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Não nos desesperancemos, pois...

PROFESSOR CLÓVIS BEVILÁCQUA*


11 de Junho de 1889

Quando, na solidão do meu gabinete, contemplo o Brasil que agoniza no


leito das torturas que lhe armaram os desmandos do regime que nos rege;

quando escuto as invectivas indecorosas que mutuamente se assacam os


bandos políticos que, como lobos famintos, disputam entre si as migalhas
de um poder degenerado;

quando constato o estado de apatia coletiva que mais parece uma saliência
do caráter nacional, enquanto o povo estorce-se nas garras aduncas da
miséria da ignorância e do vilipêndio;

quando vejo a honra e o talento abatidos pela exaltação da mediocridade


bem sucedida dos charlatães e pusilânimes da causa pública e quando
descortino o horizonte da impunidade e da desesperança, eu me pergunto:

não haverá um único homem que, purificando o trato das instituições,


sustente a pátria que resvala para o abismo no fundo do qual irá encontrar o
seu esfacelamento?

Como aterradora resposta, recolho o silêncio e o desânimo.


*Clóvis Beviláqua (Viçosa do Ceará, 4 de outubro de 1859 — Rio de Janeiro,
26 de julho de 1944) foi um jurista, legislador, filósofo e historiador brasileiro,
um dos autores do Código Civil (1900, apenas recentemente substituído, em
2002) e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

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