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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais


Programa de Pós-graduação em História Social

PARA DAR CALOR À NOVA POVOAÇÃO:


ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS SOCIAIS E FAMILIARES A PARTIR DOS REGISTROS
BATISMAIS DA VILA DO RIO GRANDE
(1738-1763)

Martha Daisson Hameister

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


História Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
curso de Doutorado em História Social

Orientador: Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso

Rio de Janeiro
2006
PARA DAR CALOR À NOVA POVOAÇÃO: ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS SOCIAIS E
FAMILIARES A PARTIR DOS REGISTROS BATISMAIS DA
VILA DO RIO GRANDE(1738-1763)

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História Social,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor.

Banca Examinadora

_____________________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso (UFRJ - orientador)

_____________________________________________
Profª Drª Maria de Fátima Gouvêa (UFF)

_____________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (UFRJ)

_____________________________________________
Profª Drª Carla Maria Carvalho de Almeida (UFJF)

_____________________________________________
Profª Drª Mônica Ribeiro (UFJF)

Suplentes:

_____________________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino (UFRJ)

_____________________________________________
Profª Drª Maria Fernanda Bicalho (UFF)

Rio de Janeiro
2006
Agradecimentos

Esta, sem dúvidas, é uma das partes mais difíceis de redigir quando da conclusão
de um trabalho. São tantas as pessoas e instituições que contribuíram de modo direto ou
indireto para a sua elaboração que o temor de alguma omissão é constante e fundado.
Começando por onde tudo começou: agradeço à minha mãe! Dona Anita Daisson
Hameister (ou Ribeiro Daisson como voltou a chamar-se) em nenhum momento deixou
faltar o apoio e o afeto. Dona Anita fez papel de órgão de financiamento à pesquisa quando
nos meses iniciais quedei-me sem uma bolsa. Dona Anita preocupou-se com a dengue que
se alastrava no Rio de Janeiro enquanto eu cursava as disciplinas do curso, enviou-me pelo
correio frascos e frascos de repelente para insetos que já faltavam no comércio carioca e
muitas cartelas de paracetamol. Essa é uma síntese do pragmatismo que lhe é peculiar: faz-
se tudo para prevenir, mas se a prevenção não foi suficiente, o remédio está incluído no
pacote. Ameixas vermelhas para fazer doce no verão, pinhão novinho no inverno, feijão da
safra e até uma peça de copa também me chegaram pelo correio. Dona Anita continuou a
mãe que sempre conheci mesmo com mais de mil quilômetros de distância. Obrigado,
véia!
Continuando no âmbito da família, meus irmãos, minha irmã, cunhadas e
agregados também merecem agradecimento. Como somos seis irmãos e alguns casaram
mais de uma vez e vieram mais agregados: é muita gente – e gente do bem! Os sobrinhos
entretanto, precisam ser agradecidos. João e Pipo que me ensinaram a jogar Diablo II e
Duds que aprimorou um tanto da técnica, Tiago, sobrinho agregado também deu algumas
dicas. Paula, Júlia, Vitória: risadas a não mais poder. Agora vem vindo mais o Vitor, para
eu ensinar certas coisinhas!
Na “Angolinha do Estácio” – que não deixa de ser um pouco de família – Tiago
Gil e Elisabete Leal e, telefonicamente, Meuamor: parceria, discussões dos nossos
trabalhos, café da tarde com pão doce, sugestões e mais risadas. O Homem-sem-camisa
virá para nos defender, ficando tudo no barato: “só cinco reau pra cervejinha”!
Ao orientador, não podem e nem devem faltar agradecimentos. O “profe João”
pouco tocou a mão nesse trabalho, mas tampouco precisava. Sua orientação atenta, clara,
precisa e sempre atenciosa para que eu prestasse cuidado a certos aspectos, procedesse
determinadas leituras, tivesse atenção e rigor no tratamento dispensado às fontes e à análise
dos dados coletados fazem com que sua presença seja evidenciada em cada uma das linhas
que aqui foram redigidas. Também não há como deixar agradecer o fato ter “bancado”
certos devaneios meus, dos quais surgiram alguns dos testes e experimentações que foram
feitos ao longo desses mais de quatro anos, boa parte dos quais dão substância aos
capítulos que virão adiante.
“Profe João” também é responsável pela aglutinação de meus colegas em torno do
grupo de discussão que organizou. Valham-me os céus! Poucas coisas valeram tanto
quanto participar desse grupo cuja opinião e rigor na avaliação dos textos que coloquei
para a discussão agiam de duas maneiras. Ou fazendo com que erros e enganos deixassem
de ser cometidos ou instigavam a buscar mais argumentos e fontes para a comprovação do
que estava sendo colocado.
Agradeço a esses colegas – muitos deles tornados amigos para o resto da vida.
Correndo o risco de ter esquecido de alguém, tentarei nominá-los: Alexandre “Alê” Vieira,
Cacilda “Cuca” Machado, Carlos Engemann, Carlos Kelmer, a insequecível Célia Muniz –
aqui minha homenagem póstuma e saudosa – Fernanda Martins, Grasiela Fragoso, Heitor
Moura, Luciana Marinho Batista, Roberto “Don Guedón” Guedes Ferreira, Rodrigo
Amaral, Tiago Luís Gil. Vai também uma pontinha de orgulho fazer parte desse belíssimo
e muito crítico grupo de pesquisadores.
Às professoras Ana Maria Lugão Rios e Mônica Grin, agradecimentos por dois
motivos: me obrigaram a enfrentar a leitura de Gilberto Freyre e me propiciaram uma
excelente disciplina na qual as duas nem sempre concordavam – o que tornava mais
interessante ainda assistir às aulas. Fui levada a uma série de reflexões a partir das
observações de ambas. Agradeço também aos professores Antônio Carlos Jucá de Sampaio
e a Manolo Florentino, com quem tive alguns grandes diálogos.Também não posso omitir
o agradecimento às professoras Sheila de Castro Faria e Maria Fernanda Bicalho,
participantes da banca do meu exame de qualificação. Suas observações acerca do que lhes
apresentei fizeram-me baixar a cabeça e trabalhar em dobro!
Meus agradecimentos enormes e sinceros aos membros da banca final, às
professoras Carla Almeida, Maria de Fátima Gouvêa e Mônica Ribeiro e ao professor
Antônio Carlos Jucá de Sampaio que tem a sina de ser meu eterno “bancário”, karma que
espero ter resgatado com defesa deste. Apesar do curto espaço de tempo para a leitura
deste e de todos os defeitos que o mesmo possa ter, aceitaram o convite e a incumbência
com a gentileza e elegância que lhes é peculiar. O fizeram com maestria e com muita
dedicação, com críticas e observações que só podem deixar-me mais agradecida ainda.
Agora saindo do Rio de Janeiro: a pequena Vila de Rio Grande tornou-se uma
cidade. Em sua Diocese encontrei a documentação utilizada para a feitura deste e a
acolhida generosa de seu Bispo e mais funcionários. Meus profundos agradecimentos a
Dom Luís Mário, Seu Leopoldo, Dulci e Iara, devendo mais ainda pela simpatia e
colaboração. Em breve retorno para abusar mais um pouco da boa vontade de vocês!
Também em Rio Grande contei com a colaboração direta da acadêmica Tatiana Carrilho
Pastorini, a Taty, na seleção do material e na feitura das fotos da mesma. Não posso deixar
de agradecer à professora da FURG Marcia Naomi Kuniochi que fez a indicou para mim.
Outra pessoa a quem devo agradecimentos vários e a obrigação de conhecê-lo
pessoalmente, é Jorge “Katz” Pontual Waked. Amigo e parceiro de batalhas e duelos com
o Diablo II jogado em rede, tornou-se meu “peão” para o gerenciamento das bases de
dados, digitação dos dados coletados e por último – a despeito de ter-se tornado dentista –
um bom paleógrafo, capaz de ler registros batismais do século XVIII na letra primorosa do
vigário de Rio Grande, Manuel Francisco da Silva. A sua responsabilidade e rigor na
execução das tarefas que lhe designei deixaram-me tranqüila para proceder outras
atividades além da alimentação das bases de dados. Sem a sua colaboração, provavelmente
a abrangência desse trabalho teria sido menor. Junto com “Katz”, tenho que agradecer
outros tantos parceiros de jogo e interlúdios de lazer, responsáveis, em boa parte, pela
manutenção da minha parca sanidade mental quando as coisas pareciam sem solução ou os
problemas relativos a tese deixavam-me mais maluca do que já estava. Alu, Korvo, Sid,
Digão, Denise, Rômulo, Marco, Bud, Prof, Ane e o excelente Diablo II da Blizzard foram
importantes por demais.
Também não posso deixar de agradecer a dois amigos em especial. Um deles já
agradecido duas vezes nas linhas postas acima, mas cuja colaboração a este trabalho não
podem deixar de constar aqui. Tiago Luís Gil foi co-morador na “Angolinha do Estácio”,
colega no grupo de discussões, amigo até mesmo quando faltava dinheiro para ambos.
Leitor chato e atento de tudo o que lhe passei. Foi irritante em insistir que eu tentasse
algumas técnicas e abordagens, às quais normalmente cedi sem que o dissesse claramente,
só para não dar o braço a torcer. Mas também chega de agradecê-lo. O Gil pode ficar meio
bobo com isso, afinal, “quanto mais eu rezo, mais a sobrancelha aparece”. O outro amigo é
Fabrício Pereira Prado. Esse, sem presença física constante, mas através de diálogos
virtuais, ouviu minhas observações e comentou. Enviou-me livros que não são obtidos
facilmente no Brasil, disponibilizou-me fontes que havia coletado, opinou sobre o que eu
estava fazendo. Tiago e Bricião são duas pessoas com quem se pode trocar idéias sem
medo de perdas numa troca injusta. Junto com eles, agradeço a presença e apoio de amigos
portoalegrenses em trânsito acadêmico pelo Rio: Tiago “Gringo” Bernardon e Taís
Campelo. Esses ajudaram a segurar a barra em muitos maus momentos e propiciaram-me
outros tantos bons momentos. Por tabela, agradeço à Manoela, esposa do Gringo, e a sua
simpática família.
Fernandinha Martins, não bastasse a sua amizade, ajudou-me a reduzir os
atentados que fiz à língua portuguesa ao longo do texto. Qualquer agradecimento seria
pouco.
Agradeço também às outras amizades que fiz: Ana Rios e Eduarda – receberam-
me em sua casa e fizeram-me sentir como se fosse um pouco minha. Agradeço também à
Altacir: me alimentou direitinho! Com a Maria tive boas conversas, e a sumida da Raquel
foi boa parceira de papo e copo. Silvana “Santinha” foi parceira e amiga durante todo o
tempo. Apresentar-me a ela foi uma boa coisa que o Guedón fez na vida. Puxa! Essa lista
não acaba nunca! Sob pena de conter mais páginas que algum capítulo da tese, sinto-me
obrigada a encerrar aqui, pedindo desculpas aos que não nominei, mas a quem também sou
grata.
Tentando encerrar, saio do âmbito pessoal e vou para o institucional, tenho que
agradecer à Sandra e à Gleidis: muito me ajudaram na solução de não poucos problemas
burocráticos. Passo aos agradecimentos finais: Agradeço à CAPES pela bolsa para o
doutorado que me foi concedida e à FAPERJ pela concessão dos dois anos da Bolsa Nota
10. Sem esses financiamentos à pesquisa, bem provável não ter conseguido executar muito
do que me propus.
Sumário

Introdução ............................................................................................................................................13
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................50
1. O que Havia em São Pedro do Rio Grande quando não havia nada: os antecedentes da ocupação
lusa ................................................................................................................................................52
I. Quando não havia nada .........................................................................................................52
II. Interesses dos dois lados do Atlântico se encontram onde não havia nada..........................55
III. Onde não havia nada havia, também, os espanhóis ............................................................63
IV. Onde não havia nada, havia índios charrua, minuano e tape ..............................................72
Abreviações, referências documentais e bibliográficas ............................................................75
2. O Segredo do Pajé: o nome como um bem (Continente do Rio Grande de São Pedro, c. 1735-
c.1777............................................................................................................................................78
I. Eis então um problema ..........................................................................................................78
II. Sobre o estudo da onomástica: o nome em tempos, locais e culturas diferentes..................82
O surgimento do estudo da onomástica na França e seus resultados .....................................84
Para além da França................................................................................................................90
A prenominação ou naming practices em alguns estudos atuais sobre o Brasil ......................91
III. A hora e o lugar ..................................................................................................................96
IV. O nome e as origens............................................................................................................97
VI. De pai para filho .................................................................................................................102
VI. Em nome do pai ..................................................................................................................111
VII. O nome como um bem a ser legado, negado, usado e usufruído.......................................114
VIII. Quando o elo é rompido...................................................................................................119
IX. O nome em uma ocupação territorial recente .....................................................................126
X. O nome, a mobilidade social e a sociedade de Antigo Regime ...........................................132
Abreviações, fontes e referências e bibliográficas....................................................................137
3. A construção de uma “identidade açoriana” na colonização do Sul do Brasil ao Século XVIII ......142
I. Introdução ao tema ................................................................................................................142
II O início da povoação da Vila do Rio Grande e a posse dos territórios de Sua Majestade....147
III. Os povoadores vindos das Ilhas para a América.................................................................151
IV. Os filhos segundos e os novos povoados através do exemplo de um madeirense..............156
V. As boas famílias dos Açores e o povoamento do Rio Grande .............................................162
VI Açoriano: “ser ou não ser, eis a questão” ............................................................................169
VII. Algumas considerações .....................................................................................................179
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................181
4. O Mundo que os homens criaram e as Leis de Deus; o mundo que Deus criou e a Lei dos
Homens .........................................................................................................................................185
I. Sobre o tema e as fontes ...................................................................................................185
II. O mundo que os homens criaram e as Leis de Deus ............................................................186
II.1. O ato do batismo e as relações a ele subjacentes...............................................................199
II.2. Um pouco sobre os estudos sobre o compadrio no mundo ...............................................210
II.3. Um pouco sobre os estudos acerca de compadrio e batismos no Brasil ...........................215
III. O mundo que Deus criou e a Lei dos Homens....................................................................222
Um documento singular............................................................................................................222
III.1. Do batismo de Felícia ......................................................................................................223
III.2. Sobre o compadrio em geral e o compadrio em Rio Grande em particular .....................231
IV. A Ciranda dos Compadrios.................................................................................................234
V. A família e a economia do lar ..............................................................................................241
VI. Corpo Cativo x Espírito Livre ............................................................................................244
VII. Algumas considerações .....................................................................................................246
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................251
5. Os meus, os teus e os nossos: a construção de um patrimônio imaterial na Vila do Rio Grande .....255
I. As famílias Souza Fernando ..................................................................................................256
I.1. Antônio Simões e Maria Quitéria .......................................................................................268
I.2. Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira ..........................................................300
II. As famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos, Antônia de Morais Garcês e Domingos
Gomes Ribeiro ..................................................................................................................325
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................339
6. As Sementes Para o Futuro: os padrinhos infantes, a formação de um pecúlio imaterial e a
subversão da lógica do dom na Vila do Rio Grande.....................................................................343
I. Quem se busca para padrinho ................................................................................................345
II. Os padrinhos e as madrinhas dos filhos dos ilhéus ..............................................................348
III. A subversão da lógica do dom ............................................................................................361
IV. Tentando entender os padrinhos infantes ...........................................................................369
V. Os destinos diferentes ..........................................................................................................382
VI. O que ganharam com isso os credores do dom primeiro? Um caso revelador da dádiva e
da subversão de sua lógica................................................................................................385
Abreviações, referências documentais e bibliográficas ............................................................395
7. “A mão separada do corpo não será mão senão pelo nome”: experimentando conceitos e métodos
......................................................................................................................................................398
I. Buscando entender os significados........................................................................................400
II. Tentando perceber os conceitos ...........................................................................................403
III. Experimentação de um método...........................................................................................410
IV. De volta ao começo ............................................................................................................426
Abreviações, referências documentais e bibliográficas ............................................................444
Considerações finais..............................................................................................................................446
Fontes e Referências Bibliográficas ......................................................................................................455
Índice de Ilustrações de Quadros e Tabelas:

Ilustração 1 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional........................................................................................................................ 15
Ilustração 2 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional (detalhe)......................................................................................................... 16
Ilustração 3 – Batismos da População Livre em Rio Grande: de 1739 a 1762 (anos
completos)........................................................................................................................ 21
Ilustração 4 – Confrontação do número de batismos de filhos de açorianos e o número
total de batismos – Rio Grande (1738-1756)................................................................... 22
Ilustração 5 – Ficha nominal de Antônio José de Vargas...................................................... 34
Ilustração 6 – Ficha do registro batismal de Manuel, filho de Antônio José de Vargas........ 35
Ilustração 7 – Ficha nominal de Manuel de Souza Torino, padrinho de Manuel, filho de
Antônio José de Vargas ................................................................................................... 36
Quadro I – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia ....................... 164
Quadro II – Compadrio de Manuel Fernandes Vieira e Dona Ana Inácia da Silveira .......... 236
Quadro III – Compadrio de Mateus Inácio da Silveira e Dona Maria Antônia Silveira....... 236
Quadro IV – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia .................... 236
Quadro V – Batismo de crianças escravas das Famílias Furtado de Mendonça e correlatas
.......................................................................................................................................... 241
Ilustração 8 – Famílias dos Casais Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza
Fernando. ........................................................................................................................ 267
Quadro VI –Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões........................ 268
Quadro VII – Batismos dos Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões
em Rio Grande ................................................................................................................. 269
Quadro VIII – Compadrios do casal Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza
e seus filhos...................................................................................................................... 279
Ilustração 9 – Ascendência e Descendência de Francisco Pinto Bandeira (simplificado) ....
.......................................................................................................................................... 301
Quadro IX – Filhos de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira ........................ 302
Quadro X – Afilhados da família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira
.......................................................................................................................................... 306
Quadro XI – Batizados de escravos de Francisco Pinto Bandeira......................................... 307
Quadro XII – Afilhados da Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais
Garcês .............................................................................................................................. 330
Quadro XIII – Batismos de Escravos Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de
Morais Garcês .................................................................................................................. 331
Quadro XIV – Afilhados de Domingos Gomes Ribeiro ........................................................ 332
Quadro XV – Escravos de Domingos Gomes Ribeiro........................................................... 332
Quadro XVI –Afilhados da família Domingos Gomes Ribeiro - Antônia de Morais Garcês
.......................................................................................................................................... 333
Quadro XVII – Padrinhos de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes........ 349
Quadro XVIII – Madrinhas de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes ..... 350
Quadros de Compadrios com açorianos por membro do núcleo familiar
Quadro XIX – Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação................... 353
Quadro XX – Manuel de Souza Torino e Maria Coelho ............................................ 353
Quadro XXI – Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza ........................ 353
Quadro XXII – Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio.................... 353
Quadro XXIII – Domingos de Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo ................... 377
Ilustração 10 – Partícipes dos Compadrios nas famílias dos genros de Antônio Furtado de
Mendonça......................................................................................................................... 418
Ilustração 11 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos e
direção de relação ............................................................................................................ 419
Ilustração 12 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça:nodos e linhas
com sentido e direção de relação ..................................................................................... 420
Ilustração 13 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos, linhas
com sentido e direção de relação e rótulo das relações ................................................... 420
Ilustração 14 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos
nominados, linhas com sentido e direção de relação e rótulo das relações
(representação gráfica completa) ..................................................................................... 421
Ilustração 15 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica simplificada.......................................................................................................... 422
Ilustração 16 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 1 (marido↔mulher) .................................................................... 423
Ilustração 17 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 2 (pai→filhos) ............................................................................. 424
Ilustração 18 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 3 (senhor→escravo) .................................................................... 424
Ilustração 19 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 4 (pais→padrinhos) ..................................................................... 425
Ilustração 20 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 5 (padrinhos→afilhado) .............................................................. 425
Ilustração 21 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: partícipes
aglutinados por relação de pertença aos casais ................................................................ 427
Ilustração 22 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: excluídos os
senhores de escravos pertencentes à família.................................................................... 429
Ilustração 23 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres ..
.......................................................................................................................................... 436
Ilustração 24 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres
com atribuição de importância aos nodos........................................................................ 436
Ilustração 25 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos com
atribuição de importância aos nodos................................................................................ 439
Resumo:
A presente pesquisa visa, através da utilização intensiva dos registros batismais da
Vila do Rio Grande e mais documentação complementar, apresentar a análise de aspectos
que remetem às estratégias sociais e familiares na formação desse povoado, no lapso de
tempo compreendido entre 1738 e 1763. Para tanto, esta utilizou-se em muito de
experimentações metodológicas em torno da conexão de registros nominais e de análise de
redes sociais. Como resultados obtidos têm-se a afirmação da importância dos laços de
compadrio entre pessoas de mesmo estatuto e, principalmente, de estatuto social distinto
como importante recurso social para angariar prestígio e provavelmente como indicativo
da gênese do poder das elites locais bem como do controle social desse poder outorgado
pelos setores subalternos. Verificou-se a utilização em larga medida dos preceitos da
economia do dom a reger uma sociedade em muito marcada pela concepção corporativa
manifesta tanto na família como nas relações entre grupos sociais distintos.
Introdução

Este estudo visa abordar aspectos da formação da Vila do Rio Grande através da

trajetória de algumas famílias da elite que ali se formou ou que teve Rio Grande como

importante passo na consecução de seus projetos como tal. A Vila situava-se entre a

Colônia do Sacramento (fundada em 1680) e a Vila da Laguna (fundada em 1684), onde

hoje está localizada a cidade portuária de Rio Grande, Estado do Rio Grande do Sul.

Surgida a partir de uma fortificação militar mandada erigir pela Coroa Portuguesa em

atendimento às recorrentes solicitações de Gomes Freire de Andrade e José da Silva Pais, o

Local escolhido foi à margem do canal que liga a Lagoa dos Patos ao Atlântico conhecido

caminho dos condutores que levavam animais desde Sacramento até o centro-sul da

Colônia.

A Vila do Rio Grande foi oficialmente elevada a essa categoria em 1747,

constituindo uma Câmara de Vereadores anos mais tarde (Queiroz, 1987: p. 78). Essa foi a

única Câmara que existiu nos territórios portugueses ao sul de Laguna durante toda o

período abrangido pela pesquisa. A Câmara, após a Vila ter sido tomada pelo exército

espanhol foi transferida para Viamão e, depois, para Porto Alegre, ambas a mais de

duzentos e cinqüenta quilômetros ao norte. Viamão foi sede Câmara sem ter estatuto de

vila e, quando da devolução aos domínios portugueses, na segunda metade da década de

1770, Rio Grande mantinha o estatuto de Vila sem, no entanto, sediar Câmara. Os que

exerceram a Comandância Militar eram referidos pelos moradores e pelas autoridades,


14

inclusive pelo Conselho Ultramarino como Governadores, sem que fosse esse o cargo para

o qual foram nomeados. Tinham responsabilidades de governadores, tinham funções de

comandantes militares. Passados mais de dez anos da fundação do povoado, não havia um

Provedor para a sua fazenda nomeado, mas havia um Comissário de Mostras, cargo

inicialmente criado para o responsável pelo fisco e administração das atividades de

produzir couros e outras correlatas à produção de gados que agia como um.

As coisas, os cargos, os agentes da Coroa estavam fora de seus lugares esperados,

mas a formação do povoado dava mostras de funcionar muito bem assim. Essas variações

no que seriam certos cânones administrativos, por exemplo, onde há Vila há uma Câmara e

onde há Câmara há uma Vila – não são válidas para o contexto dessa fronteira. Como

muito mais coisas nessa fronteira, nem tudo o que estava no papel era o que valia para a

vida e nem tudo o que a vida demandava estava conforme o papel. Esse espaço para as

manobras e estratégias dos que viveram o processo de conquista, espaço entre o que era

normatizado e o que era possível, foi muito importante para o estabelecimento das

hierarquias, das relações pessoais e das relações entre os vários setores que compuseram

essa sociedade.

A fundação do Forte de Jesus Maria e José, em torno do qual a localidade de Rio

Grande se desenvolveria, data de 1737. A chegada do primeiro pároco deu-se no ano de

seguinte. Como recorte temporal inicial para esta pesquisa, marcaram-se, portanto os anos

que cercam 1737. Entretanto, como algumas das famílias eleitas como janela para se olhar

esse passado eram fruto do desdobramento de migrações anteriores, quando foi possível,

regrediu-se nesse marco cronológico inicial tentando trazer elementos para a compreensão

dos fatores que contribuíram para que, de fato, se tornassem parte do setor social que

deteve bens, prestígio, poder e mando no nascente povoado.


15

Ilustração 1 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional

Fonte: Anais da Biblioteca Nacional, v. 50 – encartado.


16

Ilustração 2 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional (detalhe)

Fonte: Anais da Biblioteca Nacional, v. 50 – encartado.


17

No ano de 1763, a Vila do Rio Grande foi atacada pelas tropas espanholas vindas

do Prata. Isso ocorreu numa sucessão de trágicos eventos, classificados pelas autoridades

da época como algo entre imprevidência e covardia e, por alguns, como ambas as coisas.

Para outros foi ato de traição. Parte dos moradores de Rio Grande foram obrigados a fugir

fazendo vau ao canal que separava a Vila propriamente dita do lugarejo chamado Estreito,

na margem norte. Boa parte dos que não foram felizes na fuga, foram aprisionados pelos

espanhóis e, posteriormente, enviados à localidade de San Carlos de Maldonado (Monteiro,

1979; Domingues, 1994), onde já viviam colonos espanhóis em sua maioria oriundos das

Ilhas Canárias, migrados em casais (Apolant, 1966). Nesse ponto, a política de ocupação

das fronteiras da Coroa espanhola pouco diferia do que foi levado a cabo nos territórios

meridionais lusos, aos expedientes usados pela Coroa de Portugal, no que foi chamado por

Jaime Cortesão de “A Política dos Casais” (Cortesão, 1951) .

Entre a sua fundação e o esvaziamento devido aos ataques e posterior tomada

pelos castelhanos, na Vila houve o tempo de nascer e crescer uma geração de riograndinos.

Houve tempo para que algumas das crianças lá nascidas e jovens que migraram com suas

famílias para a localidade casassem e tivessem seus filhos. Houve tempo para que os

soldados que faziam a fortificação da fronteira escolhessem uma moças para seus

casamentos. Houve tempo para que muita gente morresse de doenças. Índios deram seus

filhos a batizar pelos cristãos que ali foram viver, recebendo essas crianças nome cristão e

padrinhos responsáveis por suas almas, como qualquer criança que nascera na Vila. Alguns

índios podiam padecer de males repassados nesse contato, não sendo poucos os adultos que

foram batizados às pressas pouco antes de seu passamento. Crianças nasciam escravas e

algumas delas podiam a sorte de serem alforriadas ainda em seu estado de inocência.

Houve toda essa explosão de nascimento e morte que foram registradas, frutos do ciclo

natural da vida. Ainda assim, houve quem pôde “morrer de Repente de uma facada”
18

(ADPRG-1LObt-RG, 1738-1763, Registro de óbito de Francisco Dutra, 28/02/1758),

demonstrando a quem lê tais registros, que nem só de amizades e colaborações se fazia a

vida da Vila. Houve também gente que chegou e partiu sem que restassem registros

documentais de suas presenças na localidade.

No ano de 1738, quando tiveram início os registros paroquiais dessa localidade, já

estavam presentes algumas famílias que, em sua maioria tendo vindo de Trás-os-Montes

para fazer o povoamento da Colônia do Sacramento no ano de 1718, tiveram que

abandonar seus pertences devido aos ataques espanhóis àquela praça. Mas não somente

eles. Como urgiam medidas que contribuíssem na manutenção dos territórios sulinos à

Coroa portuguesa, soldados e populações civis, homens de ofício e suas famílias e casais

de índios foram transferidos para a barra do Rio Grande para proceder povoamento a todo

o tempo e, com mais intensidade, após 1740, chegando à localidade para fazê-la crescer e

produzir, como relatou o Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho em uma

correspondência sua:

Vem mais guarnição, chegaram 200 e tantos índios e índias,


chegaram casais e na terra não há mais que o que fica dito e para Vossa
Mercê veja a sua fertilidade sendo tudo areia, medi uma cana de milho e
achei 22 palmos, pesou-se um linguado e tinha 19 libras, não vi
princípios tão avultados em terra alguma nem a há mais salutífera,
fecunda e forte (Carta de André Ribeiro Coutinho, 1742, apud Fortes,
1980: 74, grifo meu)

Vieram povoadores da Bahia, de Pernambuco, das Minas, de São Paulo. Os

migrantes eram atraídos por promessas de terras e insumos, além de outros auxílios, muitas

vezes em espécie. Nem sempre essas promessas foram cumpridas e, quando foram, quase

nunca de imediato. Também chegaram indígenas da própria região, trazidos à força ou

convencidos da necessidade do convívio com os lusos: índios ditos das “Missões dos

Padres”, índios ditos “tape”, “charrua” ou “minuano” se aproximaram de Rio Grande.

Muitos partiram, mas houve quem ficasse por lá espontaneamente ou de sob coerção.
19

Casaram, tiveram filhos, plantaram, colheram, trabalhando nas obras, cuidaram de gados e

cavalos de particulares e das duas Estâncias de Sua Majestade, Bojuru e Torotama.

Estabeleceram relações por lá. Fizeram comércio, fizeram amizades, fizeram inimizades

com os portugueses que, talvez nem soubessem nesse primeiro momento, mas haviam

chegado para ficar.

Ao final do ano de 1749 e, com muito mais ímpeto, em toda a primeira metade da

década de 1750, começaram a chegar as grandes levas de casais vindos dos Açores e em

menor número, do arquipélago da Madeira. Esses migrantes que se dirigiram primeiro para

Santa Catarina, foram seduzidos nas ilhas onde viviam com promessas das terras e de

vantagens outras que receberiam ao atravessar o Atlântico no bom serviço de Sua

Majestade. O projeto inicial para seu assentamento previa um deslocamento das famílias

chegadas ao local para a região anteriormente ocupada pelos Padres Jesuítas em suas

estâncias e Missões, em cumprimento aos acordos diplomáticos do Tratado de Madri. Com

o que não contavam, nem as autoridades nem os casais e que, com toda a certeza, não

estavam nos seus planos, foi o levante dos indígenas missioneiros com o intuito de

manterem-se lá.

Uma situação nunca vista anteriormente nas planícies sulinas. Os espanhóis e os

portugueses, aliados como já mais haviam sito nesses anos todos de disputas territoriais,

tiveram de enfrentar índios tape, aos quais se aliaram uma boa parcela dos minuano e

charrua. Também estes jamais haviam estado em aliança desde a chegada dos europeus,

sendo sua proverbial inimizade muito explorada anteriormente, ficando quase sempre os

tape aliados aos espanhóis e os minuano aliados aos portugueses. Essa interessante

configuração de forças e o receio que inspirou aos lusos e espanhóis ficou registrada no

diário do Oficial de Dragões de Espanha, Francisco Graell (1998).

Esse episódio, conhecido como as Guerras Guaraníticas, teve como conseqüência


20

imediata para os casais dos Açores a sua retenção na jurisdição da Vila e a adequação de

suas vidas ao imprevisto. Boa parte deles foram assentados no entorno das outras

fortificações menores erigidas para fazer a defesa da fronteira: Chuí, São Miguel, Santa

Teresa. Outros se deslocaram para o Estreito e houve também quem ficasse mais próximo

do centro da Freguesia, a sede da Vila. Distribuídos em terras que não eram as que lhes

cabiam, não obtiveram de imediato a posse delas. Tiveram, em sua maioria, que aguardar

por vinte ou mais anos até que as autoridades fizessem a tão prometida distribuição de

terras constante do Edital de 1747 que os convocou nos Açores (Fortes, 1999: pp. 26-27).

No tempo em que viveram na jurisdição de Rio Grande tiveram de arranjar formas de

sobrevivência, de sociabilização, de formação de um grupo de pertencimento e de

relacionamento com os “outros” da localidade.

A chegada dos imigrantes açorianos na Vila do Rio Grande mudou o

drasticamente o perfil da curva de batismos realizados a cada ano localidade. Isso pode ser

visto na figura abaixo montada com dados extraídos de Maria Luiza Bertulini Queiroz,

intitulada Paróquia de São Pedro do Rio Grande: estudo de história demográfica 1737-

1850 (1992: p. 203). Nessa ilustração observa-se que, a partir do ano de 1750, há a o

aumento significativo dos batismos realizados e uma tendência ao crescimento

vertiginosamente positivo nos cinco anos imediatamente posteriores a 1750. Isso denota

um crescimento por imigração de uma população que permaneceu na localidade e acentua

a diferença entre os dois momentos distinto. Uma posterior acomodação, possivelmente

decorrente de alguma emigração, talvez mesmo de alguns casais para terras afastadas da

jurisdição da Vila tenham influenciado o desenho da curva.


21

Ilustração 3 – Batismos da População Livre em Rio Grande: de 1739 a 1762 (anos completos)

Batismos da População Livre em Rio Grande: 1739-1762

250

200

150

100

50

0
1739 1740 1741 1742 1743 1744 1745 1746 1747 1748 1749 1750 1751 1752 1753 1754 1755 1756 1757 1758 1759 1760 1761 1762

Batismos 25 36 42 46 67 35 38 29 55 40 95 59 72 88 117 167 176 222 186 182 195 192 177 196

Fonte: Queiroz, 1992. p. 203 – Anexo 2: Nascimentos, casamentos e óbitos da população livre por ano civil 1737-1849.

Para atribuir o verdadeiro peso dessa população de imigrantes, comparou-se o

total de batismos da Vila desde o primeiro até o último ano completo contemplado no

segundo livro de batismos com os batismos de crianças nos quais ao menos um dos pais foi

identificado como sendo natural dos Açores. Justifica-se esta opção por começar a

separação dos registros de batismos de livres e escravos já no livro terceiro, não podendo,

portanto, serem comparados com os registros anteriores, nos quais tem-se, de fato, a

totalidade dos batismos procedidos na Vila, alertando que o livro primeiro inicia no mês de

junho de 1738, não sendo, portanto, um ano completo.


22

Ilustração 4 – Confrontação do número de batismos de filhos de açorianos e o número total de


batismos – Rio Grande (1738-1756)

Batismos Açorianos X Total de Batismos


300

250 251

200
189
195
161
150 146

123
112 109 113
100
85
80 81
71
43 43
50 51 49 49 53 53
41
34
29

10 1 2 1 4 7 8
1 2
0 0 1 1 0 1 0
1738 1739 1740 1741 1742 1743 1744 1745 1746 1747 1748 1749 1750 1751 1752 1753 1754 1755 1756
Ano Total Batismos
Açorianos batizadas

Fonte: ADPRG, 1LBat-RG e 2LBat-RG (1738-1754)

A partir do ano de 1750 houve o crescimento positivo no total de batismos da

Vila, mas compreende-se, na comparação das curvas, que muito deste crescimento com

certa regularidade foi devido, antes de mais nada, à chegada dos casais de migrantes. Fato

inconteste é o ter havido uma ligeira queda no número total de batismos realizados na

localidade no ano de 1755 e ainda assim, a curva de batismos das crianças filhas de nativos

dos Açores segue com crescimento positivo, ainda que menos acentuado em relação ao ano

anterior.

As irregularidades nesses batismos devem-se muito a contingentes populacionais

que não se fixaram na localidade, como foram os indígenas ou pessoas que, por infortúnio

encontravam-se na localidade. Cita-se como exemplo o ano de 1749, no qual se verifica

uma grande ascensão na curva do número de batismos. Pois bem, nesse ano foram

batizadas sete crianças filhos de colonos ingleses que naufragaram na costa e cinqüenta e
23

quatro índios minuano, a maioria de adultos ou crianças não mais ditas inocentes. Isso

ajuda a explicar o aumento abrupto de cinqüenta e três batismos do ano anterior para cento

e doze em 1749 (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753). Em 1753 houve novo batismo

coletivo de índios minuano, dessa vez em número de vinte e três. Esses batismos que não

dependiam dos nascimentos na Vila só vêm a valorizar o que foi dito com relação à aos

migrantes dos Açores: vieram para ficar, para formar família. Sem a presença deles a curva

dos batismos da Vila seria semelhante ao que era no período que antecedeu à sua chegada:

muito irregular.

Uma das principais decorrências da chegada súbita dos migrantes ilhéus na

localidade, ao que tudo indica, parece ter sido uma tensão e uma reviravolta no mercado

matrimonial da localidade. Em uma situação de fronteira, fortemente militarizada, a

carência de mulheres, tidas pelas autoridades como benéficas ao povoamento.

A formação de famílias criava raízes, evitava fugas e deserções. Até o final da

década de 1740, o fornecimento principal de esposas ao matrimônio ficava por conta da

chegada de mulheres recrutadas em outros pontos da Colônia e das pertencentes primeiras

famílias chegadas à localidade. A disponibilidade de mulheres das famílias ao casamento

nessa localidade era bastante pequeno, tanto que José da Silva Pais, fundador da

fortificação, recorreu inclusive ao recrutamento de “mulheres nocivas”. A grande “riqueza”

que representavam as moças casadoiras das famílias era privilégio dado a poucos homens

da localidade.

Detentoras de um bem tão precioso, essas famílias trataram de ampliar esse

patrimônio com batismos de moças indígenas que ficavam sob sua guarda para educar

dentro dos preceitos da cristandade. Com a chegada das famílias de ilhéus e de um forte

contingente feminino – a trazida de mulheres era estimulada no Edital de 1747 que os

convocou nas ilhas com promessa de pagamento em espécie de uma ajuda adicional para
24

cada mulher em idade fértil (Fortes, 1999: pp. 26-27) – as boas famílias que deram início

ao povoamento encontraram concorrência nesse mercado, no qual o bem que troca de mãos

não era comprado, mas repassado como dádiva numa economia em que dom e contradom

geravam alianças e cadeias de reciprocidade. As mulheres eram bens que se podiam

desejar mas que não eram adquiridos no mercado à custa de moedas.

Muito provavelmente a chegada dos migrantes representou uma quebra nessa

hegemonia das primeiras famílias em ofertas ao mercado matrimonial. Isso deve ter gerado

tensões entre o grupo já estabelecido e o que chegava em levas cada vez maiores, dado o

aumento da oferta de mulheres cristãs nesse mercado e de opções outras que não recorrer

às famílias mais antigas. Bem provável que um tanto dessa tensão provocada pelo fim da

hegemonia das primeiras famílias, muitas delas vindas da Colônia do Sacramento e antes

da Península, tenha assumido forma de rechaço a esta população de ilhéus, bem visível nos

termos usados para descrevê-los no relato do Cirurgião-mor do Primeiro Regimento do Rio

de Janeiro que em 1777 estava estabelecido no Continente do Rio Grande de São Pedro:

Como a maior parte dos habitadores desse continente são


Insluanos ou Ilhéus, os termos, os costumes, os vestuários são
grosseiros, e pela mesma ordem de grosseria criam seus filhos. (...).
As mulheres são muito grosseiras (como também são os homens)
trazem as camisas mui sujas, e de ordinário de estopa, posto que poucas
de linho grosso: os corpo são mui mal feitos. Só sabem falar de éguas,
potrancos, cavalos, laço, bois e bolas. As saias são de Baeta, e por sapatos
tamancos, por cuja razão têm os pés disformes, e grandes os dedos mal
compostos, suposto que os das mãos são também grosseiros e as unhas
muito sujas (Souza, 1979: p. 266, grifo meu)

Esse tipo de descrição é semelhante a outros feitos por gente com hábito citadino

sobre os camponeses. Entretanto, as populações que migraram de Sacramento para o

Continente do Rio Grande de São Pedro, mais especificamente para Vila do Rio Grande,

também eram ditas de camponeses, que só entendiam de agricultura. Pouco provável que

tenham desenvolvido hábitos refinados em poucas décadas de vivência atribulada numa

situação de fronteira com incertezas, guerras e ataques. Ou seja, as disputas se faziam


25

sentir na cristalização de posições sociais ou étnicas dentro dessa sociedade. “Nós” e “eles”

se formavam para as pessoas que viveram na localidade quando postas em contato umas

com as outras1.

Tendo os migrantes se colocado na Vila com intenções de ficar e a Vila dando

mostra de bastante progresso – tais como haver sido concluída a obra de construção da

Igreja Matriz, iniciado a exploração de jazidas para a feitura da cal e o grande comércio de

animais que partiam para o centro-sul da Colônia – as relações entre Portugal e Espanha

novamente estremeceram. A tranqüilidade e a vida “normal”, tinham seus dias contados.

No ano de 1762, a sempre frágil paz com os espanhóis tornou-se guerra

novamente. Vindos pelo sul, atacando desde a Colônia do Sacramento, tomaram todas as

posições lusas entre Sacramento e Rio Grande. São Miguel, Chuí foram atacadas. foi feito

um grande número de prisioneiros entre civis e militares. Em abril de 1763 chegaram à

Vila do Rio Grande, causando grande alvoroço. Ficaram conhecidos na letra do Vigário

Manuel Francisco da Silva como o “tempo da correria” (ADPRG-1LBat-Estreito, 1763-

1776 - Registro batismal de Clara, filha de Antônio José da Silva, 20/04/1763).

O Governador Inácio Elói de Madureira, sabedor dos movimentos dos espanhóis,

não tomou as devidas providências para sua defesa e para a proteção dos habitantes da Vila

de Rio Grande. Antes, num ato considerado de extrema covardia, preparou uma nau para si

e para os seus comandados mais imediatos e fugiu para território seguro situado ao norte

do Continente do Rio Grande de São Pedro. Não somente a chegada das tropas espanholas

fez estragos à vida dos moradores de Rio Grande. Homens dos mais baixos estratos sociais

e soldados engajados sabe-se lá de que modo, na ausência do comando e da hierarquia a

que estavam acostumados, promoveram grande desordem. Mulheres foram estupradas,

1
Como subsídio para a idéia de formação de identidades étnicas no contexto sob estudo ver
BARTH, Fredrik. "Os Grupos Étnicos e Suas Fronteiras". In: Fredrik BARTH. O Guru, o Iniciador e Outras
Variações Antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. pp. 25-67.
26

assassinatos cometidos, os bens da Igreja, de casas de comércio, de particulares foram

saqueados. Disso resultou a Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas

Castelhanas (Biblioteca Riograndense, 1937), aberta no ano de 1764 e que tentava

averiguar as responsabilidades e punir os culpados. Mais do que culpados e responsáveis, a

Devassa revela ao historiador uma imbricada rede de relacionamentos que colocava quase

todos os habitantes de Rio Grande em contato direto ou indireto, haja vista a quantidade e

qualidade dos investigados, dos depoentes, dos acusadores e das testemunhas. As antigas

amizades e inimizades se mostravam nas falas das testemunhas anotadas pelo escrivão.

Com a tomada da Vila pelos castelhanos encerra-se “oficialmente” o recorte

cronológico abrangido por esse estudo. Ainda que não seja impossível, seria temerário

tentar dar prosseguimento, ao menos nesse momento, na análise que se faz para os anos

que se seguiram a essa invasão, por alguns motivos que podem ser enumerados.

Em primeiro lugar, porque não foram localizados os registros batismais da Vila do

Rio Grande sob o domínio espanhol. Ficaria uma lacuna de quatorze anos preenchida com

documentação de natureza completamente diferente da empregada para o período anterior.

Em segundo lugar, porque não foi possível, ao menos para a feitura desta pesquisa,

consultar a documentação oficial produzida pelos espanhóis para os anos que a vila esteve

sob o seu domínio. Em terceiro, porque os moradores de Rio Grande não tiveram um único

destino. Muitos foram levados para San Carlos de Maldonado, muitos fugiram para o

Estreito, Viamão, Rio Pardo, Gravataí, Porto Alegre e outras localidades. De outros tantos

perdeu-se o rastro, tendo ido talvez para o Rio de Janeiro, retornado a Portugal ou qualquer

outro destino. Com toda a certeza, houve mortes nos embates, no entanto, ao contrário do

que aconteceu com os registros batismais, retomados no Estreito quando a situação

acalmou-se um pouco e tendo sido “passados a limpo” os registros do tempo da correria,

ao livro de óbitos de Rio Grande não foi encontrado seu correlato no Estreito, ficando essas
27

mortes não intangíveis à pesquisa. O acompanhamento quase que cotidiano, propiciado

pelos registros batismais da Vila, corpus documental principal desta pesquisa, assim como

demais documentos paroquiais complementares são inviáveis para esses anos.

Entretanto, “extra-oficialmente”, foi possível avançar um pouco no tempo,

perseguindo alguns dos agentes sociais de relevo nessa primeira fase de ocupação da Vila

pelos súditos de Sua Majestade e encontrando-os nas localidades do Estreito e Viamão.

Assim, para algumas das famílias selecionadas como uma “janela para o passado”, foi

possível dentro do prazo requerido para a execução dessa investigação, saber um pouco

mais de suas vidas nessa mesma região e além. Mas isso “extra-oficialmente”, já que há

quebra do ritmo metodológico que até então foi empregado.

Estão nos planos futuros, a partir da identificação dos agentes sociais presentes na

Vila do Rio Grande até 1763, a busca sistemática em registros paroquiais de outras

freguesias do território, na tentativa de dizer o quanto essa partida brusca e emergencial

dos locais onde já se haviam estabelecido alterou-lhes os padrões de comportamento à pia

batismal e os seus relacionamentos sociais, políticos, econômicos, familiares. Estender a

pesquisa para além de uma geração, para épocas e localidades distintas é objetivo futuro.

Espera-se que a comparação possa ser profícua.

Em decorrência do tipo de fontes que foram utilizadas nesse estudo e alguns

outros problemas que serão comentados um pouco mais adiante, da percepção da

existência de conflitos – e por certo existiram conflitos – não foi possível dizer mais. O que

aqui é chamado de “tensões” são o que se poderia dizer ambientes propícios para que

conflitos de interesses fossem gerados. Como o corpus documental principal dessa

pesquisa registra os momentos em que famílias formavam suas alianças através do

compadrio, ainda que transpareçam essas tensões, a fonte não permite ver os conflitos

internos a essa sociedade propriamente ditos. Para tanto, haveria necessidade de


28

sistematização de outra sorte de documentos, o que nem sempre é fácil ou possível, pois

como já dito, a tomada da Vila pelos espanhóis deu ocasião a que muita coisa se perdesse.

Não foi pretensão deste trabalho fazer um estudo da dinâmica da demografia na

localidade de Rio Grande. Para o fornecimento dos dados necessários demográficos à

execução desta pesquisa, contou-se com o inestimável auxílio das obras de Maria Luiza

Bertulini Queiroz, denominadas A Vila do Rio Grande de São Pedro, 1737-1822; A Vila do

Rio Grande de São Pedro e Paróquia de São Pedro do Rio Grande: estudo de história

demográfica (1737-1850) (1985; 1987; 1992, respectivamente). Com a certeza de que o

conhecimento é obra coletiva e cumulativa, estes três trabalhos foram alicerces sólidos que

permitiram seguir por outros caminhos.

Para além da pesquisa em história demográfica do tipo “clássica”, o estudo do

período da formação e primeira fase de ocupação dessa localidade, foi um desafio seguir.

A Vila do Rio Grande, muito em função de sua situação de fronteira, foi alvo de estudos

em história militar (Monteiro, 1979) ou de estudos que tiveram por objetivo ver a vida e a

seu fundador através da obra realizada (Fortes, 1980; Piazza, 1988). Pretendeu-se que essa

pesquisa seguisse sem que o enfoque principal fossem os objetivos estratégicos-militares

ou os grandes heróis fundadores.

Para a sua feitura, além de poucos livros da Provedoria da Fazenda Real,

providencialmente salvas da invasão por um soldado anônimo, pouca coisa restou ou foi

localizada dentre os muitos registros documentais produzidos na localidade. Nenhum livro

da Câmara foi localizado, tendo sido, possivelmente destruídos e a documentação

cartorária, caso exista, ainda não foi localizada. O conjunto de documentos mais farto

gerado em e que diz respeito à população de um modo geral que viveu em Rio Grande,

para este recorte cronológico são, portanto, os registros eclesiásticos, parte do acervo do

Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande. Ainda assim, houve algumas perdas. Dos
29

livros de registros matrimoniais que abrangem o período sob análise, o primeiro – e que

comporta primeiros dezoito anos de existência da localidade foi extraviado. Seria por

demais interessante tê-lo em mãos, já que abrange os casamentos que ocorreram lá antes e

depois da chegada dos migrantes ilhéus. Se há algum meio de conferir o impacto que a

chegada dessas famílias representaram no mercado matrimonial de Rio Grande, com

certeza não dispensaria o uso deste livro como fonte documental.

Outra perda que se faz sentir diz respeito aos registros de batismo de escravos. A

partir de impreciso momento, foram separados dos registros dos livres. Esses livros

tampouco foram encontrados, havendo a possibilidade de terem sido roubados da Diocese

ou terem sido extraviados de outro modo . Não foram encontrados até o presente

testamentos, róis dos confessados nem autos matrimoniais. A série mais abrangente e mais

completa, são os registros batismais, apesar da lastimável lacuna relativa à população

escrava.

Com essa documentação como base, qual seja, os quatro primeiros livros dos

registros batismais da localidade encarou-se o problema de tentar recompor e analisar

algumas das estratégias sociais e familiares empregadas na formação da Vila do Rio

Grande. Há que se justificar os motivos de terem sido eleitas algumas famílias da elite – e

como elite designa-se neste trabalho algumas famílias que concentravam bens, prestígio,

privilégios, poder político e econômico, cargos e patentes militares, ofícios da Coroa e,

como se verá adiante, as relações pessoais passíveis de serem tecidas com gente de seu

próprio estatuto social e, mais importante que isso, com os setores sociais que não eram o

seu.

Em primeiro lugar, ratificando o que já foi dito por outros autores, como por

exemplo E. A. Wrigley, na sua Introdução à obra Identifying People in the Past (1973: pp.

1-16) e Ian Winchester, em seu artigo On referring to ordinary historical persons,


30

publicado na mesma obra (pp. 17-40) ou Sérgio Odilon Nadalin, em História e

Demografia: elementos para um diálogo (2004), há complicadores no processo de

identificar pessoas comuns na massa documental. O estoque de prenomes das sociedades

do passado era bastante limitado e o uso de sobrenomes nem sempre ocorria. Marias e

Antônios, Anas e Franciscos se sucedem na documentação, muitas vezes sem qualquer

outro indicativo que possa resultar em uma identificação precisa de se tratar de um dos

agentes sociais em especial. Para os membros das famílias da elite há uma tendência a

maior precisão no registro dos nomes e com maior freqüência há a agregação de um,

quando não dois, sobrenomes. Há também a constante referência a outros membros da

família, vinculando uns aos outros, tais como algum deles ser o pai, o marido, a esposa ou

o filho de outro.

Se para Carlo Ginzburg o nome é o caractere único que identifica os agentes

sociais, para Wrigley e Winchester não somente não é o único como muitas vezes é

insuficiente para uma identificação com pouca margem de dúvidas. Considerando que a os

registros batismais são fartos em registros mas nem sempre são muito detalhados ou

precisos, trabalhar com cruzamento nominal ou com o método onomástico como o chamou

Ginzburg (1989) foi, por paradoxal que possa parecer, a grata tarefa de tirar leite de pedras.

A conexão de registros nominais, sejam eles em uma única série, como são os

registros batismais ou em séries distintas, como por exemplo entre os registros batismais e

uma listagem de migrantes, torna-se tarefa bastante difícil de ser executada quanto se tem

em ambas um Antônio Silveira que não apresenta nenhum outro elemento caracterizador.

Um nome comum para um homem comum e que nem sempre vai permitir que se

investigue a sua vida nessa comunidade ou em outras localidades pelas quais tenha

passado. Em acréscimo a isso, há uma grande incidência de homônimos não apenas na Vila

de Rio Grande como no restante das terras lusas ao longo do planeta. Os nomes e os
31

sobrenomes se repetem nas famílias e fora delas. Esse fenômeno não é exclusivo da

sociedade lusa, mas faz parte das suas tradições de atribuição de nomes às crianças que

nasciam, sendo que estudos de pesquisadores franceses apontam para a questão de ser o

nome próprio das pessoas à Idade Moderna um patrimônio das famílias, de “clãs”, de

grupos de famílias que partilhavam um conjunto de valores sócio-culturais ou regionais,

tais como a devoção a certos santos ou notáveis do passado. Sem ter a função de

individuação, os nomes tinham função de gerar o pertencimento a esses grupos. Não muito

diferente disso foi o que se percebeu na Vila do Rio Grande.

Seja por tradição, seja por ter uma função cultural, social, política, econômica e

religiosa, os nomes se repetiam amiúde.Com a recorrência a um mesmo e limitado estoque

de nomes, alguns procedimentos tiveram de ser feitos para trabalhar essa profusão de

poucos nomes. O primeiro deles foi a elaboração de uma base de dados no software

Microsoft Access, cujo eixo principal de busca e de localização dos sujeitos históricos fosse

o nome próprio, dotado de um ou mais sobrenomes se assim estivessem registrados.

Geraram-se fichas cujo primeiro campo a ser preenchido era o nome e nessa mesma ficha,

mais dados que se puderam obter.

A ficha nominal de entrada da base de dados ficou sendo uma espécie de resumo

da vida dessas pessoas. Nome, data e local de nascimento, nome dos pais, do cônjuge, dos

sogros. Informações que puderam ser coletadas sobre suas atividades profissionais, carreira

militar, bens e posses, estatuto social de livre, escravo, índio, pardo ou outros que por

ventura surgissem, também constam nessa ficha de entrada. Como por vezes os dados com

informações complementares procediam de fontes outras que não os registros batismais ou

mesmo eram advindas de fontes secundárias, dois campos do tipo memorando foram

criados, um para que fossem colocadas as fontes de onde tais dados procediam e outro para

dados coletados nessas fontes acerca do agente social em questão ou aos que a ele estavam
32

relacionados. O primeiro, portanto, referente aos dados das próprias fontes, fossem elas

primárias ou secundárias, o segunda para dados coletados. Um terceiro campo do tipo

memorando teve de ser acrescido a posteriori já que houve a necessidade de colocação de

outro tipo de observação, bem mais subjetivo e que guardassem impressões,

“desconfianças” e observações do pesquisador.

Foi peculiar na metodologia empregada a necessidade de atualização dos dados

das fichas de todos os envolvidos nos eventos registrados. Melhor dizendo, ainda que

estejam sendo coletadas dos registros batismais as informações sobre crianças pertencentes

a famílias nucleares – pai, mãe e as crianças que se batizam – todos os dados extraídos

relativos a outros envolvidos no evento e constantes destes registros são também

transferidos para as fichas correlacionadas – avós, padrinhos, esposos ou pais de padrinhos

e madrinhas. Essa opção faz com que o preenchimento dos campos das fichas, assim como

a transferência de dados de um único registro de batismo movimentasse em torno de três a

cinco fichas nominais. Acrescer mais um titular de ficha nominal podia levar a

modificações nas fichas já existentes de outros agentes sociais. De certa forma, esse modo

de trabalho gerou uma base de dados que é um verdadeiro manto de Penélope, já que a

cada nova informação, fichas que se tinham por concluídas foram e ainda estão sendo

alteradas.

Uma segunda base de dados, associada a esta e vinculada pelo nome do pai da

criança, foi gerada para comportar apenas os batismos, já que as fichas de entrada de dados

não estão reservadas a nenhuma sorte de dados em especial e servem como um índice ou

um resumo de tudo o que se tem sobre os sujeitos que as nominam. Tome-se o exemplo

dos registros batismais de filhos de Antônio José de Vargas, cujas informações tomou-se,

para efeitos de ilustração aqui, da obra de Jacottet & Minetti.

“ANTÔNIO JOSÉ DE BARGES (o correto é Vargas). * e b.


33

na freg. da Praia do Senhor Santo Cristo da Ilha do Faial, fo leg. de


Domingos Dutra e Francisca Dutra, c/c MARIA JOSEFA, * e b. na freg.
de Sta. Bárbara da Ilha Terceira, fa leg. de Manuel Machado Neto e
Maria das Candeias, pais de:
F1. Manuel, * 20.11.1754, b. 29.11.1754, fl. 35, Pad: Manuel de
Souza Torino e Maria Coelho.
Livro 3
F2. Maria, * 27.06.1757, b. 41.07.1757, fl. 23. Pad: Marçal de
Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo.
Livro 4
F3. José, *03.01.1760, b. 02.02.1760, fl. 23v. Pad: Antônio José
Coimbra de Andrade e Ana Maria Pais, fa solt. de Domingos de Lima.
F4. Manuel, * 15.08/1762, b. 5/09/1762, Pad: não registra.”
(Jaccottet & Minetti, 2001 45-46)

Exceto para casos de batismo emergencial, além do nome da criança, aparecem os

nomes de seus pais e padrinhos. O vigário Manuel Francisco da Silva, pároco de Rio

Grande, geralmente produziu assentos das atas de batismo com muitos mais dados do que

determinavam as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Manuel Francisco da

Silva com muita freqüência acrescia o nome dos avós e, em menor medida, o nome dos

genitores ou cônjuges de padrinhos e madrinhas. Abaixo, a ficha nominal de Antônio Jose

de Vargas:
34

Ilustração 5 – Ficha nominal de Antônio José de Vargas

E, a seguir, a ficha de dados de batismo de uma das crianças e as fichas correlatas

nesse batismo, que foram alteradas em função da modificação feita na ficha de Antônio

José de Vargas. Tomou- se para tanto o filho mais velho de Antônio José de Vargas, o

menino Manuel, afilhado de Manuel de Souza Torino e sua esposa, Maria Coelho, tendo,

esse caso ainda o interessante aspecto de padrinho e afilhado compartilharem do mesmo

prenome.
35

Ilustração 6 – Ficha do registro batismal de Manuel, filho de Antônio José de Vargas


36

Ilustração 7 – Ficha nominal de Manuel de Souza Torino, padrinho de Manuel, filho de Antônio José
de Vargas

A metodologia de aglutinação de dados que foi desenvolvida ao longo do trabalho

com essas fichas revelou-se importante ferramenta, apoio para a resposta de muitas das

questões levantadas e, ao mesmo tempo em que essas questões iam ficando mais

específicas e precisas, foram percebidos problemas na mesma. O primeiro deles, existente


37

desde o início, persistiu durante toda a pesquisa: a forte presença de homônimos nessa

sociedade.

