,
de verniz cristã, que enfileira diariamente para às covas
às populações pobres – com pouco acesso às políticas de
saúde. Em sua gestão, presidente age tomado por uma
teologia do poder autoritário. Bolsonaro foi treinado para
isso desde sua juventude na ditadura civil-empresarial
brasileira, desabrochou nos seus mandatos parlamentares
e solidificou o desprezo pela morte aos pobres estando na
presidência.

Por isso, o título do livro. “Pandemia


cristofascista”, porque são reflexões que
versam sobre o contexto e vivência da
pandemia no Brasil desde os primeiros
casos do novo coronavírus, no território.
No título, há o termo “cristofascista”
porque essa é a forma de governo que
está gerindo o contexto da pandemia.
“Cristofascista” porque instrumentaliza
seu mandato pelo fundamentalismo
evangélico e o conservadorismo católico.
Portanto, o livreto se desenha dentro da área de
Religião e Política, refletindo sobre a teologia política
do estado autoritário atual (Schmidtt, 1988; Py, 2020),
tendo um primeiro capítulo sobre a Frente Parlamentar
Evangélica, base de Bolsonaro. No capítulo 2, fundamenta-
se o que seria o “cristofascismo brasileiro” de Bolsonaro,
modus que ficou estampado na semana de Páscoa de 2020.
E, por último, no capítulo 3, tendo por base a teologia
da libertação latino americana ao buscar a criatividade
dos povos bíblicos para nutrir esperanças no caminhar
(Schwantes, 2001) analiso fragmentos de Levítico sobre
o cuidado com a saúde. O motivo central de se propor
uma leitura bíblica no último capítulo é propor uma
interpretação que fuja do formato simplificador e
fundamentalista das análises sobre a saúde fornecida pela
das grandes estruturas evangélicas.
Contudo, antes da descrição bíblica, faremos uma
breve discussão sobre a base de sustentação do governo
de Bolsonaro - a Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Ela,
que tanto é um braço político de apoio parlamentar de
Bolsonaro quanto seus religiosos (pastores, missionários
e bispos), organiza suas bases sociais preocupadas em
promover com linguagem cristã as posições do governo
genocida brasileiro.
FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA:
SUSTENTO BOLSONARISTA
A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) é uma larga
composição politico formada por religiosos evangélicos
e simpatizantes das pautas conservadoras cristãs. Logo, a
“Frente” congrega a Bancada Evangélica mais políticos que
apresentam conexões com seus temas. Assim, a forma mais
comum de sua designação esse grupo é “Frente”, que se
forma de parlamentares de diversos partidos que lutam
pela pauta comum, neste caso “a defesa do evangelho hoje”
(Duarte, 2012). E, o “evangelho hoje” é instrumentalizado
diretamente pela noção da família tradicional brasileira.
Na descrição oficial da FPE, ela seria uma “associação
civil, de natureza não governamental, constituída no
âmbito do Congresso Nacional, integrada por Deputados
Federais e Senadores da República Federativa do Brasil”.
Mas, não só isso. Seus políticos defendem os ideais da
família e dos chamados “homens de bem” (Dip, 2018). A
Frente foi oficializada na 52ª legislatura (2003-2006),
no dia 18 de setembro de 2003, numa sessão
solene, de “homenagem
ao Dia Nacional de
Missões dos evangélicos,
tendo regimento interno
e estatuto”
(Baptista, 2009, p.304).
COMEÇO E HISTÓRIA DA FPE
Assim, antes de qualquer coisa, a FPE é um grupo
suprapartidário, nucleado envolta de parlamentares
de diversos grupos e frações evangélicas, contudo,
hoje, estão mais ligados às diferentes ramificações dos
pentecostalismos, que atuam em conjunto para aprovar
ou rejeitar projetos parlamentares ou legislações que
interessam em termos religiosos, pautando discussões no
parlamento brasileiro (Prandi & Santos, 2017). Ela surgiu
na eleição da Assembleia Constituinte, no final de 1986,
não sendo política nem ideologicamente homogênea, mas
sua tendência majoritária é conservadora (Prandi & Santos,
2017). Tal como é o tronco central do ativismo evangélico,
que assume na luta política demandas “moralistas não tão
habituados à esfera da política e da moralidade privada”
(Pierucci, 1996, p.165-166).
Acredito que antes de 2013, poucos efeitos claros, via
político-partidária conduziam. Contudo, especificamente
após 2013, as grandes corporações evangélicas entraram
mais abertamente na disputa eleitoral “temerosos de que
a Constituição devolvesse à Igreja católica antigos e exclusivos
privilégios. Temiam também que incluísse a defesa dos
homossexuais, dos comunistas, das feministas, da liberalização
do aborto, do uso de drogas e de outros temas contrários à
moral pregada por suas igrejas” (Prandi & Santos, 2017)
Deve-se dizer que a FPE é um “bloco partidário”
(Melo & Câmara, 2012) central da hegemonia (Gramsci,
1982) do bolsonarismo hoje, quando, além de defender
a família tradicional (idealizada) no âmbito político, ela
promove celebrações religiosas no âmbito público. Seus
representantes constroem um culto semanal entre os
políticos que têm interesse de promoção e evangelização
no espaço do legislativo brasileiro (Dip, 2019). Atualmente,
ela é formada pelo núcleo de 84 parlamentares eleitos,
contudo, são mais de 200 parlamentares que se ligam a
Frente. Pois, ela agremia uma variedade de parlamentares
simpatizantes de sua visão de mundo. Seu presidente é o
pastor deputado Silas Câmara (PRSP), que tem o apoio
do televangelista pastor Silas Malafaia desde sua eleição.
Abaixo se apontou na tabela um histórico de deputados e
senadores eleitos que fizeram e fazem parte da Frente:

Legislatura Total de Parlamentares


Eleitos para a 51ª Legislatura (1998) 44
Eleitos para a 52ª Legislatura (2002) 68
Eleitos para a 53ª Legislatura (2006) 32
Eleitos para a 54 Legislatura (2011) 76
Eleitos para a 55ª Legislatura (2014) 75
Eleitos para a 56ª Legislatura (2019) 84

