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O Mistério Madhusudana
Madhusudana. O nome sempre soou curioso para mim. De onde ele vem? No
Bhagavad-gita, um de nossos textos mais sagrados, Krsna é tratado por Madhusudana,
ou “o matador do demônio Madhu”, nada menos que cinco vezes (1.35, 2.1, 2.4, 6.33 e
8.2). E o pior é que Krsna não matou nenhum demônio chamado Madhu. Eu procurei ao
longo de todo o vasto repertório de passatempos de Krsna várias e várias vezes. Nada de
Madhu, pelo menos não em forma de demônio.
Muitos comentadores, incluindo Srila Prabhupada, dizem que por se referir a Krsna
dessa maneira, Arjuna, o herói do Gita, está poeticamente indicando que Krsna poderia
vencer as suas dúvidas assim como Ele vencera o inimigo de carne e osso no passado.
Mas, mais uma vez, onde acontece tal morte? Quando Krsna mata um demônio
chamado Madhu?
Minhas pesquisas me levam ao comentador Vaisnava do século décimo oitavo Baladeva
Vidyabhushana. Ele escreve que o uso do nome Madhusudana no Gita implica que
Krsna é capaz de matar a lamentação (shokam) de Arjuna assim como Ele matara
Madhu no passado (madhusudana iti tasya shokam api madhuvan nihanishyatiti
bhavah). Mas eu continuo me perguntando exatamente onde este demônio Madhu é
descrito, e porque Arjuna se referiria a ele especificamente. Na época da guerra de
Kuruksetra, Krsna havia matado muitos demônios, e Arjuna poderia ter se referido a
qualquer um deles – “Ó matador de Putana”, “Ó conquistador de Kamsa”, e assim por
diante. Então, para mim, obviamente há de haver uma razão para o uso específico do
nome Madhusudana.
Com um pouquinho de trabalho, descobri que, de fato, Madhu não foi morto
propriamente por Krsna, pelo menos não por Krsna em Sua forma original. Mas foi
Visnu – a expansão de Krsna – quem se incumbiu do demônio Madhu-Kaitabha
(história discutida em detalhes abaixo). Mais especificamente, Visnu matou Madhu em
Sua forma de Hayagriva, que tem o corpo semelhante a um cavalo e é celebrado nos
textos sagrados conhecidos como Puranas. Identificando Krsna como Madhusudana, o
Gita está fazendo uma discreta conexão entre Krsna e Visnu, oferecendo aos leitores um
vislumbre da divindade de Krsna.
Isto não significa que a divindade de Krsna está de alguma forma dependente de Sua
identidade com Visnu. De fato, é exatamente o contrário, pois Krsna é a fonte de todas
as formas e encarnações divinas. (Vide Srimad-Bhagavatam 1.3.28). Mas a concepção
mais comum de Deus – todo poderoso e objeto de contemplação, mais grandioso e
majestoso do que simples, invocando glorificação no lugar de intimidade – está mais de
acordo com Visnu. Assim, mesmo nos tempos Védicos, a palavra Vaisnavismo
(“adoração a Visnu”), e não Krsnaismo, era o nome preferido para sanatana-dharma, ou
a eterna religião da alma. E também muitas escolas do Gita – tradicionalistas como
algumas universidades ocidentais – tendem a ver o clímax do Gita como sendo a
“grande revelação” no capítulo décimo primeiro, onde Krsna majestosamente exibe a
Arjuna Sua todo-penetrante forma universal. A assunção deles é firmada na pura
suntuosidade e opulência da revelação. Mas nossos grandes acharyas, com todo seu
conhecimento, colocam mais ênfase no humilde pedido de Arjuna para Krsna mostrar
novamente Sua forma mais íntima – embora superior – de dois braços. E preferem
também enfatizam a instrução no fim do Gita (18.66) de abandonar todas as variedades
de religiões e simplesmente se render a Deus [Krsna] com o coração repleto de amor e
devoção.
Também interessante ver como isso pode ser embasado no Mahabharata, escritura da
qual o Gita é uma pequena seção: nos versos 3.41.1-4, Shiva dissera a Arjuna algo sobre
a posição divina de Arjuna como Nara, o eterno associado de Narayana. E em 3.42.17-
23, Yamaraja, o senhor da morte, disse a Arjuna: “Juntamente com Visnu, você irá
aliviar o fardo da Terra”. Tudo isso é narrado principalmente no Sexto Livro, no qual o
Gita aparece. Krsna também revelou Sua forma divina para os presentes na corte dos
Kauravas, enquanto Ele estava em Sua missão de paz pelos Pandavas, e quando os
Pandavas escolheram a Ele, ao invés de Suas forças armadas, para ficarem a seu lado na
guerra de Kuruksetra. Assim, no momento que é falado o Bhagavad-gita, os principais
combatentes sabiam perfeitamente acerca da posição divina de Krsna. Arjuna
certamente sabia disso, e ao mesmo tempo não sabia – como mãe Yasoda, que viu todo
o universo na boquinha do bebê Krsna e continuou tendo Ele como seu próprio filhinho.
O epíteto Madhusudana aparece repetidas vezes no Mahabharata antes do Gita, muitas
vezes falado por Vaishampayana, o narrador. Mas Arjuna, Draupadi, e o demônio
Sishupala também usam o nome. Assim, desde o começo do Mahabharata e no Gita, a
identidade de Krsna como Visnu é clara.