Solucionou-se temporariamente com o acréscimo de um indicador numérico ao

final preenchimento do campo “nome” e com a definição da sorte de dados que ali iriam,

fazendo com que fossem recusadas duas fichas com mesma titularidade. Assim, mesmo

que se tente criar ficha com o nome de um titular de ficha já existente, a mesma não é

salva, fazendo com que se aglutinem os dados de ambas em uma única, se for o caso de

criação de uma segunda ficha para o mesmo agente ou que se adicione um indicador

numérico nos casos em que não houve a identificação positiva entre dois sujeitos de

mesmo nome. Não havendo essa identificação, não significa que não possam ser a mesma

pessoa. Antes incorrer na incerteza quanto à identificação do que no risco de, por não

considerar essa incerteza, incorrer no erro de dar como sendo o mesmo sujeito dois agentes

sociais distintos. O que mais comumente aconteceu foi, por não se dispor de elementos

suficientes para a identificação positiva nos dois ou mais documentos em que um nome

está grafado, faltarem dados que permitissem essa identificação. Citam-se como exemplo

de dados complementares que auxiliam na redução da incerteza o nome do cônjuge ou dos

pais, uma data em especial, a associação a algum lugar de origem. Essa última a menos

precisa de todas, já que não apenas em Rio Grande existiam homônimos: eles também

eram comuns nos locais de origens dessas populações. Verificou-se também a atribuição

de mais de um local de origem para a mesma pessoa e o fato de serem, às vezes citada a

freguesia de origem e em outro o bispado ou cidade, não possibilitando grande fiabilidade

a essa sorte de informações.

Entretanto, o tipo de solução que foi utilizada para esse problema mais se

assemelha a um curativo colocado sobre uma ferida que foi exposta e não, é nem de longe,

a sua cura. Pode-se dizer que foi feito um diagnóstico desse problema e tentou-se, para fins
38

de continuidade da pesquisa, uma solução emergencial. A cura definitiva ainda não tem

prazo para ocorrer e, talvez, nem possa ocorrer.

Para transformar esse paliativo em alguma sorte de solução, há a necessidade de

refinamento do método de cruzamento de registros nominais para além do que aqui foi

empregado e que, encontrando mais elementos nessa sociedade que possam levar à

identificação positiva entre agentes sociais com os nomes grafados de forma semelhante

nos diferentes documentos e registros existentes nessa localidade.

Também é preocupação, para essa melhoria no método perceber, as variações que

os nomes sofreram ao longo do tempo, com fenômenos tais como o descarte de um

prenome ou sobrenome e adoção de outro ou mesmo o câmbio completo da desinência do

sujeito. Essa mudança de nomes e sobrenomes pode aparecer na documentação de maneira

abrupta ou progressiva ou ainda como duas formas de denominar-se concomitantes até que

uma seja adotada em definitivo pelo agente social ou não, podendo continuar nesse vai-e-

vem de nomes próprios ad infinitum. O refinamento do método e a busca por ferramentas

metodológicas que reduzam a margem de incerteza em identificações são tarefas que já

tiveram seu início e terão continuidade para além do encerramento desta etapa da pesquisa

que ora se apresenta.

Outro problema que teve que ser resolvido foi quem seria titular de fichas

nominais, problema que, também, ainda não está completamente resolvido. Esse é

decorrente do método, ou antes, da confrontação de métodos que se utilizam em história e

de indefinições bastante justificadas quando se está construindo um objeto para estudo.

Exemplificando de forma mais prática, Maria Luiza Bertulini Queiroz (1992) produziu seu

estudo a partir do método criado por Louis Henry e Michel Fleury para a reconstituição de

famílias (Henry & Fleury, 1965). Pois bem, chegou à constatação da existência de um

pouco mais que setecentas famílias não escravas – ou livres, como preferiu chamar a
39

autora – vivendo na localidade por volta do ano de 1763, quando foram interrompidos os

registros batismais em função da chegada abrupta dos soldados espanhóis. Destas famílias,

Queiroz diz que em torno de quinhentas e cinqüenta e cinco se formaram nessa paróquia

(Queiroz, 1992: p. 70). O número de setecentas famílias, entretanto, não é absoluto ou

único, pois depende do que é considerado família tanto pelos próprios agentes sociais

como pelo pesquisador que os estuda.

Segundo Queiroz e os fundadores do método por ela adotada, a família por ela

estudada compreende pai mãe e seus filhos ou o que hoje chamamos de família nuclear.

Considerando que, pela documentação vista, esse tipo de família poderia ser dito como um

casal e seus filhos. Esse modelo de família, causa alguns problemas quando se pretende

analisar o continuum de relações que muitas vezes nascem internos a ela e se expandem

para o restante da sociedade, como no caso dos parentescos fictícios ou rituais. Impossível

para esta pesquisa que se apresenta agora desconsiderar esse tipo de parentesco fictício.

Sendo os registros batismais a porta pela qual se quer adentrar às relações sociais

perceptíveis na localidade, há que se ter por certo que o compadrio, um tipo de relação

subjacente ao ato batismal, é uma das mais notáveis e é uma das formas de parentesco

ritual mais utilizadas e conhecidas nas sociedades cristãs. O comportamento das famílias à

pia batismal, os dicionários, a literatura do direito e da filosofia da época e mesmo alguns

documentos oficiais dão a entender que a família que existia a esse tempo não se restringia

a esses laços estreitos de consangüinidade e nem mesmo aos parentescos afins ou políticos.

A família da época, parece muito mais fundada na idéia do oikos grego, do qual

participavam pessoas que viviam sob o mando e proteção de um mesmo senhor. Essa idéia

pode ser muito mais razoável para a sua análise que aqui se desenvolverá do que na idéia

de uma família nuclear, formada por um casal e seus rebentos. Assim, o que é considerado
40

uma família no trabalho demográfico de Queiroz, para este que ora se apresenta, pode ser

também uma família assim como pode ser parte de uma família.

Ainda não foi dado a estabelecer claros limites de pertencimento às famílias

extensas das quais se percebeu a existência ao longo desse estudo. Se para a pesquisa de

Queiroz é válido trabalhar com o número de pouco mais de setecentas famílias livres

existentes na localidade até o ano de 1763, para este vale apenas como uma referência ou

uma estimativa. Foi impossível para esta estudiosa da demografia chegar a uma avaliação

mais precisa até mesmo do número de habitantes da localidade. Mapear as relações sociais

que indicam pertencimento à uma família ou a um grupo familiar não apenas demandaria

precisões numéricas. Demandaria também a possibilidade de mapeamento dessas relações

em outras instâncias da vida social da Vila.

Ao que tudo indica, os critérios para pertencimento a uma família do tipo extenso

ou não-nuclear variavam, não havendo regras rígidas para a inclusão ou exclusão de

membros. Parece existir, isso sim, acordos tácitos de mútua aceitação – espontâneas ou

coagidas – respeito e concordância com as hierarquias e posições internas a essas famílias.

Fica a definição de sua abrangência, seus limites e fronteiras como não uma “coisa”

estática, mas dependente das relações estabelecidas entre seus membros. São limites e

fronteiras tênues e nem sempre perceptíveis, mas que, até que se possa chegar a definições

mais claras acerca das composições das mesmas, ainda assim enriqueceram a análise por

mostrar que no interior de uma dessas unidades havia pessoas de diferentes estatutos

sociais e diferentes posições dentro delas. Havia, portanto, também internos a essas

famílias, tensões e conflitos de interesses que tiveram que ser administrados, combatidos,

elididos ou dissimulados para que, essa estrutura familiar se preservasse, assim como

também se preservasse a própria existência dessas famílias.


41

Tira-se de cena, portanto uma definição rígida de família como sendo composta de

um casal e sua prole e passa a trata-la de um modo mais dinâmico, dotada de movimento,

pois qualquer definição que venha a defini-la, não pode, doravante, prescindir do termo

“relação”. Uma família na Vila do Rio Grande do século XVIII era um conjunto de

relações, dos quais algumas puderam ser percebidas e analisadas a partir dos registros

batismais existentes para a localidade. Sendo relação algo que não é estático e é mutável,

também a família desse período de modo geral e as que aqui serão apresentadas para a

análise, podem apresentar-se com algumas variações e nuanças, devido à correlação das

forças e interesses e sub-grupos que compunham essas relações bem como em resposta aos

ambientes externos a ela.

Se por um lado se abdica da idéia de família nuclear para tentar entender as

relações inter e intra familiares, por outro a família patriarcal que Gilberto Freyre descreve

e analisa em sua obra Casa Grande & Senzala (Freyre, 2000) também é insatisfatória para

a explicação de fenômenos que se divisam nessa sociedade a partir dos registros batismais.

Sem entrar em discussão pormenorizada do modelo de família exposto por Freyre,

discordância com relação a ele é despolitização das relações internas a ela.

A submissão constante e necessária de todos os membros a um chefe com poderes

senhoriais nesse modelo de família acaba por encobrir a agência destes na vida cotidiana.

Também acaba por reificar poder e família. De relação que é o primeiro e de conjunto

relações que se compõe a segunda, passam a uma “coisa que se têm ou não”, no caso do

primeiro ou “algo ao qual se pertence ou não”, no caso da segunda.

O estudo dos compadrios na Vila do Rio Grande, cujos resultados obtidos até o

presente são mostrados aqui, foi importante para a percepção da existência de relações que

são chave para a compreensão da outorga de poder a alguns setores sociais feita por outros.

São uma das fonte de poder nessa sociedade e ao mesmo tempo são limitadores desse
42

poder, não permitindo o uso despótico e tirânico do mesmo. Se formação das família quase

que como um processo natural e inerente a praticamente todas as sociedades que existem

sobre a terra, a formação de parentescos fictícios, geralmente voluntários, são não podem

ser vistos de outro modo que não criações dessas sociedades e necessariamente com

funções exercidas nela. Sejam essas em atenção às necessidades da crença coletiva, no

caso de Rio Grande, em atenção às necessidades espirituais dos cristãos, sejam em atenção

às necessidades de criar vínculos e incluir-se numa cadeia de reciprocidade que perpassava

toda a sociedade, agindo como uma força centrípeta que ligava e unia setores com

interesses distintos e que sem laços e recursos dessa espécie poderiam tender a posições

mais agressivas em defesa de seus interesses.

As estratégias associadas a formação de família foram compostas por homens e

mulheres que sacralizaram laços mundanos através do através do rito do batismo tornando-

se irmãos e irmãs espirituais, com deveres e direitos semelhantes aos da família carnal.

Segundo a literatura antropológica acerca deste tema, eram laços semelhantes, todavia

superiores. Os carnais e afins, por pertencerem ao mundo dos homens eram inferiores aos

que se davam na esfera espiritual, tendo Deus Pai e a Santa Madre Igreja como

participantes desse ato de irmanamento que transpunha os limites da vida e da morte,

permanecendo válidos até o Dia de Juízo. O patriarca todo poderoso, ao que tudo indica, dá

lugar a um líder político que não pode prescindir de seus apoiadores, tendo que fazer

concessões a seus subalternos para que o poder, essa relação existente entre quem detém o

mando e quem delega o mando, possa continuar fluindo.

Sendo a família, na visão dos filósofos que davam sustento aos teóricos dessa

sociedade, a menor porção da sociedade que tem em si as relações que a estruturam, a

despolitização dessas relações implicam também em na ausência ou ao menos na

diminuição dos aspectos políticos das relações entre famílias de estatuto social equiparado
43

o diferencia. Se as relações internas à família nesse modelo de família patriarcal quedam

despolitizadas, ocorre o mesmo com a sociedade. Existindo nela senhores que tudo podem,

as pessoas comuns também se relegam a seu lugar de submissão, não participando do jogo

político da localidade. Ao contrário, o que se verá ao longo deste, é que construir alianças

com os setores subalternos era ciência para poucos. Mais restrito ainda o número de

pessoas e famílias encontradas que sabiam como alimentá-las, reiterá-las, estendê-las para

além do dia seguinte, a despeito das mudanças conjunturais.

Assim, para as famílias que foram analisadas nesse estudo, buscou-se ver das

práticas das pessoas com parentesco político e afim e ainda de outras que pudessem estar

associadas a esses núcleos familiares em suas ações e relações tecidas à pia batismal, para

ver se essas se incluíam pela similaridade das práticas e direcionamento de suas relações,

no núcleo maior que estava sendo estudado. Os papéis da mulher e filhos, dos agregados e

da escravaria que se puderam observar, se comparados com o modelo patriarcal, são

distintos dele. As mulheres agiam com bastante desenvoltura nos ritos sagrados do

compadrio e eram, ao menos nas famílias de elite, as responsáveis pela captação de um

grande número de compadres e afilhados, na maioria das vezes, extrapolando a

popularidade dos ricos e poderosos maridos. Os compadrios que se construíram para os

filhos, muitas vezes crianças ditas inocentes também demonstraram ter função de

consecução do projeto familiar e não dar-lhes o devido valor poderia representar fracasso

na consecução de projetos familiares tais como futuras alianças matrimoniais. As relações

tecidas pelos subalternos das unidades domésticas, os escravos, os forros, os agregados,

traziam outra sorte de aliados para essas famílias, ao mesmo tempo que favoreciam redes

de sociabilização desses setores subalternos, formados também como famílias espirituais

que geravam coesão e aliança. Por um lado agiam como membros de uma família

hierarquizada, por outro teciam suas próprias relações que, por sua vez, lhes geravam
44

aliados que poderiam ser vistos como seus parentes espirituais e apoiadores. Eram,

portanto, manifestações de que não estavam isolados e que as agressões feitas a um

poderiam ser entendidas como uma afronta feita ao grupo. As famílias e a própria

sociedade se construíram, portanto, sobre uma urdidura tensa como as cordas de um

violino, o que leva a acreditar que não eram apenas a infância e memórias compartilhadas

por senhores e escravos nem apenas o chicote ou o receio dele que mantinha a estabilidade

e a paz social. Antes, num complexo jogo de ações e respostas, cada ato deveria ser

pensado antes de ser posto em prática, para que o retorno dado por essa urdidura tensa não

fosse o seu rompimento sob forma de agressividade. Para distinguir a família como se

percebeu na Vila do Rio Grande da família patriarcal delineada por Gilberto Freyre,

optou-se por chamá-la, na falta de termo melhor, de família corporativa já que seus

principais aspectos se enquadram no paradigma corporativo que vigia nas sociedades de

Antigo Regime.

Desse modo, puderam ser vistos, através das relações sociais estabelecidas pelas

famílias de elite ou de seus membros, também uma parcela daqueles setores que

compunham a majoritariamente a sociedade: soldados de baixa patente, camponeses,

escravos, agregados, etc. Ou seja, o que aqui será mostrado é a ponta de um grande iceberg

e espera-se que este estudo venha a ter utilidade nas pesquisas de quem mais se aventurar

por esses caminhos, bem como contribua na discussão acerca dos modelos de família

possíveis no Estado do Brasil dos tempos coloniais.

A forma de apresentação

A organização desse texto que apresenta resultados da pesquisa de mais de quatro

anos – mais de seis, se considerado que a coleta de dados para a base Gentes se iniciou em

fins de 1999 – não é muito convencional e foi fruto de uma escolha que foi se depurando

ao longo desses anos. Optou-se por estudar algumas das estratégias sociais e familiares
45

atinentes a essas famílias de elite e que se espraiavam para outras famílias de estatuto

social inferior, principalmente pelas relações que entre umas e outras se estabeleciam.

Cada um dos capítulos abrange uma temática que está interligada às colocadas nos outros

capítulos. Desse modo, cada um tem vida própria, com início, meio e fim mas que ao

mesmo tempo está intimamente vinculado aos outros capítulos temáticos que compõe o

texto completo. Por vezes algumas questões já ditas em outros capítulos tiveram de ser

retomadas para que a compreensão de cada um, como uma unidade em si não ficasse

prejudicada. Nesses casos, geralmente serão acrescidas outras análises ou interpretações de

fenômenos que podem ser vistos em separado mas que fazem parte do conjunto de relações

observadas na Vila.

Tem-se, entretanto, grande exceção é o primeiro capítulo, no qual se pretende um

panorama do que havia e não havia no território onde a Vila foi fundada antes de isso

acontecer. Foi opção também não apresentar uma história cronológica e factual da própria

Vila. Serve de resumo dessa história o breve guia que se colocou nesta Introdução. A

história da Vila de Rio Grande pode ser conhecido através de trabalhos outros que

enfatizam outros aspectos, tais como as questões militares e diplomáticas. Eis alguns deles:

A Dominação Espanhola no Rio Grande do Sul (1763-1777) (Monteiro, 1979); O

Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande (Fortes, 1980); Ancoradouro

da Expiação - o porto do Rio Grande de São Pedro nos Quadros da Expansão Colonial

Luso-Espanhola Rio Grande (Freitas, 1999); e os já citados trabalhos em demografia

histórica de Maria Luiza Bertulini Queiroz (1985; 1987; 1992).

O segundo capítulo existe em função de problemas encontrados quando do uso

das técnicas de conexão de registros nominais em confronto com a forte presença de

homônimos nos territórios lusos. O que era um complicador e um empecilho para a

continuidade da pesquisa tornou-se problema historiográfico e como tal foi discutido nesse
46

capítulo. Os usos e o repasse de nomes dentro dessa sociedade demonstrou ser também

uma das estratégias usadas para a família se constituir como tal. A utilização de nomes e

sobrenomes e a transmissão dos mesmos poderia facultar ou dificultar acesso a recursos

existentes na região e a sociedade. Os habitantes da Vila do Rio Grande construíram seus

nomes, destruíram os nomes de outros, repassaram a seus descendentes ou parentes

espirituais, negaram o repasse a quem destoava dos projetos e das características

familiares. O uso dos homônimos gerava laços mais profundos entre as pessoas que os

compartilhavam. Na tentativa de ampliar o horizonte para além da Vila de Rio Grande,

nesse capítulo foram buscados também casos para além de sua jurisdição ou que fugiam ao

recorte cronológico proposto inicialmente.

O terceiro capítulo trata da construção de uma identidade de grupo por parte dos

migrantes que vieram dos Açores. Trazidos em grandes levas de quase todas as ilhas do

Arquipélago dos Açores, por motivos diversos, dentre os quais gerar formas de garantir

acesso a recursos naturais e sociais, essas famílias que tinham não apenas uma origem

geográfica em comum, mas principalmente origens sociais e expectativas de futuro em

comum, engendraram meios para a manutenção de suas vidas e meios de sobrevivência na

nova realidade a ser vivida do outro lado do oceano. Nesse capítulo, usando da comparação

com o caso do Estado do Grão-Pará, que na mesma época também recebeu populações de

ilhéus em número semelhante, busca-se saber porque foi construída uma identidade de

“casais de Sua Majestade” ou de gente “das Ilhas” no Continente do Rio Grande de São

Pedro ao passo que decorridos pouco mais de cinqüenta anos da migração para o Pará,

pouquíssimos ilhéus lá se identificavam como tal. A comparação desses dois casos traz à

tona aspectos que cercam a formação de identidades em povoados coloniais e permitem

historicizar esses processos, de tal modo que poderá ser comparado, posteriormente, com

outros casos de construção de identidades étnicas nesta ou em outras regiões.


47

O quarto capítulo trata de situar a importância das relações de compadrio no seio

da sociedade cristã. Recupera um pouco dessa tradição e das suas modificações ao longo

do tempo. Nele se utiliza largamente o auxílio da literatura antropológica para perceber que

sorte de necessidades sociais e que funções tinham os compadrios nessa sociedade. Há a

apresentação e discussão da produção antropológica e historiográfica sobre os compadrios

no mundo e no Brasil. Através de um peculiar registro de batismo de uma menina nascida

escrava e tornada forra, busca-se desenhar o pano de fundo sobre os quais o batismo e as

relações a ele subjacentes foram se produzindo na Vila do Rio Grande. O direito, a

religião, a economia e a cultura se enredam em uma agradável trama de aspectos que

rodeiam essas relações que, sendo sacralizadas, também apresentam aspectos funcionais,

imediatos e muito concretos para o tecido social. Por mais distante que possa parecer a

recém fundada Vila do Rio Grande do mundo intelectual europeu, algumas das questões

muito importantes para os filósofos da Segunda Escolástica e teólogos ibéricos dão mostras

de serem conhecidas dos habitantes destes confins do Império. Mostram-se os compadrios

de uma família pertencente à elite do Continente do Rio Grande de São Pedro para

evidenciar alguns desses fenômenos que são ao mesmo tempo sociais, religiosos,

econômicos, políticos e culturais.

O capítulo seguinte apresenta um conjunto de famílias de elite e seus compadres,

mergulhando no material empírico proveniente dos registros batismais da Vila do Rio

Grande. Tenta-se perceber nas relações dessa família a formação das redes de

relacionamentos que passavam pela pia batismal ou que nela recebiam algum modo de

registro formal e que colocavam um patrimônio imaterial construído na vivência da Vila,

ainda que algumas relações pudessem preceder a chegada na localidade. Nesse capítulo

tenta-se ver a qualidade das relações de compadrio dos escravos da algumas dessas

famílias e, comparando as malhas que o setor livre das unidades domésticas e os escravos
48

dessas unidades teceram, buscam-se dois objetivos. O primeiro tenta ver as semelhanças e

diferenças nos padrões de compadrio e os benefícios possíveis no estabelecimento dessas

relações para ambos os setores no continuum de relações pessoais que o batismo podia

estabelecer entre os setores situados em diferentes posições hierárquicas podiam obter. O

segundo visa, através da análise da família extensa e, nessa incluídos os escravos, ver da

possibilidade da construção de parentela fictícia a dar significado às vidas que perderam

suas referências quando foram tiradas abruptamente de seu ambiente social e trazidos à

força para a América onde viveram sob o jugo da escravidão. Alguns historiadores e

antropólogos tentam, através de analogias entre os ritos que criam parentescos fictícios nas

regiões africanas de onde foram tirados e na América católica para onde foram trazidos,

ver da possibilidade de reverter a ruptura da vida social. Nesse capítulo, portanto, tenta-se

mostrar algumas possibilidades passíveis de ocorrer na Vila do Rio Grande.

A seguir, há a análise de casos recorrentes e instigantes de atas de batismo que

registram crianças de tenra idade como padrinhos de outras crianças. Fossem apenas casos

esporádicos, ficariam no rol das curiosidades. Entretanto, era recorrente nas boas famílias

da Vila do Rio Grande o início das “carreiras” como padrinhos e madrinhas antes mesmo

de terem feito essas crianças a sua primeira comunhão. Eram inocentes batizando

inocentes. A eles se juntam outros que começaram a dar sua presença na pia batismal um

pouco mais velhos, mas ainda assim abaixo da idade exigida pelas Constituições Primeiras

do Arcebispado da Bahia (Da Vide, 1707). Esses casos clamavam por uma explicação e

através deles se viu a importância dessas relações que foram abençoadas por Deus Pai e

pela Santa Madre Igreja como sementes para um projeto de futuro. Através dos atos de

batismo as famílias formavam para seus filhos um pecúlio, um dote imaterial no qual um

tanto do prestígio social de seus pais e mães lhes eram repassados sob a forma de

compadrio. Caberia a eles, em idade adulta, conduzirem suas vidas de tal modo que esse
49

bem não fosse desperdiçado em atitudes vãs e sim que fosse capitalizado em novas e

futuras relações. Também esses compadrios na tenra idade induziram a análise de relações

de compadrio entre as famílias de diferentes estatutos sociais, vendo nelas uma das fontes

de poder político na localidade e uma das formas de cerceamento do uso deste poder. Os

séqüitos de compadres que cada família possuía cativavam pessoas nos grilhões da

reciprocidade, numa estranha mas plausível lógica das dádivas presentes na economia do

dom que ajudavam a estruturar e a dar ordem a esta sociedade.

No último capítulo buscou-se resgatar as conexões entre os capítulos apresentados

anteriormente numa melhor apreciação do que poderiam ser famílias e algumas de suas

estratégias para a vida e a sobrevida nessa localidade de fronteira. Foram feitos neles testes

com a aplicação da metodologia inerente ao estudo de redes sociais, destacando-se as

representações gráficas dessas redes de relacionamentos. Usou-se como piloto para esse

teste uma das famílias da elite, incluindo seus escravos e compadres externos a ela. Os

resultados foram bastante interessantes e alguns muito surpreendentes. Tais resultados

levam a uma reflexão que reavalie o papel da mulher nessas famílias bem como se pensem

os critérios que levam à inclusão ou a exclusão de pessoas nessas redes. Também desses

testes veio a certeza de que a conexão de registros nominais, assim como foi trabalhada,

poucos frutos ainda tem a dar, a menos que se aprimorem os recursos que permitem a

redução da margem de dúvidas na identificação positiva dos agentes sociais. O que era

para ser um capítulo conclusivo é o prenúncio de novas pesquisas nesse sentido.

Como um aviso aos leitores, alerta-se que o trabalho em grande medida, foi feito

com experimentos sobre as fontes, sobre as teorias e sobre as metodologias que podem e

devem ser utilizadas por historiadores. Seu conjunto deve, portanto, ser entendido

exatamente assim: um grande experimento que pode vir a contribuir no enriquecimento de


50

estudos semelhantes, e clamando por novas pesquisas que permitam a comparação dos

resultados.

Dada essa configuração atípica do texto aqui apresentado, cada capítulo

respondendo por temas específicos que têm por traço comum as famílias e suas relações

demandou, além da bibliografia geral, um tanto de referências bibliográficas que são

próprias dele. Assim, para que a leitura ficasse mais fluida, optou-se por colocar as fontes

utilizadas bem como as referências bibliográficas de cada um ao seu final, não escusando a

relação completa ao final do volume.

Assim, sem muito mais a colocar aqui, passa-se ao produto da investigação.

Abreviações usadas nesta Introdução:


ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
LBat – Livro de Batismo
LObt – Livro de Óbitos
RG – Rio Grande

Fontes e referências usadas nessa Introdução

Fontes Primárias Manuscritas

ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livros 1o, 2o, 3o e 4o, de Batismos da Vila do
Rio Grande 1738-1753.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1o de Óbitos de Rio Grande. 1738-1763.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1o de Batismos do Estreito. 1763-1776.

Fontes Primárias Publicadas


APOLANT, J. A. Padrones Olvidados de Montevideo del siglo XVIII, v. VIII al X. Montevideo: Separata del
"Boletín Histórico del Estado Mayor del Ejercito", no 116-119. Imprenta Letras, 1966.
BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional - Inventário de
Documentos Relativos ao Brasil Existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar - Rio de Janeiro, 1747-
1755, organizado por Eduardo de Castro e Almeida. v. 50. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional -
Divisão de Obras Raras e Publicações, 1936.
BIBLIOTECA RIOGRANDENSE. Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas
- 1764 -. Rui Grande: Biblioteca Riograndense, 1937. CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o
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Tratado de Madrid (1750) -Antecedentes do Tratado. Documentos organizados e anotados por Jaime
Cortesão. Parte III, Tomos I e II. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores - Instituto Rio
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DA VIDE, Sebastião Monteiro. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra: Colégio das
Artes da Compahia de Jesus, 1707.
DOMINGUES, Moacyr. Portugueses no Uruguai: São Carlos de Maldonado 1764. Porto Alegre: EST,
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WRIGLEY, Edward Allan, Ed. Identifying People in the Past. Londres: Edward Arnold,1973.
Capítulo I

O que havia em São Pedro do Rio Grande quando não havia


nada? Os antecedentes da ocupação lusa

I. Quando não havia nada

O território onde em 1737 foi erigido o Forte de Jesus, Maria e José, fortificação

militar que teve papel de catalisador dos intentos de povoamento posteriores, era ermo ao

limiar do século XVIII.

Saindo da povoação da Colônia se buscará o caminho do norte,


que por vinte e três dias se seguirá, e andarão dois a dois, com as
espingardas sempre na mão e prontas por causa das onças, passando a
noite em quartos e cuidadosa vigia com fogo ao pé. (Filgueira, 2003: p.
5).

Este primeiro parágrafo do Roteiro por onde se deve governar quem sair por terra

da colônia do Sacramento pra o Rio de Janeiro ou Vila de Santos, datado de 1703, traz

alerta para mais viajantes que por ali passassem, dados por quem fez este caminho e só

encontrou dificuldades e isolamento (Filgueira, 1973; Filgueira, 2003). De Sacramento até

a Serra de Maldonado, vinte e três dias. Oito dias para a passagem da Serra de Maldonado,

na qual não era difícil a caravana perder-se depreende-se da orientação dada por Filgueira:

(...) e se nos ditos dias se não avistar a costa ou a lagoa de


Castilhos, se seguirá o caminho de Leste a buscar a dita costa; tanto que
se der com a lagoa de Castilhos se andará à roda dela, até se tornar a
tomar e buscar e meter na praia que nunca mais se largará até dar em
povoado.
Em todo o caminho é conveniente não penetrar o mato mais do
que para apanhar caça, e pela praia se pesca na roda da maré (...) Aqui em
53

Castilhos se faça cada um cinco ou seis braças de pesca para amarrar às


mochilas e jangadas, fazendo provimento de carne de vaca, porque daí
para diante não a há.
De Castilhos a até o Rio Grande se gastam quinze dias (...)
(Filgueira, 2003: p. 5).

O primeiro povoado encontrado após a saída da Colônia do Sacramento foi a

Laguna, onde chegou desta maneira:

(...) na primeira ponta de pedra que se avistar junto da praia, a


que chamam os morros de Santa Marta, se entrará para dentro, e pelo
rasto do gado se vai dar ao povoado e logo se acham cavalos e ovelhas do
Capitão Domingos de Brito, que é o povoador desta terra. (Filgueira,
2003: p. 6)

O resumo da viagem, medido em dias de jornada, foi dado desta forma:

Nesta viagem gastei da Colônia até Castilhos vinte e quatro


dias, destes até o Rio Grande dezesseis, deste ao povoado trinta, que por
todos são setenta, todos de jornada, e os que faltam para os quatro meses,
que me demorei, estivemos parados em ranchos pelas muitas chuvas que
nos impediram o seguir jornada. (Filgueira, 2003: p. 6-7)

Comenta, ainda, Filgueira, antes do término de suas recomendações:

Advirto que o rio Grande à vista do que se diz dele é uma


droga; porque nos assim que a ele chegamos, estávamos vendo os lobos
sair para a praia e tornarem a meter-se no rio. (Filgueira, 2003: p.7)

Em nenhum momento de seu relato, no entanto, Filgueira alerta para problemas

causados pela presença humana. Não há relato de paradas em ranchos habitados, não foi

anotado nenhum encontro com gente de qualquer origem ou praticante de qualquer

atividade. Não foram avistados índios. Nem suas fogueiras, casas, acampamentos ou

quaisquer vestígios de sua presença. Ermas, desabitadas.

Assim eram, então, essas terras litorâneas que, em pouco mais de trinta e cinco

anos desde a viagem de Domingos da Filgueira, estariam pulsando com a chegada de

pessoas de diversas partes da América Lusa, da América Hispânica, da Península Ibérica,

de outros locais da Europa, da África e, curiosamente, até um “indiático chino natural da

Índia” (ADPRG - Registro de batismo de Justina 03/05/1760 e de Leonor, 04/04/1763 -


54

4LBat-RG, 1759-1763).

Apesar da ausência de presença humana, o território tinha lá seus atrativos tanto

para os autóctones como para os peninsulares. Os indígenas, sazonalmente, deslocavam-se

desde o interior até o litoral. Em grupos, providenciavam alimento a partir da caça e da

pesca no mar e nas muitas lagoas e banhados existentes nas proximidades das duas grandes

lagoas dos Patos e Mirim. Se Domingos da Filgueira e seus companheiros de viagem não

encontraram europeus ou seus descendentes não quer dizer que a região lhes era por

completo desconhecida ou que nela não tivessem interesse algum. Desde meados do século

anterior já existiam intenções e “proprietários” lusos para o território em questão.

Em 1658 Salvador Correia de Sá fez o pedido da mercê de posse de uma capitania

que iria desde cinqüenta léguas ao norte da Ilha de Santa Catarina até cinqüenta léguas ao

sul, compreendendo a Barra da Lagoa dos Patos, onde um dia se situaria a Vila de São

Pedro do Rio Grande (Monteiro, 1979: p. 7). Alguns anos mais tarde, Correia de Sá

demandou mais e obteve da Coroa lusa terras contíguas às constantes da primeira

solicitação. O limite sul da grande capitania ficaria junto à margem setentrional do Rio da

Prata e sua embocadura, incluindo o local onde posteriormente foi fundada a Colônia do

Sacramento (Abreu, 2002, nota 10: pp. 44-47).

A vasta capitania, entretanto, não teve sua ocupação com contingentes humanos

efetivada sob os auspícios dos familiares de Salvador Correia de Sá. As terras

compreendidas pela donataria dos Assecas, como ficou conhecida a tal capitania por ter

sido legada ao seu neto Visconde de Asseca, tiveram outros pretendentes, ainda que em

porções de terras de menor tamanho. Alguns pedidos de mercê e ofertas de serviços à Sua

Majestade colocavam frações dessa terra como objetivo para o povoamento.

Um desses pretendentes, Manuel da Silva Jordão, solicitou as terras que

margeavam a Lagoa dos Patos, motivado, por um lado, pelas possibilidades de exploração
55

do território e, por outro, por problemas pessoais e familiares, dentre os quais o

envolvimento em um crime de morte contra membro da nobreza da terra do Rio de Janeiro,

em uma das contendas intestinas à elite local. A vítima do crime era um dos membros da

família de Salvador Correia de Sá (Hameister, 2002: pp. 99-100). A grande diferença da

solicitação de Manuel Jordão, feita em 1695 em relação ao pedido de Salvador Correia de

Sá é que Jordão comprometia-se a proceder a ocupação dessas terras, caso lhe fossem

dados os auxílios solicitados à Coroa, quais sejam:

(...) me ofereço para ir povoar o Rio Grande, por ter muitos


filhos e muitos netos, todos para servimos a Sua Majestade, dando-se 50
casais de Índios das Aldeias e 30 solteiros das aldeias reais de São
Paulo e 6000 cruzados para ajuda de custo, para o que obrigarei minha
fazenda e os pagamentos de 2 engenhos; reservando e fundando esta vila
que há de ser opulenta pelas razões que têm andado informação. (apud
Costa E Silva, 1968: p. 31, negrito meu)

O pedido de Manuel Jordão foi indeferido pela Coroa. O parecer dado pelo

Conselho Ultramarino alegava que tal avanço sobre as terras sulinas, com intenções de

povoamento sistemático, poderia ser comprometedor para a frágil paz estabelecida com

Espanha nos territórios meridionais (Porto, 1943, v. 1: p. 340). Note-se que a Colônia do

Sacramento, fundada em 1680, foi arrasada neste mesmo ano pelos espanhóis, vizinhos da

outra margem do Prata. Em 1695 a vida “normal”, por assim dizer, recém se iniciava em

Sacramento. O envolvimento no assassinato dos detentores legais da grande porção de

terras e com grande influência na esfera política lusitana pode ter influenciado seriamente

o parecer do Conselho Ultramarino e do próprio rei, embora tal justificativa não seja citada

no documento.

II. Interesses dos dois lados do Oceano


Atlântico se encontram onde não havia
nada

Salvador Correia de Sá era um grande conhecedor da Região Platina, além de


56

possuidor de negócios em Buenos Aires. Nascido em 1594, no Rio de Janeiro, filho do

governador Martim Correia de Sá, tinha por mãe a senhora Maria de Mendoza y

Benavides, filha de fidalgos da cidade de Assunción, no Paraguai (Boxer, 1973). Sabia

que, além da prata do altiplano andino, sob forma legal ou de contrabando, pelo Porto de

Buenos Aires outras riquezas circulavam.

Os couros, provenientes dos gados introduzidos no sul da América pelos padres

jesuítas que fundaram as missões guaranis, eram mercadoria produzidas a baixos custos

neste lado do oceano e de muito valor na Europa. Muitas vezes chamados de “frutos da

campanha”, eram extraídos no campo, geralmente pelos indígenas guarani, minuano ou

charrua, utilizados como mão-de-obra com paga em produtos coloniais ou em artefatos

produzidos no Velho Mundo. Também coureadores de origem ibérica faziam a extração

dos couros para colocá-los ao comércio na colônia ou exportá-los para fora da América.

Curtidos ao sol, com uso da cal para sacar-lhes os pêlos e o sal a ajudar na desidratação e

na conservação, eram adquiridos por comerciantes. O jesuíta Antônio Sepp, missionário

que atuou na catequização dos índios das terras de Espanha nesta fronteira dos dois

impérios ibéricos na América, escrevia ao século XVII sobre este lucrativo comércio:

O benévolo leitor poderá calcular facilmente quantas reses se


gastam aqui ao todo, quando eu só já consumo tantas, e quantas ainda
ficam sobre os campos infinitos do Paraguai, para a procriação
indispensável. Nossos três navios levaram 300 mil couros para a
Espanha, mas não de vacas, e sim de touros mais crescidos. Aqui, um
couro sai a quinze kreuzers, que vem a ser o salário para o serviço de tirá-
lo. Na Europa, no entanto, em qualquer parte, vende-se um couro de boi
como este por seis e mais reichstaler. Daí poderá o benévolo leitor mais
uma vez fazer nova conta, calculando o lucro indizível que os espanhóis
tiram só do couro. (Sepp, 1980)

Não foi possível estabelecer a relação de valor entre as moedas mencionadas pelo

padre Antônio Sepp, mas a expressão “indizível lucro”, por si só, já diz o suficiente sobre o

que poderiam ganhar os comerciantes nessa atividade de comprar couros aos índios. Mais

ainda se levado em consideração o modo com que se praticava o comércio com os


57

indígenas, os produtores diretos da mercadoria em questão, também relatadas pelo Pe.

Sepp:

[os couros] São as verdadeiras minas indígenas de ouro e prata


de Sua Majestade Real. Porque, de resto, não se encontra ouro nem prata
entre os índios, e, até o nome de dinheiro lhes é inteiramente
desconhecido. Quando os índios compram algo dos espanhóis, fazem-no
em troca de mercadorias, não passando de mero negócio de troca,
distando muito e muito do verdadeiro comércio de compra e venda. E a
palavra usada é só esta: Se tu me deres tantos bois e tantas vacas, dar-te-
ei tantos e tantos côvados de tecido de linho; se me deres tua faca, dar-te-
ei meu cavalo. Desta maneira, os índios tornam verdade o anexim usado
pelas crianças européias, quando dizem "dar um cavalo por um apito",
porque, na realidade, aqui um apito vale mais do que o melhor e mais
lindo cavalo, por causa da superabundância de cavalos e da carência de
apitos. (...)
Aldeamento que não fosse capaz de criar de 3 a 4 mil cavalos
de montaria seria considerado pobre. Particularmente apreciadas são as
mulas, possuindo eu também um animal bem criado. Um cavalo vale,
quando muito, um taler, não em dinheiro, mas em fumo, mate, agulhas,
facas ou anzóis. (Sepp, 1980)

Comprar onde há abundância e vender onde há escassez. Comprar onde custa

pouco e vender onde é valorizado. Essa era a essência dos negócios comerciais do século

XVIII: no comércio de longa distância, fortunas se fizeram às custas do transporte de

mercadorias entre os pólos produtores com um mercado local diminuto para os bens

produzidos no local e mercados longínquos e vorazes, todavia carentes de certos gêneros.

Segundo Braudel,

(...) O comércio de longo curso cria seguramente sobrelucros: joga com


preços de dois mercados afastados entre si e cujas oferta e procura,
ignorando-se mutuamente, só se encontram por intervenção do
intermediário. (...) O comércio de longa distância significa riscos, porém
mais ainda lucros excepcionais. Freqüentemente, muito freqüentemente, é
ganhar na loteria. Até o trigo, que não é uma mercadoria “régia”, digna
do grande negociante, mas que passa a sê-lo em determinadas
circunstâncias – caso de penúria, claro. (Braudel, 1996: p. 357)

Após fornecer dois exemplos de comércio de longa distância com circulação de

mercadorias por sobre os oceanos e com mercados que se ignoram mutuamente,

intermediados pelos homens do comércio marítimo, Braudel reitera:


58

(...) Uma vez mais, dois mercados díspares cujos produtos se valorizam
fantasticamente ao cruzar o oceano num sentido ou noutro, cobrem de
ouro alguns homens, os únicos a lucrar com essas grandes diferenças de
preços (Braudel, 1996: p. 357).

Os couros, extraídos anualmente aos milhares, nas vastas planícies que

compreendem a Campanha Buenairense, todo o território uruguaio e se estendem até a

Depressão Central, no atual estado do Rio Grande, todos os anos, eram mercadoria que se

enquadrava perfeitamente no comércio caracterizado por Braudel. A demanda européia por

esse produto encontrava a superabundância de gados e a grande produção de couros no sul

da América como correlato. Mercadorias de baixo custo na Europa, facas e agulhas ou

mesmo americanas, o fumo e a erva, produzidas por outros indígenas ou com mão-de-obra

escrava. O fumo e o mate, mercadorias de baixo custo de produção, eram moedas de troca

na aquisição dos animais e dos couros. Um “negócio da China” em plena América.

Também no relato do Pe. Sepp vê-se a abundância de cavalos no sul da América.

Salvador Correia de Sá podia não entender o significado da falta de um apito a uma criança

ou a um indígena, mas era sabedor do drama de quem não tem cavalos estando em situação

de guerra. Não bastassem essas suas ligações com as Índias de Espanha e a sua atuação no

comércio platino, Correia de Sá comandou as operações para a expulsão dos holandeses do

Reino de Angola, em 1648, ali sentiu na própria pele a falta de uma cavalaria nas

campanhas militares.

Segundo Luís Felipe Alencastro, Angola padecia de uma criação própria de

cavalos por uma fatídica conjunção de fatores (Alencastro, 2000: p. 50). A primeira delas,

relacionada às precárias condições de salubridade na região, fazia com que os cavalos

viessem a sofrer de doenças e, amiúde, morressem por causa delas. Sobre a situação da

cavalariça da Praia do Bispo, que teria capacidade para cem cavalos, foi dito:

(...) mas sendo o terreno, ainda que plano, muito imediato ao monte da
Matriz, as águas das chuvas rodeavam o edifício, faziam intratáveis as
59

passagens, umedeciam as paredes; e assim a gente como os Cavalos,


respiravam um ar tão danoso à saúde que secundava ao do clima (Correia,
apud Santos, s.d.: p. 61)

Uma doença específica: um tipo de tripanossomo, transmitido pela mosca tsé-tsé,

era especialmente letal aos eqüinos. Esta doença

(...) embaraçava a criação de cavalos na área. Abaixo do Cabo da Verga


(atual Conakry) ninguém comprava mais cavalos. Sinal – ontem como
hoje – do início da barreira epidemiológica levantada pela
tripanossomíase” (Alencastro, 2000: p. 50).

Um segundo impedimento, de acordo com Alencastro, seria parte das próprias

estratégias para a conservação dos territórios angolanos sob posse lusa. A introdução de

cria de cavalos colocaria aos nativos a possibilidade de obtenção desses animais. Cavalos

eram fator de superioridade bélica lusa sobre os exércitos dos reinos africanos. Isso

aumentaria a fragilidade militar portuguesa no Reino de Angola se os nativos angolanos

pudessem constituir sua própria cavalaria a partir de matrizes roubadas aos portugueses.

Assim, essas matrizes jamais foram conduzidas para o território angolano, partindo para lá

apenas machos, em condições de utilização militar, para não dar azo à criação de uma

cavalaria sob comando dos nativos.

Roquinaldo Ferreira reitera essa idéia de conjunção de fatores a complicar a

existência de cavalos em Angola. Citando documentos relativos aos embates entre os

portugueses e o sucessor da rainha Ginga, entre outros, reafirma a carência desses animais,

bem como caracteriza seu envio, providenciados pela Coroa lusa, como sendo irregular e

mesmo deficitário (Ferreira, 2001: 374-375).

Trabalhos anteriores verificaram a longeva necessidade de eqüinos nos territórios

lusos na África, em especial em Angola (Simonsen, 1967; Ferreira, 2001; Hameister, 2001;

Hameister, 2002). Essa necessidade gerou uma sucessão de provisões régias que

ordenavam o embarque obrigatório de cavalos dos portos luso-americanos para essa região
60

do globo. Até onde se pôde averiguar, os editos régios compreendem, no mínimo, o

período entre 1666 e 1754 (Simonsen, 1967; Hameister, 2002). A chegada de cavalos à

África era dificultada por dois grandes fatores.

O primeiro, porque embarcar um número diminuto de animais em cada navio

poderia não ser um bom negócio aos comerciantes de tropas que já os comercializavam

para mover cargas no interior do continente americano. Ao que tudo indica, não havia

interesse em enviá-los na travessia às custas dos baixos valores pagos pela Coroa e com o

seu transporte sob responsabilidade e expensas dos comerciantes marítimos, também

desagradados de levar consigo carga viva e frágil.

O segundo, porque a travessia marítima sempre representava risco de morte, tanto

para humanos como para cavalos. Nem sempre os animais chegavam vivos, ainda mais

quando se encontram vistorias feitas nos portos de embarque, que acusam estarem sendo

remetidos dentro das quotas de obrigatoriedade de envio de cavalos, animais doentes, mal

alimentados ou sem condições de suportarem a longa viagem.

Muitos animais partiram de Pernambuco para a África, mas no ano de 1731 o

envio desde lá foi suspenso (Costa, 1984: p. 143), muito provavelmente em função do

Caminho das Tropas, que ligava por via terrestre a Colônia do Sacramento à São Paulo.

Essa grande empreitada, realizada por particulares que, agindo em interesse de seu

comércio em conjunção aos interesses da Coroa, foi iniciada em 1727 e concluída no ano

de 1730. A viagem inaugural do Caminho das Tropas fez chegar a São Paulo mais de 3 mil

cavalgaduras conduzidas por seus proprietários empenhados em abrir picadas, fazer pontes

e retificar um trajeto pré-existente (Abreu, 2002). O Caminho das Tropas foi o responsável

por fazer chegar ao sudeste colonial as mulas e cavalgaduras que foram usadas no

transporte de cargas no interior, abastecendo os sertões mineradores e, de lá, escoando o

ouro.
61

Não causa surpresa a redução do número de animais a serem enviados a partir de

Pernambuco após a abertura dessa rota, seja pela quantidade de cavalos enviados do sul,

atendendo uma demanda reprimida existente nas Minas e em São Paulo, seja pelos

acontecimentos posteriores ao início da empreitada. Rodrigo Cesar de Menezes,

governador de São Paulo que ao final da década de 1720 muito obrou em garantir que o

projeto tivesse andamento, já havia deixado este governo no ano de 1730 e não mais se

encontrava no Estado do Brasil. Chegou a Angola no final do ano de 1732, sendo

empossado em seu governo no início de 1733. Em 1734 já havia falecido, em Luanda,

possivelmente vítima dos tais “ares danosos”.

Rodrigo Cesar de Menezes, membro de uma estirpe de administradores do

Império Luso nas suas colônias, propiciara o fluxo de animais de uma região na qual eram

abundantes para outras localidades nas quais eram escassos:

Ou seja, o governador que dera início à solução dos problemas


do fluxo dos animais sulinos até as regiões da Colônia que dele
necessitavam, fora transferido para o pólo mais distante destas rotas
possíveis aos eqüinos transportados. Ao que parece, uma vez resolvido a
parte sul-americana dessa equação, Rodrigo Cesar fora designado a
resolver os problemas da parte africana, provavelmente recebendo as
mercês e benesses reais decorrentes do cargo de governador em Luanda,
mercês estas, facilitadoras inclusive do lucrativo comércio Brasil-Angola
(Hameister, 2002).

Assim, dos dois lados do oceano, regiões ditas como periféricas ou “sertões”,

ligavam-se através das cavalgaduras existentes ao sul da América e da carência destas na

região congo-angolana. Também na própria América portuguesa, regiões muito

distanciadas entre si uniam-se pelo mesmo motivo.

Quando os olhos da Coroa lusa brilharam com as faíscas de ouro descobertas nas

Minas, a necessidade de meio de transporte de cargas fez-se visível. A Coroa, através de

seus agentes e com o serviço de particulares agraciados com mercês e privilégios,

providenciou a ligação terrestre entre as áreas com imensa produção de animais e as áreas
62

dedicadas à produção do ouro ou as que proviam o abastecimento das regiões mineradoras.

A Coroa lusa, assim como algumas famílias de súditos tinham de fato uma visão do mundo

que extrapolava uma relação de subordinação das colônias à metrópole. Faziam o Império

mover-se como um organismo vivo, no qual a ciência do que se passava em locais tão

distantes e a colocação de homens com experiência de mando em diferentes situações eram

algumas das chaves do seu funcionamento.

O comércio de longa distância, dessa vez terrestre, tornou alguns homens ricos e

despertou sentimentos de descontentamento em outros. O traçado do Caminho das Tropas,

enveredando para o interior na altura da Guarda Velha de Viamão, hoje município de

Santo Antônio da Patrulha, no estado do Rio Grande do Sul, colocava à margem do fluxo

de animais as terras da Laguna, litoral de Catarina. As terras e os gados de Francisco de

Brito Peixoto, o povoado por ele dirigido, avistados e visitados por Domingos da Filgueira

ficavam muito distantes do novo traçado. O antigo Caminho do Litoral, cujo

reconhecimento e povoamento rendeu mercês ao paulista de Brito Peixoto, não estava nos

planos de Francisco de Souza e Faria e Cristóvão Pereira de Abreu, os “descobridores do

novo caminho”. Também não estavam incluídas no roteiro outras localidades onde

familiares de Brito Peixoto tinham moradia ou interesses.

Nos relatos de Francisco de Souza e Faria e de Cristóvão Pereira, há passagens

que assumem tom de comédia, se lidos após estes quase duzentos e oitenta anos que se

passaram desde a sua escrita. As “pequenas sabotagens” promovidas pelo Capitão-mor da

Laguna e os seus são hoje hilários episódios, mas representaram um autêntico drama para

quem esteve empenhado na abertura das estradas e picadas nos anos em que ocorreram:

“A esta diligência foram sempre opostos vários moradores


das Vilas de Santos, Parnaguá, e Curitiba, e da mesma sorte os da
Vila de Laguna, e de Sta. Catarina, (...), receosos de que com a
abertura do novo caminho perderiam as suas liberdades, o faziam
impossível; (...). Neste tempo me achava eu na nova Colônia do
63

Sacramento, e tendo esta notícia, me pus logo a caminho a ver o estado


em que se achava esta diligência, e chegando à Vila da Laguna achei ao
dito Francisco de Souza com alguma gente, mas quase impossibilitado a
dar execução ao que se lhe ordenava, porque o Capitão-mor da dita Vila,
ou pelos motivos já ditos, ou por contemplação dos moradores da Vila
de Santos, Parnaguá, e Curitiba, com quem era aparentado,
simuladamente lhe fazia impossível, principalmente na gente, porque
tanto se lhe alistava de dia como lhe fugia de noite; e vendo-o eu neste
estado, cuidei em aplicar-lhe o remédio, fazendo-o primeiro congraçar o
dito Francisco de Souza, com o Capitão-mor a quem não faltava, e tive a
fortuna de que ele se pusesse a caminho com boa ordem e a gente
necessária em Fevereiro de 728. (...) Este roteiro é o mesmo, que diz
trouxera consigo o Sargento-mor Francisco de Souza e Faria, que se o
seguira abrindo o caminho a onde acabam as serras e não em Araranguá,
nunca experimentaria em perto de três anos que gastou nele, as
fomes e misérias que são notórias, verdade é que culpam nesta parte
ao Capitão-mor da Laguna, que por seus particulares interesses lhe
quis fazer impossível a jornada e o caminho, facilitando-lhe a
entrada pela parte mais dificultosa que há para esta abertura.
(Abreu, 2002: pp. 5-6 - grifos meus.)

Alguns dos filhos, filhas e genros do Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto,

poucos anos após a abertura do Caminho das Tropas, empresa da qual alguns deles

participaram, transferiram sua moradia para os Campos de Viamão, situados próximos ao

extremo-norte da Lagoa dos Patos e à Guarda Velha de Viamão, local do pomo da

discórdia sobre o traçado da rota entre descobridores e lagunistas. Em 1735 os familiares

de Francisco de Brito Peixoto estavam no Continente do Rio Grande de São Pedro,

vendendo gado bovino à Coroa lusa, para atender a Colônia do Sacramento, que

novamente passava por ataques espanhóis (Monteiro, 1979: p. 35).

III. Onde não havia nada, havia também os


espanhóis

O interesse luso por esta porção de terras que continha a barra do Rio Grande,

ditas “uma droga” por Domingos da Filgueira, encontrava correlato no interesse dos

espanhóis. A posse do sul da América ibérica foi alvo de constante e secular disputa entre

Portugal e Espanha, estando a questão de seus limites – indefinidos desde o Tratado de


64

Tordesilhas – ainda mal definidos no século XIX, fazendo com que o problema de

fronteiras se estendesse do período colonial até depois das independências dos países

platinos e do próprio Brasil.

O Tratado de Tordesilhas de 7 de Junho de 1494 dirimia diferenças entre Portugal

e Espanha no tocante às terras já descobertas e ainda por descobrir. Fazia a divisão dos

novos mundos entre as duas coroas ibéricas que, virando às costas à Europa, lançaram-se

ao mar:

porém que eles por bem de paz e concórdia e por conservação


do devido e amor que o dito senhor rei de Portugal tem com os ditos
senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, (...) A qual raia ou linha se
haja de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das
ilhas do Cabo Verde pera a parte do ponente, por graus ou por outra
maneira como melhor e mais prestes se possa dar de maneira que
não sejam mais. E que tudo o que até aqui é achado e descoberto, (...)
indo pola dita parte do levante dentro da dita raia à parte do levante ou do
norte ou do sul dela, tanto que não seja atravessando a dita raia; que isto
seja e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e a seus sucessores
pera sempre jamais. E que todo o outro, assim ilhas como terra firme
achadas e por achar, descobertas e por descobrir, que são ou forem
achadas polos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, etc., e
per seus navios, des a dita raia dada na forma suso dita, indo por a dita
parte do ponente depois de passada a dita raia pera o ponente ou ao norte
ou sul dela, que tudo seja e fique e pertença aos ditos senhores rei e
rainha de Castela e de Leão, etc., e a seus sucessores pera sempre jamais.
(...) (BNP - Minuta do Tratado de Tordesilhas de 1494 - versão
portuguesa, s.d. grifos meus)

O Tratado de Tordesilhas, acordado para diminuir as tensões entre as duas coroas

no que competia às novas descobertas, continha imprecisões, verificáveis no trecho acima,

que, apesar de correções em tempos posteriores, deixavam motivos para as disputas que ao

final do século XVII e nos três primeiros quartéis do século XVIII tiveram grande

influência sobre São Pedro do Rio Grande.

O documento diz: trezentas e setenta léguas das Ilhas de Cabo Verde. Entretanto,

o arquipélago de Cabo Verde possui dez ilhas e cinco ilhotas. Afinal, onde começava a

contagem das tais trezentas e setenta léguas? No extremo ocidental da mais ocidental das
65

ilhas? Ou começava em seu limite oriental, partindo daí, trezentas e setenta léguas na

direção oeste? O documento não traz nenhuma especificação quanto a esse marco e,

havendo diferença na dimensão da légua portuguesa para a légua espanhola, tampouco foi

especificado no acordo entre as duas majestades ibéricas qual dos padrões seria adotado na

contagem dessas imprecisas trezentas e setenta léguas contadas a partir de um ponto

impreciso em uma ilha imprecisa no Arquipélago de Cabo Verde.

Desse “pecado original” cometido no tratado que repartia as terras descobertas e

por descobrir do outro lado do Atlântico decorrem pretextos às contendas de fronteira entre

esses dois impérios no sul da América. Essas tornaram-se mais acirradas a partir do ano de

1680, com a fundação da Colônia do Sacramento. Tanto os reis portugueses como os

espanhóis, dadas as experiências anteriores em navegação, descobrimentos e

reconhecimento dos territórios aos quais chegavam, contavam com excelentes geógrafos e

astrônomos ao seu serviço. Além disso, com freqüência os cultos e estudiosos padres

geógrafos da Companhia de Jesus eram chamados para préstimos em demarcações ou

estabelecimento de limites, informações e feitura de mapas, muitas vezes com intuito de

dirimir divergências de opiniões quanto à localização de povoados ou fortificações

militares.

No ano de 1680, chegou às margens do Prata o recém nomeado governador do

Rio de Janeiro, Dom Manuel Lobo, para a execução de sua missão secreta, com instruções

entregue pelo rei ou seus representantes aos vários participantes da expedição em envelope

fechado para ser aberto durante a viagem pelo mar. Os participantes da missão não

deveriam deter-se no Rio de Janeiro. Sua chegada ao Prata era de extrema urgência e de

suma importância, considerando ainda que nos documentos lacrados de cada um dos

membros da expedição existiram ordens que os demais desconheciam, com indicações de

como proceder em substituição às chefias hierarquicamente estabelecidas em caso de


66

morte ou captura. Não deveria, portanto, ser a missão interrompida, já que nem mesmo a

morte dos líderes seria empecilho para sua continuidade. Tudo estava previsto e ordenado

nas instruções secretas de Sua Alteza (Regimento que o Governador do Rio de Janeiro

Dom Manuel Lobo, levou para a Fortaleza do Sacramento, no Rio da Prata e Carta de Sua

Alteza sobre a jornada que vai fazer D. Manuel Lobo Gov. do Rio de Janeiro, in:

Monteiro, 1937: pp. 5-16 e 20-21, v. 2).