Tatiane Duarte (2012) destaca que a maioria dos


integrantes são formados de profissionais liberais, homens,
quase sempre. Já as mulheres da Frente estão na faixa
superior aos 40 anos. Em termos denominacionais, a
maioria dos parlamentares são membros de igrejas ligadas
às tradições pentecostais. Também, grande parte dos
deputados e senadores são membros de partidos políticos
de direita, tendo a “Assembleia de Deus” como denominação
com o maior número de representantes (Baptista, 2009).
Voltando às origens da oficialização da FPE, no ano
de 2003, sua construção se deu no âmbito do governo
Lula, contudo, só foi oficializada em 2015. Foi neste ano
que conseguiram o número mínimo de parlamentares
para formalizar uma frente política (Duarte, 2012). Como
já dissemos, embora fosse uma frente de quadros da
direita brasileira, ela se organizou no lastro das alianças
da governabilidade lulista, após sua primeira eleição. Foi
uma forma também de se organizar, quando muitos dos
seus quadros faziam parte do conjunto de forças políticas
em ascensão social contra o bloco que compunham as
governanças do PSDB (Singer, 2009).
Esse setor, mesmo conservador, fazia parte da base
de Lula e Dilma, circunscrito entre a política de conciliação
de classes defendida pelo petismo (Singer, 2009). Um
elemento merece ser pontuado. Nos documentos da PFE,
indica-se que tem a pretensão de “influenciar mudanças
mais efetivas, ampliando sua atuação para além das igrejas
estendendo-se para o conjunto da sociedade”.
Assim, seus integrantes buscam mobilizar a pauta de
viés fundamentalista evangélico, organizados com uma
presidência, uma coordenação, uma equipe de assessoria.
Distribuem-se em grupos de trabalhos que são previamente
divididos para análise e composição de projetos de leis
(Baptista, 2009). Assim, é um “bloco partidário” (Melo
& Câmara, 2012) de organização política dinâmica, com
pautas internas mais concretas de construção e defesa
da “família tradicional cristã”. A FPE também trabalha na
análise de projetos de leis e das pautas que colocam em
xeque o projeto de “família cristã” ou, mais recentemente,
que arranham o ideal dos “cidadãos de bens” (Baptista,
2009; Dip, 2018).
Seus representantes constroem um trabalho técnico
de pesquisas, buscando contrapor-se a políticas em favor
do “casamento homoxessual, contra a emancipação feminina,
contra os LGBT+. Não porque a Bíblia condena, mais porque, a
constituição reconhece a união estável entre homem e mulher
como entidade familiar” (Duarte, 2012).
Agora, ressalta-se um elemento que justifica o
crescimento da bancada ao longo dos anos. Além do
crescimento dos evangélicos nas últimas décadas no Brasil,
existe um esforço das máquinas das grandes estruturas
religiosas evangélicas para a eleição e a manutenção de
deputados e senadores evangélicos. Elas querem “deputados
e senadores que nos defendem, assumam nossas pautas”
(Baptista, 2012, p.75). Assim, pode-se dizer que as grandes
estruturas religiosas evangélicas têm poder e influência
sobre a FPE, bem como os membros da Frente têm icônica
relação junto às grandes estruturas. Cita-se, por exemplo,
o atual presidente da Frente, o pastor e Deputado Federal
Silas Câmara, que é membro da Assembleia de Deus Vitória
em Cristo (ADVC), grande corporação evangélica, com 350
mil membros, presidida pelo performático
televangelista Silas Malafaia (Py, 2020).
FPE, FELICIANO E SEUS EMBATES
Ao mesmo tempo, não se pode deixar de destacar
que figuras importantes do cenário cristão atuam na
Frente como o deputado Marcos Feliciano. Também já
atuou o ex-senador Magno Malta. Marcos Feliciano é
vinculado há anos à FPE, dispondo de muita força no setor,
pois acumula os cargos de pastor, de televangelista e de
político. Sua força sobre o setor pode ser lembrada quando
ocupou cargo no governo do PT, presidindo a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDHCD)
entre 2013 e 2014 (Dip, 2018 – figura 1). Sua escolha para
ocupar o cargo de presidência é simbólica, pois mostra
tanto a força da Frente na política brasileira, bem como
é sinal do processo complexo de negociação da Frente
com o governo petista da época. Como setor evangélico
crescia no país, a Frente, que se arroga representar o setor,
também devia ocupar cargos de liderança.
Feliciano, ao ocupar a presidência, deixou claro quão
distante eram os interesses da Frente e o projeto petista,
quando quase semanalmente eram expostas as rusgas
entre ele e o petismo. Assim, nada podia ser pior para o
projeto do petismo, quando Feliciano sentou-se na cadeira
e, sempre que podia, ratificava a voz evangélica na defesa
da família tradicional cristã contra os “liberais e comunistas
do PT”.

Não se pode dizer que esse entrave de posições já não


era conhecido. Traçando um pequeno histórico, em 2011,
Feliciano postou no seu twitter que: “africanos descendem
de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato” e “A podridão
dos sentimentos homoafetivos levam ao ódio, ao crime e à
rejeição” (Gonçalves, 2019). Em 2012, no Congresso de
Gideões Missionários da Última Hora indicou que “a AIDS é
uma doença gay. A AIDS é uma doença que veio desse povo, mas
se você falar vai colocar eles numa situação constrangedora, não
vão conseguir verba” (Gonçalves, 2019).
Mesmo com suas posturas, foi eleito em 2013, ficando
à frente do CDHM por quase um ano. Fora do CDHM,
ingressou com requerimento solicitando uma audiência
pública com relatos de pessoas que se apresentam como
ex-homossexuais, que “deixaram tal prática após conversão
religiosa e apoio psicoterapêutico”. Segundo ele, essas
pessoas sofrem duplo preconceito: “por parte da sociedade
e do movimento LGBTI+, tendo seu requerimento aprovado
na audiência pública, ocorreu em 24 de junho de 2015”
(Gonçalves, 2019). Feliciano, contudo se contradisse anos
depois, quando foi à rede nacional dando uma entrevista
ao programa Superpop da Rede TV, falando que a “cura
gay é canalhice e mau-caratismo de movimentos de esquerda!
Psicólogo não é médico e homossexualismo não é doença”.
Em outro momento, destacou a defesa da “família
tradicional” pela FPE, quando ocorreu uma audiência
pública presidida por Feliciano na Comissão de
Seguridade Social e Família para discutir o PDC 234/11,
de João Campos. Nesta ação, a psicóloga Marisa Lobo
argumentou que “não definir a homossexualidade como
doença é um argumento questionável” (Gonçalves, 2019).
Portanto, em um sentido amplo, a atuação de
Feliciano e da FPE é destacada pelo menos desde 2013,
principalmente polemizando com suas oposições à
governança petista, o que se acumulou até o processo
de impeachment de Dilma Rousseff. Dias antes do
impeachment, Feliciano bradou contra a ex-presidente no
seguinte tom:
golpe foram eles que deram, quando tentaram de todas as
formas atingir a educação de nossas crianças, com abordagem
de assuntos sexuais, para crianças de menos de quatro anos
com a sepultada, Graças a Deus, teoria do gênero! Com o
assassinato de crianças com a legalização do aborto. Que
até hoje tentam mascarar, com outros nomes aqui nessa
casa. Tentativa de destruir a família tradicional, com teorias
desgastadas, que os tempos mudaram, mas o que mudou na
verdade foram eles, que prometeram uma coisa e fizeram
tudo diferente (Feliciano, 2016).