A História de Madhu
É dito que quando Brahma sentou-se em profunda meditação, “cera de ouvido” (karna-
shrotodbhava) escorreu do ouvido de Visnu. Dois ferozes demônios, Madhu e Kaitabha,
nasceram daquela cera. Eles executaram grandes penitências por milhares de anos.
Satisfeita com suas penitências, Laksmi, a consorte do Senhor, apareceu diante deles e
concedeu-lhes a dádiva de que eles só morreriam quando eles assim o desejassem.
Orgulhosos de seu novo recurso, os demônios se tornaram ultrajantemente arrogantes.
Eles atacaram Brahma, ainda em meditação, e lhe roubaram os quatro Vedas. Embora
furioso, Brahma estava indefeso na presença de adversários tão poderosos, e então
correu para seu único refúgio, Visnu, pedindo por ajuda.
Visnu, todavia, estava em um sono profundo e não acordou, mesmo Brahma tentando ao
máximo acordá-lO. Tendo realizado que o Senhor dormia por Sua vontade
inconcebível, Brahma decidiu orar a Yoga-nidra, que não é outra senão a própria Deusa
Laksmi em uma forma especial para servir ao Senhor em Seu sono yóguico. Atendendo
ao senhor Brahma, Ela mostrou misericórdia para com ele e acordou o Senhor.
Brahma então contou ao Senhor Visnu sobre as nefastas atividades de Madhu e
Kaitabha e implorou ao Senhor para destruí-los. O Senhor Visnu, sob a forma de
Hayagriva, a bela encarnação como cavalo, lutou contra Madhu e Kaitabha e por fim
recuperou as escrituras Védicas. Mas eles só poderiam morrer quando eles assim
desejassem, como dizia a benção dada a eles. Então Visnu, inteligentemente, disse a
eles que assim como a Deusa Laksmi havia lhes dado uma benção, eles também
deveriam Lhe conceder uma. Afinal, Ele disse a eles, eles eram tão poderosos que
deveriam mostrar para com Ele a mesma cortesia que Sua metade feminina, a forma
personificada de Sua energia mística, havia lhes mostrado.
Devido à arrogância, eles caíram na astúcia do Senhor. “Que favor Você quer de nós?”
eles perguntaram. “Nós Lhe daremos qualquer coisa que Você queira”. “Eu quero a
morte de vocês! ”, o Senhor respondeu.
E, assim, Hayagriva colocou um fim em suas atividades de uma vez por todas.
Srila Prabhupada escreve no Srimad-Bhagavatam (7.9.37, significado):
A transcendente Suprema Personalidade de Deus está sempre preparado para dar
proteção a Seus devotos. Como mencionado aqui, o Senhor, em sua forma como
Hayagriva, matou dois demônios chamados Madhu e Kaitabha quando eles atacaram o
Senhor Brahma.
Os demônios modernos pensam que não havia vida no começo da criação, mas pelo
Srimad-Bhagavatam nós entendemos que a primeira criatura criada pela Suprema
Personalidade de Deus foi o senhor Brahma, que é um grande conhecedor dos Vedas.
Infelizmente, aqueles encarregados de distribuir conhecimento Védico, como os devotos
ocupados na pregação da consciência de Krsna, podem, algumas vezes, serem atacados
por demônios, mas eles devem estar certos que ataques demoníacos não podem atingi-
los, pois o Senhor está sempre pronto para protegê-los.
A Doçura de Madhusudana
Certa vez, quando Krsna e Radha estavam sentados juntos, um abelha estava
incomodando Radharani por voar muito perto dEla. Krsna pediu a um amigo para
espantar a abelha, e após espantar a abelha como Krsna lhe pedira, o amigo volta e diz
que madhu foi embora. Como a palavra pode referir-se tanto a abelha quanto a Krsna,
Radhrani “equivocadamente” tomou madhu como Krsna e começou a chorar, pensando
que Krsna havia ido embora. Muito embora Ela estivesse bem ali nos braços de Krsna,
Ela estava totalmente absorta em vipralambha-bhava, o humor de separação, um nível
de amor divino aspirado pelos Vaisnavas avançados. Vendo as lágrimas de amor de
Radharani, Krsna também começou a chorar, e Suas lágrimas se misturaram para se
tornarem o lago sagrado conhecido, atualmente em Vrndavana, como Prema Sarovana.
Meus estudos do Gita, que Prabhupada se refere como um texto espiritual introdutório,
inspirou minha pesquisa acerca do nome Madhusudana. Agora, para mim, esse nome
conjura o aspecto mais íntimo de conhecimento divino, especialmente devido à relação
extática do Senhor com Sua contraparte feminina. Definitivamente, Radha é responsável
por Krsna se tornar Madhusudana, tanto por Seu êxtase de imaginar-se separada dEle,
quanto por se expandir como Laksmi e Yoga-nidra, personagens principais no
passatempo em que o Senhor mata o demônio Madhu.
Tradução por Bhagavan dasa (DvS)
Tradução dedicada ao irmão Madhusudana dasa que agora poderá dar uma aula de
domingo só explicando seu nome! ; )