No segundo dia após a chegada no Prata, no mês de fevereiro, no ponto

determinado para a fundação da fortaleza, Dom Manuel foi contatado por alguns homens

de Buenos Aires, que indagaram “que tipo de gente eram”. Retornados a Buenos Aires, tais

homens passaram adiante as notícias do que haviam visto. De lá veio o já esperado:

contestaram que Dom Manuel Lobo e seus comandados permanecessem onde estavam. Os

portenhos alegavam que a expedição estava em território espanhol.

A primeira discussão “diplomática” acerca da posse de Sacramento não ocorreu

na Europa, deu-se in loco. Havia, de um lado Dom Manuel Lobo, que relatava:

(...) Vinieron com sus argumentos que yo solo les adminti en forma de
conversacion y insinuandole assim por que en este lugar no se aavia de
resolber el negocio. Salieron varias cartas de marear a publico en que
muchas medidas de compás y por la diferencia que se hallo en las
mesmas cartas no pudo por este camino aver concordancia (...)( Primeira
Carta de Don Manuel Lobo ao Príncipe Dom Pedro, cópia traduzida. In:
Monteiro, 1937 p. 26, v. 2)

Do outro lado, os emissários de Buenos Aires que trouxeram consigo o piloto

Gomes Jurado, insistiam em resolver ali a questão. O piloto, apoiava-se no livro do Padre

português Simão de Vasconcellos, Crônica do Brasil, no qual constava que a linha

divisória passaria a trezentas e setenta léguas da Ilha de Santo Antão, arquipélago de Cabo

Verde. Em uma carta de navegação, o piloto espanhol marcou a linha divisória e, segundo

Manuel Lobo, afirmou que estariam os portugueses adentrando o território de Espanha

mais de setenta léguas. Dom Manuel Lobo, ocupado em contra-argumentar, relatou o


67

seguinte:

(...) Yo tive por un libro que acaso me avia llegado a las manos hecho por
Melchor Estasio de Amaral (...) el qual fue ympresso en el tiempo que los
Reys de Castilla governabam esta Corona y son argumentos como del se
dexa ver. Afirma ser quatrocientas leguas las que se han de partir de la
ysla de San Antonio de Cabo Berde para la parte de loeste y de aquel
punto se ha de hechar la linia ymaginaria (...) a que un Piloto que con
ellos venia respondio que de essa suerte tocarian a la Corona de Portugal
todo lo que en estes contornos ellos poseyan y quedariamos muy vesinos
al Perú. Yo lo dixe que assi se entendia. Porque lo que pertenesia a las
Coronas no tenia prescripsion sin embargo de sus reselos me parece
fueran stisfechos de la cortezia con que los traté. (Primeira Carta de Don
Manuel Lobo ao Príncipe Dom Pedro, cópia traduzida. In: Monteiro,
1937: p. 27, v. 2)

Neste interessante jogo de convencimento, cada uma das partes usava, como

argumento, as palavras escritas e publicadas pelo oponente. Talvez assim o fizessem como

recurso retórico, pois tentavam evidenciar a contradição entre o que os reis e sábios de

cada uma das Coroas afirmavam e aquilo que se praticava no Prata. Talvez tornando clara

a contradição, o oponente desistisse daquilo que não necessariamente pertencia à Coroa da

qual era súdito, mas incluía os territórios que almejavam, o que também é percebido nesse

diálogo.

Redondamente enganado estava Dom Manuel Lobo quando acreditou que os

espanhóis saíram satisfeitos deste colóquio. A cortesia deve ter sido aceita, mas a

argumentação, não. Os espanhóis que se retiraram para Buenos Aires foram comunicar às

autoridades o sucedido. Dom José Garro reuniu sua Junta de Guerra em fevereiro de 1680,

e com ela fez convocar todos os homens com mais de dezoito anos com suas armas.

Entretanto, dizia Don Garro que não podia confiar nos homens recrutados, pois, em sua

maioria, eram portugueses ou descendentes de portugueses. Solicitou homens à região de

Tucuman e a eles se juntaram índios Tape das Missões, sob comando de Simão de Toledo

e dos padres jesuítas. Em março de 1680 foi desferido o ataque à Colônia do Sacramento.

Sem uma aliança formal, Dom Manuel Lobo contou com a ajuda de índios
68

Charrua e Minuano, inimigos de longa data dos índios Tape, que iam atacando as forças

espanholas ao longo de toda a jornada. A Colônia do Sacramento, com a obra de

fortificação não concluída, não resistiu aos ataques. Mais de cento e trinta pessoas foram

levadas prisioneiras para Buenos Aires, dentre os quais Dom Manuel Lobo, que veio a

falecer durante o período de prisão (Monteiro, 1937, capítulos 3-5.v. 1).

A Colônia do Sacramento mal teve sua construção iniciada foi posta por terra

pelos espanhóis. Uma nova fortificação foi erguida em seguida sem paz formalizada, mas

também sem guerra declarada, sustentou-se até 1705. O governador interino da Colônia do

Sacramento, Cristóvão de Ornellas Abreu, em conluio com o governador de Buenos Aires,

praticava o contrabando no Rio da Prata, colocando a pique barcos de concorrentes no

comércio ilícito. Muito provavelmente essa sociedade fez com que se mantivesse a praça

de Sacramento nos anos posteriores a este primeiro ataque.

Da década de 1690 até 1705 prosperaram os negócios de extração e

comercialização de couros em Sacramento, o que, de certa maneira, também colocava em

alerta os espanhóis. Os portugueses eram vistos como concorrentes nesse comércio de

grande lucratividade e, por conseqüência, faziam com que a arrecadação do fisco que cabia

à Coroa espanhola se visse diminuído. As incursões dos portugueses ao interior em busca

dos couros provocava protestos dos homens do rei e da igreja que, num cálculo

mirabolante, propunham o extermínio do rebanho de cerca de um milhão de touros da

campanha, para evitar os avanços lusos. Esse cálculo, feito à época, pressupunha que,

colocados na atividade de extermínio os indígenas, divididos em grupos de cem, cada

grupo poderia dar cabo de dois mil animais ao dia, sacando-lhes os couros e os sebos, cujo

aproveitamento seria dos homens de Espanha e não de Portugal. Também os impostos

recolhidos sobre os produtos competiriam à Coroa de Espanha e seus contratadores, não à

Coroa de Portugal e aos arrematadores de seus contratos dos quintos dos couros, imposto
69

estabelecido para a Colônia do Sacramento e que quintava também os sebos.

O extermínio não foi consumado (Moutoukias, 1987: pp. 154-157), mas as

preocupações com as intrusões lusas no Prata continuaram na ordem do dia. Em 1704 o

rompimento da sempre tensa paz ibérica, refletiu-se no Prata sob a forma de novos ataques

desferidos à Colônia. Dessa vez, meses após, houve a capitulação de seus homens. A

Colônia do Sacramento foi esvaziada de súditos da Coroa lusa e os que não desertaram

transferiram-se para o Rio de Janeiro, para a Bahia ou retornaram à Península. Muitos

seguiram suas trajetórias de oficiais da Coroa, homens de negócios e arrematadores nos

locais para onde se dirigiram. Alguns retornaram à Colônia do Sacramento, quando da

devolução da praça em 1716 (Hameister, 2002: pp. 109-153).

Em 1716, com um novo tratado de paz vigorando e com a Colônia do Sacramento

novamente sob domínio luso, os portugueses reiniciaram as coureadas. Os intentos de

povoamento foram intensificado e foram convocados casais de migrantes para fazer a

ocupação da região. Dentro do que seria chamado por Jaime Cortesão de A Política dos

Casais, a Coroa portuguesa estimulou a migração de famílias de trasmontanos, ditos nos

documentos relativos a esta migração como sendo de “60 casais de gente Transmontana

que só entendem de Agricultura, de que aquelas tão dilatadas campinas necessitam”

(Monteiro, 1937: p. 71). Esses migrantes embarcaram em 1718.

Algumas famílias, provavelmente almejando os incentivos oferecidos pela Coroa,

casaram seus filhos nos portos de embarque ou no Rio de Janeiro, tão logo puseram os pés

em terra firme. É interessante verificar as datas dos casamentos das quatro filhas mais

velhas do casal Nicolau de Souza Fernando e Ana Marques, migrados para a Colônia. As

quatro moças casaram-se no ano de 1717, no porto de embarque. O sobrinho de Nicolau,

Antônio de Souza Fernando e sua esposa Apolônia de Oliveira, também contraíram

matrimônio no local de partida dos emigrantes (Rheingantz, 1979: pp. 370-487, Títulos
70

Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando). Algumas dessas famílias, mais

tarde, comporiam os contingentes civis que se deslocaram para a barra da Lagoa dos Patos,

para promover o povoamento do Rio Grande (ADPRG - Livro Primeiro de Batismos de

Rio Grande, 1738-1753).

O crescimento populacional e desenvolvimento da Colônia do Sacramento não

passaram desapercebidos dos vizinhos espanhóis da margem meridional do Rio da Prata.

Se a paz constava em papéis assinados por autoridades, na prática, as situações de

beligerância velada e provocações declaradas ocorriam de lado a lado. A década de 1720

foi marcada por episódios de saques e violência que, se não eram excepcionais em sua

freqüência, o eram pela riqueza de detalhes com que foram narrados na documentação lusa

ou na crônica de Simão Pereira de Sá (Sá, História Topográfica e Bélica da Nova Colônia

do Sacramento1993: p. 57; Hameister, 2002: pp. 74 e 199).

Os conflitos locais faziam com que a situação da Colônia de Sacramento estivesse

sempre sob tensão, e por mais apaziguados que fossem os ânimos, um ataque sempre

estava entre as possibilidades postas ao dia. Em 1735 a paz novamente foi quebrada.

Sacramento foi sitiada, cerco que durou até 1737, por pouco não completando três anos.

Dessa vez não houve capitulação. A praça da Colônia foi mantida a custo de muita luta e

muita perseverança dos portugueses, pois os ataques se faziam simultaneamente, desde

terra e mar. Os índios tape das aldeias dos jesuítas também formaram força que atuou

ativamente nesta operação militar muito bem planejada e muito bem executada, em várias

frentes e em vários âmbitos. Em 1735 consta também um ataque dos tape ao Caminho das

Tropas, nas proximidades de Laguna, que impedia o transporte dos animais para o centro-

sul do Estado do Brasil. Os espanhóis buscavam isolar militarmente e inviabilizar

economicamente a Colônia do Sacramento.

Os pedidos de auxílio do governo de Sacramento demoraram a chegar nas


71

localidades que lhe podiam fazer socorro. Ao norte, recordando o relato de Domingos da

Filgueira, somente a vila da Laguna enviou alguns reforços. Distando setenta dias de

jornada terrestre ininterrupta, já que por mar, a embocadura do Prata estava fortemente

guarnecida por vasos de guerra da coroa de Espanha, os lagunistas chegaram quando o

confronto não podia mais ser minimizado. Nesse momento, o já alardeado isolamento fez-

se sentir na população que lá vivia. Consta que durante o período no qual durou o Grande

Cerco, como ficou conhecido na historiografia, os habitantes de Sacramento até cães e

ratos tiveram que comer, já que espanhóis não permitiam o abastecimento dos inimigos na

praça sitiada. A privação foi tão grande que, dentre os feitos mais comemorados do período

em que Sacramento esteve sitiada, estão a condução de cavalos para os militares de

Sacramento e a feitura de carnes1 a partir dos animais adquiridos da família de Brito

Peixoto, também enviadas à Colônia do Sacramento. Ambas as empreitadas foram levadas

a cabo pelo então Capitão Cristóvão Pereira de Abreu, que anexou-as em sua folha de

serviço e pelas quais recebeu mercê anos depois.

Quando não havia nada, portanto, havia espanhóis e portugueses a digladiar-se

pela posse do território. A cruzá-lo constantemente em busca de gados e couros, a enviar

cavalos e bovinos para áreas que deles careciam. Havia coureadores e changadores,

vassalos de ambas as Coroas ibéricas a retirar da campanha o seu sustento. Quando não

havia nada, no território que vai da Colônia do Sacramento, havia também a guerra e a paz.

Havia a chegada de povoadores, de soldados. Havia o cruzar da barra do Rio Grande no

envio de cavalgaduras para o transporte nas Minas. Havia a ação dos charqueadores de

ocasião ocupados em abastecer Sacramento. Havia espiões e batedores de ambas as

facções. Quando ainda não havia nada, o território no qual está compreendida a Barra do

1
Os documentos dizem “fazer carnes” ao ato de produzir o charque na própria campanha.
72

Rio Grande já conhecia a guerra e a paz nos confrontos entre portugueses e espanhóis.

IV. Onde não havia nada, havia


índios charrua, minuano e tape

Como no relato de Domingos da Filgueira não há indicação de período do ano em

que foi empreendida a viagem, é possível que quando de sua passagem não fosse a época

dos deslocamentos sazonais dos indígenas ao litoral. Todo o contorno da Lagoa dos Patos

contém registros arqueológicos que evidenciam a presença dos índios guarani. Essa porção

leste do atual estado do Rio Grande do Sul fazia parte da grande área sob controle destes

indígenas que, além de serem usadas em seus deslocamentos periódicos como locais onde

podiam contar com caça e pesca faziam, parte do território abrangido por migrações mais

esparsas. Os grupos de autóctones passavam temporadas em determinadas regiões e,

quando o ambiente dava mostras de esgotamento, migravam para mais além, fazendo uma

rotação de áreas com de plantio, caça e coleta com décadas de duração, para dar tempo à

recuperação dos recursos. Mais ao interior, no imenso “nada” que separava a Colônia do

Sacramento das serras de Maldonado e nas regiões de campanha, viviam os índios

minuano e charrua, grupos nômades de caçadores-coletores que não praticavam a

agricultura.

Não eram poucos os habitantes autóctones dessas áreas litorâneas e que

margeavam os grandes rios e lagos ao sul. Para os espanhóis, que por motivos diversos

tiveram interesse imediato na ocupação da vasta planície sulina, não lhes passou

desapercebido esses indígenas, em 1604 escreveu Hernandarias:

en la entrada del Uruguay, Viaça Santa Catarina y Río Grande, donde no


faltan grade suma de indios que poder atraer al conocimiento de nuestra
santa fe católica, que es lo que mucho importa, y de donde así mismo,
hay grandes notícias de oro. (Cartas de Hernadarias al Rey - 05/04/1604,
in: Cartas y Memoriales de Hernandarias, Revista de la Biblioteca de
Buenos Aires 1937 v.2, apud Bracco, 2004: p. 24)
73

Dois ou três anos mais tarde, tornava a referir-se a eles:

y poblando-se otro en el río Uruguay que es uma provincia mui


fértil e de gran suma de indios y que se entiende no está [a más de]
cuarenta leguas del mar, se podria poblar el puerto de Santa Catarina (...)
(Cartas de Hernadarias al Rey - 05/05/1607, in: Cartas y Memoriales de
Hernandarias, Revista de la Biblioteca de Buenos Aires 1937 v.2, apud
Bracco, 2004: p. 24)

Com a afirmativa de Filgueira de que muito penaram por chuvas e mau tempo é

possível dizer que quando por lá passaram não era a temporada propícia para se estar junto

ao mar. E talvez fosse também o tempo de “abandono” do sítio para sua recuperação

dentro do modo indígena de exploração dos recursos. Mais ainda, talvez seja indicativo de

que o plano de aglutinar os indígenas que viviam no entorno da Lagoa dos Patos em torno

da santa fé católica, colocando-os em povoados, conforme indicado por Hernandarias tinha

sido bem sucedido.

Entretanto, por mais desabitadas que fossem, faziam parte da grande área de

domínio e controle de grupamentos indígenas que não foram atraídos ao catolicismo ou às

reduções e estâncias dos religiosos. Alguns dos quais com pouquíssimo contato com os

europeus, ainda que mantivessem contatos entre seus parentes aproximados pelos

europeus. Eram ermas, mas não eram devolutas. Faziam parte do modo de ocupação

territorial guarani e eram parte de suas reservas em recursos naturais necessárias para a

sobrevivência do grupo.

Os indígenas da etnia minuano – uma subdivisão do grupo conhecido como

guenoa, dos quais o subgrupo mais conhecido são os guaicuru, imortalizados na aquarela

Carga de Cavalaria Guaicuru de Debret, e hoje, como os demais guenoa, sejam eles yaró,

charrua ou outros grupos, não mais existentes no território brasileiro, pelo menos não

como população que se reivindica dessa herança étnica – aparecem como, juntamente com

os guarani e índios tape, senhores do território antes da chegada dos portugueses e


74

espanhóis.

Já os tape, segundo Neumann (2000), eram populações autóctones que teriam

passado por um processo de “guaranização” durante a expansão ao sul dos guarani. De fala

guarani, portanto, mas com especificidades que se fizeram notar pelos missionários jesuítas

e pelas populações lusas e espanholas que para a Banda Oriental se dirigiram. Tinham por

hábito ocuparem regiões que margeiam grandes rios e lagos, eram agricultores e

ceramistas. Após essa “guaranização” dos tape pelos guarani, houve um outro processo de

grande influência cultural, política e religiosa em boa parte dos membros dessa etnia. Os

guarani e/ou tape, foram o grupo lingüístico mais atingido pela catequização dos padres da

Companhia de Jesus na América Meridional. Pertenciam a essa etnia a maioria dos

indígenas que viviam nas Missões Orientais e nas estâncias missioneiras dos jesuítas.

Os padres Antônio Ruiz de Montoya e Antônio Sepp, jesuítas missionários na

América, foram, também, cronistas da obra da Companhia de Jesus nessas terras. Seus

relatos Conquista Espiritual Feita pelos Religiosos da Companhia de Jesus nas Provínvias

do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape - Reduções Guaraníticas - Ano de 1639 (Montoya,

1997) e Viagem às Missões Jesuíticas e Trabalhos Apostólicos (1697) (Sepp, 1980) foram

publicados e republicados em português, estando ao acesso dos pesquisadores do tema. As

Cartas Ânuas dos jesuítas das Missões estão na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,

adquiridas na coleção de Angelis.

Os tape/guarani e as Missões Jesuíticas são tema constante da produção

historiográfica sulina, seja qual for o período ou o tipo de abordagem. Seja na

historiografia tradicional, da qual cita-se aqui, como exemplo, a belíssima e complexa obra

de Aurélio Porto, História das Missões Orientais do Uruguai (1943), de produções

voltadas à divulgação do tema ao grande público, como, também por exemplo, a obra de

grande qualidade plástica e gráfica Missões Jesuítico-guaranis (Tavares, Nardi Fo & Dalto,
75

1999). A produção acadêmica também versa sobre os guarani, como no como no trabalho

Historiografia Sul-rio-grandense: o lugar das Missões Jesuítico-guaranis na formação

histórica do Rio Grande do Sul (1819-1975), de Luiz Henrique Torres (1997), que discute

o índio guarani e as Missões na historiografia sulina, ou na investigação histórica

propriamente dita, como em Práticas Letradas Guarani: produção e usos da escrita

indígena (séculos XVII e XVIII), de Eduardo Neumann (2005).

A estes exemplos muitos mais poderiam ser acrescidos, pois não é escasso o

estudo sobre missões, missioneiros e índios guarani. No entanto, não é o objetivo desse

estudo. Fazia-se necessário, entretanto, assinalar essa presença indígena na região,

juntamente com os outros elementos que existiam nesse território quando ainda não existia

nada. Esses elementos se fizeram presentes no dia-a-dia das famílias e tiveram de ser

levados em conta nas estratégias sociais e familiares daqueles que chegaram para construir

a nova localidade de Rio Grande, na beira da Lagoa dos Patos, onde “não havia nada”.

Abreviações usadas neste capítulo

1LBat-RG: Livro Primeiro de Batismos de Rio Grande


4LBat-RG: Livro Quarto de Batismos de Rio Grande
ADPRG: Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
BNP: Biblioteca Nacional de Portugal

Fontes e Referências Bibliográficas usadas neste capítulo

Fontes Primárias Manuscritas

ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1o de Batismos da Vila do Rio Grande
1738-1753.
76

ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 4o de Batismos da Vila do Rio Grande
1759-1763. 1759-1763.

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História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997. [tese de doutoramento]
Capítulo 2

O Segredo do Pajé: o nome como um bem


(Continente do Rio Grande de São Pedro, c.1735-c.1777)

O remédio está aqui – tornou a bater na testa. – Está no espírito.


Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera
morre? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua: a
coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O
filho é a continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto
também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô de um homem que
continuará o espírito de Tibicuera e que portanto, ainda será Tibicuera.
O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz,
que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um
amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim
Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só”. ("O
Segredo do Pajé" In: As Aventuras de Tibicuera. Verissimo, 1981: p. 22
- em itálico no original.)

I. Eis então um problema

Quando se trata de estudar as populações lusas e suas descendências recorrendo aos

registros documentais, sejam eles laicos ou eclesiásticos, particulares ou oficiais, um dos

maiores complicadores é a presença de homônimos. Tal dificuldade já foi expressa por

Faria (1998), Hameister (2001), Scott (2001), entre outros. Este complicador, em especial,

faz com que a tarefa torne-se, além de mais árdua, mais interessante e — porque não dizer?

— mais divertida, já que para desfazer os nodos em que se amarram os vários fios das
79

vidas do passado, há que se descer aos meandros do dia-a-dia, identificando os sujeitos

históricos nas diversas facetas de sua existência.

Há que conhecê-los intimamente: suas posses; parentescos; seus amores

socialmente aceitos e também os escusos; suas descendências legítimas, naturais e

ilegítimas; suas amizades e seus desafetos; suas bravuras, bravatas e covardias. Conhecer o

conjunto das suas relações, portanto, passa a ser uma pretensão inatingível para quem

deseja escapar das armadilhas montadas pela presença de homônimos, tornando o

pesquisador um “fofoqueiro” dotado de lupa e “todo o tempo do mundo” para esmiuçar as

vidas alheias — e passadas — que estuda. Com muita sorte, como se recebesse a notícia da

chegada de uma vizinha “bem informada” da vida alheia — eufemismo para fofoqueira —,

o historiador recebe notícia de existência um corpus documental por ele desconhecido. Ou

ainda, que houve a abertura de um novo arquivo que contém informações sobre a “sua

gente”, como corriqueiramente chamam seu objeto de estudo, tal a intimidade que essa

procura gera. Esses acréscimos ao seu universo de pesquisa são sempre saudados com

animação e novas “histórias de sua gente” são agregadas às outras, ampliando também o

universo de aspectos a serem estudados na perspectiva — como já dito, inatingível — de

contemplar todas as facetas da vida social. E, nessas fontes que se agregam às já

conhecidas, vai buscar a “sua gente” pelo nome que os identificava.

Na tentativa de investigar a nascente sociedade do Continente do Rio Grande de

São Pedro, denominação dada a uma parcela do atual estado do Rio Grande do Sul no

século XVIII, percebeu-se a existência de um “estoque” de nomes e sobrenomes um tanto

reduzido. Esse universo era, eventualmente, acrescido de alguns “novos”, com origem

toponímica, indígena ou eventualmente pelo ingresso de algum estrangeiro europeu no

contexto sob análise. As combinações resultantes de nomes e sobrenomes também eram,


80

portanto, bastante reduzidas, resultando em legiões de Antônio Rodrigues ou Manuel

Cardoso, matizados por um ou outro Miguel Apoté, Perico Serra ou Thomas Clarque.

Não se pretende aqui resolver o drama dos homônimos — essa sim uma tarefa

inexeqüível. Propõe-se tentar, isso sim, conhecer um pouco mais sobre homônimos, dando

destaque àqueles que se dão entre pais e filhos. A vontade de resistir a esse fato

consumado: os pais davam seu nome aos rebentos, faz com que o historiador anseie pela

Máquina do Tempo de Wells, que o permita retornar ao ato do batismo e renomear toda

uma parcela da população e assim solucionar o seu problema. Entretanto, isso não

soluciona o problema historiográfico cuja existência foi detectada a partir da constatação

da recorrência desse fenômeno e da abrangência geográfica do mesmo: reiteradamente, as

populações lusas transmitiam aos seus novos membros os nomes e os sobrenomes de seu

repertório social e familiar. Não é, portanto, um “azar do historiador” nem um “acaso” para

as pessoas que viveram o passado que ele estuda. É um fenômeno social e como tal deve

ter status de problema historiográfico. A despeito das tentações de fazer vistas grossas

enquanto a tal Máquina do Tempo não é inventada, tentar entender que sorte de

necessidades eram supridas com o “singelo” ato de repassar o nome a um filho, neto,

sobrinho ou afilhado, deve resultar bem mais útil.

Também se tentará introduzir aqui algumas outras questões relativas ao ato de dar o

prenome a uma criança. Ainda que a observação desse fenômeno seja muito pouco

difundida nos estudos sobre a história colonial brasileira, em outras regiões do globo não é

novidade. Isso será visto ao longo do capítulo, inserindo, portanto, as próximas páginas em

uma categoria de estudos sobre as assim chamadas naming practices ou “práticas de

nomeação” que já tomaram muito tempo de pesquisa de historiadores franceses, norte-

americanos, suecos, islandeses, entre outros.


81

Tal sorte de estudo se faz por demais necessária para a metodologia que vem sendo

empregada, baseada na perseguição dos agentes históricos no conjunto de práticas sociais e

relações por eles estabelecidas através de seus nomes próprios, como propõe Carlo

Guinzburg em O nome e o como (1989), ao enunciar o “método onomástico”.

Para dar continuidade a essa busca, observou-se a necessidade de entender também

o ato de nomeação dos indivíduos como uma prática social, passível de estabelecer e de

romper padrões, sujeito às normas sociais vigentes à época e aplicado às crianças ou jovens

e adultos em seu batismo também com algumas intenções. Podem ser elas, por exemplo,

garantir uma proteção mística, como no caso das crianças que recebem o nome dos santos

ou de adventos religiosos consagrados ao seu dia de nascimento ou batismo; perpetuar um

nome que “circula” na família há gerações; introduzir um novo nome repleto de

significados em um estoque antigo de prenomes familiares ou do grupo social; aproximar

os adultos — pais, padrinhos, avós ou outros parentes e amigos — das crianças batizandas

através do repasse de seus nomes. O nome, até então um “incômodo”, uma “pedra no

sapato” dos historiadores da América Portuguesa, deverá ter seu estatuto alterado para

“problema historiográfico”. Enfim, para as páginas que seguem, teremos o nome —

caractere pessoal — também como um objeto de estudo e um problema para a

historiografia, indo além da utilidade de um fio guia para a metodologia empregada. O

nome dos agentes sociais perderá, portanto, toda a sua inocência, sendo visto, doravante,

como estratégia social de grupos e famílias no processo de conquista e povoamento do

território meridional da América Lusa.

Com o intuito de abranger tantos aspectos e problemas distintos subjacentes a um

único objeto — o nome próprio das pessoas — será inevitável que alguns casos

apresentados sejam vistos e revistos em diversas partes do texto que se segue, sob óticas

diferentes, mas sempre com o intuito de trazer à tona as intenções e os gestos passíveis de
82

acontecer na sociedade que se estruturava no Extremo-sul do Estado do Brasil, ao longo de

aproximadamente meio século. No entanto, deve-se primeiro passar pela apresentação do

estudo da onomástica, um breve histórico e a algumas pesquisas das quais se tomou

conhecimento.

II. Sobre o estudo da onomástica: o nome


em tempos, locais e culturas diferentes

Abre-se este tópico com uma citação

Sem dúvida, não é supérfluo relembrar que o fato de se


denominar, pura exigência da vida em sociedade, não é um problema
restrito ao Estado civil, que a cada época, a cada civilização, irá
responder à sua maneira e nas formas do caráter jurídico mais ou menos
assegurados. (Pérouas, Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984: p. 7)

Aqui, então, nos obrigamos a uma reflexão. Não há, verdadeiramente, sociedade

que prescinda da atribuição de nomes a seus membros. Mesmo que não seja atribuído,

como nas sociedades católicas, num ritual de apresentação e ingresso à sociedade

semelhante ao batismo. Em algum momento da vida, os componentes de um grupo social

tinham e têm um nome atribuído.

Isso remete a uma outra questão, contida na citação abaixo e que também é

pertinente no sentido de rever a importância do nome próprio dos sujeitos e seus usos ao

longo da história, ainda que não se pretenda avançar por demais sobre ela:

o prenome apresenta duas características particularmente interessantes: é


um bem gratuito cujo consumo é obrigatório. Desde então o estudo de
sua difusão é particularmente apto para colocar em evidência, em sua
pureza, a função de identificação e de distinção como pertinentes ao
consumo de bens de moda (Phillipe Basnard apud Dupâquier, 1984: p. 7)
83

Sendo o nome um bem de consumo obrigatório e, ao mesmo tempo, gratuito, se

coloca tanto quanto a existência da família nas sociedades humanas — independentemente

das múltiplas formas e abrangências que possam ter nas sociedades onde existem — como

traço comum e estrutural à maioria elas. O nome existe em todas as sociedades e é

regulado pelas práticas e necessidades da sociedade onde foi atribuído. As práticas de

composição e repasse dos nomes — prenomes ou sobrenomes auto-atribuídos ou recebidos

— variam de local para local, de cultura para cultura, de época para época, mas a

desinência pessoal dos membros de uma sociedade é fenômeno comum a todas elas. É

portanto um traço estrutural da organização social humana e, por isso mesmo, importante

para a compreensão das realidades passadas que tentamos atingir através de metodologias

que se utilizam do nome próprio dos sujeitos históricos.

O estudo da onomástica situa-se na “zona de fronteira” da antropologia, da

sociologia e da história. Nos estudos de história, mesmo que não seja a preocupação

primeira, surge com força na história demográfica, quando confunde e atrapalha a

reconstituição de famílias dada a presença de homônimos e de prenomes repetidos em

função de um estoque limitado e condicionado pelas práticas sociais das populações

estudadas. Surge também quando se identificam por ele as pessoas e as famílias que

migraram, que se desdobraram, que casaram ou batizaram crianças. Alguns estudos de

pesquisadores franceses transferiram a ênfase da história demográfica para a história

cultural, tentando dizer das práticas de repasse e escolha dos prenomes numa dada

sociedade. Aqui, com utilização de trabalhos de pesquisadores dessas áreas, tentar-se-á

também validar a onomástica para estudos da história econômica do século XVIII no

extremo-sul do Estado do Brasil, haja vista a preocupação com fatores considerados extra-

econômicos que denotam uma influência muito grande na consolidação de


84

comportamentos sociais e familiares que visavam ou serviam de instrumento para angariar

ou manter prestígio, cargos e bens materiais.

Houve a necessidade, então, de buscar apoio na literatura existente sobre a

onomástica e dos nomes como objeto de estudo da história social e cultural, para

fundamentar aquilo que foi percebido a partir das fontes paroquiais utilizadas neste estudo.

Essa necessidade se faz sentir quando do cruzamento das informações de lá extraídas com

o restante da documentação.

O ressurgimento do estudo da onomástica na


França e seus resultados

Na primeira metade da década de 1980, na França, verificou-se a publicação de

vários estudos sobre onomástica, fossem eles resultados finais ou parciais de pesquisa com

fontes paroquiais, principalmente. Tais trabalhos foram publicados principalmente em

periódicos; o número 4 do volume 20 do periódico de antropologia L’Homme, do ano de

1980, foi inteiramente dedicado a este assunto, contendo os artigos Le nom de personne, de

Françoise Zonabend (pp. 7-23); Un nom pour soi: le choix du nom de baptême en France

sous l'Ancient Régime (XVIe-XVIIIe siècles), de André Bruguière (pp. 25-42); Le nom

gardé: la dénomination personnelle en Haute-Provence aux XVIIe et XVIIIe siècles, de

Alain Collomp (pp. 43-61); Le nom caché: la dénomination dans le pays bigouden sud, de

Martine Segalen (pp. 63-76); Le nom “refait”: la transmission des prénoms à Florence

(XlVe-XVe siècles), de Christiane Klapish-Zuber (pp. 77-104) e Le nom de lignée: les

sobriquets dans un village d'Emilie, de Carlo Severi (pp. 105-118), agrupados sob o título

Formes de nomination en Europe. Esses artigos representaram uma significativa retomada

do estudo sobre os nomes e da prenominação na história e na antropologia que, como tal,

também têm sua história, história esta a ser apresentada em publicações posteriores.
85

Como conseqüência dessa retomada, observou-se a concentração da publicação de

resultados parciais e finais de pesquisas em dois livros sobre esse tema, que serviram como

base para a discussão sobre a prenominação em investigações das décadas posteriores. (p.

ex. Forename, family, and society in Southwest France, Sangoï, 1999). Esses dois

trabalhos citam-se aqui em destaque, já que foram fruto de larga pesquisa coletiva em

torno de fontes batismais e registros civis de pessoas. Alguns autores escrevem em ambos.

Não há propriamente uma discussão entre as duas obras, denotando muito mais a

colaboração e o esforço conjunto no sentido de elucidar questões sobre o grande tema

comum aos dois compêndios. São resultados do mesmo empenho de validação do estudo

da prenominação na história social e cultural francesa. Entretanto, um é resultado da

compilação de comunicações em um evento e o outro é fruto de anos de trabalho de uma

equipe de pesquisa que investigou a prenominação para a região francesa de Limousin. São

eles Le Prénom, Mode et Histoire (Dupâquier, Bideau & Ducreux, 1984) e Léonard,

Marie, Jean et les Autres: les prénoms en Limousin depuis um millénaire (Pérouas,

Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984).

Baseado em Le Prénome, Mode et Histoire seguirá o breve histórico do estudo da

prenominação, ou naming practices, na França e em outras regiões. Essa publicação traz

também resultados parciais ou finais de algumas pesquisas para populações italianas,

escravos norte-americanos e judeus, entre outros, o que demonstra o crescimento da

penetração do tema e suas abordagens entre historiadores, antropólogos e sociólogos.

Jacques Dupâquier, um dos seus organizadores, já na introdução afirma que o

estudo dos prenomes “retornava à moda”. Estaria, nesse momento, sendo alvo de estudos

de antropólogos, cientistas sociais e historiadores que, de certa maneira, retomavam uma

antiga tradição de pesquisa acerca das origens dos nomes e sobrenomes (Dupâquier, 1984:

p. 4). Relembrando que os registros batismais são, antes de tudo, registros de ingresso à
86

vida cristã, este autor remete ao Concílio de Trento a obrigatoriedade de atribuição de um

nome ao batizando, podendo essa obrigatoriedade, entretanto, ser mais antiga e existir em

sociedades não-católicas. O nome dado ao batizando deveria transmitir qualidades ao seu

portador e, por esse motivo, deveria ser pio e meritório. Ao portador do nome serviria de

inspiração para sua vida — pia e meritória, portanto — devotada e fiel a Deus e seus

mandamentos. Dessa forma, percebe-se que a Igreja Católica via no nome de seus fiéis

algo além da simples designação dos membros da comunidade cristã.

Dos registros batismais e, posteriormente, dos registros civis da França, veio o

material estudado por esses acadêmicos das ciências humanas naquele país. Entretanto,

nem sempre foi assim. Dupâquier fornece o ano de 1681 para a obra mais antiga que se

ocupa do assunto – Traité de l’origine des nomes et des surnoms – e apresenta o estado da

arte da onomástica francesa no que tange ao estudo dos prenomes. Os primeiros trabalhos

teriam como interesse os aspectos litúrgicos da assim chamada prenominação. Não

colocariam, entretanto, questões acerca da preferência de um ou outro nome de santo para

os batizandos, tampouco a ascensão de alguns prenomes, relativa estabilidade de outros e o

descenso de outra sorte de prenomes nas preferências e nos usos. Esse autor destaca o ano

de 1888 como um marco na mudança de ênfase dos trabalhos sobre onomástica, com a

publicação do primeiro ensaio estatístico sobre prenomes, Noms de baptême dans le

cadastre de Burlats, de autoria de L. F. Fierville. Ressalta Dupâquier que este ensaio,

entretanto, limitava-se ao cômputo dos dados e não colocava a questão dos modos de

transmissão e função dos prenomes. Dados coletados, mas com pouca análise.

Como origem dos estudos que levaram ao retorno do interesse pela prenominação,

o autor chama a atenção para uma feliz conjunção de interesses das diversas áreas das

ciências humanas. Fossem os historiadores demográficos, os sociólogos, os antropólogos, a

um dado momento, todas elas lançaram seu olhar aos problemas relativos ao nome próprio.
87

Para os primeiros teria surgido da necessidade de identificação dos titulares das

fichas familiares, necessárias à metodologia da reconstituição de famílias. Para os

segundos o interesse teria surgido a partir da investigação sobre o consumo de bens

simbólicos, sendo o nome, como já citado acima, um bem de consumo obrigatório e

gratuito para as sociedades. Já para os terceiros, teria surgido como investigação de um

traço presente nas sociedades capaz de gerar identidades e identificação, sujeito às escolhas

de cada sociedade, configurando, portanto, padrões sociais que demandavam estudo. A

convergência de interesses, ainda segundo Dupâquier, teria resultado no “retorno” do

prenome à ordem do dia nas investigações acadêmicas.

Seguem-se a essa introdução um conjunto de trabalhos específicos sobre a questão

da prenominação nos quais são feitos desde a apresentação e a crítica das fontes até a

análise dos dados levantados pelas equipes de trabalho. Alguns desses artigos serão citados

nas páginas que seguem e que intentam discorrer sobre a atribuição de prenomes no

Continente, seja pela metodologia aplicada, seja pela comparação dos resultados obtidos lá

e cá.

O segundo livro a ser comentado, Léonard, Marie, Jean et les Autres — frisando

aqui que ambas as publicações são contemporâneas e inseridas em um mesmo movimento,

sem atribuir primazia a um ou a outro — faz também, em sua introdução, uma análise

sobre o estudo da prenominação na França. Sem menosprezar o conteúdo da obra como um

todo, chama-se atenção para o estabelecimento daquilo que ficou conhecido a partir desse

ressurgimento da onomástica na França, como o padrão clássico de prenominação. Esse

padrão, que deu mostras de seu surgimento em finais da Idade Média, atravessou a Idade

Moderna, dando a ver a existência de uma grande alteração nessa continuidade de longa

duração, após a Revolução Francesa, quando se inicia, de fato, o padrão contemporâneo de

prenominação neste país. Uma alegada crescente “descristianização” da sociedade que se


88

iniciara ao final do século XVIII teria modificado-lhe o padrão. Segundo os autores — e

não lhes faltam fontes substanciosas em seu estudo de grande fôlego —, esse padrão dito

clássico apresenta como recorrência uma predominância do repasse dos prenomes dos

padrinhos aos afilhados, a despeito de muitas variantes que vão desde o crescimento da

utilização de prenomes compostos até a adoção em larga escala de prenomes que pouca ou

nenhuma relação apresentavam com o repertório familiar, local ou regional, como a

inclusão de nomes de santos de devoção, reis ou eventos religiosos ou políticos. Os

capítulos segundo e terceiro da referida obra são de particular importância para o trabalho

que aqui se apresenta.

São eles Naissence et développement de’un modèle (Pérouas, Barrière, Boutier,

Peyronnet et alii., 1984: pp. 21-117), no qual os autores, com a utilização das fontes de

registros de batismo, apresentam esse modelo de grande longevidade, caracterizado, por

um lado, pela imposição ou aconselhamento clerical para que aos batizandos fosse dado

um nome de santo ou santa, e por outro, a presença de prenomes tradicionais que

antecediam à larga penetração do cristianismo no território francês. Mescla das regras

cristãs com as práticas germânicas de prenominação, mesmo os nomes de santos

canonizados que eram nativos da região — e portanto detentores de nomes germânicos —

tiveram sua importância. Isso talvez indicasse uma “mestiçagem” entre a forma

anteriormente adotada e a nova forma que era imposta pela Igreja católica.

Observou-se que mesmo nos nomes cristãos houve uma lenta modificação nas

preferências. Primeiramente os nomes do velho testamento e dos primeiros apóstolos

foram cedendo lugar aos nomes da família de cristo e estes, posteriormente, dando lugar

aos nomes de santos. Segundo os autores, essa lenta transformação seria imperceptível

num estudo de um período mais curto. Entretanto, os cerca de mil e quinhentos anos de

registros nominais analisados para a região permitiram essa observação. Isso demonstrou
89

que o fenômeno que era considerado uma “prisão da longa duração”, que se apercebe

desde fins da Idade Média, não era estático nem imune às transformações. Com certeza,

sofreu modificações e essas foram cumulativas, chegando a um ponto no qual um novo

modelo de prenominação impôs-se nessa sociedade, em todo o seu vigor nos séculos XVII

e XVIII. Os autores vão associar essas mudanças mais radicais nos padrões de

prenominação às profundas transformações sociais ocorridas na França.

Em contrapartida, no capítulo seguinte La lente dégradation de un modèle

(Pérouas, Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984: pp. 119-172), os autores demonstram

as modificações sofridas por esse padrão secular, ao qual chamam de modelo clássico. Ao

final do século XVIII foi detectado o início de novo modelo que se tornaria predominante

após a Revolução Francesa. O nome próprio dos sujeitos históricos passaria a ser um

identificador e individualizador nessa sociedade. Em meados do século XIX, esse novo

modelo que já dava mostras de sua existência em finais do século XVIII e que ganhou

impulso com as transformações sociais decorrentes da Revolução Francesa, passaria a

predominar sobre os demais existentes, impondo-se sobre os resquícios do modelo que por

tão longo tempo vigorara.

Segundo os autores, somente na longa duração é perceptível a ruptura desse modelo

que, se não é milenar, é quase. Entretanto, ao perceber modismos na atribuição e uso de

prenomes, ou seja, perceber sutilezas que não ferem o padrão geral e longevo, os autores se

dizem aptos a uma análise mais abrangente da própria sociedade. Percebem alterações no

modo de pensar dessa sociedade. Tomando de empréstimo problemas da antropologia,

passam a observar a prenominação como uma forma de classificação social. Pessoas eram

incluídas ou excluídas de grupos sociais através do nome que lhes fora atribuído ou do qual

se apropriaram no decorrer da vida. Alguns prenomes acusam origens remotas das

famílias, bem como alianças com outros grupos sociais, étnicos ou familiares. Percebem os
90

autores o ingresso de imigrantes nas sociedades estudadas se refletindo em acréscimos de

novos prenomes ao repertório já existente. Perceberam também que, com o declínio ou

ascensão de um prenome que ocupava uma posição mais ou menos estável no ranking de

ocorrências, poderiam estar associados a modificações ou transformações importantes nos

usos, nos costumes, na organização social, política e religiosa dessas comunidades.

Para além da França

O impulso ao estudo da onomástica advindo da França encontrou eco em outros

países. Trabalhos que têm a onomástica como preocupação central ou tangencial surgiram

em muitos locais. Citam-se, a título de exemplo, os artigos Naming Practices in West

Ireland (Breen, 1982), The Naming, Kinship, and Estate Dispersal: Notes on Slave Family

Life on a South Carolina Plantation, 1786-1833 (Cody, 1982b), There Was No "Absalom"

on de Ball Plantations: Slave-Naming Practices in the South Carolina Low Country, 1720-

1865 (Cody, 1987), Slave Names and Naming in Barbados, 1650-1830 (Handler & Jacoby,

1996), Naming practices and the importance of kinship networks in early nineteenth-

century iceland (Gardarsdóttir, 1999), Why Did You Change Your Nname? Name

Changing Patterns and the Life Course in Early Modern Japan (Nagata, 1999)

Godparents, witnesses, and social class in mid-nineteenth century sweden (Ericsson,

2000), Women and men as godparents in an early modern swedish town (Fagerlund, 2000),

Cementing alliances? witnesses to marriage and baptism in early nineteenth-century

iceland (Gunnlaugsson & Guttormsson, 2000) entre outros tantos.

Alguns desses estudos, como o de Breen (1982), buscam ver no nome e nas

alcunhas dadas às pessoas de uma comunidade uma forma de classificação social. Outros,

enfatizam que para além de uma classificação social há a inserção em um grupo existente e

a construção ou afirmação de alianças entre grupos e famílias (p. ex. Cody, 1982b;
91

Gardarsdóttir, 1999). A investigação da prenominação entre os escravos norte-americanos

aparece como preocupação central no trabalho de Cherryll Ann Cody (1982b; 1982a;

1987). Para o Continente do Rio Grande de São Pedro, se buscará demonstrar que a

atribuição de um nome ou alcunha não apenas agia como forma de classificação social

como também serviu como uma forma de qualificação social.

O grande número de estudos sobre a onomástica e prenominação para diferentes

populações, períodos e com diferentes ênfases denota, acima de tudo, a contribuição que

sua investigação pode dar à investigação histórica.

A prenominação ou naming
practices em alguns estudos atuais
sobre o Brasil

A despeito da pouca importância dada à questão da atribuição, construção, e

repasse de nomes em famílias e comunidades pela historiografia brasileira, não são poucos

os estudos que indicam haver na investigação onomástica um bom campo de pesquisa. Na

historiografia tradicional, em sua maioria, ensaios e escritos que se ocupam do tema estão

restritos às contribuições para as investigações de genealogias e não ultrapassam os limites

da constatação. Não estão preocupados com a análise das práticas de prenominação nas

populações e famílias que estudam, apesar de indicarem, às vezes com algum destaque, os

familiares que receberam os nomes de seus ancestrais.

O repasse, a atribuição e a construção de prenomes também aparecem nas

investigações antropológicas que tem grupos brasileiros como objeto de estudo, citando-se

aqui o artigo Nomes Secretos e Riqueza Visível: nominação no noroeste amazônico de

Hugh-Jones (2002). Nesse artigo, o autor estuda o sistema de prenominação entre os índios

Tukano, concluindo pela existência de práticas sociais e religiosas que fornecem toda uma
92

simbologia secreta aos prenomes atribuídos em rituais de iniciação e dos grupos de

iniciados que, também secretamente, incorporam qualidades dos animais ou eventos

evocados nos vários prenomes do repertório que utilizam e atribuem. Seus nomes secretos,

e não os seus nomes revelados — ou públicos — indicariam sua posição na sociedade.

Entretanto, isso não significa que a antropologia seja a única área das ciências

humanas que voltou seus olhos para os problemas que envolvem a prenominação, ou que

essa preocupação esteja ausente dos trabalhos dos historiadores brasileiros. Pelo contrário.

Algumas obras publicadas e pesquisas dedicam-se ao assunto, ainda que nem sempre

sejam os problemas que envolvem a onomástica a sua preocupação central.

Em O Nome e o Sangue, Evaldo Cabral de Mello percebe a repetição dos prenomes

no interior de famílias bem como a existência de homônimos servindo como empecilho às

mercês ou seu uso estratégico no sentido de confundir os investigadores (Mello, 2000).

Uma década antes, o repasse dos nomes entre famílias escravas já havia sido preocupação

de Ana Maria Lugão Rios, em seu estudo sobre famílias escravas do Paraíba do Sul

cafeeiro (Rios, 1990). Esta autora constatou uma transmissão reiterada dos prenomes

nessas famílias, constituindo um modelo de prenominação para os cativos da região nos

quais os nomes dos avós repetiam-se nos netos, fossem exatamente iguais, fossem

flexionados conforme o gênero. A autora retornou ao assunto em ao menos outras duas

obras: The politics of kinship: ‘Compadrio’ Among Slaves in Nineteenth-Century Brazil

(Rios, 2000) e Memórias do Cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição

(Rios & Mattos, 2005).

As pesquisas de Sérgio Luiz Ferreira (2005b; 2005a) para uma população de

origem açoriana em Santa Catarina também remeteram à questão da transmissão e uso de

prenomes e sobrenomes, resultando em dois artigos de publicação eletrônica. Em A

utilização de prenomes: uma comparação entre uma freguesia do Sul do Brasil e uma
93

freguesia açoriana, o autor aponta para um “abrasileiramento” na utilização de prenomes

nas freguesias estudadas, em detrimento do modelo de prenominação predominante nos

Açores, segundo dados de artigo de Maria Norberta Amorim. Em suma, observa uma

mudança no tempo curto no território luso-americano, ao contrário da lenta transformação

dos modelos observadas na França. Entretanto, convém frisar que o período observado

pelo autor (1781-1922) contempla justamente o período em que os autores franceses

acusam a grande modificação no modelo clássico de prenominação da Idade Moderna, que

daria lugar ao modelo que vigoraria para o período pós Revolução Francesa. Talvez o

acaso tenha levado à conclusão de uma rápida transformação exatamente por serem

analisadas as décadas da decadência de um modelo e a afirmação de outro. Talvez esses

modelos de prenominação percebidos na França também sejam válidos para o contexto da

América Portuguesa, ou ao menos nela encontrem seus correlatos, assim como a sua

periodização. Entretanto, para uma afirmativa ou rechaço, há que ser empreendido um

estudo comparativo entre os padrões que vigoravam no Estado do Brasil e os apresentados

pelos pesquisadores europeus.

Em Transmissão de sobrenomes entre luso-brasileiros: uma questão de classe,

Sérgio Luiz Ferreira (2005a) busca traçar alguns padrões para a transmissão de sobrenomes

no interior das famílias nessas freguesias de origem açoriana. Durante o período observado

as comunidades receberam o ingresso de imigrantes de origem italiana e alemã, entre

outras. O autor observa trocas e abandonos de sobrenomes, geração de sobrenomes

compostos, adoção de sobrenomes cujas origens não podem ser identificadas e o hábito de

imigrantes “aportuguesarem” seus sobrenomes, como por exemplo o sobrenome italiano

Marchese que, tornado Marquese, por último torna-se Marques. Observa também a prática

de estrangeiros adotarem sobrenomes luso-brasileiros, abandonando por completo os

anteriores. Muitas das práticas observadas por Ferreira também se evidenciam no


94

Continente do Rio Grande de São Pedro, como por exemplo a adoção do prenome ou

sobrenome do padrinho de batismo ou da localidade de origem da família na Península

Ibérica ou nas Ilhas dos Açores. Essas práticas serão melhor comentadas adiante.

Mais recentemente, teve-se conhecimento da investigação integrante da pesquisa

para dissertação de mestrado de Rodrigo de Azevedo Weimer, Nominação e identificação

de ex-escravos através de processos criminais: São Francisco de Paula, RS, 1880-1900,

no qual o autor vê nos nomes e alcunhas dos ex-escravos formas de classificação social

que podem expressar a proximidade ou o distanciamento do cativeiro (Weimer, 2005)

É muito provável que existam ainda outros estudos, que não foram encontrado nos

levantamentos feitos para esse trabalho, pois é perceptível que a preocupação com a

atribuição de nomes, a sua transmissão e demais práticas a elas subjacentes vem crescendo

nas pesquisas históricas. Esse capítulo pretende, então, acrescentar uma contribuição às

investigações acerca da onomástica no Brasil e em especial, do período colonial.

Nesse estudo, centrado no Continente do Rio Grande de São Pedro de um modo

geral e na Vila do Rio Grande de um modo específico, pretende-se apresentar algumas

práticas de prenominação bem como suas análises, com o intuito de melhor explicar as

estratégias sociais e familiares a elas correlatas. Há que se ter sempre em mente que essa é

uma sociedade formada sob os auspícios da religião católica, que as normas vigentes para a

atribuição de prenomes deveria respeitar os preceitos da Igreja e que mesmo as práticas

que escapavam a esta normatização estavam vinculadas ao ritual católico, uma vez que o

prenome é uma das graças que uma pessoa que adentra ao mundo da cristandade recebe no

momento do batismo.

No ato do batismo, ritual católico — e estamos a falar de uma sociedade erigida sob

a égide do catolicismo romano — geralmente se nomeavam as crianças e, eventualmente,

os adultos pagãos ou os infiéis conversos. Orientam as Constituições Primeiras do


95

Arcebispado da Bahia como proceder no ritual do batismo (Da Vide, 1707, Livro I, Títulos

X-XX. ), em consonância com o disposto pelo Concílio Tridentino. Aos padrinhos,

segundo as Constituições Primeiras, competiria atribuição do nome ao batizando.

Impossível dizer se esta disposição era seguida à risca, se pais e padrinhos entravam em

acordo, ou ainda se o padrinho “oficializava” um prenome escolhido pelos pais. Entretanto,

as Constituições Primeiras faziam a especial recomendação de que fossem atribuídos

nomes cristãos ou de santos e que o nome de santos não beatificados ou canonizados

fossem vetados pelos padres que ministravam o sacramento (Da Vide, 1707, Livro I, Título

XII. ), também em conformidade com o Concílio de Trento. O prenome podia ser

modificado no decorrer da vida, ficando, para a sociedade católica do século XVIII, o

momento da crisma — confirmação do batismo — como sendo propício a esta mudança.

Também isso está disposto e regulamentado pelas Constituições Primeiras, conforme o

texto abaixo transcrito:

[A Confirmação do Batismo] quem o receber poderá mudar o nome que


se lhe pôs no batismo, ainda que seja de Santo. (...) E sucedendo mudar
algum dos crismados o nome que lhe foi posto no Batismo, o Pároco o
declare assim, dizendo: N. que até agora se chamava N. filho de N. e N. E
também se fará a mesma declaração da mudança do nome à margem do
assento de seu Batismo, se o houver no livro dos batizados de tal Igreja
(Da Vide, 1707, Título XXV).

Foram encontradas mudanças de nome nos documentos consultados, sem que

tenham sido encontradas as anotações à margem dos livros batismais recomendadas nos

registros batismais. Essa mudança de prenome, que em ao menos uma circunstância era

permitida e sacramentada, traz à tona mais uma das dificuldades em seguir-se os agentes

sociais por seu nome próprio. Outras circunstâncias de mudança de prenome e sobrenome

foram percebidas sem que haja o registro que a oficialize. Essas mudanças, escolhas

pessoais, familiares ou sociais também serão melhor comentadas adiante.


96

III. A hora e o lugar

No período sob estudo, a porção da Colônia representada pelo Continente do Rio

Grande de São Pedro era uma área de ocupação recente. Era o Continente um território

novo para o povoamento, ainda que um tanto mais antigo quanto à exploração dos seus

recursos. As miríades de gados que se multiplicaram aos campos a partir dos rebanhos

iniciais introduzidos pelos jesuítas foram explorados por gente oriunda da Colônia do

Sacramento e da Vila da Laguna, que os alçavam sem que tivessem intenção imediata de

promover o povoamento e fundação de núcleos populacionais. Com os ataques à Colônia

do Sacramento promovidos pelos espanhóis em meados da década de 1730 e o

desdobramento da migração primeira das famílias paulistas que fundaram a Laguna em

direção ao sul, a fixação de povoadores teve início.

Justamente por ser novo e por ter o imenso tesouro em animais a ser explorado, o

Continente do Rio Grande de São Pedro foi um pólo atrativo de populações na primeira

metade do século XVIII.

Assim, por vezes em movimentos mais lentos, por vezes em grandes levas

migratórias, homens, mulheres e crianças foram chegando ao Continente. Alguns grupos

são então claramente identificáveis: os soldados enviados por Sua Majestade; os casais de

açorianos transmigrados das ilhas; os “paulistas” que tinham, por seu modo de vida e

sistema de heranças, a necessidade de migrar para áreas longínquas, abrindo fronteiras

(Metcalf, 1983); os indígenas — principalmente de etnia guarani e minuano — que já

habitavam o território, os condutores e os comerciantes dos gados e outras atividades

correlatas e os escravos, trazidos ou adquiridos por qualquer um desses outros grupos.

Todos os que chegavam eram bem-vindos, no intuito de “dar calor” à povoação, expressão

que consta em alguns documentos de época.


97

Migrados em famílias ou isoladamente, viriam a formar a sociedade que se

esboçava. Sendo, portanto, a ocupação recente e tão heterogênea, estes novos habitantes

deviam tomar algumas medidas para forjar seus modos de identificação e de pertencimento

aos grupos que promoviam o povoamento. Claro ficou, desde cedo, que no isolamento

nada prosperaria nessa terra, avassalada pelo frio e pelo vento polar, no inverno; pelos

insetos e pelo calor, no verão; e a todo tempo pelas investidas de indígenas e,

principalmente, de espanhóis.

IV. Os nomes e as origens

Um dos modos de forjar e estabelecer uma relação de pertencimento ao grupo, ao

lugar ou à família, parece passar pela escolha do nome das crianças. Ao que tudo indica,

este processo se dava em duas fases. A primeira, na pia batismal, no ato de escolher o

prenome do rebento. Os livros de batismo consultados raramente registram nome e

sobrenome ou dois prenomes (ADPRG, 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG,

1738-1763; ADPRG, 1LBat-Estreito, 1763-1776). Segundo o ritual católico, sob

orientação dos dispositivos das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Da

Vide, 1707), o padrinho — responsável pela criança ante Deus — propiciaria um prenome

ao recém-nascido e renunciaria ao demônio em seu nome. Assim registraram-se os

Franciscos, as Marias, os Antônios e as Luzias.

Somente num segundo momento, no avançar da vida dessa criança, conforme pôde-

se observar, seria agregado um sobrenome, não necessariamente o dos pais, podendo ser

também o dos avós, de algum parente mais distante ou, em alguns casos, sobrenomes cuja

origem não pôde ser percebida ao longo da pesquisa, talvez remetendo aos padrinhos ou a

alguma forma de homenagem a pessoas próximas, poderosas ou queridas da família. Podia

também ser trocado o nome ou o sobrenome em alguma altura da vida. Aparentemente, a


98

escolha destes nomes e sobrenomes ocorria de maneira caótica aos olhos desse século XXI.

Entretanto, ainda que não houvesse necessariamente uma norma clara, redigida e

formalizada para sua adoção, estas escolhas deveriam estar submetidas a uma lógica e a

uma intenção que nos escapa em sua totalidade, que não podemos alcançar de modo

completo. Quando muito, podemos esboçar, a partir de certas recorrências e do

acompanhamento de alguns casos, um contorno muito tênue para essa lógica dos que

viveram o século XVIII.

Muitas vezes o local do nascimento era agregado ao nome ou surgia substituindo

um sobrenome pré-existente. Tais parecem ser os casos de Custódio Ferreira de Oliveira

Guimarães, filho de Domingos Ferreira Oliveira e Isabel Ferreira, natural da Vila de

Guimarães, em Portugal (AHCMPA - Autos Matrimoniais de Custódio Ferreira de

Oliveira Guimarães e Desidéria Maria Bandeira, 1763), e de Antônio Alves Chaves, filho

de Domingos Pires e Catarina Dias, nascido na Vila de Chaves, também em Portugal

(Carvalho, 1975: p. 134).