Justificando o pedido de interdição do governo de


Dilma por conta da “guerra cultural”, fruto “de uma guerra
de posições religiosas e bíblicas” (Py, 2020), de acusações
contra o PT. Ele e os demais membros da FPE indicavam
que os petistas eram contra à família e as crianças, pois com
cartilhas e discursos incentivaram os abusos das crianças e
o assassinato delas pela tônica de liberação do aborto.

FPE, UM BLOCO PARTIDÁRIO


PROEMINENTE DO BOLSONARISMO
Atualmente, a FPE se estabelece como um “bloco
partidário” (Melo & Câmara, 2012), logo suprapartidário,
originalmente de evangélicos que agremia um conjunto de
parlamentares simpatizantes que atravessam um conjunto
de partidos conservadores. Como dito,

a Frente foi uma peça chave do golpe


de 2016, que retirou Dilma do poder,
e é aliada da atual gestão presidencial,
atuando desde a campanha eleitoral de
Bolsonaro.

Por seu caráter não partidário direto, foram ao longo


do tempo amplificando as formas de atuar e representar a
população evangélica.
Destaco que ela exerce uma influência diferenciada
da lógica partidária, incidindo seu peso sobre os variados
partidos ao mesmo tempo. Isso porque tem lideranças
dos mais variados partidos desde o centro até a extrema-
direita (Baptista, 2009). Talvez, pela força e proporção que
a Frente tenha adquirido no cenário político brasileiro,
grande parte de seus membros não ostenta qualquer sinal
de fidelidade partidária, trocando de tempos e tempos de
partido político. Cito, por exemplo, o próprio Deputado
Federal Marcos Feliciano, que já rodou por pelo PSC,
PODEMOS e agora está no partido Republicanos; e,
também, o ex-senador Magno Malta, que já foi do PTB, do
PMDB, PST e está desde 2001 no PL.

Bolsonaro na reunião da FPE em 2013

Como afirmado, a Frente é uma das mais aguerridas


bases políticas de Bolsonaro, apoiando tanto nas ações
como, também, fornecendo apoio nos momentos
complicados da gestão atual, como a saída do ministro
da Saúde em plena pandemia da COVID-19. Reforçando
esse dado, neste contexto, Feliciano twitou apoiando
Bolsonaro:
Parabéns PR @jairbolsonaro pela firmeza! Em meio crise
de pandemia precisamos do Líder que tem pulso firme para
liderar a Nação. Se Teich era contra o uso da cloroquina já
vai tarde! Precisamos com urgência liberar o uso p/ salvar
milhares de vidas! Países avançados já liberaram!

O próprio presidente da FPE falou em tom de apoio


ao presidente Bolsonaro: “o Brasil precisa de paz, deixemos
ele (o presidente) governar” (Câmara, 2020). Assim, embora
por vezes não sejam tão explícitos e, em questões periféricas
(como, por exemplo, a hora da demissão dos Ministros da
Saúde) discordando do presidente, seus membros ajudam
na coesão do governo, defendendo suas pautas até diante
da pandemia. Como, por exemplo, o isolamento social
vertical tão destacado no discurso eugenista de Bolsonaro
e incentivando o uso da violência contra os veículos da
imprensa ditos anti-Bolsonaristas.
Portanto, a FPE funciona como um maquinário
parlamentar interno aliado ao bolsonarismo, dinamizando
e ajustando suas bases sociais por meio do discurso
fundamentalista e conservador cristão. Assim, não se
pode deixar de destacar seu papel nas recentes campanhas
religiosas que ganham corpo nessa gestão. Neste caso,
destaco as convocações de jejuns e as campanhas de
oração em prol da nação brasileira de 2020 por conta da
COVID-19 (figura 2 e 3). Seus parlamentares ajudaram
até na construção de um sentido teológico para o país
poder passar por esse período. Utilizam-se sempre que
podem do versículo bíblico de 2 Crônicas 7, 14: “Se meu
povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar
a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu
ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados, e sarareis sua terra”.

Nesse contexto, seu presidente, o pastor Silas


Câmara, gravou uma entrevista indicando que a questão
da pandemia está ligada “ao pecado do povo que não dá a
mínima para Deus” (Câmara, 2020). Mais recentemente
indicou que os parlamentares obedecem às autoridades e
já estão preparando para reabertura dos templos porque
“as igrejas trazem os elementos da fé” (Câmara, 2020) para o
povo. O religioso despreza assim completamente as formas
de mobilizações religiosa mais individuais dos tempos
atuais que não precisam das igrejas, catedrais e templos
para serem experimentadas. Ao mesmo tempo, por ser
pastor numa grande estrutura religiosa, dificilmente iria
reconhecer caminho de expressão de fé como uma religião
ou algo cristão. Deixa sugerido com sua fala que, nesse
caso, religião é o que se pratica nas suas comunidades,
nas suas igrejas. Na sua fala, fica no ar a ideia tão batida
no Brasil de “uma só fé, e uma só organização dela”, tão
característico das expressões fundamentalistas evangélicas.
Portanto, com esse capítulo, destaquei que a FPE
aparelha teologicamente a política de Bolsonaro e o blinda
nos tempos de pandemia indo contra a Organização
Mundial da Saúde. Mesmo não sendo tão explícitos, nos
momentos mais tensos do mandato, a organização da
FPE protege o presidente teologicamente, para assim
ajudar no sustento do mandato presidencial autoritário
de Bolsonaro.
Por fim, depois de tratar da fundamental base política
do atual governo, passamos à descrição do governo
cristofascista brasileiro do “messias” Bolsonaro.
CRISTOFASCISMO EM 7 ATOS:
BOLSONARO E A ALEGORIA DA PÁSCOA