Às mulheres, mais do que o sobrenome, era agregado o nome de um santo ou de

algum advento religioso, como “de Santo Antônio”, “da Anunciação”, “do Espírito Santo”

ou “do Sacramento”. Bem mais comum do que portar um sobrenome, as mulheres

ostentavam um segundo prenome, dando origem às “Gertrudes Marias”, “Inocências

Antônias” e “Joaquinas Rosas” (AHCMPA - Róis dos Confessados de Viamão 1751, 1776,

1778 1751b; AHCMPA - Treslado do Rol dos Confessados de Triunfo, 1758).

Ficou claro existir uma flexibilidade maior nos registros dos nomes femininos

efetuados pelos párocos e autoridades do que nos masculinos. Isso é muito evidente no

caso de algumas mulheres. A mulher de Antônio José Pinto no Rol dos Confessados de

Viamão de 1776 foi registrada como Felícia Maria; dois anos depois surgiu como Feliciana

(AHCMPA, Rol dos Confessados de Viamão, 1778), e na Relação dos Moradores de


99

Viamão de 1784, após a morte de seu marido, seu nome é escrito como Felícia Antônia de

Oliveira (AHRGS, cód. F1198 A e B, 1784). Essa foi a primeira vez, em arrolamentos

populacionais, que tal senhora surgiu com um sobrenome agregado, talvez denotando a

nova posição de chefe de uma família ou de um domicílio, após o passamento de seu

marido. Uma outra prática curiosa da época que também se deixa perceber é que o

sobrenome de uma mulher flexionava de acordo com o gênero. Tem-se como exemplo

Francisca Velosa (AHCMPA, Registro de batismo de Manuel, 12/08/1758, 1LBat-Viamão,

1747-1759) e Domingas Ferreira Pinta (ADPRG, 3LBat-RG Registro de batismo de Inácia,

16/04/1759, 1738-1763). Muitos outros exemplos poderiam ser dados aqui, pois registros

dessa natureza não faltam.

Os escravos, por sua vez, possuíam um nome de batismo apenas, salvo exceções.

Tem-se exemplo dessas exceções em Inácio da Silva e Antônia da Costa, escravos de

Manuel Francisco e padrinhos do menino Inácio, escravo de Manuel Pereira (Domingues,

1981: p.1), e Teodoro Ferreira, escravo de Francisco Pereira Gomes (AHCMPA, 1LBat-

Viamão, 26/07/1749, 1747-1759). Uma interessante exceção é o casal Inácio de Aranda e

Luzia de Aranda, escravos casados de Antônio de Aranda, que detêm o sobrenome de seu

proprietário (ADPRG - Registro de Batismo de Catarina, 09/04/1756, 1LBatRG, 1754-

1757). Para a Vila do Rio Grande não era o mais comum. Mas não era exceção se pensado

em termos de Colônia. O pesquisador Donald Ramos, ao estudar uma paróquia mineira,

acompanhou a trajetória à pia batismal de um homem importante e seus escravos.

Verificou que os escravos que ali mais compareciam na situação de padrinhos tinham um

dos sobrenomes de seu senhor (Ramos, 2004).

O sobrenome aparece com freqüência maior, todavia, para os pardos e/ou forros

(ADPRG, 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763; AHCMPA, Autos

Matrimoniais, 1756-1769; ADPRG- 1LBat-Estreito, 1763-1776; AHCMPA - 1LBat-


100

Viamão, 2LBat-Viamão, 1747-1765, Kühn & Neumann, prelo). Ao que tudo indica,

assumir o sobrenome de quem lhe fora dono ou construir um com sua vivência também

podia marcar o ingresso no mundo da liberdade. Essa sim, a mais drástica mudança

possível nessa sociedade: deixar de ser propriedade de outrem para ser seu próprio senhor.

A constituição de uma família de acordo com os mandamentos da Santa Madre Igreja

também favorecia a aquisição de um sobrenome, como no exemplo do casal de Aranda, no

qual marido e mulher, casados legalmente, possuíam sobrenome. Junto com a família ou

com a liberdade, deter a posse de um nome por completo dava a possibilidade de construir

sua vivência familiar ou em liberdade, este bem, este patrimônio, muitas vezes hereditário.

Mesmo o mais pobre dos homens, o forro e o escravo, poderiam ter um bem a legar à sua

descendência.

Parece ter sido usual eleger um dos sobrenomes em detrimento do outro. Cristóvão

Pereira de Abreu, natural de Ponte de Lima, arcebispado de Braga (ACMRJ - Registro de

Casamento de Cristóvão Pereira de Abreu e Clara Amorim, Candelária, 1708) é

constantemente referido nos registros documentais como Cristóvão Pereira, apenas. Jamais

se encontrou alusão, na documentação lusa ou castelhana consultada, a qualquer referência

a Cristóvão de Abreu. Nuno Gonçalo Monteiro observa que, para a alta nobreza lusa:

Como já foi salientado, não existiam regras para a constituição


dos apelidos. Em geral, o apelido mais importante era o primeiro que os
senhores das casas utilizavam depois do nome ou nomes próprios,
normalmente acrescidos de todos os correspondentes aos diversos
morgados por eles administrados. (Monteiro, 1998: pp. 88-89)

Entre irmãos não é difícil encontrar sobrenomes díspares para filhos do mesmo

casal, divergindo, também, para as mulheres em uma mesma família. Incomum, para

muitas famílias, é encontrar toda a prole com um mesmo sobrenome, como exemplificado

nas filhas de Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira, oriundos da Ilha do Faial.
101

As cinco moças adotavam o sobrenome da Silveira, herdado de sua mãe Isabel. Sobre isso,

também para a alta nobreza lusa, diz Monteiro:

Os filhos segundos podiam usar apelidos diversos dos do


primogênito, mesmo se passando com as filhas, que tomavam muitas
vezes o primeiro apelido da mãe, da avó paterna etc. Os casos de uso
do(s) mesmo(s) apelido(s) pela prole numerosa do mesmo casamento de
um Grande são, até um período tardio, relativamente raros. (Monteiro,
1998: pp. 89-90).

Isso também foi verificado nas práticas onomásticas do Continente do Rio Grande

de São Pedro, onde o sobrenome mais comumente utilizado é o que vinha imediatamente

após o prenome ou prenomes. Importante salientar que, sendo essa a utilização dos

sobrenomes pelas famílias de mais alta nobreza nas casas dos Grandes de Portugal, de

alguma forma a prática se alastrou para o restante da sociedade, fazendo com que

campônios do Continente do Rio Grande de São Pedro, vindos das mais distintas porções

do Império, também a usassem ao atribuir um sobrenome à sua descendência. Faz valer a

citação que Monteiro faz da sociedade lusa satirizada pelo Cavaleiro de Oliveira:

Não há um único apelido em Portugal que não pertença,


simultaneamente, à fidalguia mais estreme e à gentalha mais baixa.
(Recreação Periódica, apud Monteiro, 1998: p. 90)

Inútil, portanto, buscar uma fórmula de composição dos sobrenomes pois, acima de

qualquer regra que pudesse haver, os valores de uma sociedade de Antigo Regime se

faziam ver na sua atribuição e no seu uso. Os primogênitos usavam os sobrenomes mais

importantes. Os sobrenomes materno e paterno podiam ser alternados, ter uma ordem

“inversa” aos padrões de hoje, se o sobrenome materno importasse mais qualidade que o

paterno. Sobrenomes atávicos poderiam ser usados sem nenhum constrangimento,

provavelmente também dando a devida importância à qualidade da família dos avós. Ao se

estudar, então, a transmissão de sobrenomes nessa sociedade, deve-se abdicar de qualquer


102

pretensão a uma lógica matemática de combinações entre lado materno e paterno e ater-se

aos valores dessa própria sociedade. Disso pode resultar, inclusive, a identificação de linha

de descendência, seja ela materna ou paterna, como detentora de mais qualidade, de mais

prestígio e/ou posses do que a outra.

Na vida cotidiana do Continente, o segundo sobrenome, ao que parece, era muito

mais usado para discernir dois homônimos não aparentados que coexistiam na mesma

localidade. Assim, Francisco Pinto, filho de Francisco Pinto e natural da Ilha de São

Miguel, não era confundido com Francisco Pinto Bandeira, natural da Vila da Laguna,

durante o tempo no qual viveram na jurisdição da igreja da Vila do Rio Grande (ADPRG -

1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763), ainda que, em muitos

documentos que colocam as patentes militares, propriedades ou mercês, o sobrenome

Bandeira desse Francisco Pinto pudesse ser omitido (Biblioteca Riograndense, 1937).

Várias outras observações poderiam ser feitas acerca das opções no ato de dar o

nome ou no ato de eleger um nome para passar a identificar-se. Entretanto, não são esses

os propósitos dessas páginas. Antes, pretende-se chamar a atenção para alguns aspectos de

dois dos problemas recorrentes ao longo da pesquisa: discernir pai e filho homônimos na

documentação consultada e entender um pouco da dinâmica que cerca o nome nessa

fronteira colonial, esboçando algumas idéias acerca de sua construção e seus usos.

IV. De pai para filho

José da Silveira Bitencourt tinha um filho com o mesmo nome. Ambos eram

açorianos da Ilha do Faial. Na década de 1750, produziam muares e estavam envolvidos

nos negócios que cercam o comércio de gados vacuns, cavalares e muares e os contratos

dos direitos das passagens dos animais, cobrados sobre os rebanhos deslocados para além

do Continente do Rio Grande de São Pedro. Em algum momento de suas vidas, ambos
103

possuíram patentes militares concomitantemente: o pai era capitão e o filho alferes. Nesse

ponto, houve certa facilidade em discerni-los, até porque estando o filho servindo sob o

comando do pai, na mesma companhia estabelecida na Vila do Rio Grande, alguns

registros acerca das ordens dadas ou de suas atividades nas tropas, diferenciam o filho com

a desinência “o moço”, quando não é citada a patente. Não foi notada essa separação em

outra sorte de documentação ou mesmo em período posterior.

Todavia, a alegria de poder discerni-los durou pouco. O pai pediu sua baixa dos

exércitos e a patente de capitão foi passada do pai para o filho, com homologação de

Gomes Freire de Andrade (RAPM XXIII, 1929: pp. 571-572). O José da Silveira

Bitencourt, pai, nunca deixou de ser referido como capitão, usufruindo, ainda que

desligado das tropas, do prestígio associado à patente. O José da Silveira Bitencourt, filho,

passou também a ser chamado de capitão, usufruindo, por sua vez, de uma benesse real que

já estava vinculada a sua família há uma geração. Desse ponto em diante, a menos que

fosse citado o nome da esposa ou a idade do José da Silveira Bitencourt em questão, o que

raramente surgiu nos registros consultados, tornou-se praticamente impossível diferenciá-

los.

Algo análogo se deu com dois Domingos Gomes Ribeiro, pai e filho. Ambos

serviram aos exércitos de Sua Majestade. Como quase todos os maiorais do Continente,

estavam também envolvidos nos negócios de rebanhos e outras atividades correlatas

(AAHRS, v. 1, 1977: p. 318). Possuíam escravaria (Queiroz, 1987: p. 98) e foram

proprietários de sesmarias tanto próximas à Vila do Rio Grande como nos Campos de

Viamão (RAPM, XXIII, 1929: pp. 474-475; RAPM, XXIV, 1933: pp. 248-250).

No caso dos Gomes Ribeiro, obter a exata datação dos documentos a serem

utilizados na pesquisa tornou-se essencial. As características de pai e filho eram tão

semelhantes que só se tem certeza de ser o filho agindo, e não o pai, quando isto se dá após
104

o óbito do genitor, que “morreu de tiro que lhe deram no passar do Arroio do Curral do

Fiúza” (Domingues, 1990: pp. 111-112), ou quando está expressa a filiação. Esta

geralmente foi observada em alguns registros de batismos, principalmente quando a

madrinha era Dona Antônia de Morais Garcês que, sendo a segunda esposa de Domingos

Gomes Ribeiro, pai, várias vezes formou par à pia batismal com o enteado homônimo de

seu marido, como no exemplo que abaixo segue:

Violante filha legítima de Gregório Gonçalves natural da


freguesia de Santa Catarina de Castelo branco da Ilha do Faial e de sua
mulher Josefa Maria natural da freguesia de Santa Bárbara dos Cedros
da dita Ilha (...). Foram Padrinhos Domingos Gomes Ribeiro solteiro
filho do Sargento Mor Domingos Gomes Ribeiro, e Dona Antônia
de Morais Garcês mulher do dito Sargento Mor (ADPRG - 4LBat-
RG, Assento do batismo de Violante, filha de Gragório Gonçalves e
Josefa Maria, 01/11/1760. 1759-1763 - grifo meu)

Não ocorrendo esse tipo de diferenciação, só se pode afirmar ser pai ou filho

quando o jovem ainda não tinha idade suficiente para envolver-se nos eventos em questão

ou por já estar morto o pai. Em boa parte dos casos em que agiu um dos dois Domingos

Gomes Ribeiro pairam dúvidas acerca de qual deles foi o agente. Como será visto mais

adiante, essa dúvida, por vezes, não chega a ser nociva, já que os atos podem ser

compreendidos como um ações familiares e não pessoais ou “individuais”.

Outros exemplos poderiam ser trazidos para ilustrar a questão que se coloca. No

Continente do Rio Grande de São Pedro ou na Vila da Laguna, ponto de origem de alguns

de seus primeiros povoadores, existiram alguns tantos pais e filhos homônimos e que são

com freqüência encontrados nos registros documentais. Assim se passa com homens

oriundos também de outras regiões da Colônia e da própria península. Alguns estavam só

de passagem, mas deixaram suas marcas na constituição de uma sociedade nas terras

meridionais. Com suas vidas associadas ao povoamento sulino, existiram como pais e

filhos, entre outros, dois João de Magalhães, um nascido em Portugal e outro na Vila da
105

Laguna (AHCMPA - 1LBat-Viamão, 1747-1759Kühn & Neumann, prelo); dois Francisco

de Brito Peixoto, paulistas que passaram à Laguna, um deles, posteriormente indo morar

em Viamão (Cabral, 1976: p. 60); dois José Fernandes Pinto Alpoim, ambos portugueses

da península, ao que consta (RAPM, XXIV, 1933: p. 99), e dois José Francisco, que

viviam na Laguna e estavam engajados na expedição de Demarcação dos Limites do

Tratado de Madri (RAPM, XXIII, 1929: pp. 441, 439; RAPM, XXIV, 1933: pp. 60, 99).

De Sorocaba, dois Manuel dos Santos Robalo tiveram terras e membros da família no

Continente (AHCMPA - Rol dos Confessados de Viamão - 1751a; AHCMPA - Autos

Matrimoniais de Manuel dos Santos Robalo e Ana Porciúncula, 1761)

Quanto a Manuel Antunes da Porciúncula existiram, no mínimo, quatro em

descendência direta: pai, filho, neto e bisneto, sem contar demais parentes que

compartilhavam do mesmo nome (Rheingantz, Título João Antunes da Porciúncula. 1979:

pp. 12-29). Por deslizes em uma investigação ou mesmo por superficialidade, Manuel

Antunes da Porciúncula poderia receber atributos de longevidade extrema e de

onipresença. Mais do que nunca, é exigido ao pesquisador um rigor metodológico na

utilização dessas fontes, conforme recomendações e métodos para a conexão de registros

nominais encontradas nos capítulos de Identifying People in The Past (Wrigley, 1973).

Com isso, talvez se escape dessas falsetas intencionalmente provocadas pelos homônimos

ou ao menos reduza a margem de incertezas.

Alguns desses pais e filhos eram referidos como “o moço” e “o velho”, como dito

para o caso dos José da Silveira Bitencourt, servindo um sob ordens do outro. Mas nem

sempre isso ocorria, ou melhor dizendo, quase nunca ocorria. Um caso especial no qual

essas desinências foram utilizadas será discutido mais adiante.

Passar o nome ao filho e permitir que pai e filho fossem designados pelo mesmo

nome, sem acréscimo de partículas diferenciadoras, trata-se, portanto, de uma prática


106

recorrente e disseminada por vários locais de domínio português, claramente perceptível

nos habitantes e andantes do Continente. Isso podia fazer parte das práticas da alta

aristocracia mas, de algum modo, gente sem nobreza ou com, no máximo, uma fidalguia de

pouca relevância, também adotava tal uso. Assim como outras práticas da nobreza que se

notaram nas famílias de menor estatuto social, esta também parece ter sido incorporada

pela sociedade como um todo. Ao que parece, alguns modelos dessas práticas eram

seguidos, tanto quanto fosse possível, pelo conjunto da sociedade, talvez indicando uma

presença e assimilação dos valores que as instruíam, tais como a qualidade, o prestígio, a

antiguidade da existência das famílias.

Aqui cabe um parêntese para chamar a atenção sobre o que torna tão peculiar esse

tipo de homônimo. Ocorrendo entre pai e filho, ao menos um lado da ascendência é

comum a ambos, e geralmente o lado paterno é frisado no nome, se for o homônimo o

primogênito. Se a um ou outro for requerido mencionar suas origens familiares ou a

procedência geográfica de sua família, pelo menos metade da história familiar do filho é

coincidente com a do pai. Pai e filho, salvo acidente do destino, compartilharão ao menos

uma parte de suas existências adultas na mesma região, na mesma família, com os mesmos

vizinhos, amigos, parentes, aliados e inimigos. Às identidades de duas vidas distintas é

facultada uma certa fusão. De todas as outras possíveis categorias de homônimos, esta, ao

menos no momento em que pai e filho são homens adultos e coexistem, impede ou, no

mínimo, dificulta o discernimento entre um e outro.

Acreditando-se, dado a recorrência destes casos, que os homônimos não acontecem

por acaso, que são fruto da intenção de pais e filhos, há que se supor que esta fusão de

identidades seja o objetivo das desinências coincidentes destes homens. Assim, pensa-se

aqui esses nomes em comum, de pai e de filho, como sendo um “modelo” quase que

perfeito para os outros tipos de homônimos. Nessa perspectiva, no fundo de sua intenção,
107

deseja também gerar uma espécie de “fusão” de duas pessoas distintas, padrinhos e

afilhados, avôs e netos ou ilustres desconhecidos. Correndo o risco de cair no abuso da

linguagem, poder-se-ia dizer que esses outros tipos de homônimos, dados entre tios e

sobrinhos, avós e netos, padrinhos e afilhados, são formas “defectivas” daquela primeira,

em que grande parte do passado familiar é compartilhado por pai e filho. Às vezes, a

apropriação do nome de algum personagem de relevo na sociedade ocorria, sem que

houvesse qualquer tipo de parentesco, como se fosse homenagem ou vontade de absorver

atributos do dono primeiro do nome.

A idéia de um conjunto de prenomes de uso restrito a um grupo social ou familiar e

indicando o pertencimento a ele é conhecido pelos estudiosos franceses como o “padrão

clássico” do período moderno. A intenção que permeia esta prática não é a de individuação

e sim de pertença ou de mimetização (Boutier, 1988). Alguns grupos e famílias, ainda que

não possuíssem “monopólio” dos conjunto de prenomes utilizados, os tinham como sendo

característicos de seus grupos, com certas tendências de transmissão que envolviam avós,

tios e padrinhos, tanto da linha materna como da linha paterna (Fine, 1984). Foram

identificados alguns privilégios dados aos detentores de prenomes que se repetem na

família no momento da partilha de heranças.

Na maioria dos casos, por não serem as trajetórias tão semelhantes, só “enganam”

aos incautos. Mas os homônimos dentro do mesmo grupo, ainda assim geram uma

identificação e um pertencimento a este grupo. Também geram elos entre os detentores do

mesmo nome, repassado dentro da família propriamente dita ou da família espiritual que se

estabelece na pia batismal, no ato do batismo ou no ato da confirmação do batismo, a

Crisma. Do entendimento dos homônimos “pai e filho”, talvez venham os elementos para

entender também que sorte de vínculos e fusão de identidades eram possíveis nestas

formas “defectivas”, que serão abordadas mais adiante.


108

Destaca-se aqui, porém, que na pia batismal geralmente foi escolhido apenas o

prenome da criança, raramente dois prenomes e, mais raramente ainda, prenome e

sobrenomes. O nome completo, pelo qual seria reconhecido pela sociedade coeva e mal

identificado pelos historiadores do futuro, era assumido ao longo da existência da pessoa.

As trajetórias pessoal e familiar são as que iriam agregar um segundo prenome e um

sobrenome ao corpo e à alma que se batizou algum tempo após o nascimento. Mais do que

a atribuição, parece tratar-se da “construção” de um sobrenome. A ele estariam unidas as

atitudes praticadas ao longo da vida e que fariam com que um “Domingos” se tornasse um

Domingos Gomes Ribeiro, e um “José” viesse a ser um José da Silveira Bitencourt. A

ciência de que a vida pregressa estaria associada ao nome, ao identificador do sujeito,

talvez levasse os homens e as famílias a privilegiar o repasse do nome do pai a um dos

rebentos. Eram dois e ao mesmo tempo um, pois continuavam-se um no outro. O nome não

era apenas desinência de um indivíduo; antes, designava uma espécie de entidade, entidade

esta pertencente à família ou ao grupo no qual estavam inseridos. O ato de assumir um

sobrenome e toda a carga a ele vinculado era, portanto, posterior ao nascimento, em sua

construção; anterior ao nascimento, como prática de conservar e repassar a outros

membros do grupo, clã ou família, atributos obtidos na experiência do povoamento e

conquista dos territórios sulinos. Estes atributos eram importantes e com certa freqüência

reportados nos registros paroquiais, como no caso de Lucas Fernandes da Costa e sua

mulher, Joana Maria da Purificação. No registro de batismo de Joaquim, filho deste casal,

aparece a observação do pároco: “povoadores deste novo estabelecimento” (ADPRG,

1LBat-RG - Registro do batismo de Joaquim, filho de Lucas Fernandes, 26/06/1740, 1738-

1753)

Em alguns casos, torna-se evidente que, havendo a opção do uso dos adjetivos “o

novo” ou “o moço” e “o velho”, que propiciasse o discernimento entre pai e filho, esta não
109

era amiúde adotada. Antes, parece que esta possibilidade estava guardada para um

momento extremo, que será exemplificado mais adiante, no caso dos dois João de

Magalhães.

Eis que quase no limite do desespero por não conseguir distinguir, em muitos casos,

o pai e o filho, veio a hipótese que agora se tenta esboçar: havia nessa sociedade o desejo e

a intenção de que pai e filho fossem “de fato” confundidos em uma única pessoa. A

necessidade de distinção entre um e outro é um problema colocado pelo historiador de

nosso tempo, e não para as populações que viviam o “fazer-se” da sociedade sulina. Ao

contrário: a vida do filho como sendo uma extensão da vida do pai, e por conseqüência de

um “ente” longevo dentro de uma família e de um ambiente social, com ações e práticas já

conhecidas, parece dar sustento à essa existência do indivíduo — se é que assim se pode

chamá-los, já que não se trata de um período em que a individualidade estivesse posta em

questão — e das famílias as quais pertenciam, em meio às outras famílias, autoridades e

estranhos.

A (con)fusão de pai e filho em uma única pessoa parece ter sido quase que uma

meta a ser perseguida na maioria dos casos de homônimos. Ainda mais quando se tem

claro que, mesmo vivendo em uma sociedade em que havia a escrita, a imensa maioria da

população era analfabeta. A tradição oral, o repassar de histórias e “causos”, que partiam

da boca dos mais velhos para os ouvidos e memória dos mais novos, era prática recorrente.

Não raras as situações em que sob suspeita de existir interdito ao matrimônio dado um

parentesco próximo, os anciãos ou pessoas mais inteiradas dessas relações familiares

fossem chamados a depor. Assim, desfiando os elos familiares contidos na lembrança,

testemunhavam nos processos de casamento, reafirmando o interdito ou liberando os

noivos para a união. Um exemplo formidável dessa memória coletiva e familiar encontra-

se na documentação acerca do casamento de Antônio Alves Paiva, natural de Sorocaba, e


110

Andreza Velosa Maciel, natural de Viamão. O testemunho de Salvador Domingues

Rodrigues, solteiro, então com 48 anos, morador de Viamão e antigo morador da Vila de

Sorocaba, abaixo transcrito, reflete essa situação, relato que é repetido, com pequenas

variações, por outras testemunhas deste casamento:

"[disse que] conhecia muito bem o mesmo justificante, seus pais, seus
mesmos avós porque eram todos vizinhos de porta e se criaram juntos e
que sabia ele testemunha muito bem que eram parentes porque conheceu
o capitão mor Brás Mendes Pais e seu irmão o sargento mor Pedro
Domingos Pais e do capitão mor nasceu Maria Pais Moreira e de Maria
Pais Moreira nasceu Maria Moreira Maciel, mãe da sobredita contraente
Andreza e do sargento mor nasceu Messias Soares Pais e de Messias
nasceu Isabel Soares, mãe do justificante Antônio que sendo os bisavós o
capitão mor e o sargento mor irmãos legítimos, 1o grau de sangüinidade
no 2o fica sendo Messias com Maria pais Moreira prima 2a, e Maria
Moreira Maciel com Isabel Soares Pais prima 3a e destes 3os primos
nasceram Antônio e Andreza contraentes que vão para o 4o grau"
(AHCMPA - Depoimento de Salvador Domingues Rodrigues nos Autos
Matrimoniais de Antônio Alves Paiva e Andreza Velosa Maciel – 1762).

O repassar das genealogias através dos relatos orais, tendo a memória humana

como sua principal portadora, ao que parece, contribuía na fusão dos agentes históricos do

período que compartilhavam o uso do nome. Mesmo quando esses relatos foram grafados

sob forma de memórias e crônicas, a fusão provavelmente já estava dada na lembrança

dessa coletividade. Não parece acaso terem existido. O fenômeno não é exclusividade da

porção meridional da Colônia, nem tampouco do século XVIII. Na segunda metade do

século XIX, Alfredo do Valle Cabral escreveu suas Questões de História já preocupado em

distinguir entre os “três João Ramalhos” existentes na capitania de São Paulo ao século

XVI, concluindo serem dois provavelmente pai e filho e um terceiro alheio a esta família

(Cabral, 1954). As genealogias, primorosamente escritas, antes de registrar os eventos

vitais das famílias, registravam a construção de um passado, fosse ele de tradição oral,

fosse ele “inventado” para servir a diferentes propósitos, tais como provar a pureza de
111

sangue ou fidalguia, conforme demonstrado por Evaldo Cabral de Mello em O Nome e o

Sangue (2000).

Isso não quer dizer que o pesquisador deva curvar-se ante o fato de duas existências

estarem fundidas em uma só, passando a tratá-las como um único ente. Pelo contrário,

deve esforçar-se em discerni-los, mas tendo em mente que estará nadando contra a

correnteza, contra uma atitude intencional dos homens d’antanho que fazem parte do seu

objeto de estudo. Mas é importante saber que, com toda certeza, uma “sabotagem” à sua

pesquisa foi cometida no momento em que os registros documentais foram efetuados: os

homens do passado fizeram tudo o que foi possível para que os homens do futuro, dentre

os quais nós, os historiadores, não soubessem onde termina o pai e onde inicia o filho.

O “problema” de tal discernimento é colocado hoje, para os pesquisadores, mas não

era um “problema” para a sociedade sulina do século XVIII. Ao contrário, tudo dá a

entender que o “problema” que ao menos uma parcela dessa população tinha era o de gerar

e engendrar formas de anuviar este discernimento, fundindo duas ou mais pessoas em uma

única existência. Essas pessoas eram, geralmente, pai e filho, embora, de maneira menos

freqüente, podiam ser tio e sobrinho, avô e neto, padrinho e afilhado. Recurso muito

utilizado pelos homens, mas de maneira nenhuma exclusivo de seu gênero, já que mulheres

também possuíam o nome de suas mães, avós, tias e madrinhas.

V. Em nome do pai

Ao falar sobre os fundamentos antropológicos da família no Antigo Regime,

Hespanha se detém no “especial laço com a qual a Natureza ligara os seus elementos por

normas inderrogáveis. Este elemento era o ‘amor’” (Hespanha, 1988: 245). Apesar de já

referir-se à existência de traços de uma concepção individualista da sociedade, solapando a

existência da família na Europa do século XVIII, em Portugal ela ainda era vista como uma
112

unidade social em si, repleta de relações internas que estabeleciam direitos e deveres para

pais e filhos, marido e esposa:

“O amor (ou piedade) familiar desdobrava-se em vários sentimentos


recíprocos. O amor dos pais pelos filhos, superior a todos os outros
funda-se no sentimento de que os pais se continuam nos filhos. Estes são,
assim, uma extensão da pessoa que lhe lhes dá o ser, ou seja ‘a mesma
pessoa’ (...)”(Hespanha, 1988: 245).

Diz ainda Hespanha que, em se tratando do direito português, sobre o pai

repercutiam os atos dos filhos, suas aquisições, dívidas, etc. (Hespanha, 1988: 245). Ainda

que o autor não siga adiante neste caminho, através desta sua indicação — a família institui

direitos e deveres, assim como sentimentos recíprocos — é lícito imaginar que sobre os

filhos recaíssem os atos dos pais. Quando do passamento do genitor, a viúva, assim como

os filhos, ficavam responsáveis pelas dívidas do pai, tanto as passivas quanto as ativas.

Nem a morte terminava o elo existente em vida. A viúva e/ou sua prole continuavam a

zelar pela alma do ente amado que partira, mandando dizer missas e fazendo doações pias,

honrando sua memória e seu nome.

Ora, se o Direito português reconhecia e regulava essa continuidade do pai no filho,

parece bastante lógico que os vassalos de Sua Majestade, mesmo nos mais longínquos

rincões por onde seus domínios se estendiam, tivessem esta idéia de continuidade

impregnada em suas vidas. Aos filhos caberia dar consecução à obra do pai. No caso dessa

fronteira sulina, aos filhos caberia a consolidação da posse dos territórios conquistados

pelos pais e a consolidação da ordem da sociedade da qual seus pais lançaram os alicerces.

Remetendo ao contexto da América meridional, há que reafirmar aqui que o

território, ainda que próximo ao litoral, teve sua ocupação tardia, se comparado a outras

regiões da orla. Era um território novo para o qual concorriam populações de diversas

origens, embora, excetuando-se as parcelas indígenas, nenhuma vinculada há mais de uma


113

geração à região que se povoava. Nenhuma das terras ainda pertencia por direito ancestral

ou tradicional a nenhuma das famílias ali chegadas. As sesmarias dadas por Sua Majestade,

dependiam, ao menos na legislação, da posse efetiva e em fazer as terras produzirem.

Podiam ser retiradas da posse de um e passada à posse de outro, caso não fosse atestada a

existência de lavouras, criação ou benfeitorias, se não fosse comprovada a sua ocupação e

produção. A continuidade da posse sob um “ente” aparentemente longevo, ao que tudo

indica, poderia ser facilitada.

As terras, assim como os cargos públicos e as patentes, de onde podiam advir os

“prós e percalços”, eram dados por Sua Majestade e seus representantes na Colônia, a este

tempo, preferencialmente àqueles súditos que houvessem prestado serviços na conquista

destes territórios (Thomaz, 1994: 430-431, Fragoso, 2000: 67-82). Muitos dos sesmeiros

do Continente do Rio Grande de São Pedro eram veteranos das batalhas para a manutenção

da Praça da Nova Colônia do Sacramento, alvo de ataques dos espanhóis e dos “índios dos

padres das Missões”, boa parte dos quais detentores de patentes militares ou da ordenança,

também mercês dadas por Sua Majestade visando o bom serviço ou retribuindo um já

prestado.

Alguns outros detentores de posses de terras haviam participado das pioneiras

tentativas de ligação, por via terrestre, do extremo-sul às imediações de São Paulo. A

consolidação dessa rota foi vital para dar vazão aos rebanhos de animais até seus mercados

consumidores que deles necessitavam para o transporte de cargas nas regiões interioranas.

Do bom funcionamento dessa rota e desse comércio entre duas áreas distantes dentro do

domínio português dependia a circulação de bens e mercadorias no interior da Colônia. Sua

Majestade, sabedora do fato, foi pródiga no reconhecimento desse serviço. Praticamente

todos os participantes identificados da expedição de Cristóvão Pereira de Abreu para a

abertura do Caminho das Tropas acabaram por possuir, com ou sem homologação da
114

Coroa, uma ou mais porções de terras. Ao que tudo indica, mesmo aqueles que não

possuíam carta de sesmaria, jamais foram importunados ferrenhamente pelas autoridades

no questionamento dessas posses. Talvez até porque desse grupo também tenham saído

algumas dessas autoridades locais.

Assiste-se assim, nos trinta primeiros anos de existência dos núcleos populacionais

sulinos, o surgimento das famílias com “tradição” nas novas terras. Os conquistadores, os

pioneiros, os primeiros povoadores, fundavam e forjavam com seus atos os “direitos e os

costumes” para a nova terra que nascia junto com essas “tradições”.

Um desses costumes no limiar do povoamento era a clara distinção entre aqueles

que participaram dos momentos iniciais de conquista e defesa dos territórios e os que

chegaram depois. Atributos de semi-heróis que podiam ser repassados aos filhos, sob

forma de prenome, prenome e sobrenome e de sobrenome, apenas. Caberia aos seus filhos,

em nome da bravura e disponibilidade de seus pais no bem servir a Sua Majestade, a

consolidação de suas conquistas, ou seja, a continuidade dos propósitos de suas vidas. A

continuidade de suas vidas. A continuidade do nome, portanto.

VI. O nome como um bem a ser legado,


negado, usado e usufruído

Assim como o nome é agregado ao homem e construído ao longo de sua vida, pode

pensar-se na relação inversa, onde as ações e a história de uma vida eram agregadas ao

nome. O nome passa a significar uma (ou mais de uma) existência. O nome, em si, passa a

ter uma existência. Alguns nomes, ao serem pronunciados, provocam reações, mesmo que

os sujeitos aos quais designam não estejam presentes. Nomes causam temor, inspiram

respeito, desdém ou malícia. Certos nomes provocam risadas. Os nomes estão impregnados

com os atributos dos homens ao quais identificam. Os representantes e procuradores não se


115

dizem agindo por um ou outro homem, mas “agindo em seu nome”, ou seja, por um

período de tempo ou em algum lugar específico, obtêm a licença legal para responder por

um nome; têm, ainda que cerceado, o direito de uso de um nome. As duas ações, agregar

atributos ao nome que uma pessoa portava e agregar a uma pessoa um nome repleto de

atributos eram simultâneas e complementares, portanto. Esses atos não se extinguiam,

sendo também transmitidos dentro de uma família ou outra sorte de agrupamento.

O nome adquire, assim, significados que ultrapassam a mera utilidade na

identificação dos agentes históricos. Incorpora propriedades, famílias, inimizades, mercês,

localidades, direitos, deveres e responsabilidades; incorpora a história pessoal e, em muitos

casos, a história familiar. O nome passa a ser, tanto quanto os bens materiais, um

patrimônio familiar. O nome adquire uma função social para além da desinência de uma

pessoa. O nome passa a ser um bem a ser legado e, às vezes, negado.

Ao buscar caracterizar em que tipo de bem se enquadra o nome — e aqui entenda-

se um nome “completo”, formado por prenome e sobrenome(s) — recorreu-se ao auxílio

de Maurice Godelier que, em obra publicada no Brasil nessa década de 2000, retorna ao

estudo do dom, iniciado por Marcel Mauss. O “enigma do dom”, tal como Godelier o

denominou, estaria, segundo o autor, associado à “quarta obrigação do dom”, ou seja, à

reciprocidade entre desiguais. Essas obrigações, por sua vez, teriam seu surgimento no

primeiro de todos os dons: a vida que todos os homens devem aos seus deuses, e que, por

mais que façam oferendas e sacrifícios, nunca será retribuída.

Disso derivaria que, ante pequenas ofertas (ou dádivas) aos deuses (ou seus

representantes na terra, ou ainda, categorias especiais de homens/elos entre os mortais e as

deidades), adviriam dons muito maiores, por vezes imensuráveis. Estes, por estarem

diretamente ligados à esfera divina, seriam dados especialmente a um homem ou a um

grupo de homens — família, clã ou tribo. Por possuírem certa quantidade de “magia”,
116

dariam “poderes” especiais a seus detentores. Como as graças foram dadas a um grupo

especial, de sua posse dependeria a sua posição — decorrência da dádiva dos deuses — no

grupo maior onde estava inserido. Ainda assim, como jamais foram “realmente” quitados

com seu doador primeiro (a divindade, os espíritos, os ancestrais, os conquistadores e —

porque não? — os primeiros povoadores), não “pertenceriam” de fato ao grupo. Seguiriam

sendo propriedade da entidade que cedeu a posse — mas não a propriedade — e o direito

de uso, ao grupo de homens. Tal entidade, no caso sob estudo, não se trata de uma deidade,

mas do Rei, que em última análise, também goza de atributos senão divinos, ao menos de

uma semi-divindade, já que incorpora o Estado, a Justiça e mantém uma relação quase que

paternal com os seus súditos.

Da quarta obrigação do dom surgiria, portanto, uma categoria de bens que estaria

excluída do circuito de trocas entre os homens. Bens que jamais poderiam ser dados ou

alienados, por ninguém ter o direito total sobre eles, mas cujo uso ou posse poderia ser

transmitido de grupo a grupo, de geração a geração. Godelier destaca nesta categoria de

bens os objetos mágicos, certos saberes, ritos e, com menor ênfase, nomes. E sobre esses

últimos, torna-se a discorrer.

Poucas coisas, nos dias de hoje, estão tão associados às famílias quanto os

sobrenomes. São transmitidos de geração a geração. Registram o ingresso de “estranhos”

no núcleo familiar, a ascendência de um ramo, a decadência de um tronco da família ou,

em casos extremos, a extinção de toda uma linhagem, por falta de geração, por

incompetência ou outro fator qualquer na administração deste e outros patrimônios

familiares.

É permitido, então, pensar que uma criança que recebeu apenas um prenome no ato

de seu batismo, incorpore, ao longo de sua existência, um bem essencialmente vinculado à

sua família, ao seu grupo ou local de origem, à sua própria vida, existente antes mesmo de
117

seu nascimento. O nome, este qualificador, seria repassado por quem “lhe deu o ser”: a

existência física e social. Com ele, as qualidades que também já existiam antes do

nascimento: uma posição numa sociedade que se formava e, a exemplo de outras regiões

da Colônia luso-americana, marcada pela hierarquização social do Antigo Regime

português e por diferenças entre os homens livres, mas portadores de qualidades diferentes

(Fragoso, 2001). Sobre essa sociedade diz Godinho:

“Na sociedade de Antigo Regime, o mais aparente é divisão em estados


ou ordens - clero, nobreza, braço popular. É uma divisão jurídica, por um
lado, é , por outro, uma divisão de valores e de comportamentos estão
estereotipados, fixados de uma vez para sempre, salvo raras exceções.
Cada qual o como oposição numa hierarquia rígida, segundo tem, ou não,
títulos e tem, ou não, direito a certas formas de tratamento.”
(Godinho,1975: 72)

Aos pais, caberia designar-lhe esses bens, essas qualidades ou parte delas,

agregadas ao nome que se colocava nos filhos. Podia também alijar-lhe de seu uso,

eventualmente. A conquista de um sobrenome ou sua designação torna um pouco mais

claro o entendimento do fato de, muitas vezes, os pais darem o mesmo prenome a dois ou

mais filhos. Nasciam, assim, as duas meninas “Ana” e duas meninas “Maria”, as quatro

filhas de Francisco de Brito Peixoto. Também foi assim com os rapazes “João”, filhos de

João Antunes Maciel. O sobrenome — os atributos — estes se granjeariam ao longo da

existência e em caso de sobrevivência das crianças, as grandes vítimas das precárias

condições de higiene e salubridade vigentes a esta e a qualquer época. Vingando um

rebento, o sobrenome idêntico ao do pai poderia ser-lhe passado, gerando a fusão de

pessoas, dando “continuidade” ao nome.

Os nomes completos, verdadeiras entidades, portanto, seriam bens familiares que

poderiam ser legados. Note-se bem, por não se tratar de um bem material, cuja

“propriedade” possa ser dada, mas de qualificadores, intangíveis à mão humana e


118

capturáveis apenas na compreensão de seu significado, remete diretamente à quarta

obrigação da dádiva, indo ao encontro do dito por Godelier. Seu uso, o identificar-se

através dele, este sim é o grande legado passado de pai para filho dentro das famílias. Mais

do que isso, se o filho fizesse o “correto uso” desse sobrenome, ou seja, o honrasse e

engrandecesse com seus feitos, mais atributos seriam agregados a esse nome. O uso do

nome poderia engrandecer um homem, mas esse homem também poderia engrandecer o

nome. O bem familiar podia ser ampliado na “força”, no “mana”, na “magia” do nome,

ampliado naqueles atributos que, forjados e sustentados pelas ações humanas, dão matéria

para crenças que fogem ou se ocultam à razão dos homens (Godelier, 2001: 260-263).

Nomear, estabelecer uma nomenclatura familiar e pessoal, nessas circunstâncias, é

uma prática social que visa, antes de mais nada, estabelecer e perpetuar o “nicho” de certos

homens e famílias no grupo ao qual pertenciam e ante outros grupos, podendo assumir,

assim, um aspecto místico. Se ligado aos fundadores de um clã ou de uma localidade, toma

forma de um mito nestes grupos. Se o nome a ser utilizado é possuidor da força que lhe

estava associada desde que foi, pela primeira vez, assumido por um homem, somente um

homem de características muito semelhantes poderia dar-lhe continuidade.

Sendo um patrimônio construído e tendo sido legado ao filho o direito de uso, nada

impede que esse direito seja cerceado. Talvez não fosse possível, na maioria das vezes,

obrigar ao usuário, por má utilização, fazer a “devolução” do nome, mas parece possível

que o elo, ou melhor, a fusão entre as pessoas de pai e filho, fosse rompida, por um ou por

outro, ou mesmo pela família e pela sociedade, já que não havia honradez no indivíduo

(aqui sim, cabendo este termo – pois agiu per se, em detrimento do grupo de

pertencimento) que o portava. Exemplo disso é um dos raros casos que, na documentação

consultada, há a explícita intenção de discernir pai de filho, que agora será comentado.
119

VII. Quando o elo é rompido

João de Magalhães nasceu em Portugal, em alguma localidade do arcebispado de

Braga, em data incerta, mas provavelmente ainda no século XVII. Era filho de outro João

de Magalhães e Maria Velosa (AHCMPA – 1o Livro de Batismos de Viamão. registro de

batismo de Benedita, fl. 63, 1755) — que muito provavelmente não vieram para a Colônia.

Em data também incerta passou às terras americanas. Casou-se com Ana de Brito, uma das

filhas que Francisco de Brito Peixoto, futuro Capitão-mor da Vila da Laguna, teve com

índias ditas “carijós”. O casamento provavelmente ocorreu em Santos, de onde procedia a

família Brito Peixoto.

Em 1715 já havia adentrado àquilo que viria a ser chamado de Continente do Rio

Grande de São Pedro, numa expedição para a busca de gados e de reconhecimento, muito

provavelmente atingindo a barra da Lagoa dos Patos, onde seria fundada a Vila de São

Pedro do Rio Grande. Em 1725, uma outra expedição, a qual contava com trinta e um

homens, entre pardos, negros e livres, foi por ele chefiada (Fortes, 1941: 22), fazendo vau à

Barra da Lagoa dos Patos para, no retorno, trazer gados e informações para as famílias

derivadas de seu sogro. Essas famílias dirigiram-se para o sul alguns anos depois.

Por volta de 1735, juntamente com esposa e filhos, já habitava as vastas terras que

seu sogro solicitara em sesmaria (mas não as recebera) nos Campos de Viamão. Da união

com Ana de Brito nasceram alguns filhos, dentre os quais um que recebera o nome de

João. Deste é citado o matrimônio na Genealogia Paulistana, de Luiz Gonzaga da Silva

Leme:

“Joanna Garcia Maciel, que foi 1o casada em 1733 em Sorocaba com


Theodosio Pires Bandeira, fo de Domingos Pires e de Domingas
Fernandes, naturais de Portugal; 2a vez casou-se em 1741 na mesma vila
com João de Magalhães, natural da vila da Laguna, fo de outro e de
Anna de Brito. (Leme, versão para Internet – grifo meu).
120

No ano de 1751, João de Magalhães, pai, já havia enviuvado e casado novamente.

Sua esposa, Maria Moreira Maciel, também já era viúva. Era oriunda da mesma Vila de

Sorocaba. O casamento ocorreu após o ano de 1745, ano no qual Maria ficou viúva pela

primeira vez. Maria foi para o sul, para a Vila da Laguna, onde muito provavelmente casou

com João. Posteriormente, passou com o seu segundo esposo para Viamão. Passou a viver

com o seu novo marido junto ao núcleo familiar dos Brito Peixoto. Com Maria Moreira

Maciel vieram alguns filhos de seu primeiro matrimônio, que conviveram com os rebentos

já tidos de João de Magalhães, pai, e Ana de Brito. Maria Moreira Maciel e João de

Magalhães tiveram prole.

O casamento de João de Magalhães, pai, deu-se dentro da mesma família na qual

casara o João de Magalhães, filho. Maria Moreira Maciel era irmã de Joana Gracia. Nesta

família também foi tomar esposa Lucas de Magalhães, outro dos filhos de João de

Magalhães. Casou-se com filha do primeiro casamento de Joana Gracia. Cláudio Guterres,

filho de uma irmã de Ana de Brito, primeira esposa de João de Magalhães, casou-se com

uma das filhas de Maria Moreira Maciel. Andreza Velosa Maciel, filha de João de

Magalhães, pai, e de Maria Moreira Maciel, casou-se com um parente de sua mãe, também

oriundo de São Paulo. As duas famílias se cruzavam em diferentes graus de parentesco

ante Deus e ante a comunidade das três localidades: Sorocaba, Laguna e Viamão. Tais

casamentos, pelos impedimentos e padrões religiosos vigentes à época, não poderiam (ou

não deveriam) acontecer; todavia, esses interditos eram com freqüência relevados.

Passavam por cima dos impedimentos porque o interesse maior nesse momento era povoar

o Continente e tornar a trazer à cristandade aqueles que cometeram pequenos desvios, no

caso uma relação em impedimento de incesto por parentesco afim ou consangüíneo nem

tão próximo assim. Também porque, na endogamia característica dessas famílias, as elites

locais reproduziam-se, dando lugar a estirpes que uniam atributos de conquistadores,


121

primeiros povoadores ou heróis. Esses atributos, tidos como diferenciais entre eles e o

restante da população, serviam para demonstrar sua posição superior, ordenando

hierarquicamente a sociedade e dando a ela uma forma.

João de Magalhães, pai, era um dos pioneiros da conquista e povoamento do

Continente do Rio Grande de São Pedro. Tivera filhos com uma filha do fundador da Vila

da Laguna, onde exerceu mais de um mandato de vereador (Cabral, 1976: 114). Deixara

seu nome gravado nos registros sobre as expedições de reconhecimento do território e

recolhimento de gados para a Vila da Laguna. Também fora, ao final da década de 1720 e

primeiros anos da década de 1730, um dos “descobridores” do caminho terrestre que ligou

o extremo-sul da Colônia às áreas mais centrais, dando vazão às miríades de gados vacuns

e cavalares até os locais que dele necessitavam. Os familiares de João de Magalhães e de

sua primeira esposa, Ana de Brito, venderam gado para a praça da Colônia de Sacramento

em 1735, socorrendo com alimentos os contingentes lusos sitiados pelos soldados e índios

dos espanhóis. Eram detentores de prestígio. As qualidades angariadas na formação do

povoado estavam agregadas ao seu nome.

João de Magalhães, assim como as demais famílias que derivavam de Francisco de

Brito Peixoto, faziam parte dos primeiros povoadores de Viamão. João de Magalhães,

portanto, era um nome consolidado na sociedade que se formava entre a Lagoa dos Patos e

o Oceano Atlântico. João de Magalhães era um nome, construído e fortalecido em e com

a sua trajetória.

Mais do que isso, também sobre João de Magalhães, suas cunhadas e cunhados,

filhos e sobrinhos, assim como dos outros membros de um restrito grupo que viera para os

Campos de Viamão na primeira metade da década de 1730, recaía a responsabilidade da

organização social do povoado. O empenho em apossar-se das terras, de trazer e aglutinar

alguns índios, em adquirir escravos, apresar gados, construir casas, benfeitorias e uma
122

capela para os serviços religiosos, foram obras destas primeiras famílias vinculadas a

Francisco de Brito Peixoto. Esses homens e seus atos eram, de certa maneira, os alicerces

da nova povoação que se formava. Eram a base humana de Viamão. A estabilidade dessa

ampliação dos domínios lusos sobre a fronteira recaía sobre os fundadores da sociedade e a

credibilidade/legitimidade que esses primeiros povoadores possuíam diante dos demais

habitantes dos Campos de Viamão. Isso dava ordem ao caos pré-existente, organizava a

sociedade. Disso tudo dependia a frágil estabilidade de uma sociedade em formação. João

de Magalhães fazia parte desse grupo identificado com o poder e com o topo da hierarquia

social nesse lugar.

João, o filho agraciado com o mesmo prenome do pai, não teve passos importantes

marcados nos registros documentais. Antes, seu nome “apenas” aparece no Rol dos

Confessados de Viamão de 1751 ou nos livros de batismos, como pai ou padrinho de uma

criança, mas nada que lhe dê um grande destaque. Era apenas mais um entre os menos de

mil paroquianos do povoado de Viamão no ano de 1751.

Somente há um pequeno detalhe que se faz notar, talvez por motivos já em

incubação e que viriam à tona apenas anos mais tarde: João é o único caso encontrado até o

presente, de homônimos cuja identidade entre os portadores de mesmo nome é claramente

separada nos róis de confessados consultados (AHCMPA – Róis dos Confessados de

Viamão 1751, 1776, 1778 e Treslado do Rol dos Confessados de Triunfo 1758). Somente

os João de Magalhães são assinalados no Rol dos Confessados de 1751 como “o moço” e

“o velho”. Ao que parece, as coisas se mantiveram assim, latentes, até faltar pouco menos

de três anos para o fim da década.

Em 1757, o padre José Carlos da Silva, pároco de Viamão, encaminhou um auto de

denúncia ao Juízo Eclesiástico contra Joana Gracia Maciel, “pelo escândalo público com

que vive e desonesto procedimento”. Nesse auto, tem-se uma idéia do circo de horrores
123

que cercava a prestigiosa família dos João de Magalhães. Joana Gracia Maciel, dada a

bebedeiras, foi dita “mulher de má língua”, acostumada a receber seus amigos com grande

intimidade “portas adentro” — nos dizeres da época —, a colocar suas índias

administradas “ao ganho”, “usando mal de si”, para trazer-lhe dinheiro e aguardente. Não

se sabe desde quando vinham esses comportamentos impróprios, mas é clara a ciência da

comunidade. É francamente perceptível através dos testemunhos dos depoentes que havia

um bom tempo que a infidelidade conjugal de Joana ocorria. Sua má fama a seguia desde

seus tempos na Vila de Sorocaba, segundo depoimento daqueles que de lá a conheciam.

(AHCMPA – Auto de denúncia que mandou fazer o Reverendo José Carlos da Silva contra

Joana Gracia Maciel... 1757).

Além de compelir suas índias à prostituição, Joana imputava-lhes severos castigos

físicos, sendo recorrentes os espancamentos e outras agressões. O Auto de Denúncia se

detém sobre o caso da infeliz índia Suzana, espancada e queimada com brasa nos recantos

mais recônditos de seu corpo. Suzana foi providencialmente salva por Manuel Vergueiros,

misto de padre e condutor de tropas de animais, que a levou para São Paulo com o intuito

de livrá-la da morte certa que sofreria pelas mãos de sua senhora. Justo aquela senhora que

devia zelar por sua vida e sua alma!

Como se tudo isso não bastasse, Joana Gracia Maciel, sabe-se lá por que motivos,

mandara Manuel, de alcunha “O Grosso”, filho de seu primeiro casamento, “desonestar”

algumas mulheres casadas da comunidade, espancando-as e forçando-as ao ato sexual. Não

é possível saber se Manuel conseguiu cumprir por completo as ordens de sua mãe, dado o

estado de corrosão do documento. Sabe-se, todavia, que um desses ataques resultou, no

mínimo, em uma senhora com um braço quebrado. As vítimas dos atentados eram todas

filhas de João de Magalhães, pai, irmãs de seu marido, João de Magalhães, filho. Cunhadas
124

de Joana, portanto. De Manuel, o Grosso, eram tias ante Deus e ante a sociedade desde o

dia em que Joana desposara João.

O comportamento destemperado de Joana Gracia Maciel provavelmente contribuiu

para a decadência da família. Essa vinha paulatinamente perdendo espaço nos registros

documentais e importância junto à sociedade que se formara em Viamão, em contraste com

a destacada posição de João de Magalhães, pai, na Vila da Laguna.

Entretanto, o aspecto que mais interessa para este estudo é o fato de serem, no Auto

de denúncia, assim como no Rol dos Confessados de 1751, diferenciados pai e filho. No

Auto de denúncia Joana Gracia Maciel é dita “esposa de João de Magalhães, o moço”. A

diferenciação é feita, tem-se a impressão, não para alertar a sociedade que se estabelecera

em Viamão, nem ao pároco que registrara as denúncias. Esses conheciam Joana e João, o

moço, muito bem, a ponto de não faltarem testemunhos detalhados acerca de suas vidas no

Auto de denúncia, mas sim, para os leitores do Rol e de tal auto, em locais distantes ou em

tempos futuros. Alertava-se, desse modo, que o comportamento desviante de Joana e a

tolerância ou “vistas grossas” de seu marido a seus tresloucados gestos simplesmente não

deveriam recair sobre João de Magalhães, pai. O elo, a fusão de pai e filho fora rompido.

Não podendo retomar o direito de uso do nome do filho, o pai, ou ainda, a sociedade com

seus costumes, tratou de quebrar a identidade única que este nome lhes conferia.

O moço e o velho foram novamente separados em duas pessoas distintas, não mais

fundidos, não mais unidos. Foram afastados da própria convivência diária, já que o final do

processo de Joana prevê a extradição dela e sua família para pouco mais de uma vintena de

quilômetros de onde viviam. Pena branda para tamanha crueldade, “escândalo público e

desonesto procedimento”. Talvez o degredo não fosse a punição maior. O afastamento

“moral” dela e dos seus do núcleo familiar, este sim. A punição atingia João de Magalhães,

o moço, não mais mesclado, no restante de sua existência a João de Magalhães, o velho.
125

Não mais incorporava a si e aos seus as qualidades de conquistador, primeiro povoador,

descobridor dos novos caminhos, fiel vassalo defensor dos interesses de Sua Majestade que

existiam em seu pai.

A punição, querendo ou não, também recaía sobre o pai, não mais podendo manter

aquela “entidade” interna à família e conhecida na sociedade local, originária da fusão de

pai e filho. João de Magalhães, o velho, não podia mais legar os atributos associados ao

seu nome para o filho. O grupo de conquistadores e povoadores não podia, na pessoa de

João de Magalhães, o velho, e de seu filho, ser identificado com atitudes que ameaçavam a

estabilidade.

A sociedade, esta sim, separava o joio do trigo. Separava de si os agressores de

mulheres honestas, os espancadores de índios — que em 1751 eram em torno de 5,4% da

população fixa da localidade (Kühn, 2001), presentes em praticamente todos os lares dos

povoadores mais importantes do Continente que haviam saído da Laguna (AHCMPA – Rol

dos Confessados de Viamão – 1751; Garcia, 2001). Se houvesse insistência em manter os

autores de tais brutalidades junto às suas vítimas, existiria também o risco de revoltas ou

crimes de vingança. A ameaça rondaria os domicílios de alguns dos mais importantes

moradores de Viamão. O forjar das famílias tradicionais, ainda inexistentes nesta fronteira

estava, então, posto em risco pelo comportamento extremado da mulher de João, o moço.

Uma operação quase que cirúrgica, pois o tumor social fora removido, foi feita neste

povoado.

O poderio da elite local, os conquistadores, os primeiros povoadores, não podiam

confundir-se com os desvarios de Joana nem com a falta de autoridade e de pulso firme de

seu marido João — pertencentes a uma das famílias deste grupo. Os respingos recaíram

sobre João de Magalhães, o velho, pois de alguma maneira permitira que os

acontecimentos chegassem a tal ponto. Mas não podiam recair sobre os pilares da
126

sociedade da Freguesia de Viamão. Deveriam ser preservados os valores calcados na

qualidade das boas famílias, em seu status, na justeza de seus atos, na hierarquia da qual

essas famílias eram o topo. Junto com a estabilidade desse microcosmo que era a freguesia,

estava em jogo a manutenção de um território de Sua Majestade. Na aplicação da pena, o

câncer fora extirpado, ainda que às custas da desagregação de uma das famílias que muito

contribuiu na formação do povoado.

O organismo sobreviveu ao trauma da cirurgia, recuperou-se. Recobrou a saúde.

Manteve-se forte para enfrentar novas adversidades. A sociedade dos Campos de Viamão,

e mais precisamente aqueles que detinham poder de mando, através da punição exemplar,

souberam zelar pela mantença da estabilidade social e da continuidade de sua posição ante

o restante da população. Garantiram, em seu gesto, sua posição na hierarquia e com ela a

ordem da sociedade, ou seja, o bem-comum (Fragoso, 2001:43-50).

VIII. O nome em uma ocupação territorial


recente

Em que pese a identificação dos soldados, moradores e andantes do Continente do

Rio Grande de São Pedro normalmente dar-se pelo nome, pôde ser observado o costume de

muitas vezes alguém auto-designar-se ou ser designado um sujeito por outro nome que não

o de sua família.