Ao perceber a perda de apoio popular por relativizar a


quarentena pela pandemia do novo coronavírus, Jair Messias
Bolsonaro e os intelectuais de sua cúpula prepararam uma
contraofensiva para reajustar sua base social, aumentando
o tom de seu discurso cristão. Em resposta ao contexto
mundial e brasileiro de pandemia da COVID-19, acirrou
ainda mais a associação de seu governo ao cristianismo,
evocando uma espécie de “guerra dos Deuses”, como
definida pelo sociólogo Michael Lowy (2000).
A ação começou a ser orquestrada já no início de abril,
quando conclamou um jejum nacional para o Domingo de
Ramos. No domingo seguinte, dia 12, Páscoa, a ressurreição
de Cristo e de sua vitória sobre a morte foram comparadas
pelo presidente à facada que sofreu no processo eleitoral
de 2018. Naquela semana, a evocação religiosa teve um
novo capítulo com a posse do novo ministro da Justiça,
o advogado e pastor presbiteriano André Mendonça.
Mendonça, a quem Bolsonaro chamou de “terrivelmente
evangélico”, denominou o chefe como “profeta” contra a
criminalidade e disse ser seu “servo”.
Nessa aposta pela retomada do apoio popular, os
“intelectuais” (Gramsci, 1982) do governo miraram seus
recursos em uma estratégia já apresentada em julho de
2019, quando haviam relacionado a imagem de Bolsonaro
com a figura de Jesus Cristo. Na semana de Páscoa, o
mesmo recurso foi explorado sob o pretexto da celebração
da morte e ressurreição de Cristo. A alegoria da Páscoa
foi utilizada para uma nova construção da imagem de
Bolsonaro, a do servo sofredor que venceu a morte para
defesa da nação.

O apelo à religião foi usado como


estratégia de comunicação para a
manutenção do caráter autoritário
de seu governo.