Como já foi dito, não era raro a incorporação de sobrenomes alheios ou

toponímicos ao nome de batismo. Conforme visto por Fonseca, essa prática foi recorrente

entre os judeus e cristãos novos que passaram à praça do Rio de Janeiro na segunda metade

do século XVII e primeira década do XVIII (Fonseca, 1999: 85-113). Também se verificou

o “aportuguesamento” das grafias de nomes estrangeiros, gerando novos e “genuínos”

sobrenomes coloniais. Assim, o sobrenome Clark transformou-se em Clarque e do


127

sobrenome alemão Schram surgiu a família Charão. Porém, é difícil, através dos registros

eclesiásticos do Continente que sobreviveram ao tempo, detectar as origens judaicas,

cristãs novas ou estrangeiras. É possível, isto sim, afirmar que a despeito do nome seguir

como receptador de atributos familiares e pessoais, de ser portador de histórias de vida e do

grupo, esta principal partícula identificadora dos sujeitos que viveram a formação do

Continente do Rio Grande de São Pedro, podia ser mudada. Senão a bel prazer, ao menos

sem grandes dificuldades.

Pode-se imaginar, então, considerando que se está ante um caso limite, no qual uma

fronteira entre dois impérios assiste o começo do processo de conquista e povoamento, que

certos nomes, com todos os atributos que lhes foram agregados no decorrer do tempo,

possam ser indesejados. No caso de cristãos-novos ou judeus, transmigrados da península

ou de outras localidades dentro do Império Português onde a perseguição inquisitorial se

fez mais forte, na troca de nome residiu não apenas a sobrevivência física e a protelação

dos processos inquisitoriais. Também o reiniciar da vida ou manutenção da vivência

anterior, com as mesmas relações pessoais e comerciais, diminuído o risco de prisão ou de

deixar sócios, parentes, amigos e clientes na posição desconfortável de serem chamados a

depor, fora possível com o câmbio do nome.

Pode-se também especular alguns outros motivos para a abdicação de um nome

e/ou sobrenome pré-existente e adoção de novos. A matriz da sociedade que se estabelecia

no Continente era calcada na organização social lusa. Era, portanto, calcada na

hierarquização social e nas diferenças entre os homens – tanto pelo estatuto de livres e

escravos e mais ainda pelas diferenças entre homens livres (Godinho,1975: 72). Os

atributos angariados em uma vida ou por várias existências em uma família qualificavam

homens, distinguindo-os. Todavia, a impureza de sangue, o defeito mecânico, a origem

campônia, eram fardos pesados para uma existência.


128

As crianças nasciam iguais ante os olhos de Deus, espíritos puros, cujo nome dado

por seus padrinhos — responsáveis pela sua renúncia ao demônio — seria aquele pelo qual

seriam chamados à presença do Senhor no Dia de Juízo. Mas as crianças não nasciam

iguais perante os homens. Mesmo antes de seu nascimento seus pais e seus avós haviam

planejado alianças, geralmente obtidas através de matrimônios. Haviam também planejado

suas carreiras — cuidar da propriedade familiar, ingressar nos exércitos, no clero, cursar a

Universidade de Coimbra, partir para as conquistas, migrar para terras estranhas. Eram

direcionados a fazer suas vidas, não como folhas secas lançadas ao vento, mas dentro do

leque das possibilidades que se abriam para si e para os seus, delineados pelas suas origens

familiares. Os passos de todos os membros eram planejados para que a família se

engrandecesse — social, política e financeiramente (Monteiro, 2001), ainda que, na

prática, nem sempre as coisas ocorressem dessa maneira.

Para os conquistadores e primeiros povoadores do Continente do Rio Grande de

São Pedro é possível observar alguns casos de alianças formadas com as populações

autóctones, visíveis principalmente através dos enlaces matrimoniais ou de uniões não

formais com moças indígenas, possivelmente filhas de maiorais das tribos da região ou de

aldeamentos próximos. Foi assim com Francisco de Brito Peixoto, fundador da Vila da

Laguna, descendente das primeiras estirpes paulistas e antigo morador da Vila de Santos.

Francisco de Brito Peixoto furtou-se ao casamento, mas não se furtou a tomar

mulheres ditas carijós, procriando em quantidade. Seus filhos, portadores dos sobrenomes

luso-brasileiros, tinham, no mínimo, metade de sangue indígena (Rheingantz, 1979; Silva

Leme, 2002). Tudo leva a crer que, para viver em terra de índios, o parentesco com os

povos da terra tenha sido uma estratégia importante para a sobrevivência e crescimento das

famílias. Em vez de combater, arriscando a vida e a sorte nestes embates, o parentesco com
129

os indígenas propiciaria uma coexistência relativamente pacífica e por vezes acesso a terras

e mão-de-obra inatingíveis para quem tentasse outra via.

Esse viés, a garantia do estabelecimento das famílias através das uniões inter-

étnicas luso-indígenas repetiu-se algumas gerações adiante na família de Brito Peixoto, na

figura de Rafael Pinto Bandeira, natural do Continente e bisneto de Francisco de Brito

Peixoto. A primeira união com relativa estabilidade de Rafael não se fez com mulher de

seu grupo social — os primeiros povoadores da região — e sim com Bárbara Vitória, filha

de um maioral dos indígenas da etnia minuano, este também mestiço com sangue espanhol.

O chamado Dom Miguel Caraí, com posição de chefe em um grupo dos minuanos, tinha

reconhecida a sua liderança sobre este entre os outros maiorais (Saldanha, 1938: 234-235,

Porto, 1943: 43, Silva, 1999 e Gil, 2002). Trabalhara vários anos como peão ou capataz

para Francisco Pinto Bandeira, neto de Brito Peixoto e pai de Rafael (Saldanha, 1938: 234-

235).

Provavelmente foi Dom Miguel o elo capaz de manter esta família em larga paz

com os minuanos. Essa “amizade”, ou aliança, consumou-se na união dos filhos de ambos,

que, segundo alguns autores, foi “formalizada” através de ritual minuano, mas não do

católico. Resultado de tal casamento pagão, por assim dizer, foi o nascimento de Bibiana

Bandeira, portadora do sobrenome do pai e da infelicidade de ceifar a vida da mãe ao vir à

luz. Essa aliança não se desfez com a morte de Bárbara Vitória, pois anos após seu

passamento Dom Miguel ainda era um dos principais homens da rede de contrabando de

gados e couros montada por Rafael Pinto Bandeira (Gil, 2003).

Não se sabe por quem Bibiana foi criada, mas ela recebeu o nome da família

Bandeira, e seu marido, o alferes de milícias Antônio Rodrigues Nicola, recebeu de Rafael,

como presente, 400 cabeças de gado vacum — não podendo ser chamado de dote, pois é

bem possível que não tenha sido subtraído dos bens de Rafael e sim da Fazenda Real
130

quando Rafael exercia o governo interino do Continente (AN. SEB (86), Cód. 104 v. 6

fls.329-344).

Após essa união, Rafael tornou a casar mais duas vezes, a primeira com uma índia

guarani, originária de um dos povos das Missões Jesuíticas, que faleceu sem lhe dar filhos,

e posteriormente com Josefa Eulália de Azevedo, a mais lusa de suas mulheres. De Josefa

Eulália vieram suas duas filhas e herdeiras legítimas (Silva: – inventário posto em anexo,

1999).

A proximidade, parentesco e procriação com indígenas em nada macularam a

trajetória de Rafael Pinto Bandeira. Pelo contrário, ele sempre foi designado para altas

patentes e cargos, como já dito, chegando a ser governador do Continente, ainda que de

forma interina, por pelo menos duas vezes. Além disso, sua fortuna, no momento de sua

morte, parece ter sido a maior de todo o Continente, denotando que seus negócios e suas

investidas aos campos em busca de gados e couros ou do escuso comércio com castelhanos

e índios (Silva, 1999; Gil, 2001) provavelmente tenham sido facilitados pelo parentesco

com as populações nativas. No caso de Rafael Pinto Bandeira, muito mais por ter

conseguido unir-se, em ocasiões distintas, às duas etnias mais importantes da região e que

eram freqüentemente inimigas entre si.

As famílias do Continente moldavam-se fora dos padrões de pureza de sangue

desejáveis e possíveis na península, através de acordos entre boas famílias em atenção às

necessidades conjunturais neste limiar povoamento do sul da América portuguesa. Os

nomes construíam-se neste contexto. José Pinto Bandeira, o primeiro deste ramo, era

migrante luso e pobre, ascendendo pelo casamento com uma das filhas de Francisco de

Brito Peixoto. Era analfabeto. Todavia, era vereador na Vila da Laguna (Abaixo-assinado.

In: Monteiro, 1937 v. 2: p. 179-180), talvez muito pelo prestígio do sogro. Seus filhos e

netos galgaram posições bem mais altas, sempre portando o sobrenome Pinto Bandeira.
131

Lícito pensar que os nomes também podiam ser moldados, modificados, adquiridos

ou descartados de acordo com as ocasiões e as urgências. Exemplo de uma troca de nome

que propiciou a continuidade de uma existência digna e aumentada em honrarias e serviços

à Sua Majestade é José Marcelino de Figueiredo — como era conhecido no Continente que

chegou a governar — ou Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, fidalgo da Casa de Sua

Majestade e condenado por um crime em Portugal:

“Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, como vimos anteriormente, não


tinha a “ficha limpa” em sua carreira militar na metrópole. Após matar
um oficial inglês, em nome da honra ao Rei, fora julgado e condenado à
morte por um Conselho de Guerra. Com a ajuda de Pombal, Sepúlveda
transfere-se para a colônia em 1765, ainda como coronel, mas
escondendo sua “perigosa identidade” no codinome de José Marcelino.
Em 1767 é transferido do Rio de Janeiro para a fronteira do Rio Grande,
na qual iria participar da primeira tentativa de reconquista da vila do Rio
Grande. O insucesso na referida ação tem como corolário a substituição
em 23.04.1769 do então Governador José Custódio de Sá e Faria pelo
Coronel José Marcelino”. (Silva, 2000: p. 80)

A possibilidade de uma nova vida distante de quem o condenara por um crime de

honra estava, então, associada à mudança de identidade. Mais do que isso, à geração de

uma nova identidade. Não podendo ser reconhecido como Manuel Jorge Gomes de

Sepúlveda, o fidalgo que assassinara um nobre oficial inglês detrator da Coroa portuguesa,

passara à América. Talvez por não poder reclamar ou por ser mais difícil de ser

reconhecido, fora conduzido para o distante Continente do Rio Grande de São Pedro.

Passou para a longínqua fronteira sulina, tão necessitada de homens capazes de agir na sua

defesa. Ainda que acobertado pelo Marquês de Pombal em sua evasão da península, da

troca de nomes surgiu-lhe a possibilidade de uma nova vida, repleta de serviços à Sua

Majestade e, a posteriori, devidamente reconhecida. Passando novamente a Portugal,

morreu com honra, pois não retornou à Colônia. Ficou em Portugal para a defesa contra as

hostes de Napoleão. Note-se bem: tudo isto — a troca de nome, inclusive — com o aval do

grande ministro Pombal. De alto a baixo, a sociedade admitia o recurso do câmbio de


132

nomes como estratégia de vida e sobrevida. Sepúlveda/Figueiredo reconquistou, com sua

trajetória, o direito de uso de seu nome primeiro, aquele que fora maculado.

É bem verdade que essa mácula era bastante leve, porque não dizer,

“hidrossolúvel”: dissipara-se no ato de cruzar duas vezes o oceano. Leve porque o

assassinato cometido contra um nobre inglês fora para preservar a honra de El-Rei, seu

amo e senhor. Não sendo possível o perdão, valeu-lhe o novo nome de substituto, até que o

velho, novamente honrado, pudesse ser reassumido. Mas, sem esta mudança de identidade,

talvez a pena de morte, à qual fora condenado, fosse levada a cabo.

Ao construir uma “nova sociedade”, havia sempre uma possibilidade dos homens

recém-chegados fazerem-se “homens novos”. A experiência, como formulado e utilizado

por Thompson (1987), e o aprendizado obtido na conquista e povoamento desta e de outras

terras pelos súditos de Sua Majestade, lhes abria uma pequena margem para a mudança. O

nome e a pessoa podiam mudar, honrar-se, engrandecer-se, definhar ou macular-se. As

características agregadas ao nome podiam ser ocultas ou relembradas nos momentos

especiais.

IX. O nome, a mobilidade social e a


sociedade de Antigo Regime

As genealogias e as memórias de descender de heróis na defesa dos interesses de

Sua Majestade eram constantemente rememorados. No ato de solicitar uma mercê, uma

patente, um cargo, os nomes e os feitos dos ancestrais eram aludidos, lembrando às

autoridades e ao rei quão justa e justificada era a solicitação e quão merecedor e distinto

era o suplicante. As mercês régias eram recebidas como distinções, ou seja, como

diferenciadores entre os homens. Tudo concorria, portanto, para que os nomes agissem

como qualificadores dos sujeitos — nestes casos, muito mais sujeitos coletivos, membros

de grupos, clãs ou famílias, do que sujeitos individuais.


133

Em situação oposta, algum pretendente a estas mercês que tivesse no passado —

seu ou familiar — origens escusas ou poucas qualidades, poderia não ser atendido em sua

súplica. Ainda que mais freqüentes fossem aqueles agraciados por mercês devido à

comprovação de sua competência e serviços prestados a El-Rei, não raros são os casos que

entre vários pretendentes a um mesmo posto, os eleitos tenham sido aqueles com

reconhecidas qualidades, em detrimento daqueles que iniciavam sua trajetória no serviço

da Coroa ou que possuíam origem inferior.

No ano de 1750, Henrique Cesar de Berenguer e Bitencourt, natural da Ilha da

Madeira, fez um requerimento ao Rei, através do Conselho Ultramarino. Seu caso será

mais detidamente analisado no terceiro capítulo, mas de momento cabe dizer que solicitava

que dessem terras às suas três filhas e a ele a patente de Capitão da Ordenança. Usando do

nome de sua família de reconhecida trajetória no bom serviço de Sua Majestade e

conhecida de um dos conselheiros do Conselho Ultramarino, obteve mercês de vulto. Ou

seja, um nobre falido da Ilha da Madeira, ao qual não restavam outros bens que não o

nome familiar, passou à Colônia com vantagens diferenciadas das dos outros colonos, em

geral agricultores ou artesãos em situação de pobreza pior que a de um filho segundo de

uma família de nobres. Fora privilegiado na concessão das mercês em terras e da patente

solicitada em função do bem familiar que portava, construído por gerações anteriores de

sua estirpe no constante serviço de Sua Majestade.

Porém, a contrapartida existia. Pessoas de modesta situação ou isenta de grande

prestígio, como campônios, oficiais mecânicos, soldados de baixa patente, muitas vezes

coagidos ao alistamento nas tropas, podiam ser preteridos em suas pretensões. A vida

pregressa, pessoal ou familiar, consubstanciada em um nome, poderia significar uma

alavanca ou um entrave para galgar novas posições.


134

O contexto da conquista dos novos territórios permitia, tanto pela migração para um

território semi-virgem, como também através da troca de nomes nessas novas povoações, o

distanciar-se das origens escusas e humildes. Um camponês, um homem pobre, um ilhéu

famélico, através da troca de nomes poderia angariar terras, riquezas, prestígio, bom

casamento, boas relações, patentes militares, mercês diversas. Mesmo que obtivesse apenas

um pouco disso tudo, muito pouco, talvez. Mas com o novo nome, com uma ficha “limpa”

de máculas anteriores, desvinculada das origens humildes, judaicas, cristãs-novas, do

trabalho mecânico ou de atos criminosos, uma nova vida se abria.

Provavelmente, na maioria dos casos, o que houve foi a possibilidade de passar de

“ninguém” a “alguém”. Um homem, de nome Ventura, “do gentio da Guiné”, que vivia na

casa do Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho, foi batizado no povoado de São Pedro

do Rio Grande. André Ribeiro Coutinho a esse tempo governava a Fortaleza e o próprio

Continente do Rio Grande de São Pedro. Os padrinhos de Ventura eram escravos, mas

nada no registro de batismo de Ventura diz que ele também o era, apesar da observação do

pároco sobre dizerem “ser fugido das Minas” (ADPRG – 1LBat-RG, batismo de Ventura,

nat. do gentio da Guiné - 16/07/1739). Essa cerimônia possibilitou-lhe uma nova vida, com

a liberdade, ainda que passível de questionamento, surgindo em seu horizonte, dando-lhe

um nome cristão com o qual distanciava-se do provável cativeiro nas regiões mineradoras.

Deixar de ser um “zé ninguém” para possuir um novo nome e uma nova vida para

construir era o que estava ao alcance da maioria dos moradores do Continente. Isso pode

parecer pouco. Mas lembrando que se está ante uma sociedade de Antigo Regime, de

características estamentais, onde a posição dada ao nascimento, devido às origens

familiares, condicionava a posição de um homem ao longo de sua vida, isso é muito. Nessa

sociedade, ao menos aparentemente, tudo tenderia à mantença da ordem e hierarquia

social, na qual as posições sociais cristalizadas deveriam ser rígidas, imutáveis.


135

A pequena brecha aberta na conquista de novos territórios, vinculada às várias

possibilidades de angariar um nome, construí-lo, mudá-lo, descartá-lo, no entanto, existia

aberta às mudanças. As experiências dos conquistadores e povoadores lhes forneciam

elementos para agregar novos atributos a um velho nome ou forjar uma existência nova sob

novo nome. O falido Berenguer agregou à sua família de primeiros povoadores da Ilha da

Madeira também o atributo de primeiros povoadores de Santa Catarina. Também lhes era

possível legar essas experiências, vivências e atributos aos seus. Berenguer obteve mercês

através do nome consolidado de seus ancestrais. Ventura aproximou-se da liberdade

juntamente com o registro de seu novo nome e da sua associação ao nome do comandante

do território, André Ribeiro Coutinho. Os nomes e sobrenomes agregavam, então, os

atributos de seus portadores e, de modo inverso, atribuíam certas qualidades aos seus

portadores.

Essa mobilidade dentro da hierarquia social podia funcionar de maneira ascendente,

como no caso de um escravo/ninguém passar a ser um livre/alguém; um camponês-

servo/ninguém migrado que podia transformar-se em um soldado, um pequeno funcionário

ou pequeno proprietário. Havia a possibilidade de tornar-se alguém no estabelecimento das

novas povoações. A mobilidade, possibilitada, então, pelos atributos agregados aos nomes,

agia mantendo o status e a vida de quem já era alguém, como no caso de um fidalgo

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda. Condenado à morte, tornado José Marcelino de

Figueiredo, veio a ser coronel e governador do Continente do Rio Grande de São Pedro.

Podia destruir o que fora construído ao longo de uma ou mais gerações, como no caso de

João de Magalhães, conquistador dos territórios, e o João de Magalhães, cuja desvairada

mulher quase pôs a perder a estabilidade social. Mudanças de nomes e das vidas, são,

também, mudanças nas posições ocupadas na escala social em uma sociedade em que, ao

menos em teoria, a hierarquia não permitia tais modificações.


136

Percebe-se, então, por mínima que seja, que uma possibilidade de romper com a

condicionante da posição social ao nascimento estava dada. Ao mesmo tempo, essa

possibilidade foi usada com o intuito de estabelecer no novo local que se povoava uma

hierarquia tão rígida e uma sociedade tão excludente quanto aquelas que foram deixadas

para trás no momento das migrações individuais ou coletivas.

O “clube” dos conquistadores dos novos territórios — a bem da verdade poderia ser

dito um belo “bando” formado por muitos “ninguéns” em suas origens, salvo raríssimas

exceções — através da construção dos novos nomes “tradicionais” em uma terra ainda sem

tradições, aglutinava senhores de terras, índios, escravos, patentes militares, cargos de

administração, legislação e justiça. Esses homens, formando uma elite local, foram zelosos

de suas posições construídas. Concentraram em si e nos seus a riqueza e o prestígio. Foram

seletivos na admissão de novos membros. Foram impiedosos ao excluir velhos membros

que ameaçassem essa ordem e “tradição”.

Apesar de parecer contraditório — um espaço de mobilidade atuando na

permanência das velhas estruturas sociais —, foi assim que se deu. Há, portanto, que

considerar-se o componente “mobilidade social” como elemento dessa sociedade que tende

ao imutável. Um componente estranho, pois apontando para a mudança e ascensão da

posição social de homens, famílias ou grupos de famílias — o que aparentemente daria um

caráter “implosivo” para esta sociedade — acabava por reforçar o caráter de rígida

hierarquia, caracterizada pela permanência e imutabilidade, pela clivagem entre os setores

que a compunham, pela exclusão da imensa maioria da população da riqueza e do poder.

A contradição, entretanto, começa a dissipar-se quando se tem a compreensão de

que o que está sendo mantido não é a posição de uma ou outra família dentro da hierarquia

social, e sim a própria hierarquia social. Essas elites que se formaram nos povoados

sulinos, chamando para si os adjetivos e engrandecimentos obtidos nos serviços da


137

conquista dos territórios e no romper dos limites entre os dois impérios ibéricos na

América, construíam a sociedade dentro dos moldes de organização que conheciam. Ainda

que o ingresso no que poderia ser chamado de elite local fosse de famílias ou de alguns de

seus membros mais destacados, o que esta elite tratava de forjar e manter era o nicho do

topo da hierarquia social.

Ascender ou decair dessa posição dependia de atitudes de grupos e famílias, tendo

de comprovar ante seus pares as suas qualidades, bens e posses, forjar alianças e

estabelecer acordos, nem tanto firmados, mas tácitos. Esses grupos e famílias podiam ser

postos em questão. Ascender ao grupo que detinha bens e poder político ou decair na

escala social era possível. Mas a existência do hierarquia social não estava questionada.

Entende-se aqui “elite” não como um grupo, mas como um locus social, preenchido por

pessoas com qualidades reconhecidas pela sociedade como um todo. A mobilidade social,

portanto, não ameaçava a existência desse patamar social. Podia ameaçar alguns homens,

algumas famílias, alguns grupos de famílias, mas não o nicho que estes homens, famílias

ou bandos ocupavam na pirâmide social.

Abreviações usadas nesse capítulo:

ABN – Anais da Biblioteca Nacional


AAHRS – Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ACMRJ – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
ADPRG – Arquivo da Diocese de Rio Grande
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
AN – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil
LBat – Livro de Batismos
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
RG – Rio Grande
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
SEB – Secretaria de Estado do Brasil
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Referências usadas nesse capítulo:

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Capítulo 3

A construção de uma “identidade açoriana” na colonização do


Sul do Brasil ao século XVIII

I. Introdução ao tema

O intuito desse capítulo é colocar em pauta a discussão acerca da formação de

uma “identidade açoriana” durante o processo de ocupação e colonização do então

Continente do Rio Grande de São Pedro. Não sendo o objeto central da pesquisa que ora se

desenvolve, esse tema tem-se imposto ao longo da investigação, demandando sua

problematização e estudo. Assim, o tema é colocado aqui muito mais como uma tentativa

de chamar a atenção para essa questão e propor o seu debate, do que como apresentação de

conclusões finais acerca do assunto.

O capítulo tem o foco para além da Vila do Rio Grande e avança até o período

posterior à devolução da Vila aos portugueses (1776), após sua tomada pelas tropas

espanholas em 1763. Para destacar o processo de formação de identidade, foi necessário

acompanhar certas trajetórias familiares. Isso fez com que os recortes, tanto o geográfico

quanto o cronológico, fossem constantemente extrapolados, para que não se perdesse a

riqueza de detalhes dessas trajetórias que dão sustento às hipóteses que aqui serão

levantadas.

Cabe aqui afirmar, antes de mais nada, que essa “identidade” nada ou muito
143

pouco tem a ver com a “identidade açoriana” que atualmente e, cada vez mais, se afirma

nos estados sulinos entre os descendentes de ilhéus, moradores de localidades por eles

fundadas ou povoadas durante o período colonial. Pela exigüidade do espaço, fica esta

discussão — a “identidade açoriana” contemporânea — para uma próxima ocasião.

Na visão corrente, essa “identidade açoriana” é, em muito, associada ao local de

origem dos migrantes. Todavia, no desenvolvimento da pesquisa percebeu-se que, no

século XVIII, nem todo nativo das Ilhas que habitou o Rio Grande compartilhava do

pertencimento ao grupo. Alguns não eram vistos nem se viam como “gentes das Ilhas” ou

“Casais de Sua Majestade”. Pretende-se, assim, demonstrar que a “identidade açoriana” no

século XVIII foi historicamente construída no Continente do Rio Grande de São Pedro.

Valem algumas premissas dessa análise também para o caso de Santa Catarina, já que

ambos faziam parte de um mesmo processo migratório, regido pelas diretrizes da Coroa

lusa, intensificado no Período Pombalino.

Não se fará aqui uma vasta discussão acerca do tema “açorianos” na

historiografia. Somente isso já ocuparia um sem-fim de páginas. O que se pretende

destacar aqui é um aspecto comum que perpassa todas as obras das quais se procedeu à

leitura, das mais antigas às mais recentes: o fato de “ser açoriano”, nos escritos aos quais se

teve acesso, aparece como coisa dada e não como uma construção que ocorreu ao longo do

processo de conquista e povoamento dos territórios meridionais.

Podem ser citadas aqui, a título de exemplo, algumas obras produzidas na

historiografia tanto tradicional quanto acadêmica. Os Casais Açorianos, de João Borges

Fortes (1999) e A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul, de Henrique Oscar

Wiedersphan (1979), são obras da historiografia tradicional que têm os açorianos como

objeto e que são permeadas por esta visão: os açorianos como um grupo coeso e

homogêneo, dada a sua origem comum. Publicada mais recentemente, há a coletânea de


144

artigos intitulada Açorianos no Brasil, organizada por Véra Lúcia Maciel Barroso (2002),

que reúne textos de produção acadêmica e não-acadêmica. Mais da metade dos artigos nela

contidos versa sobre os açorianos no sul do Brasil e, também, na totalidade destes, os

imigrantes são vistos do mesmo modo: um grupo já construído como tal desde antes de sua

chegada ao Continente, haja vista todos terem a origem comum insulana.

Na historiografia acadêmica, pode ser citada a obra A Vila do Rio Grande de São

Pedro, de Maria Luiza Bertuline Queiroz (1987). Ainda que não seja os açorianos o tema

central desse trabalho, o impacto demográfico causado pela chegada do grande contingente

de migrantes ilhéus à Vila de Rio Grande se coloca como tema em cinco sub-capítulos. Os

açorianos, nessa obra, talvez pelo destaque dado aos aspectos demográficos que a

permeiam, também são analisados como uma unidade, um grupo coeso, sem grandes

distinções internas e com a origem geográfica a conferir-lhe o traço comum e suficiente

para a identidade de seus componentes.

Como último exemplo, a tese de doutoramento recentemente defendida, intitulada

Sonhos, Desilusões e Formas Provisórias de Existência: os açorianos no Rio Grande de

São Pedro, de Cleusa Maria Gomes Graebin (2004). A autora, nesse trabalho, se propõe à

análise das estratégias de sobrevivência dos açorianos no Rio Grande do Sul durante o

século XVIII. Propõe também o estudo da vida cotidiana desse grupo. Preocupada com a

construção da imagem e das representações do açoriano na historiografia regional,

entretanto, a autora não concebe o fato da construção e consolidação de um grupo

identitário, com origem e interesses comuns, como sendo, também, uma estratégia e,

portanto, fruto de escolhas e de opções que se ofereciam ou que eram possíveis nessa

sociedade. Tampouco analisa a possibilidade de algumas famílias de origem insulana não

compartilharem o sentimento de pertencimento ao grupo. O trabalho de Graebin, que

também se utiliza das fontes paroquiais do Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de


145

Porto Alegre cedidas por Vanessa Gomes de Campos, colocadas em seus anexos, não

detecta, a partir dessas e outras fontes, as grandes diferenças sociais existentes entre os

migrantes insulanos. Essas diferenças já foram apontadas na monografia de Adriano

Comissoli (2002) sobre os Casais de Sua Majestade em Viamão. Boa parte dessas

diferenças, pensa-se aqui, pré-existiam nas localidades de origem.

Assim, mesmo nos trabalhos mais recentes sobre “os açorianos”, encontra-se

presente o tal traço comum: “ser açoriano” antecede à chegada ao Continente do Rio

Grande de São Pedro. É a origem no arquipélago que determina o pertencimento ao grupo,

que possui características homogêneas. “Ser açoriano” também é, nessas obras, uma

situação pré-determinada pelo local de nascimento, e não uma relação entre um certo grupo

de pessoas e aquilo que encontraram na nova localidade para onde se dirigiram. “Ser

açoriano” é, para todas as obras lidas, uma situação atemporal e imutável, não aparecendo

como processo dinâmico ocorrido em tempo e local específicos, ou seja, não é considerado

um processo histórico.

Pretende-se indicar, ao longo desse escrito, que não basta uma origem geográfica

comum para dar as características necessárias para a inclusão nesse grupo. Assim como

muitos dos migrantes dos Açores eram parte dos casais ou eram ditos das ilhas, alguns não

eram vistos assim e nem assim apercebiam-se. Ao contrário, pretende-se mostrar que uma

identidade como essa somente é construída em algumas ocasiões, fruto das condicionantes

e das escolhas possíveis em um determinado local e um determinado momento histórico. A

construção dessa identidade foi, afirma-se aqui, antes de mais nada, uma opção dos nativos

das Ilhas. Não era compartilhada de maneira homogênea por todos que de lá vieram.

Tampouco foi opção adotada pelos ilhéus em todas as localidades para as quais migraram.

Mais do que isso, era um grupo, de alguma forma, “permeável”, que permitia, através do

casamento ou de outras formas de aproximação, que outros elementos ingressassem em


146

suas fileiras, passando a gozar de prerrogativas pertinentes ao conjunto. Ou ao contrário,

que determinadas pessoas ou famílias se distanciassem do grupo ao qual originalmente

eram ligadas.

Em nenhum dos documentos utilizados nessa pesquisa, tais migrantes eram ditos

ou se diziam “açorianos”. Antes, as desinências mais comuns para tais homens e suas

famílias eram as de gente das Ilhas, dos Casais de Sua Majestade, dos Casais de Número

ou simplesmente dos Casais. Isso leva a crer que mesmo a idéia de o Arquipélago dos

Açores ser uma unidade geográfica suficiente para conferir traço comum aos seus naturais

é posterior à chegada e ao estabelecimento dos “açorianos” no Continente do Rio Grande

de São Pedro. Muitas vezes, a ilha de origem se sobrepõe, em importância, ao próprio

arquipélago. O termo “açoriano”, portanto, soa anacrônico para a realidade estudada. A

origem de seu emprego também pode ser investigada por historiadores, que muito

provavelmente encontrarão o seu enraizamento na historiografia nacionalista das primeiras

décadas do século XX.

O termo “açoriano” será empregado doravante, no máximo, como indicação de

origem geográfica e não mais como designação de um grupo. Essa ressalva é significativa,

pois a auto-desinência e a desinência por outros é de fundamental importância para forjar e

manter a identidade de um grupo quando em contato com outros grupos (Barth, 2000b: pp.

25-67). Nesse pressuposto se baseia o presente texto.

Sobre outros aspectos, a discussão assumirá forma pontual ao longo do texto, na

medida em que algumas questões colocadas a tornem necessária.

Também é necessário alertar que, para um melhor entendimento das questões aqui

levantadas, será esboçada uma comparação com o caso dos imigrantes ilhéus trasladados

para o Estado do Grão-Pará e Maranhão ao mesmo período em que eram enviados

açorianos para o Continente do Rio Grande de São Pedro. Tal comparação não será feita
147

através de pesquisa em manuscritos, e sim tendo o trabalho da professora Rosa Elisabeth

Acevedo Marin, da Universidade Federal do Pará, complementado com algumas fontes

impressas sobre o Período Pombalino no Pará como mediadores (Cortesão, 1951;

Mendonça, 1963; Mendonça, 1989; Acevedo Marin, 2002).

A discussão será apresentada em cinco partes. Na primeira será feita uma

digressão para situar o contexto em que se deu o início do povoamento da Vila do Rio

Grande. Após, uma exposição das situações de emigração nas Ilhas, bem como a reiterada

vinda de migrantes dos Açores para a América portuguesa. Na terceira parte, através do

bem documentado exemplo de um fidalgo madeirense que engajou a si e a sua família em

uma das levas migratórias saídas do arquipélago dos Açores, discorre-se um pouco sobre

situação dos filhos segundos das boas famílias de ilhéus e sobre a diferenciação de estatuto

social entre os próprios migrantes. A quarta parte apresenta, através da parca

documentação encontrada a esse respeito, a percepção dessa diferenciação social nas

famílias que saíram dos Açores e chegaram ao Continente do Rio Grande de São Pedro. Na

quinta e última parte, através de uma breve comparação com o caso dos migrantes dos

Açores enviados para o Estado do Pará e Maranhão, estudado por Acevedo Marin,

discutem-se os motivos que levaram “os casais de Sua Majestade”, no sul do Estado do

Brasil, a construírem uma identidade de Ilhéus ou a não necessitarem dela para a sua

sobrevivência.

II. O Início da Povoação da Vila do Rio


Grande e a posse dos territórios de Sua
Majestade

“Para dar calor à nova povoação” que se estabelecia à margem da Barra da Lagoa

dos Patos, à sombra protetora da fortificação de Jesus-Maria-José, erigida sob o comando

de José da Silva Paes, tratou-se de trasladar populações civis — fossem elas lusas, luso-
148

brasileiras ou indígenas. Especial atenção era dada para que fossem remanejadas as

mulheres desimpedidas, sozinhas ou acompanhadas de suas famílias. Grande incentivador

do crescimento populacional nas regiões meridionais, o Brigadeiro Silva Pais preocupava-

se com as deserções dos soldados. Boa parte deles já havia participado das batalhas em

defesa da Colônia do Sacramento. Preocupava-se com a fuga dos mais jovens. Ansiava

que, com a presença de mulheres, os casamentos passassem a ocorrer amiúde, gerando

laços familiais que, em sua concepção, dariam menos azo às fugas (Fortes, 1980: p. 113).

Primeiramente, Silva Pais, governador do Rio de Janeiro e comandante militar do

Rio Grande, tratou de remanejar aquelas que ficaram conhecidas na historiografia como as

mozuelas. Eram mulheres da “difícil vida fácil” que foram conduzidas desde o Rio de

Janeiro para o Continente do Rio Grande de São Pedro. Solicitou-as também à Bahia,

conforme carta de Silva Pais ao Vice-rei:

Mulheres desimpedidas que lá [Rio Grande] podem casar e que


aqui [Rio de Janeiro] eram nocivas, e se Vossa. Excelência dessa cidade
[Salvador] manda também algumas (suponho não faltarão) serão úteis,
pois servem de raízes que prendem a gente moça que ali existe (...) (apud
Fortes, 1980: p. 113)

Não se sabe se da Bahia também vieram as “recrutas”, mas existem registros de

batismos nessas primeiras décadas da localidade de Rio Grande de São Pedro de mulheres

da Bahia sendo madrinhas de algumas crianças ou tendo filhos naturais ou legítimos com

homens de procedências diversas (p. ex. batismo de João, 03/06/1747 e batismo de

Mariana, 19/07/1750. ADPRG - 1LBatRG). Esses dão margem para que se pense que o

Vice-rei também tenha enviado as tais “mulheres nocivas”.

Num tom panegírico à terra, Silva Paes, em outra missiva, falava do êxito de seu

“exército feminino” ao Prior de Chaves:

(...) podendo segurar que é o melhor clima que tem na América,


pois ainda ali se não experimentou, nem houve sezões, nem febres
malignas, e Mulheres que eu tinha mandado do Rio, as mais corridas, e
149

Galicadas sem cura melhoraram, e pariram quase todas.(Extrato das


notícias que em uma Carta escreveu José da Silva Pais ao Prior de
Chaves In: Cesar, 1969: p. 128)

Após sua saída do comando da fortificação e da governança militar do presídio e

do Continente, foi nomeado seu sucessor. Um guerreiro experimentado em três continentes

passou a responder pela Comandância Militar do Rio Grande de São Pedro (Junta: termo

sobre a expedição. In: Mendonça, 1989 p.171). O Mestre-de-Campo André Ribeiro

Coutinho também se preocupou em acolher gente disposta a “dar calor à povoação”.

Durante seu serviço na Comandância, foram chegando povoadores, além dos soldados, dos

peões, dos condutores de tropas e das mozuelas. Foram remanejados outros contingentes

populacionais, desde casais de outras áreas da Colônia até os ditos “índios de Sua

Majestade”, muitos dos quais vindos de São Paulo, para o bom serviço de El-Rei.

(Coutinho, 2002).

Entre outros motivos para promover o povoamento, há o de que, já em meados da

década de 1730, os tratados de fronteira com Espanha, baseados no Tratado de Tordesilhas

e na tese dos limites naturais, estavam com seus dias contados. As terras do Continente do

Rio Grande de São Pedro ficavam todas para além dos territórios portugueses assinalados

pelo Tratado de Tordesilhas. Foram, durante todo o século XVIII, motivo de disputa entre

as duas Coroas ibéricas. Se por um lado os avanços em direção ao sul e ao oeste, buscando

os tais limites naturais, davam sinais de falência nas tratativas diplomáticas, por outro os

tais avanços, na prática, prosseguiam com muita força. Já se esboçava, desde a década de

1730, elementos para fazer valer a tese do utis possidetis. Ou seja, em algum momento

futuro das negociações, cada uma das duas nações européias ficaria com o exato território

que estivesse sob seus pés (Prado, 2002: pp. 57-58).

Até a década de 1740, a “caça aos gados”, com finalidade de extração de couros,

era responsável pela maior parte da produção comercializável e das receitas que
150

ingressavam no extremo-sul do Estado do Brasil (Porto, 1943 pp. 354-355). Mas ao que

tudo indica, essa atividade dava mostras de declínio, devido à extinção dos animais

(Coutinho, 2002; Hameister, 2002 pp. 186-198). A conduta de tropas de eqüinos, bovinos e

muares, enviadas para São Paulo e Minas Gerais, era a nova possibilidade de obter

dinheiro e mercadorias para comércio ao retornar da viagem (Hameister, 2002: pp. 186-

193). Todavia, os habitantes da localidade sulina deveriam dedicar-se também à

agricultura. Deveriam prover seus próprios alimentos.

A missão de tomar conhecimento dos territórios interioranos e desenhar seus

mapas, delegada aos padres geógrafos Domingos Capaci e Diogo Soares, tentava, para a

Coroa de Portugal, dar conta dos mais longínquos rincões por onde andavam seus súditos.

Sem nenhum exagero, os padres tomaram ciência, um tanto por suas viagens, outro tanto

por informações tomadas de homens experimentados nos inóspitos caminhos, desde o Rio

da Prata até Belém do Pará, dos caminhos litorâneos àquilo que ainda viria a ser chamado

de Região do Pantanal (Notícias Práticas, 2002). Antevendo uma guinada na diplomacia

das fronteiras, assinalavam qualquer agrupamento de choças onde habitassem os lusos ou

gente leal à Coroa Portuguesa. Portugal precisava ocupar efetivamente todo o território que

conseguisse, para argumentar posteriormente que a terra era sua, por direito de posse.

Distante dos outros povoados de posse lusa inconteste, a Colônia do Sacramento

era uma estrela sem constelação. Sua fragilidade aos ataques espanhóis, dado seu

isolamento, ficara evidente durante o cerco que estes promoveram e que durou de 1735 a

1737, quando foi quase perdida para os inimigos da outra margem do Rio da Prata

(Monteiro, 1937; Prado, 2002). Em 1737, portanto, ficou patente a necessidade de outros

povoados que servissem simultaneamente de apoio a Sacramento e de porta de entrada às

miríades de gados. Os gados estavam inacessíveis pelo norte de Sacramento desde que os

espanhóis ergueram o Campo de Bloqueio àquela praça. Também era desejável que o novo
151

povoado que margeava a Barra da Lagoa dos Patos servisse de pólo irradiador de

povoadores, que adentrassem mais e mais as terras do interior, com suas casas, lavouras e

benfeitorias, para quando as novas tratativas de limites chegassem a gerar um acordo. Isso

só ocorreria em 1750, quando foi assinado o Tratado de Madri.

Urgia, portanto, por esses diversos motivos, a povoação do extremo-sul. Era de

suma importância reverter a situação de seu litoral ermo e o interior, a esse tempo,

pontilhado pelas Missões dos Jesuítas espanhóis e suas estâncias e reduções repletas de

indígenas.

III. Os povoadores vindos das Ilhas


para a América

O início da chegada dos açorianos à Vila do Rio Grande, desde a década de 1750,

trouxe a esse povoado de fundação recente — menos de quinze anos se passaram desde

que o Forte fora erigido — um grande contingente de famílias migradas em conjunto. Não

mais as mozuelas de vida desregrada, “regeneráveis” na nova vida, na nova localidade.

Vieram famílias inteiras, migradas do Arquipélago dos Açores, em atenção às solicitações

de Gomes Freire de Andrade e de seu colaborador José da Silva Pais (Parecer do Conselho

Ultramarino e despacho, março e abril de 1744. In Cortesão 1951: pp. 440-441).

Ainda que trasladar casais das Ilhas para a porção sul dos territórios lusos na

América fosse uma novidade, não o era no processo de expansão do Império Português em

direção ao Novo Mundo. Datam de 1550 as primeiras solicitações de povoadores para a

Bahia (Carta de D. João III a Pedro Anes do Canto... In: Cortesão, 1951: pp. 395-397). Ou

seja, apenas cinqüenta anos tinham se passado desde o achado de Cabral. Por seu lado, as

Ilhas mal tinham completado cem anos desde que foram ocupadas por migrantes vindos do

norte de Portugal e da Madeira, além de um significativo grupo de estrangeiros: flamengos

em sua maioria e, em menor número, genoveses, ingleses e outros mais (Vieira, 1992: pp.
152

53-103).

O argumento da Coroa, usado para proceder tal transporte, passava primeiramente

pelos desastres naturais. Esses faziam das Ilhas dos Açores um local muito arriscado: os

vulcões do arquipélago lançavam constantemente pedras, fumaça, cinzas e lava de suas

entranhas. Deitavam fogo sobre a lavoura e a criação, expulsando as famílias de suas casas,

deixando como terra arrasada algumas vilas e povoados. Por outro lado, ao final da

travessia do Atlântico, havia terras de dimensões quase infinitas, onde o solo era bom.

Assim diziam as notícias: uma terra imensa em que “se plantando tudo dá”. Entretanto,

terra esta carente de povoadores, tanto agricultores como gente de ofício: carpinteiros,

ferreiros, pedreiros e outros mais, necessários para “construir” a sociedade e seus bens

materiais (In: Cortesão, 1951: p. 411). Afinal, na terra do pau-brasil tudo ainda estava por

fazer. Assim, a Coroa propunha o que aqui será chamado de duplo remédio: para as

populações de insulanos, a possibilidade de viverem de modo mais próspero, sem as

catástrofes que lhes destruíam casas e plantações; para as novas terras, gente que as

povoasse, que estendesse, que ampliasse, no além-mar, os domínios povoados de Sua

Majestade. Assim foi feito nesses primeiros momentos.

Já no século XVII, além da Bahia, tiveram vez Pernambuco, Grão-Pará e

Maranhão, Rio de Janeiro, sempre avançando, atingindo São Paulo e o interior da

Amazônia. Tem-se a impressão de que, sempre que as expedições militares ou chefiadas

por particulares adentravam um novo território, solicitavam, imediatamente após,

povoadores. As expedições entravam em contato com indígenas, promovendo seu

apresamento para servirem de mão-de-obra nas lavouras, colocavam-nas a “correr para os

matos”, contagiavam-nas com doenças ou, por vezes, dizimavam as aldeias daqueles a

quem não podiam submeter. Via de regra, os novos povoadores eram requeridos aos

Açores (In: Cortesão, 1951: pp. 395-493).


153

Porém, no século XVII não apenas as catástrofes naturais impunham fome e

necessidade nas Ilhas. Outros problemas surgiam no Arquipélago, causados pela presença

humana de um modo geral e pelo sistema agrário português de um modo mais específico.

Nos Açores, assim como em outras partes de Portugal, as grandes porções de

terras eram propriedades indivisíveis das famílias nobres. As formas de sucessão e a

indivisibilidade das terras existentes no direito consuetudinário, mais precisamente na Lei

Mental, foram especificadas nas Ordenações Filipinas, regulamentando e esclarecendo

dúvidas relativas às interpretações da lei não escrita (Almeida, 1870 Livro 2, Tit. 35-37:

pp. 454-463).

As terras das famílias nobres deveriam ser, segundo o sistema de herança que

regia a transmissão de propriedades de raiz da nobreza, repassadas apenas ao primogênito,

o único herdeiro delas, deixando para os demais filhos apenas a possibilidade de receber

bens móveis, se colocados em testamento. Por serem as terras doadas pelo Rei a alguns de

seus súditos, em reconhecimento aos bons serviços prestados por famílias em campanhas

militares, deveriam seguir na família, não podendo ser alienadas. Os filhos seguintes

podiam receber de herança algumas jóias, roupas e tecidos, algum dinheiro, caso a família

os tivesse. Mas, a menos que o primogênito viesse a falecer, o filho seguinte na linha

sucessória não receberia um grão de terra sequer (Almeida, 1870 Livro 2, Tit. 35: pp. 454-

462).

Além das grandes propriedades e morgados das boas famílias, havia no

Arquipélago muitas propriedades religiosas, também indivisíveis e inalienáveis. A maior

parte dos agricultores que não procediam dessas ricas famílias não possuíam terras. Eram,

em sua maioria, camponeses livres que lavravam as terras dos grandes senhores e das

ordens religiosas (Vieira, 1992: p. 71). A propriedade fundiária nos Açores, portanto, era

em sua maioria concentrada em poucas mãos, não podia ser dividida, tampouco vendida.
154

Em conjunção com os desastres naturais e com essa concentração das terras nas

mãos de poucos senhores e dos conventos e ordens religiosas, as terras dos Açores, ao que

tudo indica, não eram muito férteis. Foram exaustivamente exploradas nas lavouras de

cana-de-açúcar e pastel — uma erva tintória produzida nessas ilhas —, assim como o trigo

para a exportação (Vieira, 1992: pp. 136-173). As lavouras com fins de comercialização

exigiam muito das qualidades nutritivas do solo que, sem nenhum manejo — adubação,

reflorestamento ou outra prática que lhes repusessem os nutrientes — viu-se esgotado e

incapaz de prover o sustento daqueles que o lavravam (Vieira, 1992: p. 143 e ss.). Além

disso, em intervalos impossíveis de serem previstos, continuavam a acontecer as tais

erupções, terremotos e maremotos de vagas imensas, inviabilizando, vez por outra, as

safras.

Se no primeiro momento da migração para a Bahia eram as erupções vulcânicas e

os terremotos os motores da migração, no século XVIII há a explícita insuficiência na

produção de alimentos como motivo da emigração. Em um dos documentos que tratam do

traslado de açorianos para a Colônia do Sacramento, encontra-se o seguinte trecho:

Nos anos seguintes se poderão mandar mais casais, que se


poderão tirar das Ilhas, onde são tantos que os não pode sustentar o
pequeno terreno que habitam, e a conveniência que se pode tirar
daquelas terras fertilíssimas do Rio da Prata só há de ser pelo meio dos
moradores que fazendo assento nela hão de procurar utilidades que pode
dar. (Parecer do Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa ... In: 1951: p.
411 - grifo meu)

As Ilhas, portanto, sofriam o problema da superpopulação. Não quer dizer,

necessariamente, que possuíssem uma população numericamente exagerada em termos

absolutos. Mas o exagero existia na relação desse número de habitantes com os recursos e

a capacidade ou a disponibilidade das terras em produzir alimentos. O terreno das Ilhas

dedicado à produção de grãos e outros gêneros para o consumo local era insuficiente para

prover seus habitantes. Para a obtenção do alimento necessário, os proprietários das


155

grandes glebas que também detinham as porções de terras mais férteis teriam que cessar a

produção voltada para a comercialização fora das Ilhas. Isso encontrava boa oposição dos

grandes senhores que dessas lavouras obtinham sua riqueza. Os Açores eram, com bastante

freqüência, a esse tempo, importadores de alimentos. Não foram poucos os conflitos e

revoltas causados pela falta de abastecimento (Vieira, 1992: pp. 136-203). Eis, então, que

fazer migrar os camponeses e os artesãos aliviava essa situação de carência de

mantimentos oriunda da pressão demográfica existente no arquipélago.

Aqui se faz necessário registrar a discordância com Graebin, que afirma em sua

tese de doutoramento serem os desastres naturais o motivo maior da retirada de

contingentes populacionais de ilhéus em direção à América (Graebin, 2004: pp. 80-89). A

longeva e reiterada migração de insulanos — a bem da verdade, ela estendeu-se até o

século XIX — pensa-se aqui, tinha como impulsionador o mesmo motivo que levava as

gentes do norte de Portugal, lugares não afeitos a tantos cataclismos, a deixarem para trás

sua terra natal de forma constante e sistemática: o sistema de heranças e propriedade de

terras vigente em Portugal. Nas palavras de Jorge Miguel Pedreira é dito: “regimes

sucessórios não igualitários que privavam da posse de terra uma grande parte dos

descendentes, obrigando-os a abandonar a exploração agrícola” (Pedreira, 1995: p. 207).

Entretanto, a migração periódica dessa população necessitada resolvia apenas

parte da equação que tem o Atlântico como separador de seus dois membros. As famílias

eram conduzidas para a América, podiam viver com maior prosperidade, procriar e povoar

os territórios, aliviando a pressão demográfica nos Açores. Todavia, faltava também gente

experimentada em mando e administração nas novas colônias que se fundavam no além-

mar. Em contrapartida, as boas famílias das Ilhas tinham seus filhos segundos distanciados

da herança das terras. Também havia de ter solução esse problema.


156

IV. Os filhos segundos e os novos


povoados, através do exemplo de
uma família madeirense

A migração dos setores menos aquinhoados resolvia a questão de reduzir a

população nas Ilhas e aumentar o número de povoadores nos novos territórios americanos.

Mas isso não dava solução ao problema das melhores famílias do Arquipélago, qual seja: o

que fazer com os outros filhos das boas famílias que tinham nome, nobreza, prestígio,

distinção e o cofre vazio? Ao que tudo indica, facilitar a migração desses outros filhos que

não os primogênitos também foi prática corrente nesse século XVIII. Foi, inclusive,

subsidiada pela Coroa lusa. Muito provavelmente os chamados segundões não viessem a

obter títulos de nobreza nos novos territórios americanos. Poderiam, entretanto, angariar

terras e prestígio, aumentando as folhas de serviços próprias e de suas famílias, agindo no

interesse de Sua Majestade.

Tem-se o exemplo de Henrique Cesar de Berenguer e Bitencourt, migrado para a

Ilha de Santa Catarina nos anos que cercam 1750 (Requerimento de Henrique Cesar

Berenguer e Bitencourt, natural da Ilha da Madeira - 1750 e anexos. In: AN-BN vol. 50,

1936: pp. 83-85). Esse homem não era um açoriano, mas um madeirense, ou seja, não

pertencia às Ilhas contempladas com a ênfase migratória para o extremo sul da Colônia

dada no Edital de 1747 (Fortes, 1999: pp. 26-27).

Segundo Walter Piazza, o engajamento de 59 migrantes da Madeira nos intentos

de povoamento do extremo-sul do Estado do Brasil ocorreu por insistentes solicitações de

Berenguer e Bitencourt, iniciadas em 1746, a despeito de mais de dois mil alistados nos

Açores (Piazza, 1997: p. 125). Somente de sua família vieram quinze pessoas. Isso acabou

contribuindo para que o arquipélago da Madeira fosse incluído na área de emigração nessa

metade do século XVIII (Santos, 1999: pp. 110-113).

Berenguer e Bitencourt pediu ao Conselho Ultramarino especial atenção ao seu


157

caso e de seus familiares. Solicitou que fossem trasladados para a Ilha de Santa Catarina às

custas da Real Fazenda, como os demais migrantes, para dar contribuição para o

povoamento, com sua qualidade e com sua experiência em uma situação de mando: fora

Capitão da Sala do General na sua cidade natal, Funchal, capital do Arquipélago da

Madeira (Consulta do Conselho Ultramarino, anexa ao Requerimento de Henrique Cesar

Berenguer e Bitencourt... 1750. In: AN-BN vol. 50, 1936: p. 84). Sua trajetória, das Ilhas

Atlânticas ao sul do Estado do Brasil, dá as pistas para entender o drama que se passava

com as melhores famílias das Ilhas e como ele era resolvido. Tentava-se solução e, ao

mesmo tempo, alívio à pressão demográfica “específica” que pesava sobre os membros

dessas famílias nobres, e ao problema da falta de gente de mando nas terras por povoar.

Seria esse, também, uma espécie de duplo remédio à situação de “excedente populacional”

específica entre os fidalgos.

Berenguer e Bitencourt solicitou ao Conselho Ultramarino que lhe fosse permitido

embarcar junto com os nativos dos Açores que partiam para a Ilha de Santa Catarina.

Argumentava que Sua Majestade teria nele um bom e laborioso súdito. Contando a seu

favor, tinha a trajetória de seus ancestrais. Pedia, então:

(....) atenção ao serviço que tem feito, e seus antepassados e


qualidades de sua pessoa, na certeza de que não passará àquelas partes
outro de qualquer das Ilhas que o exceda em nobreza (...) para passar à
América a povoar aquelas terras incultas com a diferença na ajuda de
custo segundo o número de sua família e distinção de sua pessoa.
(Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt, natural da
Ilha da Madeira e um dos povoadores da Ilha de Santa Catarina - 1750.
In: AN-BN vol. 50, 1936: pp. 83-85).

O Executor do Conselho Ultramarino contribuiu com informações a respeito de


Berenguer e Bitencourt:

Sem embargo de não ter do suplicante conhecimento, o tive


bastante de seu pai, que foi meu condiscípulo nos estudos, é com efeito
de famílias ilustres e das primeiras daquela Ilha, que suposto haja na sua
casa um morgado ou dois, o suplicante procede de um filho segundo
dela e não tem cabedais para conservar-se, com tratamento igual à
sua pessoa; e a razão de ficarem pobres os filhos segundos daquela
158

casa foi por seus avós despenderem todo o valor dos bens livres que
possuíam, na fundação de um Mosteiro de Religiosas Capuchas de que
são os Padroeiros e haverem-no reedificado por duas vezes.
(Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt, natural da
Ilha da Madeira e um dos povoadores da Ilha de Santa Catarina - 1750.
In: AN-BN vol. 50, 1936: pp. 83-85 - grifos meus).

Houve o reconhecimento das qualidades, suas e de sua família, já que sua

solicitação acabou sendo atendida em todos os seus pormenores. Isso o diferenciava, em

muito, das demais famílias migrantes.

Pouco tempo após a chegada de Berenguer e Bitencourt às terras americanas,

encaminhou nova solicitação. Dessa vez, além do pedido de ajuda de custo diferenciada,

pedia que lhes fossem dadas quatro porções de terra medindo meia légua quadrada. Meia

légua para si e meia légua para cada uma de suas três filhas, como dote para o casamento

das moças. Talvez por não ter idéia das reais dimensões do território para aonde estava

sendo (havia sido) enviado, talvez por não saber que os homens que acumulavam serviços

à Coroa estavam solicitando e recebendo sesmarias de até “três léguas de comprido por

uma de largo” na década de 1750 (RAPM, 1933), solicitara uma parcela de terras muito

inferior aos dos “melhores” que se envolviam na conquista dos territórios do extremo-sul

da América. Entretanto, o somatório das terras pedidas por Berenguer e Bitencourt era de

duas léguas de comprido, por meia légua de largura. Isso era uma grande quantidade de

terras em comparação ao que se podia obter nas superpovoadas Ilhas portuguesas. Isso

também era muito mais do que o quarto de légua em quadro que receberiam os demais

ilhéus, como ressaltava o próprio parecer do Conselho Ultramarino.

Pedia, também, que lhe fosse dada a patente de Capitão das Ordenanças da

localidade onde se estabelecera. Este, assim como seus demais pedidos, foi atendido, com

a ressalva em destaque na citação que abaixo segue:

(...) e como o suplicante quer levar na sua companhia 3 filhas,


se dê para o casamento de cada uma delas meia légua de terras em quadra
de sesmaria, e o mais que se manda a dar a cada um dos casais que
159

naquela parte se estabelecerem, dando-se também ao mesmo suplicante


meia légua de terra em quadra, sem embargo de se dar a cada um dos
casais um quarto de légua, e vistas as razões que o suplicante refere e
informação que dele há, se lhe dêem 150$000 rs de ajuda de custo para o
seu transporte, com as seguranças necessárias e uma patente de Capitão
da Ordenança do distrito aonde se lhe determinar o seu
estabelecimento, com declaração que não terá menos de 50 casais na
sua jurisdição, o que é conveniente acautelar para que se não
multipliquem os cargos da ordenança desnecessariamente... (Anexo
ao Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt.... In: AN-
BN vol. 50, 1936: pp. 84-85- em itálico na publicação, negritos meus)

Supondo-se uma família, constando de pai, mãe e três filhos — ainda que seja um

número pequeno de filhos para a época e desconsiderando a existência de outros parentes e

agregados — Berenguer e Bitencourt tinha garantido, sob o seu mando, numa estimativa

que deve ficar aquém do número real, um mínimo de duzentas e cinqüenta pessoas. Em um

território não povoado, isso significa ser o principal poder de uma nova aldeia. Era o líder,

nomeado pelo próprio Rei, de praticamente toda a população livre de uma localidade. Na

localidade onde Berenguer e Bitencourt assentou-se, Desterro, hoje Florianópolis,

acumulou os cargos de Capitão de Ordenanças, Juiz de Órfãos, e Juiz Ordinário (Santos,

1999: p. 113).