Essa operação de utilização da religião para legitimar


e ampliar o autoritarismo (Schmitt, 1988, Py, 2020) é o que
chamo de “cristofascismo brasileiro” (Py, 2019; 2020). E
esse cristofascismo se estabelece, porque o bolsonarismo
fabrica intencionalmente uma “guerra dos Deuses” (Lowy,
2000) a partir de uma “teologia do poder” (Schmitt, 1988),
sustentada na memória do cristo europeu colonizador:
sacrificialista e expiatório das minorias sociais.
É nessa guerra pelo Deus cristão que Bolsonaro
alimenta a base do governo autoritário ao reforçar sua
gestão do ideário maniqueísta. Ao se assumir como
presidente dos cristãos, simplifica os conflitos políticos,
que passam a se dar em embates entre bem versus mal.
Neste arranjo, a guerra dos Deuses se traveste na luta entre
aqueles que representam o mal, em uma alegoria caricatural
dos “comunistas” ou dos “petistas”, e entre aqueles também
alegoricamente expressos como cidadãos de bem.
ESCOLA DE HITLER
O cristofascismo brasileiro é transparente quando:
Seu ministro da cultura deixa à
mostra o nazismo, quando copiou
partes do discurso do ministro
nazista:
Indico que o “cristofascismo brasileiro” se relaciona
com a reflexão da teóloga alemã Dorothee Sölle (1970),
que criou a expressão diante da análise do nazismo alemão
e dos supremacistas brancos dos EUA. Hitler, como
Bolsonaro, tinha uma relação próxima com crentes. Ao
cunhar o termo, Sölle se preocupou em apontar as relações
de integrantes do partido nazi com as igrejas cristãs no
desenvolvimento do estado de exceção alemão, quando o
governo nazista se utilizou das relações e das terminologias
cristãs para sua composição, assim como se reconhece hoje
no bolsonarismo.
Hitler utilizava jargões cristãos como chaves de seus
discursos tais como o próprio “Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (João 8,32), e “criou Deus, o homem
à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher
criou” – para defender a família tradicional cristã alemã
(Solle, 1970). Hitler também fez conferências em reuniões
cristãs (luteranas, católicas e confessantes), relacionou-se
com pastores e padres – entre os luteranos se destacam
os pastores Walter Hoff, Rudolf Kittel, Prospt Ernst
Szymanowski, que criaram o que o regime imperial
chamava de “cristianismo positivo”. Embora, todos esses
elementos sejam importantes para o termo cristofascismo,
Dorothee Sölle (1970), como teóloga mística, estava
mais preocupada com as correlações do nazismo com os
movimentos fundamentalistas racistas dos EUA.
Logo, quando utilizo o termo (Py, 2019; 2020),
diferencio-me da importante teóloga, quando busco
perceber a teologia autoritária (Schmitt, 1988) que firma a
base do governo fascista de Bolsonaro. Neste sentido,
o cristofascismo brasileiro está mais
relacionado com a utilização discursiva
do diálogo com as bases, logo, com as
Ciências Sociais do que uma referência
a uma expressão teológica, da mística
como é da teologia Sölle (1970).
O cristofascismo brasileiro será uma teologia do
poder autoritário de traços fascistas no Sul. Portanto, o
termo cristofascismo se liga ao que Walter Benjamin (1940;
2012) descreve como fascismo. Para Benjamim, a barbárie
fascista não representa uma regressão civilizacional, mas
está contida nas próprias condições de reprodução da nossa
civilização liberal-burguesa. Para o autor, a ação fascista se
beneficia das concepções conservadoras sobre a moral, a
família e o progresso, transformando o todo nacional em um
estado de exceção efetivo. Assim, o dispositivo autoritário do
bolsonarismo se projeta a partir da associação ao religioso,
para defender uma concepção simplificada de família para a
eliminação de seus adversários, bem como os indesejáveis,
neste caso, aqueles que não se adequam ao projeto moral
de nação estabelecido.
Seu cristofascismo se promove por meio de uma
teologia política autoritária (Agamben, 2013), pautada hoje
no clima apocalíptico do coronavírus, baseada no ódio à
pluralidade democrática. Esse ódio é salpicado por técnicas
governamentais de promoção da discriminação, do ódio aos
setores heterodoxos. Diante da expansão do coronavírus
no Brasil, foi somado sua característica antidemocrática
ao discurso economicista como justificativa eugênista
(Butler, 2020) para a explícita permissão da política da
morte – a necropolítica discutida pelo filósofo camaronês
Mbembe (2014), cujos alvos são os pobres, os mais velhos,
os diabéticos e os hipertensos.
A artimanha construída pela cúpula do presidente
cristofascista o desenha numa cristologia profana,
apontando-o como messias, servo sofredor, ungido e eleito
da nação (Py, 2019; 2020). Faz isso para reagrupar as forças
a fim de manter, a duras chicotadas, a implementação
de medidas ultraliberais que hoje entregam à morte os
mais vulneráveis. Ao reeditar características cristológicas
sobre a trajetória de Bolsonaro, visam sensibilizar setores
religiosos para apoiar as atitudes irresponsáveis da
relativização da quarentena da COVID-19.
O bolsonarismo (Almeida, 2019) sublinha uma “guerra
bíblica”, lutada no interior do estado brasileiro, arrotando
versículos bíblicos por ser uma maneira fácil e “santa” de
se comunicar com o fundamentalismo cristão. O intuito
de Bolsonaro é promover, com a vestimenta bíblica, uma
tentativa de relativizar a quarentena, colocando em risco
partes da população “que podem ser descartadas, mortas”
(Mbembe, 2014). Quando ele se desenha sob a autoridade
messiânica, relativizando a quarentena (ou dizendo que o
vírus já passou), aproxima-se das ideias da típica eugenia
social tão operada no passado pelos governos fascistas.
Por isso, deve responder pelas centenas de mortes que
já são contabilizadas no território brasileiro como vítimas
da COVID-19. Para compreender a construção do “mito”
Pascal de Bolsonaro, analiso as cenas religiosas que
contribuíram para a projeção de tal alegoria:
1 PRIMEIRO ATO
Para convocar a população para o #JejumpeloBrasil,
marcado para cinco de abril, foi feito um vídeo de
convocatória governamental cristã, que é iniciado com o
texto de 2 Crônicas 20, 3 dizendo “Jeosafá decidiu consultar
o Senhor e proclamou um jejum em todo Reino de Judá”. Após
o fragmento, aparece Bolsonaro dizendo “muito obrigado a
todos vocês, e aqueles que têm fé e acreditam, domingo é o dia
de jejum”. Com a produção, buscava-se que os cristãos, no
Domingo de Ramos, fizessem um dia do jejum, literalmente
para que Deus livrasse o Brasil da praga da COVID-19. Algo
que se sustenta na tradição católica de guardar o domingo
antes da Páscoa, como sendo o dia da entrada de Jesus em
Jerusalém, nas costas do jumento.
No vídeo, Bolsonaro convoca a população cristã
para o jejum e, depois, aparece outro texto bíblico como
resposta dizendo: “Não temas, nem vos assusteis por causa
desta grande multidão; pois a peleja não é vossa, mas de Deus”
(v.15). Na sequência de imagens, indica-se que é o rei (o
governante) que tem que se colocar junto a Deus, tal
como Jeosafá. Isso porque a peleja não seria dos homens
e mulheres, mas de Deus. O vídeo é longo, e as lideranças
evangélicas que apoiam Bolsonaro (Malafaia, os Hernandes,
Valdomiro Santiago, Edir Macedo etc.) chegam a afirmar
que o presidente teria sido ungido para assumir a nação.
2 SEGUNDO ATO
Na quarta-feira, dia 8 de abril, na saída do Palácio da
Alvorada, Bolsonaro recebeu uma expedição de católicos
com a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Os romeiros
disseram para Bolsonaro literalmente: ‘Trouxemos a imagem
de Nossa Senhora de Fátima, porque ela vai livrar o Brasil do
comunismo. Porque esses erros são coordenados por nós,
católicos apostólicos romanos’. No diálogo, segue a conversa
de um dos membros da carreata: – “Presidente, pedimos
também que Nossa Senhora derrame suas bênçãos sobre o
senhor. Tem muita carga sobre você nesse momento. O senhor
representa essa luta, é a luta contra o comunismo no nosso país,
por isso nós oramos pelo senhor e queremos rezar uma Ave
Maria pedindo as bênçãos dela, que dê força para o senhor. Que
dê energia para carregar o Brasil nos ombros do senhor, conte
conosco com nossas orações, a vitória é nossa!”.
Na afirmação, diz que a batalha espiritual que passa o
Brasil, pelo contexto do novo coronavírus, reverbera para
lutas que se enfrentam juntos aos inimigos da nação, isto
é, “os comunistas”. Na última frase do diálogo, os católicos
assumem o presidente como pessoa separada por Deus: “O
Senhor foi levantado por Deus, foi ungido por Deus, para estar
nesse momento levando nosso país”.
3 TERCEIRO ATO
No dia 8 de abril Bolsonaro fez um pronunciamento
à nação sobre as atitudes que está tomando diante da
pandemia. No discurso, afirmou que, como presidente,
o país vive momento “ímpar na história, e ser presidente
é olhar o todo e não apenas as partes” – tratando para a
questão do desemprego e da reclusão da COVID-19. No
fim do discurso, volta ao tom cristão: “Quero entregar um
país muito melhor que recebeu do sucessor. Sigamos João
8,32: ‘E conheceres a verdade, e a verdade vos libertará’”.
O versículo se tornou jargão desde as eleições de 2018,
quando encheu de cores bíblicas o processo político. Nas
últimas palavras do vídeo, diz: “Desejo a todos uma Sexta-
feira Santa de reflexão e um feliz Domingo de Páscoa!
Deus abençoe o nosso Brasil!”. No discurso, mostra aos
religiosos que conhece a temporalidade religiosa da
semana de Páscoa.

4 QUARTO ATO
Na Sexta-Feira Santa, dia 9, que simbolicamente é o
dia da morte de Cristo, o presidente postou, em seu perfil
nas redes sociais, uma arte com o texto bíblico e a imagem
de Jesus crucificado. Uma imagem forte para os cristãos,
casando-se com o fragmento Pedro 2,24: “Ele mesmo levou
em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que
morremos para os pecados e vivêssemos para a justiça, por suas
feridas vocês foram curados”. Mostra que conhece outros
versículos bíblicos sobre o mistério da ressurreição. Separa
um versículo bíblico importante, no qual resume a salvação
a partir de Cristo. Utiliza um versículo bíblico dado ao
apóstolo Paulo, base de muitas igrejas.

5 QUINTO ATO
No sábado, dia 11, à noite, postou um vídeo indicando
sobre a facada que sofreu. Na sua fala, informa que o
atentado foi “o momento mais difícil da minha vida (pausa), eu
só pedia que Deus não deixasse órfã a minha filha de sete anos”.
Toma sobre si a ideia do servo sofredor, que luta para viver
e para defender a nação. Os versos da música evangélica
de pano de fundo do vídeo dizem: “história da minha vida,
eu lutei, eu sofri, teve vezes que acertei, outras errei, a vida é
uma jornada de amor e sofrimento, e o Senhor me acompanhou
a todo tempo. Ele estava lá quando o mundo desabou em mim.
Muitos diziam que era o fim, eu lutei com minha fé. Pelo vale da
sombra da morte, o Senhor me fez mais forte e essa é a história
de vida. Eu lutei, eu sofri”.
A canção embala a trajetória de Bolsonaro mostrada
desde o momento da facada, a recuperação no hospital, suas
orações e sua eleição. Chegando ao fim, mostra-o como
exemplo de cristão na igreja, orando e ajoelhado. Nessa sua
trajetória, como servo sofredor e messias político, recebe
a vitória, o milagre da faixa presidencial. No vídeo, diz que
isso só é possível porque “Deus preservou a vida dele”;
logo, seria o enviado de Deus para o Brasil, firmado sobre o
texto: “Eu me deitei e dormi. Acordei porque o Senhor me
sustentou” (Salmo 3,5). Portanto, nesse quinto ato, além de
apresentar-se como “bom cristão”, aquele que vai à igreja
e defende a família cristã tradicional, começa a se desenhar
como liderança enviada por Deus para salvar a nação, no
contexto do novo coronavírus. Alguém que Jesus está ao
lado, cuidando e fazendo milagres e maravilhas, tal como
mostra a figura dele sendo operado com Jesus ao seu lado.
6 SEXTO ATO
O sexto ato foi outra postagem de Bolsonaro na
rede social durante o domingo de Páscoa de manhã. Usa
outro fragmento bíblico para demonstrar publicamente
a fé a partir de texto clássico do Evangelho de João:
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho
unigênito, para que todo que aquele que nele crê não pereça,
mas tenha vida eterna” (João 3,16). Na sequência, afirma que
“Ele ressuscitou”, mostrando que tem intimidade com as
Escrituras Sagradas. Isso é importante de ser descrito.
Essa operação é muito bem desenhada pelo bolsonarismo,
quando, além de indicar que conhece um leque de textos
bíblicos, conhece também sobre a teologia da salvação
cristã. Logo, acrescenta outro elemento no desenho de
servo fiel a Deus, tentando satisfazer a parcela de cristãos
que duvidam de sua adesão ao cristianismo.
7 SÉTIMO ATO
A segunda ação do domingo de Páscoa ocorreu
no encontro promovido na internet com as lideranças
religiosas. No fim do vídeo, Bolsonaro diz diretamente
sobre a facada que sofreu no fim de 2018, comparando o
atentado à trajetória da ressurreição de Cristo. Em suas
palavras: “Confesso que hoje para mim foi um dia especial,
já que hoje se fala de ressurreição. Eu não morri, mas estive
ali no limite da morte”. De forma mais efetiva, ele destaca
suas relações com Cristo dizendo que foi um milagre ter
sobrevivido e ressurgido para ganhar as eleições. Por isso,
reconhece-se na função de “salvar” o país do caminho que
estava sendo traçado.
No meio do discurso, reconhece que não tinha um
perfil de chegada à presidência, dando a entender que foi
parte do milagre que Deus operou na sua vida.