De forma diferente, aos “casais” recrutados nas Ilhas, o Edital de 1747 colocava

apenas uma ajuda de custo de dois mil e quatrocentos réis para cada mulher acima de doze

anos que embarcasse, e ajuda “para vestir” de um mil réis para cada filho ou filha, além de

insumos e ferramentas (Edital. In: Fortes, 1941: pp. 26-27). Ainda que adendos posteriores

a esse edital tenham estendido benefícios aos filhos e agregados dos casais, a presteza no

atendimento da solicitação desse madeirense não é, nem de longe, comparável aos vinte ou

mais anos que levaram os Casais para receber seu quinhão de terras. A Coroa, nas novas

terras conquistadas, numa visível redistribuição social das riquezas da conquista,

privilegiava alguns em detrimento de outros. Propiciou, na mercê de terras, o dote das

filhas do fidalgo segundão da Ilha da Madeira e sua liderança sobre os demais povoadores.
160

Percebe-se, portanto, nos pareceres às solicitações de Henrique Cesar de

Berenguer e Bitencourt, notada diferença entre o tratamento que ele e sua família

receberam e aquele usualmente dispensado aos Casais de Sua Majestade. O filho segundo

e demais membros de uma família de nobres vindos das Ilhas, sejam elas do Arquipélago

dos Açores ou da Madeira, não eram igualados aos demais habitantes que migraram para a

América. As diferenças de estatuto social não se esvaeciam na migração. Isso é plenamente

compatível com a idéia de justiça distributiva vigente nas sociedades mediterrâneas de

Antigo Regime, as quais possuíam uma forte hierarquização social. Uma desigual

distribuição social de recursos, pois os homens possuem diferentes qualidades, e ainda

assim justa, pois a cada um há o quinhão que lhe compete de acordo com uma avaliação de

seus pares e coevos sobre sua posição nessa sociedade (Levi, 2002).

Semelhante ao caso de Berenguer e Bitencourt, tem-se a família de Antônio

Rodrigues Carneiro, trasmontano que conduzira casais de sua região para a Colônia do

Sacramento. Rodrigues Carneiro foi agraciado com a patente de Sargento-mor daquela

praça, com soldo equivalente aos sargentos-mores dos Terços do Rio de Janeiro, além da

superintendência do linho-cânhamo. Os homens prometidos como noivos às suas quatro

filhas receberam patentes de Alferes e Tenentes, também sendo transportados às custas da

Coroa (Parecer do Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa... In: Cortesão, 1951: p. 413).

A cada um dos casais de trasmontanos foi dado, além de ferramentas e sementes,

um tostão por cabeça a cada dia de viagem, supondo-se 4 pessoas em cada casal, como

ajuda “para se fardar”, a quantia de 12$000 por casal. Em terras ser-lhes-iam dadas “10

jeiras de terra em quadra, para nelas poderem fazer roças, currais e o mais que lhe parecer

em benefício próprio”, onde uma jeira equivale a 400 braças ou 0,2 hectare (Parecer do

Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa... In: Cortesão, 1951: p. 414). Todavia,


161

Ao Capitão Antônio Rodrigues Carneiro parece se devem dar


20 jeiras de terra na vizinhança da praça e duas léguas em quadra no
território e para fazer a jornada para esta Corte e conduzir a sua família
60$000 e para se fardar 120$000 (Parecer do Conselheiro Antônio
Rodrigues da Costa... In: Cortesão1951c: pp. 413-415).

O território, portanto, era novo, mas a estrutura social era calcada na velha

sociedade portuguesa do Antigo Regime, que muita distinção fazia entre os homens livres.

Eram todos povoadores, mas uns já partiam das ilhas ou da península com possibilidades

de obtenção de patentes e mercês diferenciadas. A acumulação de bens, poder de mando e

prestígio eram possibilitados a uma família (a algumas famílias), ou seja, a quem já tinha

um lastro familiar e aquilo que poderia se chamar de “um bom berço”.

A responsabilidade do mando em uma sociedade recente recaía, então, sobre

membros de antigas e boas famílias portuguesas, considerando aqui as Ilhas como a última

fronteira atlântica do território português em toda a acepção desses termos, não como

colônias de Portugal. A estruturação da sociedade nas colônias do extremo-sul da América,

portanto, era moldada na mesma forma da sociedade portuguesa de Antigo Regime, ou

seja, calcada nas diferenças de estatuto social entre os homens livres, na hierarquia, na

distribuição desigual dos recursos. Um camponês ou um artífice não se igualava a

Berenguer e Bitencourt em origens e qualidades.

A segunda parte da equação encontrava, assim, uma solução plausível. Os

segundões da nobreza das Ilhas partiam para as novas terras recém-conquistadas.

Agregavam o atributo oriundo do desbravamento das terras e da formação de novos

povoados às folhas de serviço de suas famílias, já aludidas nos registros documentais como

sendo dos primeiros povoadores das Ilhas atlânticas, aumentando assim as suas qualidades

e os seus préstimos no “Real Serviço de Sua Majestade”.

Ao redor desses segundões e suas famílias organizava-se a sociedade. Davam

seqüência a trajetórias familiares que reuniam prestígio, terras, riquezas e poder de mando.
162

Sua migração aliviava a “pressão demográfica específica” das famílias nobres, ao mesmo

tempo em que contribuía para dar ordem ao caos pré-existente, dar ordem a algo que não

passaria de um aglomerado de pessoas, caso lhes faltassem os esteios da organização social

conhecida. As famílias de baixo estatuto social, sem ter quem os dirigisse e os colocasse no

caminho do bem-servir à Coroa, da qual eram súditos, talvez não levassem a bom termo a

colonização americana. Os fidalgos “empobrecidos” contribuíam, assim, com sua presença

e com sua posição nos novos povoados para que, em tudo, a ordem sobrepujasse o caos nos

novos territórios de Sua Majestade.

Em se tratando de estratégias, a migração para a América demonstrou ser uma

possibilidade de sobrevida às famílias fidalgas, através de seus filhos segundos. Tanto

quanto era uma perspectiva de alívio de uma situação de fome iminente que sempre

assombrava os despossuídos agricultores ilhéus. Um mesmo fenômeno histórico — a

migração para terras americanas — possuía, então, significados e importâncias diferentes

para os agentes sociais, diferenças essas associadas às diferenças sociais pré-existentes nas

Ilhas.

V. As boas famílias dos Açores e o


povoamento do Rio Grande

Para o Continente do Rio Grande de São Pedro encontram-se casos semelhantes

ao desse “pobre nobre” madeirense e do Capitão trasmontano. Ainda que não se tenham

encontrado explicitamente solicitações ou pareceres do Conselho Ultramarino que os

diferenciassem, tais como as citadas no tópico anterior, é muito pouco provável que

houvesse tanta diferença nas práticas da Coroa e dos ilhéus. Eles eram portugueses, e como

portugueses se organizavam. Eis aqui o papel das regularidades percebidas ao longo do

tempo e em diferentes locais a ajudar a suprir as lacunas da documentação.

Encontraram-se, todavia, referências menos substanciosas em seus conteúdos,


163

mas que deixam antever distância entre certas famílias de insulanos e o restante dos

migrados.

As filhas de Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira, oriundos da Ilha

do Faial, freguesia de São Salvador da Vila da Horta, por exemplo, têm o tratamento de

“Dona” desde que chegaram ao Continente (ADPRG - Livros 1, 2, 3 e 4 de Batismos da

Vila do Rio Grande, 1738-1763). Também se verificou que seus maridos não faziam parte

do contingente de camponeses de poucas posses ou de homens de ofício. Essas moças, em

sua maioria solteiras quando da chegada, casaram-se dentro do seleto grupo de detentores

de sesmarias de grandes proporções, de grandes rebanhos de gado, arrematadores de

contratos e oficiais da Câmara, conforme se verá a seguir. As moças de sobrenome

Silveira, da família Furtado de Mendonça, destacavam-se do conjunto dos insulanos,

mesmo quando casadas com insulanos.

Tanto as filhas de Antônio Furtado de Mendonça quanto os seus genros, não

compartilharam dos momentos de penúria que atingiram os migrantes dos Açores à sua

chegada no Continente. Veja-se, a seguir, a qualidade das relações sociais estabelecidas

por esse grupo de migrantes, cujas conexões foram identificadas através dos registros de

batismo dos filhos de um desses casais. Francisco Pires Casado, filho de Francisco Pires

Casado e Felipa Antônia da Silveira, natural da Ilha do Pico, freguesia de Santa Luzia, era

casado com Dona Mariana Eufrásia da Silveira, filha de Antônio Furtado de Mendonça e

Isabel da Silveira. Ela era natural da Ilha do Faial, freguesia de São Salvador da Vila da

Horta. Provavelmente as mães de Francisco e de Mariana Eufrásia guardavam parentesco

próximo. O pai de Dona Mariana Eufrásia, falecido antes de 1761, era alferes,

provavelmente da Companhia da Ordenança (Jaccottet & Minetti, 2001: p. 61).

No ano de 1778, em seu domicílio na freguesia de Viamão estavam arrolados,

além de familiares e agregados, 19 escravos. Francisco Pires Casado, em registro


164

documental de 1784, detinha campos em sociedade com Manuel Bento da Rocha, nos

quais animais foram contados em quantidade — “8000 animais vacunares, 700 animais

cavalares, 90 burros/burras, 30 bois mansos, 100 mulas 60 cavalos mansos e 300 ovelhas”.

No 1o Livro de Óbitos da Freguesia de Viamão é dito Capitão (AHCMPA - Rol dos

Confessados de Viamão -1778; AHRS - Relação dos Moradores de Viamão, 1778 - códs.

F1198 A e B1784; Neumann & Kühn, prelo 1º LObt Viamão).

Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia tiveram no mínimo quatro filhos

batizados na Vila do Rio Grande, os quais também registram os padrinhos. São eles:

Quadro I – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia

Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha


Rosália 12/01/1755 Francisco Antônio da Das Ilhas Dona Joana Margarida Faial, fr. S. Salvador da
Silveira da Silveira Vila da Horta
Maurícia 01/10/1758 Manuel Fernandes Vieira Braga, Póvoa de Dona Maria Antônia da Faial, fr. S. Salvador da
Lanhoso Silveira Vila da Horta
Manuel 17/02/1760 Manuel Bento da Rocha não consta Dona Isabel Francisca Faial, fr. S. Salvador da
(península?) da Silveira Vila da Horta
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima Veiga Portugal não consta não consta
Fonte: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)

Vejam-se agora, quem eram os padrinhos dos filhos desse casal e com quem

guardavam relações, fossem estas de parentesco sangüíneo, parentesco afim, parentesco

fictício ou de negócios:

Francisco Antônio da Silveira: provavelmente irmão ou primo de Dona Mariana

Eufrásia da Silveira, casado com Úrsula Maria da Conceição. Além da menina Rosália,

possui apenas um outro afilhado, juntamente com Úrsula. A madrinha não compareceu à

cerimônia desse segundo afilhado, dando procuração para que a representassem na

cerimônia (Jaccottet & Minetti, 2001: p. 93) Francisco Antônio possuía, em 1767, marca

de gado registrada nos livros da Câmara de Viamão (Fortes, 1941: p. 175).

Manuel Fernandes Vieira: natural de Povoa de Lanhoso, arcebispado de Braga,

freguesia de Fonte da Arcada. Casado com Dona Ana Inácia da Silveira, natural da Ilha do
165

Faial, fr. São Salvador da Vila da Horta, irmã de Dona Maria Eufrásia. Dos batismos

levantados até o momento, Manuel Fernandes Vieira foi padrinho de quatro crianças,

incluindo a filha de Pires Casado. Fernandes Vieira deve ter chegado ao Continente por

volta de 1751, com os contingentes convocados por Gomes Freire de Andrade para a

expedição de demarcação de limites do Tratado de Madri. Em 1752 foi nomeado Tabelião

da Vila do Rio Grande, podendo ter renovação do cargo em seis meses. Essa renovação

deu-se várias vezes, sendo-lhe acrescentado ainda ofício de Escrivão de Órfãos da Vila do

Rio Grande. Teve sucessivamente as patentes de Sargento-supra da Ordenança e de

Capitão da mesma companhia, todas essas mercês dadas ou ratificadas por Gomes Freire

de Andrade (RAPM, 1929: pp. 452, 488 e 574). Ainda na Vila do Rio Grande foi

Contratador dos Açougues, em sociedade com Manuel Bento da Rocha. Uma vez tendo

deixado a Vila do Rio Grande, foi oficial da Câmara em Viamão, logo após a reinstalação

desta, em 1766, provavelmente continuidade de um mandato interrompido com “a correria

que promoveram os castelhanos” (PMPA, 1992: pp.14). Essa era a única câmara existente

no Continente do Rio Grande de São Pedro. Registrou marca de gado nessa mesma

Câmara em 1767 (Fortes, 1941: p. 167), e em 1776, morador nos Campos de Viamão, tinha

arrolados em sua propriedade, além de sua família, cerca de dezessete escravos (AHCMPA

– Rol dos Confessados de Viamão, 1776). Manuel Fernandes Vieira registrou três filhos

nos livros de batismo de Rio Grande. A menina mais velha, Vicência, não tem padrinhos

registrados, pois seu batismo deu-se em casa, em situação de emergência. Da segunda

filha, Clemência, o padrinho é Antônio Lopes da Costa, morador do Rio de Janeiro.

Ausente na cerimônia, Lopes da Costa passou procuração para o Capitão de Mar e Guerra

ad honorem Mateus Inácio da Silveira, natural da Ilha do Faial, Freguesia de São Salvador,

casado com Maria Antônia Silveira, outra das irmãs de Dona Mariana Eufrásia. Mateus

Inácio era parente próximo de sua esposa. Por último, o menino Manuel, cujo padrinho foi
166

Anacleto Elias de Afonseca (Jaccottet & Minetti, 2001: p.80), um dos mais importantes

comerciantes da praça do Rio de Janeiro (Fragoso, 1998) e arrematador do contrato dos

Registros das Passagens dos Animais de Viamão e Santa Vitória na década de 1770 (Kühn,

2000).

Manuel Bento da Rocha: não se tem por certo a sua procedência. Provavelmente

fora vereador na Vila do Rio Grande, sendo também membro da Câmara em Viamão, após

a transferência. Era casado com Dona Isabel Francisca da Silveira, outra das irmãs de Dona

Maria Eufrásia e sócio de Manuel Fernandes Vieira no contrato dos Açougues. Em 1755

recebeu carta de sesmaria de uns campos chamados Curral de Arroios, constando neles

edificações de casas, plantações das quais já fizera colheitas (RAPM, 1933: pp. 150-152).

Na nova freguesia do Triunfo possuía terras em sociedade com Francisco Pires Casado,

com os já citados numerosos animais (AHRS- Relação dos Moradores de Triunfo, cód.

F1198-A 1784). Consta ter mais dois rincões, sem sociedade. Nessas terras possuiria

12.000 vacuns, 4.600 cavalos e éguas, 1160 burros e burras; todavia, essas últimas

informações não estão confirmadas (Pawels, 1930: nota 13 e nota 23). Em Rio Grande foi

padrinho de mais quatro crianças, além do filho de Francisco Pires Casado, seu sócio em

terras e cunhado. Seus afilhados são filhos de gente provinda das ilhas de São Jorge,

Graciosa, Pico e Faial, dentre os quais uma das filhas do também já citado Capitão de Mar

e Guerra ad honorem Mateus Inácio da Silveira, (Jaccottet & Minetti, 2001: pp. 90). Entre

os anos de 1766 e 1775 estão registrados cinco óbitos de escravos seus em Viamão

(Neumann & Kühn, prelo 1º LObt Viamão 1748-1777), ainda que não se tenha encontrado

outros registros de sua escravaria.

Domingos de Lima Veiga: Natural da Península, casado com Gertrudes Pais de

Araújo. Segundo Queiroz, possuía no mínimo entre cinco e sete escravos na Vila do Rio

Grande. Deteve patente de Sargento, Alferes da Cavalaria de Ordenança e de Capitão da


167

Ordenança do Rio Grande, foi oficial da Câmara em Viamão em 1767 (PMPA, 1992: p.14)

e escrivão da Fazenda Real na década de 1770. Na vila do Rio Grande foi padrinho de oito

crianças açorianas, o que denota o seu prestígio entre os ilhéus. Muito mais se visto que

sua família — esposa e filhos — era constantemente convidada ao compadrio, ainda que não

houvesse grande concentração de afilhados em quaisquer de seus membros. Domingos de

Lima Veiga é o único dos padrinhos dos filhos de Francisco Pires Casado que não

pertencia à família, mas não deixava de pertencer ao pequeno “clube” de detentores de

escravos, terras, patentes e privilégios na Vila do Rio Grande. A assinatura de Domingos

de Lima Veiga aparece num grande número de documentos de datas de terras entregues

aos açorianos e, coincidentemente, sua família, quando ainda era moradora de Rio Grande,

foi uma das que mais apadrinhou filhos de migrantes ilhéus. Isso aponta para uma estreita

relação entre a “popularidade” daqueles que são amiúde convidados para padrinhos e a

existência de uma base social de apoio que dê sustento às posições de mando em uma

localidade (Hameister, 2003a). Também aponta para a existência de uma via de duas mãos:

de alguma forma, o Capitão participou da aplicação da justiça distributiva quando fez

medir e assegurar as terras a seus compadres e afilhados ilhéus ou descendentes,

retornando a eles a dádiva inicial de ser incluído em suas famílias através de um parentesco

religioso e espiritual.

Retornando aos batismos do genro de Antônio Furtado de Mendonça, tem-se que,

entre Francisco Pires Casado, seus parentes, seus compadres ou cunhados, encontram-se,

no mínimo, as seguintes mercês, cargos, patentes, escravos, terras e animais,

concomitantemente ou dispersas ao longo de suas trajetórias:

4 marcas de gado;
1 patente de Capitão-de-Mar e Guerra ad honorem, 1 de Sargento-supra da
168

Ordenança, 2 patentes de Sargento das Ordenanças, 3 patentes de Capitão das Ordenanças;


2 patentes de Alferes das Ordenanças
3 vereadores;
4 sesmarias;
41 escravos
20.000 cabeças de gado vacum; 5.000 cavalos, 1.200 asininos;
ofício de Tabelião da Vila do Rio Grande, ofício de Escrivão do Juizado de
Órfãos, ofício de escrivão da Fazenda Real;
contrato dos Açougues.

Outras comprovações do estatuto social elevado dessas famílias podem ser

observadas na qualidade dos dotes quando do casamento de suas filhas, estudados por

Fábio Kühn (Kühn, 2003; Kühn 2006).

Não há como dizer que a família derivada de Antônio Furtado de Mendonça se

igualava, na pobreza e na necessidade, com os demais insulanos. Observando a qualidade

dos compadres de Francisco Pires Casado e dos compadres de seus cunhados, vê-se que

jamais convidaram ao compadrio alguém em situação inferior à sua. Todos os compadres

de Francisco Pires Casado detinham bens, cargos e privilégios suficientes para inseri-los

nos altos escalões da pirâmide social do Continente do Rio Grande de São Pedro.

Francisco Pires Casado e seus familiares, cientes de sua posição na sociedade, não abriam

as portas das relações mais próximas com sua família às outras famílias que não detinham

posição semelhante à sua.

Importante registrar que, salvo os registros de batismo, nos quais as “Ilhas” são

mencionadas de forma genérica ou com seu nome próprio — elas aparecem apenas como

local de origem dos pais, padrinhos ou avós das crianças —, não se localizou nenhum

outro registro documental no qual Francisco Pires Casado ou qualquer um de seus

compadres ou familiares que de lá viessem, alegassem ser “gente das Ilhas”, ou


169

pertencerem aos “casais de Sua Majestade”. As terras que dispunham não lhes foram dadas

como datas de Casais. Foram doadas na década de 1750, durante a distribuição de

sesmarias promovida por Gomes Freire de Andrade em sua expedição de demarcação de

limites do Tratado de Madri (RAPM, 1929; RAPM, 1933) ou adquiridas por compra.

Tampouco suas terras se comparavam a essas datas de casais em tamanho (dimensões).

Disso é possível antever que, nem eles, nem a sociedade na qual viviam, os

percebiam como “gente das Ilhas”, aqueles que durante vinte ou mais anos aglutinaram-se

em torno da reivindicação comum: receber as terras e incentivos prometidos quando de sua

partida das Ilhas. No conjunto das relações mais próximas de Francisco Pires Casado,

portanto, encontramos muitas pessoas nascidas nos Açores, com toda a certeza, mas não

que compartilhavam da “identidade açoriana” que se forjou no Continente do Rio Grande

de São Pedro. Essa “identidade”, tudo leva a crer, tinha como agente aglutinador a

insistência em fazer cumprir os termos do Edital de 1747, que prometia aos Casais de Sua

Majestade terras, insumos e auxílios. Não é, então, essa identidade prerrogativa do local de

origem e sim fruto de um processo histórico do qual algumas famílias participaram e outras

abdicaram de sua inclusão no grupo.

Se os homens e mulheres da família de Antônio Furtado de Mendonça não eram

“açorianos” na acepção de desinência de uma identidade, resta perguntar quem o era e por

que o era. Assim como cabe também perguntar o porquê de as filhas e genros de Antônio

Furtado de Mendonça não o serem. O caso dos migrantes ilhéus para o Estado do Grão-

Pará e Maranhão pode vir a trazer alguma luz sobre esse problema.

VI. Açoriano: “ser ou não ser,


eis a questão”

No tópico anterior, foi visto que nem todos os que migraram padeciam da mesma

sorte. A alegada “pobreza” de Berenguer e Bitencourt, que possuía um ou dois morgados


170

em sua família, nem de longe se compara à perspectiva de fome pela qual passavam os

agricultores não proprietários ou a gente de ofício, pertencentes aos estratos livres mais

baixos da sociedade insulana. Como já visto, a pressão demográfica que existia nas ilhas

apresentava duas faces específicas: uma para os estratos subalternos e outra para os bem

nascidos, mas que, todavia, não eram os primogênitos.

Entretanto, como sói acontecer nas sociedades de Antigo Regime, os mais

aquinhoados eram uma minoria, uma parcela diminuta da sociedade. Os arquipélagos dos

Açores e da Madeira não eram exceção dentro da sociedade portuguesa (Vieira, 1992). Isso

significa que a maioria dos migrantes também era oriunda desses estratos inferiores da

sociedade. Eram famílias de agricultores sem terras, em sua maioria, e alguns artesãos.

Os membros dos estratos inferiores também se engajavam, voluntariamente ou não,

nas tropas de Sua Majestade, podendo vir a servir em qualquer ponto do Império

Português, fosse na América, na África ou na Ásia. Isso hes dava uma possibilidade de

ascensão social, através das promoções por mérito e, também, do uso da farda, o que os

punha a certa distância de um mundo majoritariamente camponês. Muitos desses soldados

oriundos das Ilhas chegaram ao Continente do Rio Grande de São Pedro antes da migração

em massa das famílias dos Açores. Se chegaram ao extremo-sul como soldados (Parecer

do Conselho Ultramarino assinado por Alexandre de Gusmão, e um despacho real

ordenando o embarque de soldados... In: Cortesão, 1951 442-443), fica claro que não

faziam parte dos “Casais de Sua Majestade”. Mas, dependendo das opções que se abriram

a eles, não se escusaram de tentar tornar-se membros dos casais, principalmente através do

casamento com moças ou viúvas vindas dos Açores. Verificam-se, também, soldados e

civis que, não tendo nenhuma relação com os Açores, buscaram, através de alianças

matrimoniais, seu ingresso nesse grupo de migrantes, com seus filhos passando a ser

identificados como “gente das Ilhas”. Isso é perceptível através de solicitações de “não-
171

açorianos” nas cartas de datas de terras passadas aos que se reivindicavam do direito de

recebê-las a partir dos termos do Edital de 1747 e adendos posteriores (Barroso, Brochado

& Tassoni, 2002).

Existe, portanto, uma série de intentos distintos, fazendo parte de um mesmo

grande fenômeno: nativos dos Açores que não se identificam como “das Ilhas”; nativos dos

Açores que faziam questão de serem identificados como “das Ilhas”; gente que jamais

havia posto os pés nas Ilhas, ocupada em juntar-se às gentes “das Ilhas”. Resta entender

esses fenômenos e tentar explicar por que eles ocorriam.

Busca-se, pois, comparação com o caso estudado por Acevedo Marin (2002) para

os ilhéus que migraram para o Estado do Grão-Pará e Maranhão no mesmo período em que

migraram também para o extremo-sul do Estado do Brasil. Acevedo Marin destaca a Vila

de São José de Macapá, uma povoação levada a cabo, principalmente, por nativos das

Ilhas. Em uma outra localidade, com diferentes especificidades, essa comparação pode

trazer luz à sorte de fenômenos que aconteceram no sul e, talvez, auxilie na explicação

para a acentuada diferença entre esses dois procedimentos nas fronteiras americanas do

Império Português.

Segundo essa autora, os açorianos migrados na década de 1750 experimentaram

um processo de decadência, pois, ao final de pouco mais de cinqüenta anos, em um

arrolamento populacional feito em 1808 no qual também são listadas posses e

propriedades, só restavam alguns poucos açorianos. Destes, a imensa maioria achava-se em

estado de pobreza. A posse de escravos por parte dos açorianos seria muito pequena em

comparação a outros setores, assim como o restante de seus bens. Achou, também, muitas

viúvas com sua prole ou poucos agregados, ocupados na execução das funções domésticas,

do artesanato e da agricultura.

Como motivo alegado por essa autora para tal decadência financeira estariam o
172

fato de serem os açorianos majoritariamente pequenos agricultores, e que o Grão-Pará, a

este tempo, passava pela inserção de seus produtos naquilo que ela chama de “uma política

mercantilista”. Os açorianos não estariam, portanto, aptos a uma produção em larga escala

que suprisse essa demanda. Além disso, a produção dessas pequenas propriedades seria

escoada e comercializada dentro da política pombalina de incentivo ao desenvolvimento do

comércio nessa região. Isso colocaria os ilhéus na dependência da Companhia de

Comércio do Pará para a vazão dos grãos e farinhas produzidos, bem como os colocaria

como usuários dos créditos cedidos pela mesma Companhia. Por ser a produção diminuta,

não teriam podido concorrer no mercado de exportações com os “grandes” da Capitania,

tampouco saldar as dívidas oriundas da cessão de créditos. Isso teria corroído a economia

que, nos primeiros momentos, dava sinais de prosperidade, mas que com o transcorrer dos

anos teria levado à bancarrota os “açorianos” da Vila de São José de Macapá.

Ante os dados colocados pela autora, não é possível duvidar que, passados

cinqüenta anos, os “açorianos”, ainda que assim não se identificassem, estavam de fato em

uma situação pouco favorável. Mas essa parece uma explicação por demais simples para

uma situação que, mesmo através dos dados fornecidos pela autora, apercebe-se com uma

configuração muito mais complexa.

Em primeiro lugar, há o recorrente alerta de que o povoamento dessa fronteira

norte foi modificado pela política pombalina. Mas isso também ocorreu no sul, não sendo

esse, portanto, motivo de diferenciação entre as duas distantes regiões. Todavia, fica num

segundo plano o fato de que todas as diretrizes pombalinas experimentadas no Norte

previam e privilegiavam a inserção das populações autóctones através, inclusive, de

alianças matrimonias na sociedade de características predominantemente lusas que se

formava.

Durante os anos do Ministério de Pombal, a obtenção de privilégios, mercês,


173

cargos, patentes e terras, assim como honras passava pela integração das populações de

origem européia com os indígenas. Ilhéus ou gente de outra procedência entrariam nessa

cadeia de prestações e contraprestações de dádivas com a Coroa lusa — o sistema de

mercês — principalmente se procedessem alianças com as populações autóctones. O maior

incentivo era dado aos que gerassem filhos miscigenados. Essa era a ênfase das diretrizes

de Pombal, expressas principalmente na Lei de Liberdades e no Diretório dos Índios

(1757). Caso isso não ocorresse, ainda assim poderiam usufruir de algumas benesses reais.

Todavia, a prioridade era para aqueles que obtiveram sucesso nessas alianças.

Diferente foi o caso do Continente do Rio Grande de São Pedro, no qual a

aplicação da legislação pombalina, como foi visto por Elisa Frühauf Garcia em sua

dissertação de mestrado acerca da integração dos indígenas na sociedade sulina, atingiu

muito mais as práticas de particulares em sua utilização dos índios como mão-de-obra do

que apresentando alterações no acesso a privilégios e mercês dados pela Coroa aos que

miscigenaram (Garcia, 2003).

Em segundo lugar, e corroborando essa idéia, Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, governador da Capitania e irmão do Marquês de Pombal, quando da chegada das

primeiras levas de colonos dos Açores em Belém, em citação feita pela autora, reclama do

fato de estarem sendo envidadas muito mais mulheres do que homens (Acevedo Marin,

2002: p. 50). Não se sabe aqui se essas migravam sozinhas ou em famílias. Todavia, esse

detalhe pouca diferença faz. O que importa é que ali ocorria o contrário do que se

verificava no sul, onde os casais com prole numerosa e, mais ainda, aqueles que levavam

consigo mulheres acima dos doze anos, eram claramente privilegiados nas ajudas de custo.

Havia um plus nessa ajuda: 2$500 réis eram dados por cada mulher que se dirigisse para lá,

conforme o Edital de 1747 (Fortes, 1999: pp. 26-27). Isso porque, conforme visto

anteriormente, o extremo-sul necessitava de mulheres para estabelecer famílias com os


174

soldados e demais povoadores. Desejavam que essas famílias, juntamente com a promessa

de terras e insumos, servissem de âncora aos povoadores.

A ajuda de custo extra oferecida aos “açorianos” do extremo norte era,

inicialmente, em maio de 1751, de 2$400 réis pelas mulheres desimpedidas entre 12 e 25

anos, à semelhança do que fora oferecido para o Rio Grade e Santa Catarina (Carta de D.

José I para o Governador do Maranhão-Pará, 1951a), não sendo oferecido nenhum plus

aos homens. Entretanto, por algum motivo, em dezembro de 1751 passou a haver uma

diferença na ajuda de custo efetivamente dada, em favor dos homens. Passou para um

tostão para cada homem e dois vinténs para cada mulher. Ou seja, ao contrário do sul, as

mulheres lusas eram pouco “valorizadas” nesse povoamento, haja vista que recebiam ajuda

menor que a dos homens. Além, é claro, da reclamação de que seguiam muitas mulheres

nas embarcações.

Disso depreende-se que, ao contrário do extremo-sul, o extremo-norte não tinha

um desequilíbrio na relação entre os sexos, com diferença favorável ao setor masculino

luso na formação dos povoados. Tudo induz a pensar que, ao contrário, no extremo-norte,

havia oferta de mulheres o bastante para que casamentos fossem realizados e para que a

procriação dos colonizadores ocorresse. Ora, é recorrente na historiografia e na

documentação colonial que, ao iniciar um povoamento, principalmente em áreas de

fronteira aberta, dada a necessidade de conquista bélica ou de defesa militar dos territórios,

o contingente masculino seja mais numeroso e as mulheres pouco dispostas a irem para

esses locais ermos, violentos e instáveis. José da Silva Pais recorreu, inclusive, às tais

mozuelas, já que os soldados, se casados, raramente conduziam às fronteiras as suas

esposas e filhas.

Se as mulheres européias não eram bem-vindas na região do Pará, significa dizer

que havia mulheres em abundância para proceder ao povoamento. Mulheres estas,


175

portanto, oriundas dos inúmeros grupamentos e aldeias indígenas existentes na região. Não

parece por acaso que Francisco Xavier de Mendonça Furtado tenha aconselhado que as

novas povoações ficassem intercaladas entre duas aldeias indígenas, fossem elas

autônomas, fossem elas geridas pelos padres da Companhia de Jesus (Acevedo Marin,

2002) .

Também aos colonos ilhéus, com alegação de evitar a nociva ociosidade, era

recomendado que trabalhassem a terra com as próprias mãos (Instrução que levou o

Capitão-mor João Batista de Oliveira ... In: Mendonça, 1963 v. 1: p. 116). Isso os

colocava distantes da possibilidade de ter concessão, estatal ou dos padres da Companhia,

para explorar a mão-de-obra indígena como os demais povoadores podiam fazer.

Necessitavam, assim, para ter acesso a essa mão-de-obra ainda abundante na região, a

formação de alianças com os autóctones. O casamento com as índias, mais do que uma

mulher e uma prole, significava formar uma família nesse meio, possuir cunhados, adentrar

nas cadeias de reciprocidade das populações indígenas. Muitas destas, tradicionalmente,

trabalhavam em mutirão. A obtenção de tal força de trabalho, portanto, passava por

alianças. Dessas, as alianças matrimoniais eram mais fáceis de serem obtidas do que

acordos negociados. Essas alianças eram estimuladas pela Coroa e recompensadas com

mercês e privilégios (Diretório dos Índios, 1757).

Para que com esses casamentos miscigenados fosse obtido sucesso, a identidade

de “gente das Ilhas” deveria desaparecer. Deveriam esses ilhéus, e principalmente sua

prole, tornarem-se tão nativos quanto os nativos. Para obter o acesso aos recursos locais, a

abdicação de uma identidade de “gente das Ilhas” se fez necessária, assim como a

construção de uma nova identidade, consoante com os estímulos régios e às possibilidades

de formação de alianças com as populações locais. Casos como esse, de formação de uma

identidade e de padrões sociais e culturais associados ao acesso a recursos, foram


176

estudados e discutidos por Fredrik Barth, cujas conclusões e indicações auxiliam no

entendimento do tema aqui abordado (Barth, 1961; Barth, 1980 [1959]; Barth, 1981; Barth,

2000a).

No entanto, diz uma carta do Governador do Grão-Pará para o Conselheiro

Ultramarino Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 1752, referindo-se a São José de

Macapá:

A mim me parecia que com o grande estabelecimento que tem a


podia Sua Majestade fazer cidade, porque de primeiros povoadores há de
ter perto de 600 pessoas brancas que, certamente, sem mescla, não as
tem nenhuma deste Estado (....) (In: Mendonça, 1963 v. 1: p. 210)

Se em 1752 a população da localidade era branca e sem mesclas, muito

possivelmente assim ainda o era em 1757, quando foi instituído o Diretório dos Índios. Ou

seja, quando passou a vigorar a legislação que premiava e concedia mercês às populações

com mescla. Os recursos econômicos e políticos a serem conferidos com base no

Diretório, portanto, passaram longe da população branca — os nativos das Ilhas e seus

descendentes — de São José de Macapá. Sem grandes porções de terras, sem a farta mão-

de-obra indígena, de fato, parece muito lógico e provável que não prosperassem.

Na referida listagem de 1808, Acevedo Marin destaca a quantidade de viúvas

açorianas, também empobrecidas e que lavravam a terra com o auxílio da mão-de-obra

familiar e/ou poucos agregados e menos ainda com escravos. Ao que parece, “açorianas”, e

mais especialmente as “viúvas açorianas” no extremo-norte, possuíam “pouco valor” no

mercado matrimonial da região. Isso também contrasta com a situação do extremo-sul. No

norte elas não representavam um “passaporte” para uma data de terras. Essas doações

régias estavam reservadas — ou ao menos eram dadas com mais freqüência — às famílias

que geraram prole miscigenada e, com isso, aproximaram grupos indígenas da sociedade

portuguesa no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Parece que um segundo casamento a


177

essas mulheres não era uma possibilidade posta ao dia. De forma antagônica, encontram-se

registrados nas datas de terras do Rio Grande de São Pedro alguns homens que não

procediam dos Açores e solicitavam uma porção de terras por serem casados com “viúva

de casal”. Também são recorrentes os pedidos de terra para homens casados com “filhas de

casal” ou “agregadas de casal” (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002). Isso ressalta o

“valor” dessas “açorianas” em uma escolha matrimonial no extremo-sul. Através do

matrimônio com algumas delas, homens viram-se habilitados a uma mercê régia, sob

forma de terras e outros incentivos.

Em outras palavras, não é surpreendente que, em São José de Macapá, um

povoado formado essencialmente por “açorianos”, ao cabo de cinqüenta anos estes não

mais existissem como setor mais abastado da população paraense. Mais ainda, os que

reivindicavam a identidade “açoriana” ou “gente das Ilhas”, ao que parece, investiram em

uma estratégia que se revelou equivocada na obtenção de terras, mão-de-obra, privilégios,

patentes, distinções e honras. Nessa porção da América Portuguesa a ênfase ao acesso de

recursos era, antes de tudo, oferecida àqueles que povoaram de acordo com as orientações

do Diretório dos Índios (1757).

Retornando ao extremo-sul, verifica-se, portanto, que o acesso aos recursos, ao

contrário do extremo-norte, tinha como ênfase a ligação com gente dos “casais” ou “das

Ilhas”. Assim reza o Edital de 1747 e seus posteriores adendos. As populações recém

chegadas das Ilhas a partir 1749 deveriam, portanto, manter-se como “gente das Ilhas” até

um matrimônio dado no prazo de, no máximo, cinco anos, como diziam as ordens. Esse

item, num primeiro momento, atingia apenas os “filhos dos casais”. Posteriormente foi

estendido aos “agregados dos casais”. Houve uma demora de aproximadamente vinte anos,

até o início da década de 1770, para o início da distribuição de terras. O retardo foi

provocado, num primeiro momento, pela impossibilidade de serem assentados os colonos


178

nas terras pertencentes às Missões dos padres espanhóis, cujos índios levantaram-se no

episódio denominado na historiografia como Guerras Guaraníticas. Num segundo

momento, complicaram-se ainda mais, dada a invasão da Vila do Rio Grande pelos

espanhóis e perda de boa parte do Continente do Rio Grande para os castelhanos. O prazo

para que os “Casais”, “filhos de Casais”, os “casados com filhos de Casais”, os “agregados

de Casais”, os “casados com agregados de Casais”, os casados com “viúvas de Casais”

requeressem a terra e os incentivos foi dilatado quase que ad infinitum.

Por outro lado, nos documentos de registro das datas de terras conferidas a partir

de 1770 e que contemplaram um grande número de imigrantes dos Açores, entre outros

outorgados, não se encontrou nenhuma reivindicação vinda de alguém que alegava ser

casado com índia, ter filho com índia ou descender de índios. Encontram-se veteranos das

campanhas militares, moradores antigos reivindicando a terra por compra que haviam feito

ou herança que haviam recebido com intuito de legalizar a posse. Mas não há nenhuma

alegação, nos mais de 600 registros vistos, de laços familiares com indígenas. Isso não

quer dizer, de forma alguma, que essas uniões mistas não ocorressem. Prole natural ou

legítima de brancos e indígenas não são raras nos registros de batismo da Vila do Rio

Grande ou de Viamão. Todavia, o que se percebe é que a ênfase na distribuição de recursos

do extremo-sul passou ao largo do Diretório dos Índios, sendo privilegiados os termos do

Edital de 1747 e seus adendos posteriores. Muito provavelmente por terem os nativos das

Ilhas conseguido uma aglutinação e uma geração de identidade. Conseguiram forjar

elementos de pertença a um grupo com interesses comuns e que, como tal, de alguma

forma, pressionavam as autoridades no sentido de fazer cumprir os termos do Edital.

Novamente retoma-se a discussão acerca de estratégias. Se foi visto que dentro de

um mesmo grupo de origem pessoas ou famílias podiam fazer a escolha de não-inclusão

em um grupo identitário, o caso paraense demonstra que aqueles que insistiram em manter
179

a sua “identidade” pregressa foram malfadados. Assim, há que se pensar estratégias, no

plural, quando se remete a essa construção ou abdicação de identidades. Também há que se

entender estratégias como fruto de uma relação de um grupo social com o restante da

sociedade. Ou seja, pode-se investir em uma determinada direção, com intuito de obtenção

de uma melhor vida, mas o resultado não é perfeitamente previsível, pois depende de

coisas sobre as quais nem sempre esses agentes sociais possuíam o controle. As escolhas,

condicionadas pelo meio, não possuem um resultado matematicamente calculado, havendo

sempre lugar para que o imprevisto e o acaso interfiram.

VII. Algumas considerações

Essa identidade de “gente das Ilhas”, forjada e sustentada no Continente do Rio

Grande de São Pedro, foi estendida por esses vinte anos e mais além, haja vista ainda em

1800 estarem sendo concedidas as tais datas de terras aos “Casais de Sua Majestade”, sua

descendência e seus agregados.

O Diretório dos Índios, ainda que aplicado em outros territórios luso-brasileiros

após seu “teste” no Estado do Grão-Pará e Maranhão, não teve no extremo-sul impacto

semelhante, conforme é percebido no trabalho de Garcia (2003). Não foi encontrado nas

solicitações de sesmarias, tampouco nas datas de terras de um quarto de légua cedidas aos

colonos, nenhum homem que se alegasse habilitado a uma mercê por ter se casado com

índia ou por ser filho de europeu com índia. Isso porque a ênfase para a distribuição dos

recursos fora dada ou, antes, conquistada, através da aglutinação de ilhéus em torno de

seus anseios comuns — o cumprimento dos itens que os favoreciam no Edital de 1747.

A geração da identidade “açoriana” foi, assim, estritamente ligada aos motivos

bastante objetivos que não são exclusivos dos açorianos, mas característica comum a toda a

humanidade: ter acesso a recursos lhes garantisse a sobrevivência. A identidade


180

“miscigenada”, por não ter sido privilegiada ou por não ter mobilizado os colonos no

sentido de conquistar os direitos previstos no Diretório dos Índios no extremo-sul, não foi

“construída”. Ou ainda, se nessas famílias miscigenadas houvesse um componente

açoriano, este sim, por motivos estratégicos, seria destacado como desinência identitária.

Logo, as estratégias vinculadas à geração de uma identidade como a das “gentes das ilhas”

ou como a de “mestiços” de sangue europeu e indígena, são fruto de processos históricos,

somente possíveis em dadas localidades e regiões. Fazem parte do universo de escolhas

possíveis a essa população.

Fica claro, então, na comparação entre os casos do norte e do sul, que a

permanência e o fortalecimento da desinência “casal de Sua Majestade” ou outros de seus

sinônimos, no caso sulino, resultou de uma opção racional. Opção essa condicionada pela

necessidade de acesso a recursos que lhes permitissem a sobrevivência ou uma vida

melhor, condicionada pelo meio social em que se deu. Associam-se, assim, à noção de

estratégia, os atos desse grupo que construiu e manteve uma identidade como recurso de

sobrevivência. Essa noção, muito cara aos micro-historiadores e, em particular, a Giovanni

Levi, numa apropriação do trabalho do antropólogo Fredrik Barth, surge em oposição à

noção de estratégia como concernente a

(....) um agente livre e perfeitamente racional que escolhe a


partir de um conhecimento perfeito das regras do jogo e de suas
conseqüências, tendo a mão todos os recursos necessários para tanto. Em
contraposição a esse “homo economicus” – que era o modelo do
indivíduo da economia clássica – o que o modelo de Barth colocava em
cena era um ator que deveria agir dentro de uma sociedade (qualquer
sociedade onde os recursos materiais, culturais e cognitivos disponíveis
eram distribuídos de modo desigual. Um indivíduo racional, certamente,
mas não dotado de uma “racionalidade absoluta: ao contrário, o que se
propõe é um indivíduo que age – nas palavras de Levi – a partir de uma
“racionalidade limitada”, isto é, a partir dos recursos limitados que o seu
lugar na trama social lhe confere, em contextos onde sua ação depende da
interação com as ações alheias, e onde, portanto, o controle sobre o seu
resultado é limitado por um horizonte de constante incerteza. (Lima Fo,
1999 259-260 - grifos do autor).
181

Tanto no sul como no norte, a construção de identidades seguiu critérios racionais,

práticos e objetivos na vida dessas pessoas. As estratégias para vida e sobrevida nos

territórios americanos, crê-se aqui, comandaram esse espetáculo de formação de

identidades ou abdicação das mesmas no processo de colonização.

Abreviações usadas nesse capítulo:


ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AN-BN: Anais da Biblioteca Nacional
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos
PMPA – Prefeitura Municipal de Porto Alegre
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro

Fontes e Referências Bibliográficas usadas nesse capítulo

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Capítulo 4

O Mundo que os Homens Criaram e a Lei de Deus;


O Mundo que Deus Criou e a Lei dos Homens

I. Sobre o tema e as fontes

Ao serem eleitos os registros batismais da localidade de Rio Grande como corpus

documental principal para esta pesquisa, deu-se a necessidade de entender a instituição do

batismo da Igreja Católica e seus significados para a cristandade que se estabelecia nesta

fronteira, que atraía para seu convívio gente nascida e criada sob outras crenças.

Também foi exigido um mergulho na antropologia social para entender o significado

das relações de reciprocidade simétricas e assimétricas que tal instituição impõe em uma

sociedade. Portanto, antes de discorrer sobre a análise do material empírico levantado e

estudado, há que se discorrer sobre esses aspectos que fundamentam as relações que se

estabeleceram na Vila, tendo a Santa Madre Igreja a propiciá-las dentro de suas próprias

regras. Regras essas que, tampouco, foram seguidas à risca, havendo sempre algum espaço

para adequações locais do que era válido para o mundo cristão. Bem provável que não

pudesse deixar de ser assim: tratava-se de um povoado novo, erigido sobre um terreno onde

“não havia nada”, mas que deveria, para seu bom funcionamento, aglutinar gente de distintas

tradições religiosas e culturais. Essas características não são específicas da Vila do Rio

Grande, mas estão presentes nas sociedades católicas que se firmaram na América. Diz o
186

antropólogo Stephen Gudeman em um de seus artigos dedicados ao batismo e às relações de

compadrio:

Eu acredito que todos os sistemas de compadrazgo, incluindo a


versão da Igreja, podem ser vistos como um conjunto de variações que
ocorrem através do tempo e do espaço. As formas correntes do complexo
derivam do dogma da Igreja, o qual foi enunciado ao tempo da Conquista
(século XVI). Desde então, o contato entre muitas áreas rurais e a Igreja são
esporádicos. As regras eclesiásticas atuais foram codificadas ao longo do
tempo por especialistas da Igreja; os domas folclóricos foram codificados
através de gerações de leigos. Todas as formas têm um fundamento similar
mas se desenvolvem em diferentes direções. Todavia, desde as versões
contemporâneas, são derivadas da mesma “grande tradição” e são vinculadas
por suas conexões históricas à difusão do Cristianismo, do qual são variantes
(Gudeman, 1971: p. 50).

II. O Mundo que os homens criaram e


as leis de Deus

A pequena Vila do Rio Grande, a despeito de lá poder haver outras práticas religiosas

que não as da Santa Madre Igreja, era uma Vila Católica, também fruto dessa difusão do

cristianismo pós Concílio de Trento, através da conquista e povoamento da América.

Entretanto, o mundo no qual se impunham as leis e dogmas da Igreja, a difundir a salvação

que só era encontrada em Deus todo poderoso, era o mundo dos homens de diferentes origens

e tradições.

Sob a bandeira da cristandade viviam lá, junto com os cristãos europeus e de outros

continentes, os africanos e indígenas não-cristianizados, adeptos de diferentes crenças, que na

pequena localidade do Rio Grande receberam o batismo e alguma instrução cristã. Além

deles, era bem possível que houvesse algum judeu ou cristão novo, já que essa foi uma

constante no Novo Mundo, ainda que não constem nos documentos consultados nenhuma

referência. Pouco provável também que fossem encontrados. As práticas judaizantes eram

alvo de sanções e perseguições e o defeito de sangue pesava sobre os cristãos novos no

julgamento dos méritos para a obtenção de mercês e inclusão nas ordens militares. Se havia
187

judeus e cristãos novos na Vila, estes não se dão a perceber nos livros de registros

eclesiásticos dessa paróquia.

Se aqueles que em suas existências anteriores à chegada na Vila tinham outras

crenças e práticas religiosas que não o catolicismo as abandonaram de todo, é algo

praticamente impossível de saber através dos registros batismais, de casamento e óbito. É,

portanto, muito difícil perceber através da documentação histórica que restou do período

inicial deste povoado quais eram as práticas religiosas domésticas ou veladas que não são

pertinentes ou condizentes com a religião católica e o culto aos seus dogmas e santos. Essas

práticas, caso tenham existido, colocariam seus adeptos, no mínimo, na mira do Juízo

Eclesiástico e sob risco de abertura de processos por heresia ou paganismo, se fossem de

conhecimento público e notório.

Mais fácil perceber, todavia, a partir desses mesmos registros que, de alguma forma,

as experiências de vida pregressas dessas populações que vieram a formar a sociedade

riograndina readequaram à sua nova vida as práticas tão européias e católicas como são o

próprio batismo e as relações de compadrio. As alianças e relações tecidas na pia batismal

acabam por dar mostras de um quase inacreditável mundo, no qual, por exemplo, indígenas de

etnias distintas e, com freqüência, inimigas, elegiam padrinhos para seus filhos e cônjuges

para “todo o sempre”. Não se pode ter certeza de influências pregressas semelhantes nas

práticas do dia-a-dia para os escravos africanos. Dificilmente é dado a perceber as alianças

que antecediam sua migração forçada para a América ou problemas de convívio entre

membros de grupos distintos em uma única unidade domiciliar. Entretanto, é possível notar

que havia algo nessa prática cristã que poderia ser utilizada em proveito próprio por quem

quer que seja e em que condições houvesse chegado a Rio Grande. Ter um padrinho

significava ter alguém que lhe dava fiança ante Deus e ante a sociedade. Algum esforço nesse

sentido, de buscar uma continuidade das práticas sociais, sejam elas familiares ou religiosas,
188

será feito a partir de alguns estudos de antropólogos e historiadores que tiveram várias regiões

e populações africanas como objeto. Haverá, portanto, a preocupação em ver no

comportamento à pia batismal dos africanos e seus descendentes a aproximação com práticas

de suas culturas originárias.

Os registros de batismo, para toda a Colônia, são os mais “democráticos” – no

sentido de cobrirem uma mais variada gama da população e, por conseqüência, um número

bem maior de pessoas do que outras fontes documentais. Toda a sorte de documentação que

propicia registros nominais é excludente em sua essência. Se é um Rol de Confessados, exclui

de sua listagem nominal, salvo preciosismo de algum pároco, os menores de sete anos. Se é

uma relação de cobrança de impostos, exclui os pobres. Se são os testamentos, excluem quem

não tem o que legar. Se é uma listagem de recrutamento militar, exclui as mulheres. E assim

por diante. Segundo Wrigley, os muito pobres e os muito jovens e os que migram muito são,

geralmente, a população excluída dos registros (Wrigley, 1976: p.12). Os registros batismais,

apesar de deixarem “escapar” parte dos nascimentos, incluem neles todos os setores da

sociedade. Assim pobres como ricos, assim livres como escravos.

Diferente para países nos quais católicos e protestantes conviviam apesar de toda a

intolerância, a Vila do Rio Grande nasceu católica. A cristandade deste território era,

oficialmente, católica. Dado, também o fato de ser El-Rey a autoridade leiga que regia os

membros da Igreja em seus domínios, a associação entre Igreja Católica e o Estado português

se fazia sentir de maneira muito forte. Os domínios portugueses eram domínios católicos e a

heresia e o paganismo, ao menos em tese, não eram tolerados. Isso fez com que a população

da Vila do Rio Grande, a despeito da possibilidade de ter outras crenças que não o catolicismo

praticadas de maneira velada, publicamente professasse o catolicismo.

Com isso, os sacramentos da Igreja, e em especial o batismo de crianças e adultos

pagãos, eram bastante procurado, pois, segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado


189

da Bahia, “o batismo é o primeiro de todos os Sacramentos e porta por onde se entra na Igreja

Católica” (Da Vide, 1707, Livro I, Título X, § 33). Entrar na Igreja Católica, dada a junção

Igreja e Estado, era condição sine qua non para ingressar por inteiro na sociedade lusa, seja

ela na península ou em suas colônias.

O batismo foi o sacramento da Igreja mais buscado na localidade. Para o período em

questão foram produzidos quatro livros de batismos, dois de casamento e um de óbitos. Casar

ou não casar podia ser uma opção, podia ser fruto da falta de oportunidade. Ter pais casados

também nunca foi requisito obrigatório para que as crianças viessem ao mundo. Entretanto, se

tem por certo que morrer é ocasião que chega de maneira irrevogável para todos que vieram

ao mundo. Se o intervalo de tempo abrangido por este estudo não compreende o lapso de uma

vida, nascer e morrer no Rio Grande em pouco menos de trinta anos, essa sociedade foi

formada por adultos e suas crianças. Por um lado, não se espera um número de registros de

óbitos semelhante ao número dos registros de nascimento. Mas a proporção que há entre um e

outro não deve corresponder ao número de mortes que houve na localidade.

Para o Rio Grande vieram ou foram trazidos, por exemplo, índios que sofreram os

males e as epidemias adquiridas dos europeus e muitos maus-tratos praticados contra seus

corpos e seu modo de vida. A vila experimentou, como toda a Colônia, uma alta mortalidade

infantil, dadas as condições de higiene. Tamanha disparidade entre nascimentos e óbitos é

fruto da mobilidade espacial dessa população, que chegava à localidade portuária, quedava-se

por algum tempo e seguia em busca de terras e melhores condições de vida, mas também é

fruto de menor rigor em registrar os falecimentos. A sede da Vila não continha toda a

população que vivia sob sua jurisdição. Havia muitas fazendas e estâncias no território sob os

cuidados dessa paróquia e que, frise-se aqui, não tinha limites bem definidos. Uma pessoa

que, tendo morrido em uma dessas estâncias, sem o sacramento da extrema-unção e que fora

enterrada em chão a isso destinado na área das próprias fazendas, se não tinha o que legar, se
190

não devia para ninguém ou se não fez testamento, muito provavelmente não teve seu óbito

registrado. As crianças moradoras de áreas distantes do centro da freguesia, falecidas logo

após o nascimento ou um viajante vítima de agressão em seu roteiro muito provavelmente não

tiveram seus óbitos informados.

Assim sendo, o batismo foi o mais praticado de todos os sacramentos. O batismo se

impunha com regras e normas bastante claras e restritivas quanto à seleção de padrinhos

possíveis. Tem-se no disposto abaixo, considerações que restringem em muito o universo dos

padrinhos possíveis para uma criança ou adulto que serão batizados:

E mandamos aos Párocos não tomem outros padrinhos senão


aqueles, que os sobreditos [pais ou responsáveis pelo batizando], nomearem,
e escolherem, sendo pessoas já batizadas, e o padrinhos não será menor de
quatorze anos, e a madrinha não será menor de doze, salvo de especial
licença nossa. E não poderão ser padrinhos o pai ou mãe do batizado,
nem também infiéis, hereges, ou públicos excomungados, os interditos,
os surdos, ou mudos, e os que ignoram os princípios de nossa Santa Fé,
nem Frade, Freira, Cônego Regrante, ou outro qualquer Religioso
professo de Religião aprovada, (exceto o das Ordens Miltares) per si,
nem por procurador. (Da Vide, 1707, Título XVIII, § 64 - grifos meus)

A despeito de toda essa regulamentação, amiúde os padrinhos escolhidos na Vila do

Rio Grande fugiam a estas recomendações, como será visto mais adiante. Religiosos eram

padrinhos com muita freqüência. Crianças foram registradas como madrinhas e padrinhos de

recém-nascidos, sem que constasse qualquer registro de licença especial obtida. A aplicação

rigorosa do que estava determinado pelo Concílio Tridentino e pelas Constituições Primeiras

do Arcebispado da Bahia (1707), não apenas no que concerne aos batismos, mas também às

demais práticas e sacramentos cristãos, ao que tudo indica, poderia mais afastar do que atrair

novos povoadores para as práticas religiosas católicas. Como aplicar essas normas da Igreja

sem lançar de imediato ao inferno, por exemplo, os polígamos indígenas minuano, um dos

grupos que a Coroa desejava atrair para o convívio na Vila?

Observam-se nos registros paroquiais da Vila do Rio Grande alguns batismos de


191

filhos de índios minuano que, tendo o mesmo pai, não eram filhos das mesmas mães. Nem

por isso, foram ditos filhos naturais, ilegítimos ou espúrios nos registros batismais. Há casos

em que são ditos “legítimos”. Nesses casos, não foi incomum o pároco registrar apenas “filho

de” seguido do nome do pai, sem qualquer alusão à legitimidade. Em vários registros há a

omissão do nome da mãe do batizando ou se seus pais eram ou não casados. Isso não era

usual nos registros batismais de afro-descendentes, da população “branca e livre” ou dos

indígenas tape que se diziam – por vezes, de fato o eram – casados com benção dos padres

espanhóis da Companhia de Jesus em suas Missões, ou mesmo solteiros. Muitas vezes, para

os outros grupos batizados na Vila do Rio Grande há a omissão do nome dos pais, dito pelo

pároco como sendo “pai incógnito” ou “pais incógnitos”, para o caso dos poucos expostos

havidos nesse conjunto. Mas a omissão do nome das mães era pouco comum na Vila do Rio

Grande como um todo e bastante freqüente para os índios minuano em especial.

As omissões do nome das mães dos batizandos ocorreram, amiúde, nos batismos

coletivos de filhos de índios minuano no primeiro livro de batismos da Vila (ADPRG - Rol

dos Minuanes batizados na Capela de Santa Ana em 08/09/1749 - 06/12/1749 - 1LBatRG,

1738-1744). Entre eles, filhos de chefes – ou maiorais, como diziam à época – cuja poligamia

foi indicada por demarcadores de fronteiras décadas mais tarde (Saldanha, 2003: pp. 9-10).

No mesmo primeiro livro de batismos há o registro de uma cerimônia coletiva de

índios tapes. Todas as crianças tiveram pai e mãe nominados, fossem elas filhas naturais ou

legítimas dos casais. Tais índios não estavam aldeados nesse momento ou, como diz o

registro, eram “filhos de índios Tapes que andam pelo campo sem domicílio” (ADPRG -

termo de batizado de 17 crianças de 2 até 3 anos “filhos de índios Tapes.. ” 24/07/1751 - ,

1LBat-RG, 1738-1744). Isso pode representar um abandono maior da prática poligâmica entre

esses índios, que já haviam tido contato mais duradouro com o cristianismo nas aldeias dos

padres jesuítas e um convívio mais estreito de índios tape com lusos na área sob jurisdição da
192

paróquia. Além disso, membros do tronco lingüístico tupi, como eram os tape, tinham a

contar como elo de ligação entre eles e os lusos e luso-brasileiros, os “índios das aldeias de

São Paulo”, que foram trazidos nos primeiros anos de povoamento por iniciativa dos oficias

da Coroa. As aldeias de São Paulo foram formadas a partir do apresamento de indígenas dos

sertões e das reduções jesuíticas espanholas do Guarirá, Tape e Uruguai (Monteiro, 1994 : pp.