Saiu da “(quase) morte” (pela facada


que tomou) à missão da presidência da
República. Portanto, ele é um escolhido de
Deus. Alguém que tem a missão de cuidar
do Brasil contra o caos que estão tentando
implementar com o coronavírus.
Por isso, ponderou: “a responsabilidade é muito grande,
a cruz é muito pesada, com milhões de pessoas do meu lado, que
tem um coração verde e amarelo, que creem em Deus, acredito
que podemos vencer os obstáculos”. Exalta um patriotismo
ligado à metáfora da crucificação de Jesus – com o termo
a “cruz é muito pesada”. Algo absolutamente planejado
para que o presidente seja reconhecido como messias da
nação. Assim, ao fim do vídeo, volta a dizer sobre a questão
da quarentena: “Desde o começo, há quarenta dias temos
dois problemas gravíssimos, o vírus e o desemprego. Quarenta
dias começando a ir embora o vírus, mas está batendo forte a
questão do desemprego, mas devemos bater forte nessas duas
coisas. Obviamente lutamos sempre, acreditamos em Deus
acima de tudo, vamos vencer os obstáculos”.
Como se indica, o bolsonarismo verniza seu
discurso com tons messiânicos de salvação política do
Brasil, mas reverbera o desprezo eugênista à parcela da
população mais velha, com problemas de saúde crônica
diante da possibilidade da morte. Faz isso construindo
uma falsa dicotomia entre o caos social da quarentena e
o desemprego que pode assolar o país. Em sua estratégia,
investiu pesado na temporalidade da Páscoa, dando
mostras variadas e públicas do ser cristão: mostrou ter
conhecimento da história do cristianismo, da Bíblia e
principalmente de fragmentos bíblicos-chave na intenção
de pintar como messias cristão para voltar a mobilizar sua
base conservadora religiosa.
SANTIDADE NO TEMPO DE
COVID-19
Desde o início da pandemia, estamos sendo
bombardeados com notícias e informações sobre a
saúde no contexto difícil de expansão da pandemia do
coronavírus, e a doença por ele causada, a COVID-19.
O presidente notabilizou um discurso no dia 24 de
março de 2020 na TV brasileira, fazendo uma série
de indicações em prol dos empresários. No discurso
eugênico (Butler, 2020), minimizou a pandemia, chamou
de apenas um “resfriadinho”, desprezando os riscos da
doença principalmente para a população acima “mataria
apenas a população acima dos 60 anos”, além das pessoas
com problemas de saúde como a diabetes e a pressão alta.
Assim, no discurso assume de forma categórica que, no
seu estado, tais populações são descartáveis, podem ser
entregues à morte (Mbembe, 2014).
No desastroso discurso, o presidente cristofascista
reconhece que fatias da população brasileiras tinham
o “direito de morrer” (necropolítica – Mbembe, 2014).
O vídeo de Bolsonaro reverberou amplamente nos
setores das mídias e entre os intelectuais que produzem
conteúdos. Percebe-se que tal “operação necropolítica”
de Bolsonaro foi sendo assumida por líderes das grandes
estruturas religiosas pentecostais, esses que são umas das
arestas básicas da sustentação do governo.
OS LÍDERES PENTECOSTAIS OPERADORES
DA NECROPOLÍTICA CRISTOFASCISTA
Percebe-se que existem pelo menos três grandes
lideranças pentecostais (altamente influentes na FPE)
como apoio ao atual cristofascismo brasileiro. A primeira
figura é a do apostolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja
Mundial do Poder de Deus, que mesmo nos primeiros dias
da quarentena por conta da COVID-19 no Brasil, convocou
os integrantes da sua igreja para que se aglomerassem na
sede do seu templo em São Paulo. A base bíblica para sua
convocatória foi o famoso Salmo 91, de unção dos fiéis
para estarem protegidos por Deus, diante da peste que
se alastra. O segundo líder foi mais explícito no incômodo
com a COVID-19, o bispo Macedo, líder da Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD).
Na mesma época do vídeo do Valdomiro, minimizou
o medo das pessoas. Afirmou que o temor “não condiz com
a realidade” e que a mídia estava causando o caos. Destacou
textualmente que o medo supostamente incitado seria
“tática de Satanás, Satanás trabalha com o medo, com o pavor,
Satanás trabalha com a dúvida. Satanás apavora as pessoas.
Quando as pessoas ficam apavoradas, quando as pessoas ficam
com medo, quando as pessoas ficam em dúvida, as pessoas ficam
fracas, débeis”.
O terceiro líder religioso da base cristofascista de
Bolsonaro a se posicionar foi o pastor Silas Malafaia. Ele é
o que mais chama a atenção sobre a COVID-19. Malafaia
gasta tempo tratando sobre o tema com mensagens,
discussões e provocando debates. Após o pronunciamento
de Bolsonaro do dia 24 de março, gravou um vídeo nas
redes sociais reiterando o apoio ao presidente na questão
da doença. Retirando a responsabilidade do chefe do
Executivo, reiterou a suposta escolha da população entre
o adoecimento e o desemprego: “estamos numa escolha de
Sofia: o que é pior coronavirus ou caso social? Eu garanto que é
caos social. Vai morrer gente, vai... lamentamos profundamente.
Meu desejo é que ninguém morra, mas só um dado para vocês, a
gripe influenza, no Brasil, em 2009, matou mais de 2 mil pessoas
e mais de 58 mil ficaram infectados (...) a minha oração é que
Deus guarde pessoas idosas, as pessoas que têm deficiência em
seu organismo e que são vulneráveis a isso. Essa que que é a
questão: se parar tudo, vamos ter uma crise sem precedentes
no nosso país”.
O pastor apoia ponto-a-ponto o discurso do
presidente, indicando que seria melhor que parte da
população acima de 60 anos e pessoas com diabetes,
hipertensos, possam vir a óbito do que parar o país. Colore
o discurso eugênico de Bolsonaro com tons religiosos,
inventando um cristo sacrificial.
Nos estudos bíblicos, para sustentar sua posição, já
indicou textos como do livro de Josué 1,9. Na passagem,
destaca a mensagem divina: “Não tenha medo, se forte e
corajoso”. Silas Malafaia pregou exigindo coragem dos
evangélicos, pois, para ele, Deus não os desampararia.
Criticou, assim, uma suposta covardia daqueles que seriam
“medrosos” no contexto da COVID-19.
As pregações de Malafaia não foram recebidas sem
contestações. Uma das críticas a se destacar se refere a um
perfil feminino na rede social. Se dizendo agente de saúde
pública, a resposta foi pontual e precisa: “acredito que o
senhor pastor Malafaia deveria ler outras partes das Sagradas
Escrituras, como por exemplo, o livro de Levítico, o cuidado com
os leprosos, e a saúde que é parte da santidade, tal como aprendi
num estudo bíblico com meu padre na CEB do meu bairro. Rezo
e torço para que o senhor mude suas atitudes e ações. Na paz
que excede todo entendimento de Jesus”.