58-85). Uma ou duas gerações, portanto, entre os abduzidos das aldeias e os que migraram

para o povoamento do sul, conduzidos pelas autoridades. Podiam guardar memória do

parentesco com os que haviam sido levados e vice-versa, transmitidos através das tradições

orais. Muitos desses eram batizados e viviam, mesmo que minimamente, dentro da fé católica,

sabe-se lá com que intensidade de fé ou com que interpretações das crenças e dogmas da

religião. O padre jesuíta Antônio Sepp afirmava que esses índios eram, mais que aos santos,

muito simpáticos às figuras da Sagrada Família e às imagens do Presépio. Contando as

histórias de Jesus e sua família conseguia transmitir ensinamentos cristãos aos guarani que se

comoviam ante a imagem do menino e sua mãe (Sepp, 1980).

Se a ausência de uma qualificação social e de uma ascendência materna devidamente

registrada não ocorria nos outros grupos sociais que viviam no Rio Grande, ocorria,

entretanto, com os membros de um grupo que, para o bom andamento do povoamento luso

nas margens da Lagoa dos Patos, deveriam ser tidos como amigos. Aproximar e manter em

amizade os índios minuano havia sido de muito proveito na defesa da Colônia do Sacramento,

poucos anos antes da fundação de Rio Grande e da chegada do primeiro pároco. A poligamia

expressa foi banida dos registros batismais dos índios minuano, mas aparece dessa forma

velada, como uma espécie de acordo entre os modos de vida cristãos e minuano.

As Ordenações Filipinas, o maior código de direito do Império Português vigente ao

século XVIII, previa penas duríssimas aos faltosos. Os polígamos tiveram espaço nas

preocupações com faltas e penas no Livro Quinto das Ordenações Filipinas, o qual prevê
193

castigo para este comportamento:

Todo homem, que sendo casado e recebido com uma mulher, e não
sendo o Matrimônio julgado por inválido per Juízo da Igreja, se com outra
casar, e se receber, morra por isso (Ordenações Filipinas, 1870, Livro 5,
Título XVIII)

Sendo o matrimônio um Sacramento ministrado pelos próprios nubentes, as

promessas feitas de um a outro são consideradas válidas e são um contrato firmado através da

palavra ou por meio de sinais:

O Último Sacramento dos sete instituídos por Cristo Nosso Senhor


é o do Matrimônio. E sendo ao princípio um contrato com vínculo perpétuo
e indissolúvel, pelo qual o homem, e a mulher se entregam um ao outro, o
mesmo Cristo Senhor nosso o levantou com a excelência do Sacramento,
significando a união, que há entre o mesmo Senhor, e a sua Igreja, por cuja
razão confere graça aos que dignamente o recebem. A matéria deste
Sacramento é o domínio dos corpos, que mutuamente se fazem casados,
quando se recebem, explicado por palavras, ou sinais, que declaram o
consentimento mútuo, que de presente tem. A forma são as palavras, ou
sinais do consentimento, enquanto significam a mútua aceitação. Os
Ministros são os mesmos contraentes. (Da Vide, 1707 Livro I, Título LXII, §
259)

O compromisso firmado entre os que pretendiam casar também era algo muito sério,

a ponto de as Constituições Primeiras terem um título específico sobre os desposórios de

futuro, ou seja,

Desposórios de futuro são o mesmo, que promessa de futuro


Matrimônio: para eles é necessário que tenham os promitentes, assim
homens como mulheres sete anos completos de idade. E declaramos ainda
que entre desposados se siga cópula depois dos desposórios, não ficam por
isso casados de presentes, segundo a disposição do Sagrado Concílio
Tridentino, o qual nessa parte emendou o direito antigo.
Se alguém, tendo celebrado os desposórios de futuro antes de estar
deles desobrigado, se desposar segunda ou mais vezes, incorra em pena de
vinte cruzados para o Meirinho, e acusador (...). E tendo cópula nos
segundos ou mais desposórios serão presos e se livrarão do aljube, e serão
condenados em degredo (...). E casando-se por palavra de presente se livrará
da prisão, e será castigado com tão graves penas pecuniárias, e degredo a
nosso arbítrio, que seja exemplo aos mais para fugirem de semelhante culpa
(Da Vide, 1707, Livro I, título LXIII, §§ 262-263).

Ainda que não seja um casamento, o desposório de futuro, fazendo valer o peso da
194

palavra dada em intenção de um casamento, era assumido como compromisso e, não havendo

cópula, poderia ser liberado. Havendo cópula, melhor remédio seria a consumação do

casamento ou matrimônio de palavra presente – a afirmação em presente através da promessa

e compromisso de matrimônio, com a graça da Santa Madre Igreja a ser-lhe conferida através

do Pároco.

A participação do pároco, portanto, não é como ministrante do Sagrado Sacramento

do Matrimônio e sim como uma testemunha e representante do poder divino que abençoa e

confere graça ao contrato firmado entre o marido e a mulher. Mas este pré-existe à bênção

dada. Assim sendo, o casamento de índios batizados, o contrato, a promessa, ainda que não

houvesse recebido a bênção, seria considerado válido ante os olhos da cristandade e apenas

seria invalidado sob certas circunstâncias – como, por exemplo, ter sido contraído sob

coerção. Os vários casamentos dos índios minuanos seriam, portanto, casos explícitos de

poligamia, a serem punidos com pena capital. Entretanto, não o foram. Mais do que isso,

foram dissimulados sob múltiplas formas, desde negar a condição de legítimo, espúrio,

ilegítimo ou natural de prole até omitir estrategicamente o nome das mães das crianças,

possivelmente esposas diferentes de um mesmo homem.

As Ordenações Filipinas, em tese um código civil sob os auspícios da lei cristã,

dedica boa parte de seu Livro Quinto a tratar dessas questões acerca de infidelidade conjugal,

poligamia, relações sexuais forçadas ou incestuosas. As punições para as faltas e crimes eram

muito duras. Se olhado detidamente o temido Livro Quinto das Ordenações, a conclusão seria

uma única: Portugal quedar-se-ia despovoado em pouco tempo se as penas fossem aplicadas

com o rigor da dura letra da lei. Boa parte das pessoas sairia das terras lusas por pena de

degredo para outras regiões do Império – África e Brasil, principalmente – e outra parte se

extinguiria sob as penas capitais aplicadas a casos como os de bigamia ou mesmo de

adultério, entre outros passíveis de aplicação de tal pena.


195

Uma “pequena concessão” como essa, feita aos índios polígamos e condenáveis na

lei, na ética e na moral cristãs, poderia significar, entre outras coisas, o que foi dito pelo

Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho: a “dissimulação das faltas leves” (Coutinho,

1921) em favor do bem maior que era tecer e fortalecer as relações com os minuanos para a

própria segurança do povoado, sempre no bom serviço de Sua Majestade Fidelíssima.

Até mesmo o bom André Ribeiro Coutinho, oficial da Coroa, católico praticante,

governador militar que foi do Continente do Rio Grande de São Pedro, também teve suas

“faltas leves” dissimuladas em prol do bom andamento da conquista e da manutenção dos

territórios de Sua Majestade no extremo-sul do Estado do Brasil. Sendo casado em Portugal,

André Ribeiro Coutinho batizou filha sua com uma mulher, também casada, que vivia no Rio

Grande (ADPRG - Registro de Batismo de Eufrásia, filha natural do Mestre-de-Campo André

Ribeiro Coutinho - 29/03/1740,1738-1744 1LBat-RG, 1738-1744). O Mestre-de-Campo, no

mínimo, estaria sujeito à pena de degredo de um ano para a África, se fosse invocada a sua

situação de oficial de Sua Majestade:

Todo o Desembargador, ou Oficial de Justiça, e outro algum nosso


Oficial, assim da Corte, como de nossos Reinos, Advogado, Procurador,
Escrivão, Porteiro, Meirinho, que dormir com mulher que demanda, ou
desembargo requeira perante ele, se for leigo perca o Ofício e mais seja
degredado para a África por um ano.(Ordenações Filipinas, 1870, Livro 5,
Título XX)

Manuel de Almeida, o marido de Ana Maria da Conceição, conhecida como “A

Mineira”, com quem André Ribeiro Coutinho teve esta filha, poderia ter matado sua mulher

pelo crime de adultério que cometera sem incorrer em punição por isso. O adultério feminino,

com a correlata ofensa à honra de seu marido, redimia de culpa o cônjuge que assassinasse a

esposa em um ato passional ou de vingança fria:

Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente


poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão e o
adúltero Fidalgo, ou nosso Desembargador ou pessoa de maior qualidade.
Porém quando matasse alguma das sobreditas pessoas achando-a com sua
196

mulher em adultério, não morrerá por isso, mas será degredado para a África
(...) não passando de três anos.
E não somente poderá o marido matar a sua mulher e o adúltero,
que achar com ela, mas ainda os pode licitamente matar, sendo certo que lhe
cometerem adultério; e entendendo assim provar, e provando depois o
adultério per prova lícita e bastante conforme o Direito, será livre sem pena
alguma, salvo nos casos sobreditos (...). (Ordenações Filipinas, 1870, Livro
V, Título XXXVIII, §§ 1-2)

Se assim não fosse feito, a justiça local poderia tê-la julgado culpada do crime de

adultério e mandado executá-la, pois era a pena para adúlteras e para os adúlteros, os de

qualidade inferior. Um assassinato por honra, mesmo para os de menor qualidade que o

cometiam contra pessoa de qualidade superior, poderia livrar o assassino da pena capital.

No entanto, nada disso ocorreu. André Ribeiro Coutinho não foi morto pela justiça

nem pelo marido traído. Muito menos foi conduzido para a África em pena de degredo para

oficiais da Coroa que dormiam com mulheres casadas. Ao deixar o Continente do Rio Grande

de São Pedro, o André Ribeiro Coutinho continuou servindo na América Portuguesa, vindo a

falecer no Rio de Janeiro em 1751 (Torres (ed), 1904-1915: p. 283). Seu nome ficou

associado à defesa do sul e à estratégia militar, assunto sobre o qual publicou livros1 . Quanto

à adultera, no livro primeiro de Batismos de Rio Grande há uma Ana Maria da Conceição que

surge como madrinha de algumas crianças que bem poderia ser “A Mineira”, ainda que jamais

se possa ter certeza disso.

Em complemento a esses exemplos, pode-se perceber que a aplicação indistinta das

regras e leis da Igreja ou quaisquer outras, não fazia parte do direito que vigia ao século

XVIII. Para as sociedades cristãs mediterrâneas, das quais fazia parte Portugal e a Vila do Rio

1
São obras de André Ribeiro Coutinho os seguintes livros: Prototypo constituído das partes mais
essenciaes de um general perfeito, delineado em perfeitíssimo governador das armas do Alemtejo o sr. Pedro
Mascarenhas, Lisboa, 1713; Relação diaria da expugnaçâo e rendimento da praça de Bicholym, Lisboa, 1728;
O capitão de Infantaria portuguez, com a theorica e pratica das suas funcções, assim nas armadas terrestres e
navaes, como nas praças e côrte, Lisboa, 1751, cf. Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico,
Biográfico, Numismático e Artístico. Lisboa: 1904-1915. O Capitão de Infantaria foi escrito nos anos em que
viveu no Brasil com base na suas experiências militares, incluindo a do Grande Cerco à Colônia do Sacramento
(1735-1737), com atuação elogiada por Gomes Freire de Andrade.
197

Grande, por conseqüência, também era tributária, segundo Giovanni Levi (2002), do princípio

da eqüidade e do direito distributivo. Ou seja, ainda que houvesse uma lei geral, a justiça

existia para corrigir as distorções de uma aplicação indistinta de seus dispostos.

Segundo os preceitos aristotélicos, a sociedade era – e devia ser – composta por

desiguais. Da desigualdade advinha a hierarquia e a hierarquia organizava a sociedade. Da

desigualdade, portanto, derivava a ordem que punha fim ao caos. Um dos exemplos dessa

idéia da necessária desigualdade e da deletéria igualdade em Aristóteles é colocado abaixo:

... a alma governa o corpo, assim como ao servo o amo. (...) É evidente,
portanto, que a obediência do corpo ao espírito, da parte afetiva à
inteligência e à razão, é coisa útil e de acordo com a natureza. A igualdade
ou direito de governar de cada qual, por sua vez, seria prejudicial a ambos
(Aristóteles, 2005: p. 18)

São Tomás de Aquino encontrou em Aristóteles uma grande fonte de inspiração para

suas premissas e suas discussões. Seguidores da filosofia tomista são encontrados na prática

da filosofia e da teologia de toda a cristandade, inclusive a ibérica. Sendo a sociedade

organizada a partir do princípio da desigualdade, nada impunha, portanto, uma aplicação

igualitária das penas existentes nos dispostos legais. Ao contrário, cada caso deveria ser

avaliado de acordo com a situação sócio-econômica dos implicados, com a sua posição na

escala social ou, em outras palavras, com o seu estatuto social. Essa questão será retomada

mais adiante. Essa evidente aplicação desigual da lei que pode ser uma para todos e geral em

sua formulação, quando se retorna à legislação lusa e como esta era posta em prática, com

freqüência são verificadas situações em que a pena de degredo ou a pena pecuniária é

substituída por penas físicas e castigos corpóreos àqueles que compunham os escalões mais

baixos da pirâmide social.

Nas Ordenações Filipinas, a pena para o crime de “dormir com uma mulher casada”,

o crime de André Ribeiro Coutinho, portanto, é a pena capital. Mas o específico do Livro

Quinto apresenta pena distinta se o ato for cometido por oficiais da Coroa, membros do clero
198

ou que exercessem certos cargos: transmuta para pena de degredo a pena que seria capital

para o homem comum. Revendo o caso de André Ribeiro Coutinho, tem-se que um mesmo

crime teria uma pena diferentes para cada um dos envolvidos, ambos pessoas casadas e que,

juntas, cometeram o mesmo crime de adultério. “A Mineira”, por ser pessoa comum, estaria

condenada à morte; o oficial da Coroa estaria condenado ao degredo por um ano. Tudo isso

muito bonito, em teoria.

Na prática, nem “A Mineira” foi condenada e muito menos André Ribeiro Coutinho

foi degredado. Impossível, inclusive, a alegação de que esse adultério seria desconhecido das

autoridades, já que foi lavrado com todas as letras no livro de registros batismais da paróquia

de Rio Grande. Foi feito por um vigário, autoridade moral, religiosa e ética que, entre outras

responsabilidades, tinha a de zelar pelas almas e pelo cumprimento das leis da Santa Madre

Igreja. Disso pode-se dizer apenas uma dessas duas coisas: ou esse sistema de justiça é

irracional e ilógico ou obedece a uma racionalidade e uma lógica muito distintas das que

regem esse século XXI no qual vivemos.

Partindo do pressuposto de que esse código vigeu por alguns séculos e que em sua

aplicação na recém fundada Vila do Rio Grande não houve registro de grandes distúrbios ou

revoltas contra ele, há que se buscar, portanto, ao menos alguns contornos de seu

funcionamento e aplicação, para tentar uma aproximação do que seria viver as primeiras

décadas de existência de um povoado luso de fronteira na América.

Com isso, logo após uma explanação sobre a instituição do batismo e seus

significados para a cristandade ibérica, antes que se parta para a análise de alguns casos

significativos registrados entre os batismos da Vila do Rio Grande, faz-se necessário, também,

um passeio rápido pelo direito e pela justiça vigentes. Acredita-se que isso auxiliará no

entendimento do que seriam os princípios da reciprocidade e da justiça distributiva que

vigeram a este tempo nas sociedades mediterrâneas e como estes princípios se estenderam
199

para além do Atlântico. Para tanto, haverá o apoio nas obras de Giovanni Levi, Reciprocidad

mediterrânea (2002) e Antidora: Antropologia Catolica de la Economía Moderna, de

Bartolomé Clavero (1991).

II.1. O ato do Batismo e as relações a


ele subjacentes

Segundo o antropólogo Stephen Gudeman (1971), para uma melhor percepção do ato

do Batismo e as relações a ele subjacentes, há a necessidade de uma compreensão mais

profunda de sua origem num dos dogmas da Igreja Católica e a sua significação para a

sociedade cristã. Essa ressalva, feita pelo autor, muito mais vale no caso das sociedades

coloniais que se fundaram na América ibérica, uma vez que se tratava de povoados nascidos

sob a égide da Igreja Católica, de estados europeus que eram católicos e cujos reis receberam

os títulos hereditários de Majestade Católica e Majestade Fidelíssima, dados pelo Papa. Ao se

ter, portanto, os registros batismais como fonte, é mais do que necessário ter a compreensão

de que todos os registros e todas as informações foram tomados sob os auspícios da Igreja

Católica e efetuados por um de seus ministros. Mesmo que se busquem informações

quantitativas, que se intente uma análise através de uma aproximação demográfica, os

critérios, por exemplo, de legitimidade e ilegitimidade têm como base as normas católicas. As

uniões não formais muitas vezes o eram em função dos impedimentos matrimoniais ditados

pela Igreja e não há como desconsiderá-los quando é feita uma análise das estratégias sociais

e familiares.

As normas das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, se não se

impunham como um todo, condicionavam as escolhas matrimoniais e de compadrio,

restringindo as possibilidades de escolhas para cônjuges e padrinhos dados os impedimentos

gerados pelos laços de parentesco afins, consangüíneos ou espirituais.


200

Como toda a instituição, o batismo cristão passou por profundas modificações desde

que começou a ser praticado. Em uma análise da evolução histórica desta instituição, Stephen

Gudeman — enfatizando sempre que não há como proceder à análise dos laços sociais e

espirituais que o batismo gera sem considerá-lo como fruto de um dos dogmas da Igreja —

traz à tona as discussões ocorridas no seio da própria Igreja Católica, através dos teólogos e

filósofos que, durante séculos, se ocuparam em ver os fundamentos dessa instituição. As

formas que assumiu o batismo e as relações a ela subjacentes são reflexo, também, da

sacralização de certos laços que por muito tempo pertenceram à esfera das relações humanas e

não divinas (Gudeman, 1971: pp. 48-59).

Certas mudanças nas concepções da igreja e da sociedade acerca do parentesco e dos

papéis representados por homens e mulheres no interior da família e no grupo social

refletiram-se também nas relações subjacentes ao batismo. Isso fez com que o processo de

modificação e transformação dos conceitos associados ao batismo e à família natural tivessem

influência mútua e recíproca e se alterassem as práticas – ou ao menos o discurso sobre as

práticas – mundanas ou sacralizadas.

Colocam-se aqui, em poucas páginas, observações mais significativas de Gudeman

para, mais adiante, embasar nelas análises e conclusões acerca das relações subjacentes ao

batismo que foram observadas na Vila do Rio Grande.

Gudeman atribui a instituição do batismo a uma profunda elaboração acerca de um

dos dogmas da Igreja Católica, qual seja, o pecado original, o pecado de Adão, que a toda sua

descendência teria sido repassado. O batismo, a imersão na água benta, acompanhado dos

demais atos do rito, purifica a alma e purga este pecado. Através do batismo, o ser humano –

carnal, imperfeito, pecador em sua essência – renasce para o Reino de Deus, tocado pela graça

divina, purificado, limpo de alma, redimido tanto do pecado original como dos atuais. O

batizando, através do rito do batismo, morre para sua vida carnal e renasce para a vida em
201

Deus. Ratificando essa idéia do renascimento espiritual, dizem as Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia:

Causa o Sacramento do Batismo efeitos maravilhosos, porque por


ele se perdoam todos os pecados, assim original, como atuais, ainda que
sejam muitos, e mui graves. É o batizado adotado em filho de Deus, e feito
herdeiro da Glória, e do Reino da Fé. (...) E se por este Sacramento de tal
maneira se abre o Céu aos batizados, que se depois do Batismo recebido
morrerem, certamente se salvarão, não tendo antes da morte algum pecado
mortal. (Da Vide, 1707, Livro I, Título 10, § 34)

O rito do batismo seria, portanto, a representação sacramental da morte e

ressurreição de Cristo. Os conceitos básicos que regem tal rito são regeneração e

renascimento. O batizando viveria, dessa forma, a sua própria paixão (Gudeman, 1971: p. 49).

O rito do batismo e o mito do Pecado Original, vinculados desde as primeiras vezes

que o ato foi percebido, eram praticados pelos cristãos primitivos. Segundo Gudeman, a esse

tempo os pais de uma criança geralmente eram seus padrinhos, não havendo nenhum

impedimento para que aqueles que geraram a carne propiciassem ao novo cristão a sua

apresentação a essa comunidade religiosa, nem tampouco respondessem às perguntas feitas

pelo ministro – o nome da criança, se renunciava a Satanás e se aceitava Cristo como seu

salvador – fossem respondidas pelo pai do batizando. O conjunto de pessoas participantes do

rito do batismo – doravante conjunto do batismo – seriam o ministro, os pais e o próprio

batizando. Ainda segundo esse autor, o ministro estaria em substituição à presença física de

Deus, e o padrinho – nesse caso o próprio pai – estaria representando a Santa Madre Igreja

que o acolhia em seu seio.

Mesmo percebendo o batismo como uma instituição cristã, o autor detecta nas

práticas e crenças do judaísmo e de outras religiões orientais alguns elementos presentes no

rito. A água que purifica estaria associada ao mito do dilúvio, o renascimento à Páscoa e a

necessidade de padrinhos – testemunhas do ato do batismo – à circuncisão, cerimônia que

marca o ingresso de um menino no judaísmo e necessita de ao menos duas testemunhas.


202

Gudeman (1971: p. 49) afirma que a garantia imediata da salvação e renascimento, entretanto,

vem do próprio Cristo, dada na seguinte passagem bíblica:

Entre os fariseus havia um homem chamado Nicodemos. Era um


judeu importante. Ele foi encontrar-se de noite com Jesus, e disse: “Rabi,
sabemos que tu és um Mestre vindo da parte de Deus. Realmente, ninguém
pode realizar os sinais que tu fazes, se Deus não está com ele.” Jesus
respondeu: “Eu garanto a você: se alguém não nasce do alto, não poderá ver
o Reino de Deus.”
Nicodemos disse: “Como é que um homem pode nascer de novo,
se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer?” Jesus
respondeu: “Eu garanto a você: ninguém pode entrar no Reino de Deus, se
não nasce da água e do Espírito. Quem nasce da carne é carne, quem nasce
do Espírito é espírito. Não se espante se eu digo que é preciso vocês
nascerem do alto. (Bíblia Sagrada, 1990, J. 3:1 - J. 3:8)

Ainda com relação ao ato do batismo, Gudeman assinala a importância da marca

indelével feita no batizando pelo ministro. Indelével aos olhos de Deus e invisível aos olhos

dos homens. Quer-se destacar aqui que, acerca do nome atribuído ao novo cristão no

momento do batismo, há uma importante associação de termos e que, conforme o capítulo

aqui intitulado O Segredo do Pajé, confere características sobrenaturais ao nome que as

pessoas portam. Ao ser batizado, um cristão recebe a graça do Senhor e também a graça lhe

é concedida pelo padrinho, onde graça é, ainda hoje, um dos sinônimos de prenome ou

nome de batismo, tanto quanto o é de benefício e salvação concedidos por Deus2. Gudeman

observa que para os hispânicos há a expressão padres de gracia como sinônimo de padrinhos.

Se os pais carnais trouxeram a criança ao mundo, os padrinhos a conduzem à graça de Deus e

dão-lhe a graça de um nome ao qual serão chamados a ter com o Senhor no dia de Juízo.

Santo Agostinho teria sido o primeiro teólogo a resumir as várias doutrinas

concernentes ao batismo. A partir dessa compilação feita por Santo Agostinho, São Tomás de

Aquino, em sua Summa Theológica estabeleceu os preceitos dos quais derivam todas as

2
Cf. verbete “graça”, acepções 7, 9 e 10 em HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio
Eletrônico Século XXII, versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Lexikon, 1999. Edição em CD. e acepções
3-8 e 13 em HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002. Edição em CD.
203

demais formas do batismo até os dias de hoje. Se as distinções feitas por Santo Agostinho

sobre o caractere indelével e a graça atingida ao batismo geraram muitas discussões, o

Concílio de Trento (1545-1563), diz Gudeman, já as tinha bem claras e cristalizadas, e foram

as resoluções de Trento que se disseminaram na América Latina em processo de conquista

territorial e espiritual. Todas as variações do rito, do conjunto do batismo, dos laços que ali se

firmam, sejam elas ao longo do tempo ou em diferentes espaços, são derivadas do conteúdo

religioso do Concílio de Trento e, ao mesmo tempo, são reflexos parciais dele (Gudeman,

1971: pp. 48-50).

Ainda segundo Gudeman, os argumentos filosófico e teológico de discussão tomista

são dados sob forma de analogias e oposições, sendo que Gudeman detectou na parte

concernente ao batismo da Summa Theológica a fórmula mais freqüente em quatro termos,

havendo oposição análoga entre os dois primeiros e os dois segundos, na seguinte disposição:

Nascimento : Batismo : : Família : Compadrio

Dessa oposição análoga inicial, derivam que, o natural está para o espiritual assim

como o nascimento está para o renascimento; o nascimento está para o renascimento assim

como a vida está para a morte; a vida está para a morte assim como os pais naturais estão para

os pais espirituais, nas seguintes disposições:

Natural : Espiritual :: Nascimento : Renascimento :: Morte : Vida :: Pais Naturais : Pais Espirituais

Dessa constante oposição entre os mundos espirituais e temporais, entre o sagrado e

o profano, é que seria dada a substância do rito do batismo e às relações a ele subjacentes. A

análise desse argumento bem como da prática do batismo e dos deveres e direitos a que estão

obrigados os participantes do batismo num tipo de relação que abrange todo o conjunto de
204

batismo, foi denominado por Gudeman Complex of the Compadrazgo3.

Retornando ao histórico da instituição do batismo na Igreja Católica, as modificações

apresentaram certas rupturas no conjunto de relações que antes não havia. Se ao tempo da

Igreja do cristianismo primitivo os pais podiam ser os padrinhos dos seus filhos e o ministro

adquiria vínculo espiritual com a criança batizada, nos séculos IV e V já há mostras, em Santo

Agostinho, de que outras pessoas conduziam e elevavam a criança à condição de cristã,

respondendo por ela as questões feitas pelo ministro durante o ritual. Em outras palavras,

assumem a posição de fiadoras de sua renúncia ao demônio, até o dia de ministrar o

Sacramento da Confirmação, na qual o jovem não mais inocente, capaz de responder por si

próprio no uso de seu arbítrio, reafirmará o compromisso de renúncia ao demônio, feito em

seu nome por seus padrinhos e zelosos protetores de sua alma no dia do batismo. O ministro,

alegadamente por falta de tempo, teve suas responsabilidades reduzidas sobre os batizandos

em especial, zelando com mais afinco pelo rebanho de Deus como um todo. Essas

responsabilidades de educação e acompanhamento religioso do novo membro da cristandade

também foram delegadas àquele que conduzia, elevava a criança e a retirava da pia.

Dissociado, portanto, da figura do pai carnal e do ministro que representava a Santa Madre

3
Importante notar que o Complexo de Compadrazgo conforme definido por Gudeman, abrange não
somente a relação entre compadres (pais e padrinhos) como também as relações entre os fiéis e a Santa Madre
Igreja; entre os fiéis e Deus; entre os fiéis e o ministro; entre pais e filho; e entre pais espirituais e filho espiritual
(padrinhos e afilhado). Já o compadrazgo ou o compadrio são as relações existentes apenas entre os compadres.
Doravante, será aqui chamado de Complexo do Compadrio a esse conjunto de relações e de compadrio como as
relações entre os compadres. Importante, também, buscar ver a alteração que o termo compadrazgo, em sua
outra grafia compadradgo, sofreu ao longo do tempo. Em 1729 em espanhol significava “ a conexão, ou
parentesco que resulta entre o Padrinho e os Pais do menino ou menina batizados. (...) Confirmação e Batismo
são dois Sacramentos de que nasce o compadradgo, que é parentesco espiritual” (REAL ACADEMIA
ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española. Madrid: Real Academia Espanola, 1729. verbete
Compadradgo o Compadrazgo), sendo muito diferente da definição atual no mesmo idioma, “Conexão ou
afinidade que contrai com os pais de uma criatura o padrinho que a retira da pia ou o assiste na confirmação”
(REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española. Madrid: Real Academia Española,
2001. verbete Compadrazgo), na qual as palavras “parentesco” e “parentesco espiritual” estão ausentes, ou seja,
o pertencimento à família e a sacralização da relação desapareceram, assumindo, portanto, um teor laico. O
Vocabulário Portuguez e Latino de Raphael Bluteau não traz o verbete compadrio e define compadre como
sendo o companheiro da madrinha à pia batismal. Entretanto, para os verbetes padrinho e madrinha há extensa
explicação acerca do rito batismal e dos elos espirituais entre os pais da criança batizada, a criança batizada e
eles, seus pais espirituais (BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino - 1712. . Rio de Janeiro: UERJ,
2000 , edição em CD-Rom, verbetes compadre, comadre, padrinho e madrinha).
205

Igreja, o padrinho passou a incorporar funções que cabiam a eles.

No século VI houve a proibição, pelo Código de Justiniano, de casamento entre

padrinho/madrinha e afilhado/afilhada, denotando que as figuras de pais e padrinhos já

estavam por completo dissociadas, não vigendo mais a prática de pais serem padrinhos de

seus filhos. Isso fica por demais claro por ser a prática do incesto condenada pela religião

católica desde muito tempo. Portanto, se um impedimento matrimonial entre padrinho e

afilhado foi gerado, isso significa que não guardavam mais parentesco de

paternidade/maternidade carnal.

Também no século VI, na segunda metade, houve a proibição de clérigos serem

padrinhos de batismo, separando, também definitivamente, a figura do ministro e a do

padrinho. O padrinho passou a ser, portanto, figura constante e necessária, presente ao ato

batismal, dando os contornos do conjunto de batismo4 que hoje se tem. Não há certeza quanto

ao número de padrinhos exigidos na cerimônia a essa época, nem idéia precisa de quando o

elo espiritual, o perfilhamento existente entre padrinho e afilhado foi também aplicado aos

compadres (termo derivado de co-padres ou co-pais). Entretanto, quando da canonização do

Código de Justiniano, houve a extensão do impedimento matrimonial para mãe e padrinho da

criança:

Aqueles que são padrinhos de uma criança não podem desposar sua
mãe. A relação espiritual é mais alta que a corporal. (Hefele, 1896 apud
Gudeman, 1971: p. 51)

Isso denota que o elo espiritual entre pais carnais e padrinhos já estava há mais

tempo em gestação, marcando sempre a superioridade do vínculo espiritual sobre o mundano.

Por volta do século VI foi permitido que as mulheres agissem como padrinhos, e adiante nos

séculos VII e VIII, com a ênfase na analogia entre a geração natural e espiritual, um homem e

4
Conjunto de batismo vêm a ser as pessoas necessárias ou envolvidas no rito batismal. São a criança,
os pais carnais, os pais espirituais e o ministro.
206

uma mulher passaram a ser utilizados como padrinhos. O conjunto de compadrio reflete

também a natureza dual de Cristo e o dogma da virgindade de Maria. Há natureza mundana de

Cristo, cuja família era formada por Jesus, José e Maria, e há a sua natureza espiritual, tendo

Deus/Espírito Santo atuando na concepção de Maria. Essa dupla natureza se reproduz no

batismo quando a família carnal da criança, formada por ela, por seu pai e sua mãe é colocada

em contraposição, segundo Gudeman, em complementaridade a ela, concordando com o que

diz Pitt-Rivers sobre o tema:

Ele [Pitt-Rivers] argumentou que o compadrazgo é o que “o


parentesco cognático aspira, mas não pode ser”. O compadrazgo estabelece
laços de relacionamento de confiança que podem ser postos em usos
diferentes. Essa idéia é uma variante do tema da solidariedade social. Pitt-
Rivers também ligou o compadrazgo com o parentesco em de um modo mais
profundo. (Gudeman, 1971: p. 46)

O complexo do compadrio, portanto, estabelece elos profundos e espirituais. É a

conexão do mundo carnal da criança com o mundo espiritual, sendo os padrinhos – pessoas de

carne e osso – que mediam a relação entre o conjunto do nascimento (pai, mãe e filho) ao

Reino de Deus.

Tudo no nascimento carnal, de acordo com a tese de Gudeman, estaria relacionado

ao mundano, ao imperfeito, ao pecaminoso. Do ponto de vista dos atos e ações sociais, o

nascimento carnal tenderia à vergonha e à introspecção, ao passo que o renascimento

espiritual remeteria à pureza e à extroversão. A concepção de uma criança é restrita ao casal

que copula, em local privado e longe das vistas dos demais. O nascimento ocorre em casa,

sem mais testemunhas que uma parteira ou um médico. Da família carnal, qualquer um dos

elos pode ser negado ou mesmo rompido, nem que seja pela morte. O nascimento ocorre em

meio à dor e ao sangue. Já o batismo – renascimento da alma para Deus – é cerimônia pública

e comemorada. Há testemunhas, é um dos Sagrados Sacramentos, a Madre Igreja e Deus estão

presentes ao ato. O ocorre em local santo, em meio a símbolos de pureza e de purificação,


207

como a água benta e as chamas das velas. Após o nascimento, a reclusão da mãe e a

apreensão pelo risco de morte que mães e crianças correm no pós-parto. Após o batismo, a

confraternização e a certeza de que, sucedendo algo nefasto, Deus receberá a alma do

pequeno e a conduzirá à vida eterna.

Assim como é dual a natureza de Cristo e de suas duas parentelas, parte humana,

parte sobrenatural, são as duas famílias presentes no complexo do compadrio. Os laços

gerados por esse são firmados na esfera sobrenatural, na presença de Deus e sobrevivem até

mesmo à morte, já que os que se irmanam ou quem perfilha no ato do batismo não são os

corpos e sim os espíritos. Esses, por definição, são imortais. Assim, há também, a natureza

dual das relações presentes no complexo do compadrio. A irmandade entre os espíritos de pais

e padrinhos e a paternidade espiritual do padrinho para com a criança geram obrigações

mútuas e desiguais que têm expressão no mundo terreno.

Segundo Gudeman, portanto, as relações subjacentes ao batismo possuem dois

aspectos principais: o aspecto funcional, que fomenta as solidariedades sociais, e o aspecto

religioso, no qual os laços espirituais amarrados sob os auspícios da Igreja se dão não no

mundo dos humanos, mas na esfera divina. Sob essa ótica ficam irmanados os espíritos dos

compadres perfilhando espiritualmente o batizando. Se a relação entre compadres na esfera

espiritual é equilibrada, na esfera mundana ela denota certas hierarquias e diferenças

existentes nas relações da sociedade. Na relação padrinho-afilhado, tida por muitos como a

menos importante, há fortemente marcada, tanto na esfera espiritual como no mundo terreno,

a hierarquia existente no interior de uma família. Ao padrinho correspondem a educação, os

conselhos, o encaminhamento do jovem a uma profissão ou a um casamento, e ao jovem

competem as atitudes de respeito e apoio aos seus padrinhos.

Ainda segundo Gudeman, os parentescos espirituais formados ao batismo são

superiores aos parentescos mundanos, já que estes acabam com a extinção da vida na matéria.
208

Os laços espirituais, por serem laços que existem entre as almas, são levados pela eternidade,

até o Dia de Juízo. As relações parentais podem ser rompidas através da negação da

paternidade ou do abandono de filhos e da família. Mas não há meios de negar as relações

espirituais, já que estas se dão no âmbito místico e com Deus, através da Santa Madre Igreja e

seus representantes, conferindo graça a esses laços. O pecado original purgado das almas dos

batizandos os insere, ao mesmo tempo, no rebanho divino e no mundo social. Os pais dão à

criança o ser e os padrinhos lhes dão o ser social no seio da cristandade.

Se é um tanto difícil perceber a maior parte das obrigações instituídas pelo aspecto

religioso do compadrio, seu aspecto funcional, ou seja, a expressão mundana desses laços

sacralizados, é dado a ver em uma série de atitudes que foram documentadas nos registros da

Igreja. Os Róis de Confessados de Viamão, de 1776 e 1778 têm em dois domicílios jovens

designados como afilhados do chefe da família, em categoria semelhante a de outros parentes

e não como eram ditos os agregados, ou os “camaradas”, designação de outras relações que

não pertencem ao âmbito da família consangüínea ou dos parentescos espirituais.

A Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas

(Biblioteca Riograndense, 1937) arrola quinze questões a serem respondidas pelas

testemunhas e implicados. Há, entretanto, uma décima sexta questão que não está inscrita

entre essas quinze. Antes da assinatura ou da colocação do sinal característico dos

analfabetos, há uma observação acerca “do costume”, o que, em termos jurídicos, significa a

relação pessoal de uma testemunha com a pessoa sobre a qual vai depor5.

Nessa Devassa de cinqüenta e oito testemunhas previstas ao início, às quais se

somaram mais quinze “referidas”, ou seja, que foram chamadas a depor por serem referidas

em depoimentos de testemunhas, poucos foram os que tinham algo a dizer do costume, ou

5
Cf. verbete “costume”, acepção 8, in: HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Edição em CD.
209

seja, de suas relações pessoais com os implicados na Devassa. Havia ali, alegando-se como

tal, um primo-irmão; um ex-sócio “mas não inimigo”; um “procurador para lhe assistir a casa

em sua absência”, um homem “casado com uma neta” de um dos referentes, e seis homens

que diziam “ser compadre de”. Ou seja, mesmo documentos oficiais como uma devassa, que

assumem aspectos de inquérito em busca de responsáveis por fatos ocorridos, fazem anotar a

situação de compadrio como possível interferente no teor do depoimento. Muito

provavelmente para alertar que, de acordo com os laços sagrados do compadrio, essa

testemunha não diria voluntariamente nada que pusessem em perigo o seu irmão espiritual. As

obrigações religiosas e morais advindas do compadrio colocam um em eterna solidariedade

com o outro. Se isso se expressava assim, de modo claro em documentos dessa sorte, é

porque, também, os laços, a solidariedade, as responsabilidades, as obrigações mútuas deviam

se fazer presentes no quotidiano das famílias e no interior dos grupos sociais. Nessa devassa

há uma afirmação muito interessante:

do costume disse ser compadre do dito José da Silveira [Bitencourt] porém


que era seu inimigo e que juntamente era compadre do dito referente
[Antônio de Souza Fernando] (Biblioteca Riograndense, 1937, Devassa
Sobre a Entrega..., depoimento de Eusébio Alves de Souza, p: 147)

Isso significa que o elo mundano, o aspecto funcional da relação de compadrio de

Eusébio Alves de Souza com o implicado José da Silveira Bitencourt foram rompidos. A

solidariedade e o auxílio mútuo, decorrentes da relação que se estabeleceu à Pia Batismal, se

transformaram em inimizade. Entretanto, o elo espiritual permanecia. Negava-se a amizade,

mas não o compadrio. Negava-se o que decorria da carne, mas não se negava a relação

superior entre espíritos. Tanto isso era importante que, para além da amizade rompida, há a

afirmativa de uma outra relação de compadrio completa, sem a quebra da solidariedade e da

reciprocidade funcionais, entre os compadres, Eusébio Alves de Souza e Antônio de Souza

Fernando. Isso vai ao encontro da idéia do parentesco espiritual subsistindo às coisas terrenas
210

que é apresentada em Gudeman (1971).

II.2.Um pouco sobre os estudos sobre


compadrio no mundo

O estudo acerca das relações de compadrio tomou novo impulso com este trabalho de

Gudeman de 1971. Outros autores, em adendo ou em discordância com Gudeman, produzem

outras explicações aos papéis desempenhados pelos participantes do rito do batismo ou

ampliam a extensão das relações de compadrio para outras esferas religiosas ou não.

Destacam-se alguns aqui.

Peter Coy em 1974 publicou An Elementary Structure of Ritual Kinship: A Case of

Prescription in the Compadrazgo, cuja principal intenção, baseado em pesquisas de campo, é

incluir o matrimônio entre os sacramentos da Igreja que geram relações de compadrio, neste

caso, entre os nubentes e suas testemunhas, além de tentar ampliar as conclusões de Gudeman

acerca do compadrio gerado à pia batismal (Coy, 1974). Em 1975 o próprio Stephen

Gudeman retornou ao tema com o artigo intitulado Spiritual Relationship and Selecting

Godparent (Gudeman, 1975). Sem discutir o dito por Coy, Gudeman reafirma o Complexo

do Compadrio apenas como surgido do batismo e confirmação, explorando as regras para

seleção de padrinhos a partir das normas da Igreja e de sua interpretação popular, levando em

consideração os impedimentos matrimoniais gerados pelas relações do Complexo do

Compadrio e a superioridade dos laços espirituais sobre os laços terrenos.

Nesse mesmo ano o antropólogo Roderick L. Stirrat publicou o artigo Compadrazgo

in Catholic Sri Lanka, saindo, portanto, do âmbito estudado pelos autores anteriores, que se

detinham na Europa, em especial a Europa mediterrânea e a América Latina. Discute também

a diferença que considera crucial entre o compadrio da pia batismal e o que ocorre no

casamento. Esse trabalho é importante pois, de um modo mais contundente, discute o aparato
211

conceitual utilizado por Gudeman, problemático em sua concepção, no que concerne à

dicotomia entre as esferas espiritual e natural. Segundo Stirrat, aí reside o maior problema de

sua análise, sendo que o que é dito “espiritual” em Gudeman poderia ser dito “cultural”, ou

seja, a dicotomia poderia aparecer como sendo entre “homem cultural” e “homem natural”,

em vez de “homem espiritual” e “homem natural”. Apesar de suas discordâncias com

Gudeman, de seu trabalho Stirrat toma a idéia de que o compadrazgo é um produto da

teologia católica. De Pitt-Rivers assume a idéia de que na relação de compadrio padrinho

guarda semelhanças com o tio materno, ou seja que há uma afinidade espiritual. Conclui

dizendo que, se por um lado Gudeman enfatiza apenas um aspecto do problema, focando a

relação entre nascimento e batismo, reduzindo o conjunto do compadrio ao contraste entre as

famílias espiritual e terrena, por outro Pitt-Rivers via o compadrazgo apenas como família,

enfatizando essas coletividades e o papel individual dos padrinhos. Segundo Stirrat, ambas as

análises são falhas ao analisar o compadrio em separado do matrimônio, sem analisar as

regras positivas e negativas do primeiro agindo sobre o segundo e vice-versa. Conclui dizendo

sobre seu estudo: “A análise que eu propus é concernente a uma variante da Grande Tradição

do Catolicismo: uma Pequena Tradição” (Stirrat, 1975: p. 604) e por conseqüência, clama por

novos estudos que ampliem os horizontes neste tema.

O ano de 1976 foi marcado pelo início da produção mais intensiva de autores

franceses que se voltaram para esse assunto. Curiosamente, assim como nos temas vinculados

à onomástica, as tradições de pesquisa de um lado inglesa e norte-americana, e de outro,

francesa ignoraram-se mutuamente, não discutindo entre si. Jean Louis Christinat publicou

artigo sobre padrinhos de batismo e seus afilhados no Bulletin de Institut Franças d'Études

Andines, tendo como objeto de estudo o compadrazgo praticado no Peru. (Christinat, 1976).

A ênfase desse estudo é a sacralidade do laço, a importância das relações de compadrio e o

alcance social de uma relação sacralizada. Em sua bibliografia não estão incluídos os autores
212

anteriormente mencionados, de onde se conclui que ignorava a existência de vasta literatura

em língua inglesa.

Françoise Zonabend, dois anos após, publicou o artigo La Parenté Babtismale a

Minot (Côte-D'Or) (1978), hoje considerado clássico para quem se inicia no estudo do

compadrio e suas relações. Não constando a produção em língua inglesa em sua bibliografia,

em certos pontos, chega a algumas constatações semelhantes as de seus colegas ingleses e

norte-americanos. Demonstrando, ao longo do estudo, quanto da cultura popular e de

modificações que ocorreram nessas práticas ao longo do recorte cronológico, Zonabend

identifica certas práticas e crendices associadas à mortalidade infantil e à crença em uma

“fragilidade” da criança enquanto não for tocada pelo Espírito, enquanto não renascer pelo

batismo. Indo além, a autora percebe também padrões de escolha para os padrinhos das

crianças, socialmente condicionados, dando a ver que os padrinhos das crianças mais velhas

são geralmente pessoas da família com uma certa regularidade dos graus de parentesco entre

padrinhos, pais e crianças, e em menor medida, pessoas do mesmo grupo social. Os últimos

filhos tendiam a ser batizados com mais freqüência por pessoas alheias à família e/ou de

estatuto social superior. Zonabend coloca que o compadrio nessa região ocorre em três fases

distintas, todas elas ritualizadas, senão pelas práticas cristãs, pelos costumes populares. Esse

artigo, que abrange o batismo de crianças e vários ritos e práticas dessa sociedade a ele

associadas, é, dito de outra maneira, o estudo aprofundado de uma das assim chamadas

variantes locais do dogma cristão. Ele será, de certo modo, ponto de partida para muitos

outros estudos da antropologia francesa sobre o parentesco ritual contraído ao batismo.

Interessante também notar que as ciências humanas, como fruto de seu tempo,

também passam a enfatizar, nos estudos do compadrio, temáticas e abordagens e discussões

em voga ao tempo em que foram produzidos. Bloch & Guggenheim, que em Compadrazgo,

Baptism and the Symbolism of a Second Birth (1981) também enfatizam a oposição entre o
213

natural e o espiritual na comparação entre o conjunto de nascimento e o conjunto de

compadrio, demonstram a crença na superioridade do segundo sobre o primeiro, afirmando

ser isso decorrência de uma intencional diminuição, no discurso e na prática cristãs, do papel

da mulher na sociedade. Todo o mal que vem da carne – o sangue, o sofrimento, a dor e o

pecado – viria através da mulher, a mãe. O bem, a limpeza, a purgação, a salvação e a vida

eterna vêm da relação espírito, onde a mulher – mesmo a madrinha – desempenha um papel

secundário. Uma mulher seria capaz de gerar uma criança, mas esta nasce imperfeita,

necessitando ser redimida das falhas que precede seu nascimento e que derivam do pecado

não apenas de Adão, mas de Adão e Eva, sendo ela a indutora do pecado. Muito

provavelmente influenciadas pelos ideais e teorias feministas das décadas de 1970 e 1980, as

autoras, para além da oposição carne-espírito, enxergam uma depreciação da capacidade

criadora e geradora da mulher. Independente dessa ênfase demasiada na depreciação feminina

no ato batismal, o destaque da oposição sagrado-profano vêm a contribuir na análise que se

faz das relações subjacentes ao ato do batismo na Vila do Rio Grande.

Talvez numa tentativa de romper com a ignorância mútua entre a historiografia de

língua francesa e inglesa acerca das relações de compadrio, em 1981 Jacques Dupâquier

publicou Naming Practices, Godparenthood, and Kinship in the Vexin, 1540-1900 na revista

norte-americana Journal of Family History (1981) e, em contrapartida, a autora norte-

americana Cheryll Ann Cody, no ano de 1980, levou artigo seu sobre as práticas de nomeação

entre escravos norte-americanos a um evento organizado pelos franceses acerca de parentesco

ritual e práticas de nomeação, publicado posteriormente em uma coletânea dos trabalhos

apresentados neste evento (1984).

Na década seguinte, Salvatore D’Onofrio, no artigo L’Atome de parenté spirituelle

(1991), também destacou a oposição entre os laços sagrados estabelecidos ao batismo e os

laços mundanos das relações carnais e de parentesco consangüíneo, e avançou por onde a
214

investigação de Gudeman não obteve resposta: a origem do impedimento matrimonial entre a

mãe e o padrinho ou entre o pai e a madrinha. Sua idéia é a de que o rito batismal tenta imitar

a “família espiritual” de Cristo, invocando a presença de uma concepção sem pecado tanto

quanto o “nascimento espiritual” prescinde do contato entre padrinho e madrinha.

A década de 1990 foi marcada também por muitos estudos de caso acerca do

parentesco batismal não apenas na forma da Igreja Católica, como fazem alguns

pesquisadores italianos, como é o artigo Family, kin, and the quest for community: A study of

three social networks in early-modern Italy, de Sandro Lombardini (1996) mas, também para

locais nos quais o protestantismo vigorava, trazendo à tona outras tantas variações de um

ritual que não é somente católico, mas cristão em sua essência. Sua publicação em periódicos

internacionais ganhou fôlego a partir do ano 2000. Citam-se aqui, a título de exemplo, os

artigos Godparents, witnesses, and social class in mid-nineteenth century sweden, de Tom

Ericsson (2000); Women and men as godparents in an early modern swedish town, de Solveig

Fagerlund (Fagerlund, 2000) e Cementing alliances? witnesses to marriage and baptism in

early nineteenth-century Iceland de Gisli August Gunnlaugsson e Loftur Guttormsson (2000).

Portanto, estudos sobre as explicações acerca do tipo de relações espirituais e

seculares dadas a partir do comparecimento à pia batismal, longe de demonstrarem dar um

fim à questão, vêm colocando mais e mais perguntas a serem respondidas. Os estudos de caso

para localidades que antes estavam ausentes do debate trazem novos dados e novos

significados para as relações de compadrio, de parentesco fictício e de solidariedade, que

implicam numa conjunção de aspectos da vida social, política, religiosa e econômica daqueles

que tem o batismo de crianças e adultos como um ritual nas suas sociedades.
215

II.3. Um pouco sobre estudos acerca de compadrio e


batismos no Brasil

No Brasil os estudos acerca do batismo e relações de compadrio iniciaram de um

modo tímido, muitas vezes aparecendo como um aspecto relevante, mas de menor

importância, em trabalhos que focalizavam temáticas outras, alguns direcionados para a

demografia histórica ou para a história da família, que se utilizaram de registros batismais

como fontes para a investigação. Sheila de Castro Faria, em A Colônia em Movimento:

fortuna e família no cotidiano colonial (1998), usa registros batismais e neles, além de

padrões de legitimidade, também tece considerações acerca das relações que o batismo e o

compadrio criam na vida da população colonial. Seu trabalho é consecução de um esforço

iniciado na segunda metade da década anterior.

Do mesmo modo que foi observado por Gudeman e por Guggenheim & Bloch que a

presença masculina normalmente é mais freqüente à pia batismal, não deixa de ser também

notável para todo o período colonial da história brasileira que se no conjunto de compadrio

falta apenas um dos padrinhos, este será necessariamente a mulher. Havendo apenas um

padrinho, não foram anotados casos em que houvesse madrinha e o padrinho estivesse

ausente. Já o contrário, a presença de um único padrinho (e em casos muito raros dois

padrinhos de mesmo sexo), este necessariamente era um homem. Ao mesmo tempo, muito

raramente foram percebidos casos em que o padrinho fosse substituído por ente sobrenatural,

como um ou outro registro de santo como padrinho de alguma pessoa, substituindo ente

humano (Venâncio, 1986; Ramos, 2004). Ao contrário, o nome de santas, registradas como

madrinha das crianças – em geral Sant’Ana, avó do Cristo, ou Maria, sua mãe em uma de

aparições como Nossa Senhora – foram registradas, ainda que com muito pouca freqüência

para o período abrangido por esse estudo (ADPRG, LBat1-RG, LBat2-RG, LBat3-RG,

LBat4-RG1738-1763).
216

Essa constatação, a ausência de madrinhas na pia batismal, foi tema do artigo A

Madrinha Ausente – condição feminina no Rio de Janeiro (1750-1800), de autoria de Renato

Pinto Venâncio (1986) que, como o título indica, investiga a condição feminina através dos

registros batismais. Nesse ano se inauguram os intentos mais intensivos acerca dos batismos e

relações de compadrio, sendo este um dos primeiros estudos voltados inteiramente para o

tema. Ainda que sem um forte discurso feminista, visível no trabalho de Guggenheim &

Bloch, o autor argumenta que a ausência da madrinha seria, principalmente, fruto da

sociedade patriarcal luso-brasileira, que tendia a manter suas mulheres em forte reclusão para

dar menor azo à infidelidade conjugal ou a relações sexuais precoces ou não desejadas pelas

boas famílias para as suas filhas. A substituição de madrinhas de carne e osso por entidades

místicas, como Nossa Senhora, a Virgem Maria e outras santas, para este autor, preencheriam

o vazio deixado na pia batismal pelas mulheres reclusas. Reclusas, ainda segundo ele, por

terem a natureza a lhes dominar, por serem naturalmente frágeis, físicas e moralmente, não

fazendo, portanto, frente aos assédios e brutalidades que os homens lhes impunham. Essa é

uma interpretação. Mas, como se verá adiante, não é válida para a colônia como um todo. Se

certo é que a ausência feminina na pia batismal é maior que a dos homens, também é certo,

como será demonstrado em momento oportuno tendo por base os compadrios das famílias

açorianas na Vila do Rio Grande, as mulheres das boas famílias que mais batizaram crianças

na localidade comparecerem muito mais vezes à pia batismal do que seus maridos, filhos e

irmãos. O problema da freqüência feminina nos ritos de batismo da Vila do Rio Grande,

portanto, requer outra explicação.

Despontando como um dos primeiros trabalhos brasileiros, senão o primeiro, a dar

destaque ao compadrio tem-se Pais, Padrinhos e o Espírito Santo: um resultado de

Compadrio, de Antônio Augusto Arantes (1982), seguido do já comentado trabalho de Renato

Pinto Venâncio. Uma outra importante pesquisa que tem o compadrio como tema é o capítulo
217

Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII

(1988), escrito por Stephen Gudeman e Stuart Schwartz e publicado em livro organizado por

João José Reis. Discorrendo acerca do compadrio para as famílias escravas da Bahia, os

autores deram grande impulso às pesquisas realizadas com registros paroquiais e àquelas com

interesse nas relações estabelecidas à pia batismal.

Esse é o primeiro estudo que se encontrou para as relações de compadrio específicas

dos escravos do período colonial brasileiro. Gudeman & Schwartz, partindo da premissa da

existência de um aspecto religioso e de um aspecto funcional nas relações de compadrio,

afirmam, entre outros, a insignificância numérica de senhores batizando seus escravos como

derivado do laço espiritual contraído ao batismo, momento no qual estariam irmanados aos

pais das crianças que batizaram. Uma vez irmanados espiritualmente aos seus escravos,

estariam em uma situação na qual não poderiam exercer a violência sobre os mesmos. De tal

forma, evitariam ao máximo participar como padrinhos dos batismos das crianças suas

escravas para que sua autoridade, expressa também pelo direito de submeter a castigos

corpóreos os seus escravos, não se visse diminuída. Também esse ponto será discutido em

momento oportuno. Destaca-se aqui a grande contribuição que esse artigo dá ao estudo do

parentesco entre escravos, seja ele consangüíneo, afim ou fictício. Os autores demonstram que

uma rede social unia escravos de diferentes propriedades através do comparecimento à pia

batismal e mostram, também, que as escolhas de compadres eram feitas dentro de padrões

condicionados socialmente, deixando perceber a penetração dos dogmas da Igreja católica nas

populações escravizadas e suas formas de interpretação e utilização dos sagrados laços do

compadrio.

Em seguimento a esses estudos primeiros, outros tantos surgiram. Citam-se aqui, não

mais que para demonstrar que a produção historiográfica sobre o tema não estagnou, alguns

entre os tantos trabalhos de pesquisa publicados, Família e compadrio entre escravos das
218

Fazendas de Café: Paraíba do Sul, 1871-1888, e The politics of kinship: Compadrio Among

Slaves in Nineteenth-Century Brazil, de Ana Maria Lugão Rios (1990; 2000); Compadrio,

Relação Social e Libertação Espiritual em Sociedade Escravistas, de S.M. Brügger e T.M

Kjerfe (1991); O compadrio batismal a partir dos registros paroquiais: sugestões

metodológicas, de Sérgio Odilon Nadalin (1997); Na Pia Batismal: família e compadrio entre

escravos na Freguesia de São José no Rio de Janeiro (primeira metade do século XIX)

dissertação de mestrado de Roberto Guedes Ferreira (2000) e o capítulo quinto de Minas

Patriarcal - Família e Sociedade (São João del Rei, séculos XVIII e XIX), tese de

doutoramento de Sílvia Maria Jardim Brügger, dedicado ao parentesco ritual e às estratégias

sociais.

No ano de 2003, em evento da Associação Brasileira de Pesquisadores em História

Econômica, ao menos três trabalhos se utilizaram de registros batismais para investigar

mobilidade e inserção social, para escravos, forros e livres. São eles De pai para filho:

legitimação de escravos, herança e ascensão social de forros nos Campos dos Goitacases, c.

1750-c.1839, de Márcio de Souza Soares (2003); Trabalho, família, aliança e mobilidade

social: estratégias de forros e seus descendentes - Vila de Porto Feliz, São Paulo, século XIX,

de Roberto Guedes Ferreira (2003) e Na Pia Batismal: estratégias de interação, inserção e

exclusão social entre os migrantes açorianos e a população estabelecida na Vila do Rio

Grande através do estudo das relações de compadrio e parentescos fictícios (1738-1763) de

Martha Daisson Hameister (2003). Como traço comum, os três trabalhos se utilizam do

“método onomástico” ou cruzamento de registros nominais para traçar trajetórias de famílias,

delinear a parentela carnal ou espiritual e tentar identificar as estratégias que podem ser

percebidas a partir destes registros.