LEVÍTICO E O CONTEXTO DAS GRANDES


EPIDEMIAS
A partir da dica da agente de saúde pública ligada ao
catolicismo popular das CEBs, gostaria de tensionar a leitura
bíblica praticada pelos pastores das bases do cristofascismo
de Bolsonaro. Assim, chego ao indicado livro bíblico de
Levítico, a partir do qual, gostaria de colocar em prática um
exercício contextual. Em primeiro lugar, destaco no trecho
bíblico, a concepção de peste. Argumento que o contexto
de propagação de doenças foi a grande motivação para o
surgimento do livro de Levítico, o qual é formado por leis e
por lições vernizados sobre o temor da morte e o cuidado
com a saúde (Schwantes, 2008; Albertz, 2001).
O livro de Levítico relata práticas e leis que tocam
diretamente na questão da santidade, logo, seu termo
chave no hebraico é qadosh, traduzido por “santo, separado,
recolhido, dedicado, saudável”, e seu texto símbolo é “Sedes
santos, porque eu, Javé, vosso Deus, sou santo” (Levítico 19,2 –
Schwantes, 2008). O centro de Levítico se encontra entre
o capítulo 17 ao 26, nos quais são apresentados um código
de leis duríssimo, editorado no período persa, chamado
de “Código da Santidade”. Tal código é formado por um
conjunto de normas organizadas pelos sacerdotes do
Templo de Jerusalém em uma época de intensa circulação
de pessoas em Judá. Naquele contexto, circulavam muitas
doenças, sendo a mais séria destas a lepra, que na atualidade
é conhecida como hanseníase (Schwantes, 2008).
Por não existir um sistema de saúde, de medicina
ou de políticas públicas, os sacerdotes compilaram uma
série de leis e de ensinamentos que tratavam da saúde,
alimentação, menstruação, doenças e impurezas. Tudo para
preservar a vida da comunidade. Em suma, os sacerdotes
de Levítico reuniram os textos da memória de Moisés e
Arão porque vivia-se o clima de sofrimento da população
que chegava às celebrações (Schwantes, 2008).
Portanto, o livro é uma instrução à comunidade
de como se comportar diante das novas doenças,
especialmente, diante dos quatro tipos de enfermidades
que chegam à região. Tais doenças podem ser comparadas à
COVID-19, sendo elas absolutamente contagiosas, levando
ao aniquilamento da população que ia semanalmente
celebrar no Templo (Schwantes, 2008). Os sacerdotes
de Levítico ensinavam porque tinham informação. Por
terem circulado em outras geografias, tendo acesso a
outras vivências, eram, sobretudo, responsáveis. Por esse
motivo, por serem lideranças com responsabilidades
sobre o alastramento das pestes sobre o povo, escrevem
repetidamente no capítulo 13: “o sacerdote examinará”.
Lendo o texto bíblico de forma mais direta, separo,
outro trecho, o fragmento 22, 4, que diz: “Ninguém da
descendência de Arão, que for leproso, ou tiver fluxo, comerá
das coisas santas, até que seja limpo”. É um texto relacionado
à dimensão social da alimentação. Acima de tudo, comer no
Oriente é ato comunitário, logo, pessoas com doenças não
deveriam comer “coisas santas”, aquelas que faziam parte da
comida servida no Templo. O princípio do contágio estava
exposto: a alimentação pública com pessoas enfermas
infectaria os demais frequentadores das celebrações,
portanto, grande parcela da sociedade. Assim, esse é um
aspecto central para os tempos de Covid-19, alimentações
públicas em época de pestes devem ser evitadas.
Continuando o exercício, separo outro fragmento de
Levítico, o 13,6-7. O trecho destaca diretamente o processo
de higienização do povo: “lavará as suas vestes, e rapará todo o
seu pelo, e se lavará com água; assim será limpo; e depois entrará
no arraial”. Percebe-se que no texto o simples contato com
alguém com suspeita de doença deve ocasionar uma série de
medidas, como a de lavar suas vestes e raspar todo seu pelo.
Note-se como as medidas a serem praticadas demonstram o
nível de exigência dos cuidados com os doentes.
Outro detalhe que merece ser destacado recai sobre
as pessoas com suspeita ou com enfermidades. Estas
deveriam se manter isoladas dos arraiais e das cidades. Isso
está escrito em Levítico 13,4-6a, que a Bíblia de Jerusalém
traduz assim: “Mas se sobre a pele há uma mancha branca,
se depressão visível da pele, e o pêlo não se tornou branco, o
sacerdote o isolará o enfermo durante sete dias. No sétimo dia
examinará. Se verificar com os próprios olhos que a enfermidade
permanecer, sem se alastrar sobre a pele, o isolará durante mais
sete dias e o examinará novamente no sétimo dia” (sublinhado
pelo autor). Neste texto, existe algo de importante a se
destacar: o isolamento do enfermo, ou de quem está sob
suspeita. Uma prática radical, em situações extremas como
em casos de doenças altamente contagiosas que colocavam
em risco a comunidade.

POR FIM, SER SANTO, É SE CUIDAR!


Depois da leitura de fragmentos de Levítico, alguns
pontos podem ser ditos no contexto da COVID-19.
Contudo, antes, destaco a importância de ouvir pessoas
que estão diariamente na luta contra o coronavírus como
a agente de saúde pública que contestou Malafaia. Pessoas
que, da sua vivência diante da doença, aguçaram o sentido
de, junto aos textos bíblicos, reconhecer que no passado
também ocorreram enfermidades terríveis. Para isso, a
agente raciocina algo desafiador para o religioso de hoje:
ao ler o texto, deve-se buscar o contexto de sua produção,
de sua história (Schwantes, 2001). Essa é uma saída sem
igual para romper com as modas fundamentalistas (Gebara,
2000) que lotam templos no meio da pandemia e apoiam
cegamente o governo genocida de Bolsonaro (Py, 2020).
Apresentei ao longo deste texto outra possibilidade,
mais afinada com a situação de calamidade epidêmica que
se passa hoje. Interessante que, no mundo bíblico, existem
casos de situações de saúde que incluíam a reclusão e os
cuidados com a alimentação e com a higienização. Esta
opção não interessa às grandes estruturas religiosas
pentecostais (Malafaia, 2020a; Malafaia, 2020b; Macedo,
2020) com fome do vil metal. Dessa forma, vão ao inverso
da lógica cristológica do cuidado e do acolhimento,
preferindo o lucro, o dinheiro e a economia do que à ética
do cuidado de Jesus, principalmente diante dos doentes,
dos mais velhos e dos excluídos socialmente.
É importante se destacar que todo esse complexo de
cuidado de saúde, de luta pela vida e de espiritualidade
emergido em Levítico junto ao povo bíblico se chama
“santidade”. Ser “santo”, no livro de Levítico, é, antes de
tudo, lutar pela saúde pessoal e da comunidade.
Diferentemente do que líderes religiosos como o
apóstolo Valdemiro Santiago, o bispo Macedo (2020) e
o pastor Silas Malafaia (Malafaia, 2020a; Malafaia, 2020b)
praticam, os sacerdotes de Levítico tinham a função de
“examinar” (Levítico 13,3.5.6), isto é, exercitar o cuidado
junto às pessoas na situação de enfermidade. O inverso
do que praticam, incentivando a população a sair das casas.

Os líderes religiosos cristofacistas


mostram não se preocupar com as
mortes que podem ser ampliadas com
suas atitudes.
Neste caso, esperamos sinceramente que esses líderes
religiosos sejam responsabilizados, tal como o político
genocida que eles sustentam. Formam um complexo de
sustento governamental de líderes cristofascistas, nada
santificados.
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Pandemia Cristofascista/ Fábio Py.


Serie: contágios infernais. São Paulo: Recriar, 2020. 53 p.

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