Em 2004, a revista Varia História, da Universidade Federal de Minas Gerais,

publicou seu número 31 com artigos dedicados à história da família e aos registros
219

eclesiásticos. Chama-se especial atenção para os artigos Teias Sagradas e Profanas: o lugar

do batismo e compadrio na sociedade de Vila Rica durante o século do ouro, de Donald

Ramos (2004), que busca padrões de escolha de padrinhos para escravos, forros e livres,

tentando se ater aos aspectos seculares e sagrados da relação de compadrio; Filhos de Deus:

batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro

Preto, de Douglas Libby e Tarcísio Botelho (2004), que abrange um recorte de quase cem

anos de registros batismais de uma paróquia mineira, e Aspectos da Função Política das

Elites na Sociedade Colonial Brasileira: o parentesco batismal como elemento de coesão

social, de Vera Alice Cardoso Silva (2004), que enfatiza a importância da escolha de

padrinhos como elemento que reduz as tensões sociais entre grupos e pessoas de estatutos

sociais diferentes, bem como a importância da formação de redes de parentesco fictício

numerosas e abrangentes de vários setores da sociedade para a sustentação do poder das elites.

Cada um desses três artigos explora, de modo diferente, as implicações das escolhas de

padrinhos e das teias de parentesco fictício gerados ao batismo.

No mesmo ano de 2004, mais três trabalhos importantes foram apresentados no

Encontro Nacional de Estudos Populacionais. São eles Casamento & Compadrio: estudo

sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o

XIX (São José dos Pinhais - PR), de Cacilda Machado (2004), que analisando trajetórias de

casais formados por escravos com livres e libertos e de seus filhos, verifica essas relações

serem estratégicas para a garantia ou obtenção da liberdade, ao mesmo tempo que reiteravam

a hierarquia e a estrutura social escravistas; Compadrio em uma Freguesia Escravista:

Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG) 1838-1888, de Jonis Freire (2004), que vê nas relações

de compadrio dos escravos e nos padrões de escolha de compadres um leque muito maior de

opções do que o imaginado anteriormente, além de afirmar ser o compadrio instrumento

fundamental para o estabelecimento de solidariedades, não apenas entre os cativos, mas dos
220

cativos com aqueles de estatuto social superior: forros e livres, abrangendo também pessoas

do topo da hierarquia social da localidade; e Compadrio e Escravidão: uma análise do

apadrinhamento de cativos em São João del Rei, 1730-1850 de Sílvia Maria Jardim Brügger

(2004). Assim, excetuando o trabalho de Machado, que enfatiza as trajetórias de casais

mistos, os dois outros trabalhos destacam os compadrios dos cativos em períodos distintos.

Esse crescente interesse pelas relações de compadrio se confirmou no ano de 2005, no qual

alguns eventos nacionais tiveram sessões com trabalhos nessa temática. Haja vista que

nenhum desses trabalhos é algo encerrado e sim observações iniciais ou intermediárias, ao

que tudo indica, os anos vindouros serão bastante férteis nesse terreno.

No Brasil, percebe-se que há uma grande ênfase nas análises de batismos e

compadrios da parcela escrava da população em detrimento de famílias livres, talvez

respondendo à antiga e cada vez mais infundada queixa de que não existem fontes para o

estudo da escravidão. Também surgem esses estudos em resposta a uma discussão antiga na

historiografia acerca da escravidão, entre aqueles que acreditam na reificação do escravo

dadas as condições opressivas e degradantes da escravidão e aqueles que acreditam ser o

escravo um agente social e, portanto, agente histórico.

O fato de gerar famílias e o fato de estabelecer uma malha de relações sociais entre

os de estatuto social semelhante ou superior, se utilizando das solidariedades implícitas a estas

relações em proveito próprio, como estratégia de manutenção de uma qualidade de vida ou de

melhoria desta, vai contra à idéia de um escravo tornado coisa, sem possibilidade outra de

ação que não a submissão, o suicídio ou a rebelião. A violência que é a própria escravidão não

é diminuída em nada com essa constatação. Apenas se acrescentam aspectos mais sutis de

dominação na “instituição escravidão” que também não é “uma coisa” e sim uma relação.

Sendo a escravidão uma relação, não é nem estática nem imutável. Apresentou várias faces ao

longo do tempo e ao longo do território onde existiu, podendo, portanto, diferir em formas e
221

práticas sociais inerentes a esta relação.

A perspectiva que se adotará nos casos que serão adiante analisados destoa dos

estudos anteriores apresentados por uma opção que tem dois motivos, um prático e um

teórico-metodológico. O motivo prático diz respeito às condições das fontes disponíveis para

esse estudo. Como já dito, os livros exclusivos de registros batismais de escravos na Vila do

Rio Grande desapareceram do Arquivo da Diocese. Não há fontes suficientes para que se

proceda nem ao acompanhamento das trajetórias dessas famílias nem que se aplique

metodologia da reconstituição de famílias. Maria Luiza Bertulini Queiroz, em sua tese,

abdicou da inclusão das famílias escravas, provavelmente por este mesmo motivo (1992).

Havendo portanto, essas dificuldades notadas na carência de fontes, buscou-se,

então, um modo de abranger essa parcela no estudo sem que se incorresse no erro de tentar

fazer coisas inexeqüíveis, dando razão ao segundo motivo para que se destoe das abordagens

anteriores.

Eis, então que o segundo motivo é de cunho teórico-metodológico, surgido a partir

da percepção, ainda que incipiente, no momento em que os dados eram agregados às

respectivas bases de dados, da existência de teias de relações estabelecidas pelas famílias em

seus compadrios. Essas, cruzadas com outros registros disponíveis para a época e o lugar sob

estudo induziram a uma concepção diferente do usual sobre o que sejam “as famílias” na Vila

do Rio Grande ao século XVIII.

Retornando à questão de que a escravidão constitui uma relação, tem-se que, apesar

da impossibilidade de seguir a trajetória das famílias formadas por mãe, filhos e, com menor

freqüência, pais escravos, é correto afirmar que estes eram escravos “de alguém”. Não

existem escravos sem proprietários, mesmo que os proprietários sejam instituições como as

irmandades, a igreja ou o Estado. Assim, se não é possível quantificar, por lacunas na

documentação, o número de famílias escravas, tem-se a certeza que estas faziam parte de
222

alguma unidade que foi quantificada no estudo de Maria Luiza Bertulini Queiroz, que estudou

a parcela livre desta sociedade, abdicando de estudar a parcela escravizada. A tentativa que se

faz neste estudo é, quando identificados escravos e seus proprietários, investigá-los como

parte componente da unidade domiciliar a que pertenciam. Embora uma coisa não substitua a

outra, pensa-se aqui que esta seja, senão a única, uma das formas de incluir estes escravos que

desapareceram junto com os registros subtraídos à Diocese na sociedade na qual viveram,

procriaram e morreram.

III. O Mundo que Deus Criou e a Lei


dos Homens

Um documento singular

Aos doze dias do mês de junho de mil setecentos e quarenta e


cinco anos nesta Igreja Matriz de Jesus-Maria-José da povoação do Rio
Grande de São Pedro estando eu de cama enfermo dei licença ao Reverendo
Manuel Henriques para batizar por forra e pôr os santos óleos a Felícia
inocente filha natural de Francisca parda escrava do Comissário Cristóvão da
Costa Freire e de Antônio Pires homem paisano e dando eu licença ao dito
Reverendo padre para batizar por forra no dia onze ele a batizou no dia doze
muito cedo por fazer gosto ao dito Comissário, amigo seu muito particular,
que não queria se batizasse por forra a dita criança, e a Pedro da Costa
Marim, a quem o dito Comissário fez a venda da dita sua escrava Francisca
para melhor se escusar de forrar a filha e também porque não houvesse quem
lhe levasse à pia batismal o dinheiro que o pai dela dava para se forrar
conforme o estilo e costume de todas as freguesias do Bispado, porque para
ele a não levar à pia o fez prender o dito Reverendo padre pelo governo deste
estabelecimento e preso esteve até fazer o dito batizado a gosto do
Comissário e Ajudante Pedro da Costa Marim e não do pobre pai, que à
cama me veio trazer o dinheiro para forrar sua filha e logo a deu por forra
pedindo-me assim a mandasse batizar e eu assim a mandei batizar por forra e
livre como se forra e livre nascesse o dito Reverendo Padre não o fez foi por
dolo e malícia e se não apareceu pessoa alguma que requeresse na pia o dito
batismo e levasse o dinheiro para tal, foi por estar o pai preso e ele vir muito
cedo batizar a criança, a qual, como conheço ser estilo e costume nas mais
freguesias do Bispado e o pai querer dar o valor dela segundo o estado de
pequenez, dou por forra e liberta no seu batismo, havendo o senhor a todo o
tempo que quiser o valor da dita Felícia no estado da inocência em que foi
batizada, pois é a Igreja mãe e não quer filhos que a ela chegam cativos e por
descargo de minha consciência e saber se fez todo o contrário do que é
costume por traição, ódio e malquerença que contra uns e outros há nesta
freguesia, é que julgo ser forra a dita Felícia inocente, da qual foram
padrinhos Manuel Francisco da Costa e NSra do Rosário e por verdade de
todo e ter batizado e posto os santos óleos à dita Felícia o dito Reverendo
223

Padre fiz este assento dia e era ut supra. Pe. João da Costa Azevedo.
(Domingues, 1981 pp. 34-35).

III.1. Do batismo de Felícia

O registro do batismo de Felícia nem de longe se assemelha aos demais assentos nos

livros da Vila de Rio Grande. Normalmente esses anotavam aquilo que era exigido pelas

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Segundo essas, era mister “que em um

livro se escrevam seus nomes, e o dos seus pais, e mães, e dos padrinhos” (Da Vide, 1707:

Livro Primeiro, Título XII.).

Tampouco os registros normais eram usualmente tão sumários quanto o disposto nas

Constituições. Dependendo do rigor do pároco ou da passagem recente de um visitador, os

registros podiam conter outras tantas informações, tais como a procedência dos pais, a data de

nascimento da criança, os estatutos de “forro”, “escravo”, “administrado” ou “liberto”, mesmo

que em condição pretérita (p. ex. “escravo que foi”); anotações sobre o que poderia ser dito

como cor mas que, ao mesmo tempo poderiam designar o fenótipo, designavam também uma

situação social: “pardo”, “preto”, “índio”. Poderia ser uma classificação até social bastante

precisa, se não percebêssemos que muitas dessas desinências somem ou transformam-se com

o passar do tempo; nome e procedência dos avós; procedência dos padrinhos e o local atual de

residência dos partícipes do ato batismal. Também era dito do batizando sua situação legal:

legítimo, natural – muito raramente bastardo –, ou exposto. Ainda que filhos de relações

adulterinas ou espúrias estivessem sendo batizados na vila, a nenhum deles coube a anotação

de “ilegítimo”, ainda que o registro expressasse a condição de casado de um de seus pais ou

ainda de ambos serem casados com outras pessoas. Era a leitura do pároco, quiçá da

sociedade em formação: filhos naturais. E se assim foi lavrado nos livros, aqui serão ditos

naturais. Variações nos dados contidos nos assentos batismais foram percebidas em estudos

anteriores que se debruçaram sobre fontes semelhantes (Gudeman & Schwartz, 1988;
224

Ferreira, 2000; Rios, 2000; Brügger, 2002). Fica, então, anotado aqui que os assentos

produzidos pelos párocos da Vila e imediações, ainda que contenham peculiaridades, não

destoam dessa variada gama de possibilidades acrescidas ao mínimo exigido pelas

Constituições.

Entretanto, no batismo de Felícia há um longo texto a trazer tantas mais informações

das práticas sociais e costumes da Vila do Rio Grande e mesmo do Bispado do Rio de Janeiro.

Com um pai camponês e uma mãe parda escrava – sem que isso necessariamente indique uma

origem africana, haja vista os índios amiúde serem ditos pardos – Felícia tinha, de acordo com

os planos de sua família, a liberdade iminente. Para seu azar e para a sorte dos historiadores,

essa liberdade não estava nos planos do comissário. Sobre esse texto se lançarão os olhares na

tentativa de enxergar para além do que está registrado.

Em primeiro lugar, destaca-se aqui que, margeando a evidente “tramóia” que foi

armada para que a menina Felícia permanecesse em estado de escravidão, houve o

rompimento de um trato. Apesar do pai de Felícia ter entregue o dinheiro referente ao preço

da criança “em seu estado de pequenez” ao vigário adoentado, sua alforria não ocorreu. O

proprietário, o comissário Cristóvão da Costa Freire, agiu de má fé ao contrariar um trato que

havia sido feito com o padre. Mas há que se perguntar por que o trato havia sido feito com o

vigário e não com o proprietário da criança. Eis aqui o que diz o vigário convalescente acerca

da instituição Igreja: “é a Igreja mãe e não quer filhos que a ela chegam cativos” (Domingues,

1981: p.35).

Para essa sociedade, Deus é o pai e a Igreja é a mãe dos filhos que vagam pela Terra.

Não há mãe nem pai neste e no outro mundo que desejem ver seus filhos cativos. O amor

cristão almeja a isenção do cativeiro, usualmente associado ao pecado e ao serviço do

demônio. O pior dos cativeiros é ser escravo do pecado, um escravo do demônio, colocando a

alma em cativeiro por toda a eternidade. Para tanto, a Santa Madre Igreja tem o batismo como
225

primeiro sacramento dado aos seus filhos. O batismo é a expiação do Pecado Original, a

libertação do pecado primeiro, herdado de Adão e Eva que, tendo provado o fruto da Árvore

do Conhecimento, repassaram seu fardo à sua descendência.

O batismo liberta a alma. O padrinho, que em nome da criança renuncia ao demônio,

fornece-lhe um prenome cristão ou de santo. Com os Santos Óleos o pároco unge em cruz a

testa do pequenino. Esse sinal, que desaparecerá da pele da criança, é perene em sua alma:

marca indelével dos membros do rebanho do Senhor, daqueles que foram libertos do pecado

original. Por essa marca Deus reconhece seus filhos e pelo prenome dado ao batismo eles

serão chamados no Dia de Juízo, para terem seus atos avaliados e direcionados à chama

eterna, em companhia de hediondos seres, ou ao Paraíso, ao lado de Deus Pai e todos os

anjos.

Muito bem observado por Gudeman & Schwartz (1988), as instituições da

escravidão e do batismo são opostas entre si. A escravidão remete pessoas ao cativeiro e o

batismo as liberta. As Constituições Primeiras tentam, de alguma maneira, gerar regra para a

libertação espiritual dos corpos cativos. De alguma maneira, isso também foi percebido pela

sociedade que via, conforme o descrito pelo vigário de Rio Grande, o batismo como um

momento propício para a libertação do corpo, indo, então, além do significado de libertação

da alma que o rito possuía. Claro fica não ser norma escrita, mas ser “estilo e costume de

todas as freguesias do Bispado”, a saber, o Bispado do Rio de Janeiro, o senhor da criança

aceitar o valor em “seu estado de inocência” oferecido para a sua alforria. Ao que tudo indica,

não uma punição formal, na dura letra da lei, mas um constrangimento social haveria de dar

lugar a quem se negasse a receber tal oferta. O hábito e o costume eram tão fortes que tão

logo pôde, o pároco redigiu a anotação e reverteu a situação de cativeiro, aliviando sua

própria consciência. A menina Felícia, belo nome escolhido para a criança que tendo nascido

escrava teria a felicidade de tornar-se livre de corpo e alma no dia de seu batismo, tinha pai e
226

mãe que a amavam e a queriam livre. Livre do pecado, livre do cativeiro. Tinha um padre

disposto a fazer valer a vontade de Deus Pai e da Santa Madre Igreja, advogando a sua causa.

Desse documento, de suas linhas e entrelinhas, há mais o que ser dito. O Padre João

da Costa Azevedo, vigário de Rio Grande tinha por certo estar praticando a justiça quando

reparou os atos praticados por dolo e malícia. Mais do que isso: estava corrigindo o que

poderia ser dito “uma distorção” do aparato legal. Legalmente, o proprietário da mãe e da

criança poderia ter efetuado a venda e negado a alforria à pia. Isso estava dentro das suas

prerrogativas de senhor de um escravo. Entretanto, percebe-se que “por uso e costume”

geravam-se constrangimentos a quem fizesse valer suas prerrogativas de proprietário de

escravos por sobre o praticado no Bispado. Apoiado na lei, o comissário Cristóvão da Costa

Freire poderia ter feito tudo o que fez, dispensando a sórdida tramóia. Assim, vê-se o “estilo e

costume” assumir forma de lei de fato, já que outra havia de direito. Foi baseado nisso que o

Padre João da Costa Azevedo reverteu os atos praticados pelo comissário e seus “amigos”,

que impediam a prática dos usos e costumes. O direito consuetudinário prevaleceu sobre a

normatização. Reverteu a situação de cativeiro a qual fora lançada a pequena Felícia. Ao

corrigir o legal com o costume, corrigir o abuso de quem muito tinha sobre quem pouco

possuía, o vigário aplicou o princípio da justiça distributiva, cujo preceito é: a cada um o que

lhe compete de acordo com o seu estatuto social, nem mais, nem menos. A cada um de acordo

com o seu mérito:

Portanto, a medida é a proporção, que pode definir-se caso por


caso através da avaliação que só uma autoridade pode determinar. Mas se
trata de uma medida exata, não arbitrária, ‘posto que ao dar ou premiar sem
mérito não será ato de virtude de liberdade, e sim vício de prodigalidade, que
comporta injustiça ao quitar os meritórios e dar aos que carecem de mérito’.
(Levi, 2002: p. 6).

Em uma rápida passada de olhos poder-se-ia dizer que a tendência seria favorecer

Cristóvão da Costa Freire, nomeado Comissário de Mostras da Expedição que acudiu


227

Sacramento e posteriormente indicado pelo Provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, ratificado

pelo governador interino José da Silva Pais, para o cargo no Rio Grande. Ao cargo, a este

tempo por falta de uma administração formal instituída, competia fazer as vezes de Provedor

da Fazenda e existiu até que um fosse nomeado. Cristóvão da Costa Freire era um dos homens

mais poderosos da localidade, agraciado por mercê real. Todos os bens das Estâncias Reais de

Bojuru e Torotama, produtoras de gados bovinos e cavalares, estavam sob sua

responsabilidade. Um percentual da receita obtida com os couros – principal produto da

região, com vistas à exportação para fora do Continente e, inclusive, para fora do Estado do

Brasil – lhe competiam, sob a forma dos “prós e percalços” correlatos à sua função (AAHRS,

v. 1, 1977 p. 73). Os outros envolvidos na venda e no batismo de Felícia eram o Reverendo

Padre Manuel Henriques, também produtor de gados e cavalos e proprietário de escravos

(AAHRS, 1977: p.214; Queiroz, 1987: p.100) e Pedro da Costa Marim, braço-direito de

Cristóvão da Costa Freire, em sua função de comissário, e por ele nomeado ajudante nos

Serviços das Guardas e Passagens dos Animais.

Esses três homens, sem sombra de dúvidas, tinham estatuto social mais elevado que

o de “Antônio Pires, homem paisano”. Mas a atitude dos três vai de encontro ao que deles se

esperava. De Cristóvão da Costa Freire, um homem em tal posição, deveria se esperar, antes

de tudo, ser portador de atitude pia e cristã. Ora, se Deus Pai e a Santa Madre Igreja não

desejam que os filhos cheguem a eles escravos, era de se esperar que um bom cristão não se

colocasse contrário aos desejos de Deus Pai e da Mãe Igreja. Nisso, Cristóvão da Costa Freire,

o reverendo Padre Manuel Henriques e o ajudante Pedro da Costa Marim, a despeito de suas

posições sociais, agiram como gente mesquinha e que tem o lucro e o valor material acima

dos valores cristãos. Não agiram como competiria a alguém de seu estatuto social. Valeu o

costume sobre a lei e os princípios da graça e da piedade sobre o da ganância.

Ao corrigir a lei e o ato dos que por “traição, ódio e malquerença que contra uns e
228

outros há nesta freguesia” prejudicavam os demais, ou seja, que quitavam aos outros o que

lhes competia segundo o seu mérito e sua posição dentro da sociedade, o vigário foi

autoridade que avaliou as duas posições que nessa querela havia. Se a posição social de

Cristóvão da Costa Freire e os seus lhes permitia certos desmandos, a autoridade responsável

pelas almas desta freguesia era o vigário, e não apenas negócios estavam envolvidos neste

assunto, mas os preceitos da própria cristandade: a libertação das almas, a graça e a piedade.

Giovanni Levi, ao discorrer sobre este tema, afirma que a liberdade que a Idade

Moderna trouxe aos homens, a liberdade decorrente de seu livre arbítrio, é um tanto ilusória.

Se não havia nas Sagradas Escrituras, ou seja, na Palavra do Senhor, disposições sobre tais

assuntos, a Igreja assumia a função de “tutela” de seus membros. “Portanto, a liberdade dos

homens deve estar presidida pela superioridade moral da Igreja, com sua função corretiva e de

controle.” (Levi, 2002: p. 7). Ou, dito mais adiante: “é a liberdade do pecador sob tutela”

(Levi, 2002: p.8). Levi baseia suas conclusões no exame do aparato legal e de costumes à luz

da filosofia de Aristóteles, que não pode prescindir do princípio de eqüidade. Eqüidade

assume não o sentido de igualdade, como consta em dicionários atuais6, mas o princípio de ser

equânime ante seus pares ou, melhor dito, ante às diferenças existentes e que são

estruturadoras da sociedade.

O justo e o eqüitativo são iguais, e apesar de serem excelentes


ambas as coisas, o eqüitativo é melhor. A aporia é produto de que o
eqüitativo é justo, mas não o é segundo a lei e sim que, pelo contrário, é uma
correção do legalmente justo. Causa disto é que toda a lei é universal, mas
sobre determinados temas é impossível pronunciar-se de uma maneira
universal (...) portanto, quando a lei se pronuncia em geral, mas no âmbito
da ação sucede algo que vai contra o universal é justo corrigir a omissão ali
onde o legislador deixou o caso às meias e errou porque se pronunciou em
geral (....) portanto, o eqüitativo é justo e é melhor que um certo tipo de
justo, não que o justo em absoluto, e sim que o erro que tem como causa a
formulação absoluta. E esta é a natureza do eqüitativo, a de ser a correção da
lei na medida em que esta perde seu valor por causa de sua formulação geral.
(Aristóteles. Ética a Nicômaco. apud Levi, 2002: 8)

6 Cf. Dicionários Aurélio XXI.


229

O princípio da eqüidade se faz valer em uma sociedade que, ao contrário do que se

apregoa neste início de século XXI, os homens não eram iguais perante a lei. Os homens

nasciam diferentes, alguns livres, outros escravos; alguns nobres, outros campônios. Os

homens moviam-se na escala social, ao longo de suas existências partindo de pontos

diferentes e, galgando degraus diferentes, atingiam patamares diferentes. A cada um havia um

leque de possibilidades de acordo com sua posição no interior dessa sociedade complexa e

hierarquizada, estruturada, justamente, sobre a desigualdade entre os homens e na eqüidade.

Mas o conceito surgiu e teve importância em sociedades que não


reconheciam a igualdade entre cidadãos abstratos – segundo a qual a lei é
igual para todos – e sim que, ao contrário, carregavam o acento na
desigualdade de uma sociedade hierárquica e segmentada, na qual convivem
sistemas hierárquicos correspondentes a diversos sistemas de privilégio e de
classificação social. Portanto, uma pluralidade de eqüidades segundo o
direito de cada um a que se lhe reconheça o que lhe corresponde sobre a base
de sua situação social e de acordo com o princípio de justiça distributiva. Na
sociedade de Antigo Regime, o conceito de eqüidade era o protagonista
central de seu sonho impossível – ou melhor dito, desde o princípio
impossível – de construir uma sociedade justa de desiguais. Nela a
possibilidade não estava tanto no conflito de aequitas e aequalitas como no
sonho em que cada um fosse classificável com exatidão em um papel ou em
uma condição social unívoca, definível e estável. A lei difere para cada
estrato social, quando não para cada pessoa, em uma justiça do caso
concreto, determinado segundo as desigualdades sociais definidas. (Levi,
2002: p.9).

O fenômeno da articulação dos três homens que tentavam impedir a alforria à Pia

Batismal também é objeto de estudo (Fragoso, 2001; Fragoso, 2003; Gil, 2003). Os

denominados “bandos” juntavam e punham em movimento gente de diferentes setores sociais,

compondo grupos que muitas vezes continham gente de diferentes estratos em seu interior.

Não é de se duvidar que o padrinho arranjado para a menina Felícia em seu batismo fora da

data marcada também fosse membro do “bando” de Cristóvão da Costa Freire. Do padrinho

tem-se apenas ciência de ter ficado viúvo por volta do ano de 1744 e ter sido proprietário de

escravos e padrinho de outras crianças. Seus escravos compareciam com freqüência à igreja

para batizarem crianças filhas de escravos de outros proprietários (Domingues, 1981). Fica
230

claro no documento que o tal bando possuía rivais, contra os quais usavam de vários recursos

e o faziam “por traição, ódio e malquerença”. Essa era uma localidade que entrava em seu

sétimo ano de existência e seu povoamento ainda dava mostras de chegada irregular de

moradores oriundos de diferentes localidades do Império Português, mas, ao que tudo indica,

esse tempo fora mais que suficiente para que as pessoas se amassem ou se odiassem. Por

razões óbvias, exclui-se aqui Nossa Senhora do Rosário de qualquer participação mal-

intencionada sobre o futuro de Felícia ou na constituição dos bandos.

Quanto à Nossa Senhora do Rosário fazer parte do set do compadrio, não é fenômeno

isolado. Outros estudos, amiúde, vêm colocando em evidência essa prática (Venâncio, 1986;

Gudeman & Schwartz, 1988; Ferreira, 2000; Rios, 2000; Brügger, 2002). Entretanto, ela não

era recorrente nos batismos de Rio Grande. Até o presente, menos de 1% das madrinhas

pertencem à esfera sobrenatural, no período sob análise, nos registros batismais levantados.

Apesar de não estarem completamente transcritos todos os livros de batismo, é possível

observar que quando ocorre de uma madrinha ser uma santa, a criança geralmente é escrava

ou filha de escravos. No caso de Felícia, provavelmente pelo fato da criança ter sido batizada

em uma situação anormal, ou seja, em outra data que não a previamente acertada para o seu

batismo e com responsáveis outros que não seus pais – a quem compete, ao menos pelas

regras da Igreja, fazer a escolha dos padrinhos – ao que tudo indica, Nossa Senhora do

Rosário ocupou lugar no conjunto do compadrio por ser o padrinho viúvo e por não haver,

possivelmente, tempo hábil de se encontrar mulher que participasse da manobra, haja vista

nem o Reverendo Padre – também por razões óbvias –, nem Cristóvão da Costa Freire ou

Pedro da Costa Marim serem casados no Rio Grande ou haverem levado suas famílias para

este território em processo de conquista. Nossa Senhora do Rosário, registrada nesse batismo,

só traz mais certeza de que não eram todos os membros da comunidade que compactuavam

com atitudes que iam contra o “estilo e costume” do bispado do Rio de Janeiro.
231

Com esses elementos aqui destacados, começa-se a delinear o pano de fundo da

sociedade surgida no extremo-sul do Estado do Brasil. Uma sociedade que avaliava a justiça

como sendo superior à lei, na qual as famílias se formavam também na interseção entre a

liberdade e o cativeiro, onde bandos se articulavam e na qual os princípios do amor cristão, da

piedade, da reciprocidade e da eqüidade guiavam a sua formação. Passa-se então, a discorrer

sobre outros registros batismais e outras famílias de Rio Grande, não tão cheios de palavras,

detalhes, ódios e malquerenças, mas que também dizem muito da formação de um povoado da

fronteira lusa na América.

III. 2. Sobre o compadrio em geral e o


compadrio em Rio Grande em particular
Antes de passar aos registros de batismos de Rio Grande, necessário reiterar o que já

foi dito sobre as relações de compadrio conforme estabelecido pela Igreja Católica e

normatizado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Destaca-se como ponto

de partida para as discussões que seguirão, o artigo de Gudeman & Schwartz (1988) acerca do

compadrio de escravos na sociedade colonial brasileira, entre outros trabalhos que analisam a

questão.

O compadrio é uma das relações subjacentes ao ato do batismo. Ela existe entre os

pais carnais e os padrinhos – pais espirituais de uma criança. Portanto, todo o compadrio

acontece sob os auspícios da Santa Madre Igreja, que regulamenta também quem pode servir

de padrinho e dita as regras – positivas e negativas – do conjunto de relações estabelecidas na

pia batismal entre os parentes carnais e consangüíneos e entre os parentes espirituais – que

podiam ser membros da família consangüínea ou afim. Como pais e padrinhos irmanam-se

espiritualmente no batismo, tem-se como exemplo de regra positiva o respeito e o auxílio

mútuo que entre uns e outros deve haver. Como exemplo de regra negativa, os impedimentos

matrimoniais que geram: um compadre não poderá desposar sua comadre, seja ela solteira ou
232

viúva (Gudeman, 1971). Assim como o batismo, o compadrio também tem sua história, e

assim como as regras do sacramento, a relação modificou-se com o passar do tempo

(Gudeman, 1971; Gudeman & Schwartz, 1988).

Para a Colônia, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707)

acrescentam a tantas outras normas já pré-existentes alguns itens relativos ao batismo de

escravos, sendo este o primeiro dos sacramentos “e a porta por onde se entra na Igreja

Católica, e se faz o que recebe, capaz dos mais Sacramentos, sem o qual nenhum dos mais

fará nele o efeito” (Constituições Primeiras... Livro Primeiro, Tit. X, 1707 p. 10). O batismo

deveria ser ministrado por padre ou vigário, mas em caso de necessidade, por estar o

batizando em perigo de morte iminente, o mesmo poderia ser ministrado por leigo – homem

ou mulher – ou mesmo infiel, desde que não faltassem “alguma das coisas essenciais”, a

saber, a água natural e as palavras ditas em latim ou em vulgo: “Eu te batizo em nome do Pai,

do Filho e do Espírito Santo”. Era mister que quem o ministrou “tenham a intenção de fazê-lo,

como faz a Igreja Católica”.

Causa o batismo efeitos maravilhosos, porque por ele se perdoam


todos os pecados, assim o original como atuais, ainda que sejam muitos e
mui graves. (...) É o batizado adotado em filho de Deus, e feito herdeiro da
Glória, e do Reino do Céu. (...) E por este Sacramento de tal maneira se abre
o Céu aos batizados, que se depois do Batismo recebido morrerem,
certamente se salvam, não tendo antes da morte cometido algum pecado
mortal. (Constituições Primeiras, Tít. X, 1707: p. 11)

O prazo para o batismo ser ministrado era dito como sendo de oito dias a partir do

nascimento, sendo imputadas penas pecuniárias progressivas por semana de atraso, recolhidas

ao cofre da “fábrica da nossa Sé”. Se a criança estivesse em risco de morte, poderia ser

batizada em casa e depois de comunicado o batismo ao pároco, poderia o padre fazer o

exorcismo deste batismo e se lhe ungir com os Santos Óleos e conferir-lhe padrinhos. Ciente

das dificuldades de locomoção no interior da Colônia e que existiam locais que distavam mais

de vinte léguas de uma igreja, as Constituções Primeiras instruíam para que se erigissem
233

capelas e que se guardassem dignamente os objetos e as “coisas essenciais”. Nessas capelas

ou mesmo em casa, o batismo poderia ser ministrado por mais pessoas que,

preferencialmente, tivessem recebido previamente alguma instrução religiosa e que

comunicassem ao pároco assim que possível. É perceptível o interesse em manter

centralizadas as informações acerca desses atos e seus registros, pois nem mesmo um outro

sacerdote poderia batizar em outra circunstância que não a de urgência. Precisava, para assim

proceder, licença do pároco da sede da Igreja. Os dois expedientes, o batizado por leigos em

urgência e por padres que obtiveram licença e davam procedimento ao primeiro dos

sacramentos às pessoas que moravam distantes da sede da paróquia, são observados em Rio

Grande. Entretanto, os párocos, a exemplo do que ocorreu no batismo de Felícia, mantiveram

como válido o batismo feito em situação especial, não lhes conferindo novo batismo nem

atribuindo padrinhos a este conjunto de compadrio desfalcado. Poucos foram os casos

excepcionais em que um padrinho foi adicionado a posteriori (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º

de Batismos de Rio Grande, 1738-1763). O batismo emergencial era confirmado no registro,

conforme os exemplos abaixo:

Francisco filho legítimo de Francisco de Góes da Costa natural de


São Paulo, e de Catarina Machada natural da Freguesia de São Mateus da
Ilha de São Jorge (...) e foi batizado em casa por Jerônima mulher de Manuel
Álvares, por estar em perigo, e aos dois dias do mês de Março Recebeu os
Óleos Santos por mim Vigário Manuel Francisco da Silva nesta Matriz de
São Pedro do Rio Grande. Por verdade fiz este assento. Vigário Manuel
Francisco da Silva

ou

Inês filha legítima de Antônio de Souza Reis Cardoso, e de Vitória


Maria de São José (...), e foi batizada em casa por necessidade por Manuel
Rodrigues solteiro filho de João Rodrigues, e de Maria Silveira, e Recebeu
os Óleos Santos por mim Vigário Manuel Francisco da Silva nesta Matriz de
São Pedro do Rio Grande aos nove dias do mês de Outubro do dito ano.
Foram Padrinhos, ou neste caso testemunhas, Manuel da Costa de Carvalho,
e sua mulher Inês de Santo Antônio. Por Verdade fiz este assento. O Vigário
Manuel Francisco da Silva.

Talvez o fato de se fazer registrar as testemunhas satisfizesse o costume de atribuir


234

padrinhos e gerar ou reiterar laços entre as famílias que participavam do batismo. Não seria

um laço sacramentado, como o existente no batismo padrão, mas no costume e na intenção,

talvez tivessem os mesmos deveres e direitos de um padrinho e compadre formalizado pela

bênção da Igreja.

Os laços de compadrio, gerados no ato do batismo, são irreversíveis e não podem ser

desfeitos. Aqueles que assumem a responsabilidade de levar uma criança à pia batismal

tornam-se seus pais espirituais, responsáveis pela sua orientação religiosa e tornam-se irmãos

dos pais das crianças, unindo-se em cadeias de auxílio mútuo e ações de solidariedade como –

ou segundo Gudeman, mais ainda – que de uma família consangüínea. Isso era válido para

todo o mundo católico.

Entretanto, Gudeman alerta que, para além das regras formais do compadrio os

costumes locais são adicionados à cerimônia e às relações subjacentes ao ato, se não forem

excludentes com este. Gudeman observou, para a população centro-americana que estudou, o

acréscimo de “damas acompanhantes” da madrinha, ficando o conjunto presente à pia

batismal ampliada em uma pessoa. Entretanto, o que mais vai interessar nos casos que se

seguem, está parcialmente contemplado nas Constituições Primeiras e vem a ser o ato do

batismo em uma sociedade que possui escravos e livres em sua composição. Como já dito, as

duas instituições, que são estruturais nessa sociedade, são antagônicas em seu princípio, e ao

mesmo tempo, coexistiram sem que se percebam grandes conflitos de consciência gerados por

este antagonismo. De alguma forma, a sociedade soube superar os constrangimentos surgidos

dessas contradições e mesmo se utilizar delas para seu benefício, fosse pelo que consta nas

Constituições, fosse através do que era “estilo e costume”.

IV. A Ciranda dos Compadrios

Na Vila do Rio Grande algumas famílias primavam por fazer uma alternância de
235

compadres, indo buscá-los, senão nas mesmas famílias, ao menos nos mesmos grupos de

atividades sociais e econômicas. Isso faz com que o “desenho” dessas redes de compadrio seja

bastante circunspecto. Para tanto, observem-se os quadros dos compadrios dos genros do

alferes das Ordenanças dos casais Antônio Furtado de Mendonça e de Dona Isabel da Silveira,

naturais da Ilha do Faial, durante o tempo em que viveram na localidade, ou seja, até a tomada

da vila pelos soldados espanhóis. Toma-se aqui, novamente, essa família de ilhéus como

exemplo. Mostra-se o quadro com os compadrios de Francisco Pires Casado e de sua esposa,

acrescentando-se os quadros de compadrio de outras duas filhas de Furtado de Mendonça, de

cujos casamentos foi encontrada descendência nascida na Vila do Rio Grande. São os casais

que seguem:

- Dona Ana Inácia da Silveira, casada com Manuel Fernandes Vieira, este natural da

Península e presente no Continente, no mínimo, desde a metade da década de 1740. Seu

casamento com Ana Inácia deve datar do início da década de 1750, sem que se possa precisar

data dado o desaparecimento do primeiro Livro de Registro de Casamentos de Rio Grande.

Manuel Fernandes Vieira possuía patente de Capitão das Ordenanças e ofício de Tabelião e

Escrivão de Órfãos da vila, além de sociedades com alguns dos cunhados no Contrato dos

Açougues e estâncias de criação de gado vacum e cavalar, além de ter participação em

negócios outros (Kühn, 2003). Possivelmente foi vereador na Vila do Rio Grande, mas

impossível afirmar dado o desaparecimento dos livros da Câmara.

- Dona Maria Antônia da Silveira, casada com Mateus Inácio da Silveira, natural da Ilha

do Faial e provavelmente primo ou parente próximo da família materna de sua esposa. Mateus

Inácio recebeu patente de Capitão de Mar-e-Guerra ad honorem por ter debelado rebelião de

índios a bordo de uma sumaca. Sua patente trazia junto “privilégios, graças e isenções”.

- Dona Mariana Eufrásia da Silveira, casada com Francisco Pires Casado, natural da Ilha

do Pico e também provavelmente parente da família materna de sua esposa. Francisco Pires
236

Casado era proprietário de escravos, criador de gado, detinha patente de Capitão e produzia

gados em sociedade com um de seus cunhados.

Quadro II – Compadrio de Manuel Fernandes Vieira e Dona Ana Inácia da Silveira


Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Vicência 20/07/1753 João de Souza Rocha
Das Ilhas não consta não consta
Clemência 15/08/1756 Antônio Lopes da ? (morador do Rio de Dona Mariana Eufrásia Faial, fr. S. Salvador da
Costa Janeiro) passou da Silveira Vila da Horta
procuração p/ Mateus
Inácio da Silveira
Manuel 15/08/1761 Anacleto Elias da ? (morador da cidade do não consta não consta
Fonseca Rio de Janeiro) passou
procuração a Domingos
de Lima Veiga (Porto)
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima Porto não consta não consta
Veiga
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)

Quadro III – Compadrio de Mateus Inácio da Silveira e Dona Maria Antônia Silveira
Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Nicolau 21/12/1754 Manuel Fernandes Braga, Póvoa de não consta (batizado não consta
Vieira Lanhoso em casa pelo Frei João
Batista)
Francisco 03/10/1756 Francisco Pires Ilha do Pico, fr. Santa Dona Mariana Eufrásia Faial, fr. S. Salvador da
Casado Luzia da Silveira Vila da Horta
Alexandre 17/08/1758 Francisco Lopes de não consta Não consta não consta
Souza (procuração a (península? Porto?)
José Antônio de Brito)
Dorotéia 17/02/1760 Manuel Bento da não consta Joana Maria da Silveira não consta
Rocha (península?) (Joana Margarida da
Silveira)
Maurício 07/03/1762 Francisco Coelho não consta Isabel Francisca da Faial, fr. S. Salvador da
Osório (península?) Silveira Vila da Horta
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)

Quadro IV – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia


Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Rosália 12/01/1755 Francisco Antônio da Das Ilhas Dona Joana Margarida Faial, fr. S. Salvador da
Silveira da Silveira Vila da Horta
Maurícia 01/10/1758 Manuel Fernandes Braga, Póvoa de Dona Maria Antônia da Faial, fr. S. Salvador da
Vieira Lanhoso Silveira Vila da Horta
Manuel 17/02/1760 Manuel Bento da não consta Dona Isabel Francisca Faial, fr. S. Salvador da
Rocha (península?) da Silveira Vila da Horta
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima Porto não consta não consta
Veiga
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)

No mínimo, mais duas filhas de Antônio Furtado de Mendonça eram casadas no

Continente. Joana Margarida (também dita Joana Maria) da Silveira, casada com

Antônio Moreira da Cruz, Sargento de Dragões que foi exonerado em 1738 por dar azo à
237

fuga de um prisioneiro e, principalmente, de índios recolhidos à fortaleza, que eram a mão-de-

obra nas construções da vila recém-nascida (AAHRS - v. 11977: p.56). De todos os genros de

Furtado de Mendonça, ao que tudo indica, Moreira da Cruz era o menos aquinhoado, mas não

deixava convidado ao compadrio de crianças de setores menos abastados da sociedade, como

índios e escravos (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).

Em no mínimo uma ocasião teve participação ativa na alforria de um dos seus afilhados,

conforme registro abaixo:

Joaquina filha natural de Suzana preta solteira de nação Angola escrava de João
Antônio Fernandes, e de pai incógnito (...) Foi padrinho Antônio Moreira da Cruz, e madrinha
Teresa Rosa de Jesus solteira filha do dito João Antônio Fernandes. E declaro que o dito João
Antônio Fernandes recebeu do dito Antônio Moreira da Cruz padrinho da dita criança
dobra e meia para alforria da dita criança e a deu por forra, como se forra nascesse, e
como tal foi batizada, e por verdade de tudo assinaram comigo este termo o dito Padrinho, e o
dito Senhor da escrava. O Vigário Manuel Francisco da Silva. Antônio Moreira da Cruz João
Antônio Fernandes (ADPRG - L4Bat RG - 1759-1763: fl. 107v.)

A outra filha, Isabel Francisca da Silveira, era casada com Manuel Bento da

Rocha, proprietário de, no mínimo, duas grandes porções de terras, uma delas em sociedade

com um dos cunhados, povoadas com mais de 8000 animais vacuns e 700 cavalares. Detentor

do Contrato dos Açougues, também exerceu vereança. Manuel Bento da Rocha foi Capitão-

mor da Vila do Rio Grande e Capitão das Ordenanças. Em 1782 ganhou a preferência para a

nomeação de Capitão da Nobreza dos Auxiliares de Viamão, onde se estabeleceu após a

tomada da Vila (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763;

RAPM, ano XXIV, 1933 pp. 150-152; AARRS, 1977). De Isabel e Manuel Bento, assim

como de Joana Margarida e Antônio Moreira da Cruz, não se viu descendência nascida em

Rio Grande.

Como é possível observar nos quadros do compadrio acima colocados, as madrinhas,

quando existem, eram todas cunhadas dos pais da criança. Ou seja, não foi eleita madrinha

externa à família consangüínea. Já os padrinhos, ou eram os cunhados ou gente de estatuto

social semelhante. As filhas e genros de Furtado de Mendonça se alternavam no batismo de


238

seus sobrinhos. Vê-se nesse ato, a reiteração de alianças e amizades previamente existentes,

amalgamadas nos casamentos que inseriram os homens nesta família que tinha

predominantemente, senão somente, mulheres colocadas ao mercado matrimonial. Os demais

compadres das filhas e genros de Furtado de Mendonça também pertenciam aos estratos mais

privilegiados dessa sociedade. Aqui, resumidamente, o que já foi colocado no capítulo 3:

- Domingos de Lima Veiga: natural do Porto, Portugal, casado com Gertrudes Pais de

Araújo, natural de São Paulo. Foi Sargento e Capitão da Ordenança, era proprietário de

escravos e sua família era uma das mais concorridas como padrinhos de crianças, fossem elas

escravas, forras, livres e de ascendência diversas, luso-brasileiras, indígenas, peninsulares ou

açorianas (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).

- Francisco Coelho Osório: não consta ser casado. Provavelmente nascido na Península, foi

Capitão-mor do Distrito do Rio Grande até o ano de 1763, quando se deu a entrega da Vila

do Rio Grande aos Castelhanos. Possuía escravos e foi constantemente convidado à Pia

Batismal (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763; ADPRG -

Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, Arquivo Histórico Do Estado Do Rio

Grande Do Sul, 1977).

- João de Souza Rocha: casado com Antônia Maria Luísa, Almoxarife da Fazenda Real nos

anos 1752 e 1753 e depois nomeado Tesoureiro da Fazenda Real (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e

4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763; AAHRS, v.1, 1977 pp. 297-299, 303-304, 318).

- Antônio Lopes da Costa: não consta ser casado. Tinha patente de Capitão e era, ao tempo

dos batismos, morador do Rio de Janeiro. Provavelmente sócio de Manuel Fernandes Vieira

em seus negócios naquela região.

- Francisco Lopes de Souza: Alferes da Ordenança. Natural do Porto, é dito “homem de

negócios” (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).

- Anacleto Elias da Fonseca: não consta procedência. Homem de negócios da Praça do Rio
239

de Janeiro (Fragoso, 1998), contratador do Registro de Viamão, associado aos negócios de

Manuel Fernandes Vieira na Praça do Rio de Janeiro (Kühn, 2003).

- Francisco Antônio da Silveira: parente da esposa de Francisco Pires Casado, irmão ou

primo. Casado com Úrsula Maria da Conceição (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos

de Rio Grande, 1738-1763). Não se obteve mais informações.

Assim, consideram-se aqui todas as famílias derivadas de Antônio Furtado de

Mendonça como sendo uma única e extensa família, haja vista as reiteradas ocasiões em que

demonstravam suas afinidades e alianças, fossem elas nos negócios, nos matrimônios, nos

compadrios ou mesmo em eventos sociais e religiosos. Pode-se observar os batismos de

Dorotéia e Manuel, primos consangüíneos não co-residentes, terem sido efetuados no mesmo

dia, com o mesmo tio e sócio de seus pais a servir-lhes de padrinho e suas tias maternas como

madrinhas. As relações familiares, religiosas e de negócios estavam todas enredadas de tal

forma que parece impossível dizer onde uma começa e termina a outra. Ou seja, aqui se fala

de uma sociedade que tem a família como o modelo de organização do tecido social, ou o

menor tipo de associação entre os homens que tem os mesmos elementos da sociedade. A

filosofia escolástica e o modelo de sociedade corporativa autorizam esta percepção. Indo mais

longe e buscando em Aristóteles essa idéia, tem-se:

Sabemos que uma cidade é como uma associação, e que qualquer


associação é formada tendo em vista um bem. (...) Deve-se primeiro unir em
dupla os seres que, como o homem e a mulher, não têm existência
individual, devido à reprodução. A dupla união entre o homem e a mulher, o
senhor e o escravo, forma, antes de mais nada, a família. Afirmou Hesíodo,
com razão, que a primeira família foi constituída pela mulher e pelo boi
próprio para a lavra. Efetivamente, o boi é o escravo dos pobres. Desse
modo a sociedade formada para atender as necessidades diárias é a família,
constituída por aqueles que Carondas denomina de “homo pyens” (tirando o
pão da mesma arca) e que Emimenides de Creta chama “homo capiens” (que
comem na mesma manjedoura). A primeira sociedade constituída de muitas
famílias, visando a utilidade comum, porém não diária, é o pequeno burgo;
este parece ser, de modo natural, algo assim como uma colônia da família
(...). (Aristóteles, 2005: pp.11-13)

Indo por essa progressão, da forma de organização mais simples para a mais
240

complexa, expressa além da natureza do homem, um ser essencialmente político, a noção de

corpo para a organização social:

Na ordem natural, o Estado antepõe-se à família e a cada


indivíduo, visto que o todo deve, obrigatoriamente, ser posto antes da parte.
Levantai o todo: dele não restará nem pé nem mão senão o nome, como se
poderá afirmar, por exemplo, que a mão separada do corpo não será mão
senão pelo nome.(Aristóteles, 2005: p.14)

Para Aristóteles, aquele que não consegue viver em sociedade ou que a si se basta

“ou é um bruto ou uma divindade” (Aristóteles, 2005: p.15). Para os padrinhos externos à

família, pressupõe-se também que, ao estabelecer uma relação de compadrio, estreitavam-se

os laços e as relações de negócio, haja vista os fatores extra-econômicos que são componentes

das relações comerciais. Ou, dito por Levi, levando em consideração que a reciprocidade

entre os comerciantes age como mediadora:

(...) em uma sociedade que não tem uma definição clara da


determinação dos valores econômicos, que não conhece um mercado
impessoal e auto-regulado, os problemas de definição do preço justo e do
salário justo são complexos e remetem continuamente ao conceito de
eqüidade. Não se trata de deduzir o valor dos bens intercambiados (...) e sim
de construir um sistema de intercâmbio no qual os valores estejam
determinados por características específicas de quem os intercambia, ao
ponto de que um mesmo bem adote valores distintos segundo quem sejam as
pessoas que entram na transação. (Levi, 2002: p. 21).

Em uma sociedade em que não existem separações claras entre religião, política e

economia, Bartolomé Clavero busca contribuir em sua elucidação usando o conceito de

oiconomia. Para Clavero, os mercadores formam um corpo e o direito de comércio é um

privilégio de signo corporativo (Clavero, 1991: 167). E mais do que isso:

O setor não era alheio à religião, ainda que a corporação não


pudesse facilmente na interioridade de alguns negócios.(...) A própria
companhia mercantil resultava família ainda que não o fosse: é “species
amicitiae” e tem “instar fraternitatis”; a mesma correspondência cambiária
podia ser encontrada na família: a troca “si dice litterario, cioè, che por
mezzo delle lettere familiari tra corrispontenti si ottiene comotamente il
transporto della moneta”. (...) Dizia Palacio: há uma “disciplina rei
familiaris”, oiconômica ou doméstica, como também a qualificava, que é e
deve ser “secundum naturam”. (Clavero, 1991 :p. 169)
241

A “família” dos homens de negócio, fraterna, irmanava-se também em espírito ao

contrair relações de compadrio. Como os demais setores desse corpo oiconômico, como quer

Clavero, reiterava e reforçava os laços pré-existentes à Pia Batismal. E, retornando à família

de Furtado de Mendonça, coloca-se aqui o quadro dos compadrios de alguns escravos

localizados na documentação parcialmente transcrita:

Quadro V – Batismo de crianças escravas das Famílias Furtado de Mendonça e correlatas


Criança data bat. Mães (escravas) Madrinha Padrinho Proprietário Proprietário
Padrinhos
Joaquim 10/07/1749 Luzia, angola Rosa Maria da Manuel Fernandes Domingos Gomes Livres
Conceição Vieira Ribeiro
Vicente* 30/04/1750 Antônia, mulata Ana Maria Manuel Fernandes Domingos Gomes Livres
Vieira Ribeiro
Teresa 22/10/1752 Joana, angola Mariana Eufrásia Francisco Pires Manuel Fernandes Livres
da Silveira Casado Vieira
Catarina, 09/04/1756 não consta Luzia de Aranda Inácio de Aranda Francisco Pires Antônio de Aranda
mina Casado
Januária 11/10/1756 Maria, angola n consta (batismo n consta (batismo Manuel Fernandes n consta
emergencial) emergencial) Vieira
Leonardo 04/03/1757 Catarina, mina n consta (batismo n consta (batismo Francisco Pires n consta
emergencial) emergencial) Casado
Aniceto 27/04/1757 Maria, congo Catarina Antônio Manuel Bento da Francisco Pires
Rocha Casado
Jacinto 26/02/1758 Rosa, angola Maria João Ferreira [João Mateus Inácio da Manuel Bento da
Pinto] Silveira Rocha e padrinho
livre
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)

IV. A família e a economia do lar

Impossível não perceber a repetição de nomes existentes também nos compadrios

dos netos de Furtado de Mendonça, sejam estes nomes os dos padrinhos ou dos proprietários

dos padrinhos. Contra o argumento de que a escolha dos padrinhos poderia ser feita pelos

senhores, Gudeman & Schwartz afirmam que estudos vêm comprovando que, mesmo quando

há liberdade de escolha, os padrões, por condicionados pelas práticas sociais que são,

dificilmente apresentam alterações significativas (Gudeman & Schwartz, 1988: p.41).

Também afirmam estes autores, corroborado em estudos já citados ao início deste

escrito, que era padrão que as pessoas convidadas ao compadrio tivessem estatuto social igual

ou superior ao daqueles que emitiam o convite. Tem-se aqui uma repetição do padrão. As
242

pessoas que fazem parte dos compadres eleitos para as crianças escravas ou são escravos ou

são livres. Todavia, dificilmente alguém pudesse ter um estatuto social inferior ao de escravo

nessa sociedade. Mas não é impossível que assim ocorresse. Buscando novamente apoio em

Aristóteles, vê-se que pior que um servo, pior que um escravo, é a condição de alguém

socialmente desapegado, “pois se o homem, chegado à sua perfeição, é o mais excelente dos

animais, também é o pior quando vive isolado, sem leis e sem preconceitos.” (Aristóteles,

2005: p.15). De onde se conclui que não basta o estatuto de livre para ser socialmente superior

a um escravo. Há que estar socialmente arranjado.

Os escravos das famílias de Furtado de Mendonça não estavam desgarrados.

Estavam muito bem entrosados no esquema familiar, tendo esta organização em seu interior

todos os estatutos sociais também verificados na organização maior externa a ela: a própria

sociedade. A exemplo de um corpo, o pater familias era a cabeça que dirigia o corpo e

seguindo nessa hierarquia descendente:

(...) é preciso falar da economia do lar, já que o Estado é formado


pela reunião de famílias. Os elementos da economia doméstica são,
precipuamente, os da família, a qual, para estar completa, deve compreender
servos e indivíduos livres (....) conhecendo-se que na família elas são [partes
primitivas e indecomponíveis] o senhor e o servo, o marido e a mulher, os
pais e os filhos. (Aristóteles, 2005: p.15)

Assim, dentro de todo o embasamento filosófico do Estado e do Direito da sociedade

lusa que bebe diretamente da taça de Aristóteles, esses preceitos, da família estendida sobre

laços que não são de parentesco afim ou consangüíneo e que não possuem nem a coabitação

como limite, mas sim ter lugar e função neste corpo articulado e que trabalha pelo bem

comum há lugar para, além dos agregados, os escravos. Esses cumprem funções que não

competem às demais partes do corpo. Retornando ao tema da eqüidade, assim como não basta

ser livre para ser superior a um escravo, não basta ser escravo para igualarem-se. Os escravos

da família Furtado de Mendonça não convocaram quaisquer escravos para padrinhos de seus
243

filhos e sim escravos de famílias da elite, tais como eles também eram.

Dos nomes que não aparecem na listagem dos padrinhos dos netos de Furtado de

Mendonça, dizem-se algumas palavras agora: Domingos Gomes Ribeiro foi identificado

como o maior proprietário de escravos da Vila do Rio Grande por Queiroz (Queiroz, 1987:

p.98), possuía duas sesmarias de três léguas por uma, exerceu vereança na Vila da Laguna, foi

Capitão da Cavalaria e da Ordenança, tendo sido apontado como uma das pessoas mais

abonadas da Vila do Rio Grande em 1752. Tinha conexões comerciais no Rio de Janeiro. De

Antônio de Aranda sabe-se apenas que ostentava o título de Dom, que era Capitão de

Dragões (AAHRS, 1977: pp. 152-156) e era casado com Dona Antônia Rita. Muito pouco,

mas o suficiente para distingui-lo da maioria dos habitantes deste povoado. Deste senhor,

também perceptível o lugar de seus escravos dentro da família: compartilhavam, inclusive, o

sobrenome.

Impossível de momento, trazer outros tantos exemplos de famílias de elite com seus

escravos, para demonstrar que se a escolha dos padrinhos dos escravos dessas famílias de elite

não era um padrão, tampouco era exceção. Justifica-se afirmando-se que os livros de batismos

da Vila de Rio Grande ainda estão em processo de transcrição e mais casos podem surgir ou

mesmo outros comportamentos recorrentes. De todo o modo, afirma-se aqui que ao menos

duas crianças filhas de escravos de Domingos de Lima Veiga – outro dos padrinhos dos netos

de Furtado de Mendonça – foram batizados dentro dos mesmos moldes, com padrinhos

escolhidos nessas mesmas famílias.

Demonstrada através do exemplo das famílias de Furtado de Mendonça a “ciranda de

compadrios” passível de acontecer nessa sociedade, torna-se a refletir sobre os elos e as

decorrências morais e éticas desses elos existentes entre senhores e escravos firmados ao

compadrio, decorrentes da contradição assinalada por Gudeman & Schwartz entre as

instituições do batismo e da escravidão.


244

V. Corpo Cativo x Espírito Liberto

O batismo é a libertação da alma. A escravidão torna homens cativos de outros

homens. As duas instituições eram práticas dos habitantes do Rio Grande assim como de todo

o Estado do Brasil. Discutido por Gudeman & Schwartz, o impedimento moral que pairava

sobre um senhor/compadre que fizesse punir a seu escravo/compadre. Impedimento ou

constrangimento advindo do elo que se gerava à Pia Batismal. Mas uma contradição dessas

não poderia sobreviver por tanto tempo se a própria sociedade não tivesse meios de eludi-la

dentro da própria regra estabelecida para este jogo de compadrios e almas. Ou como no

ditado: “hecha la ley, hecha la trampa”.

Para Gudeman (1971), o parentesco espiritual firmado no compadrio apresentava

aspectos que o colocavam como superior ao parentesco consangüíneo. Para tanto, mostra as

oposições entre o nascimento (nascer para este mundo) e o batismo (nascer para o mundo

cristão). Como já dito, este autor demonstra que tudo o que está relacionado ao nascimento

carnal de uma criança é introspectivo, interno à família, ao passo que o nascimento espiritual

dela é exteriorizado, externado em cerimônias públicas. A cópula é restrita e compartilhada –

assim se espera pelo bom costume cristão – apenas entre os pais que, inclusive, podem estar

em pecado, caso não tenham se unido pelo laço do sagrado matrimônio. Já o nascimento

espiritual, o batismo pelo qual a mácula do pecado é removida da alma do batizando, é

público e comemorado. Há o regozijo de incluir mais um na cristandade e, por conseqüência,

na vida social.

Os pais dão aos filhos o ser. Os padrinhos dão aos afilhados o ser cristão, o ser

social. No batismo, o apadrinhamento, ao contrário da paternidade carnal, não pode ser

negado. O elo entre os participantes do batismo, por se dar na esfera sobrenatural, não pode

ser revertido, ao contrário do que muito se observa, pais abandonarem seus filhos, negando-
245

lhes a presença paterna e/ou materna. O fenômeno da exposição de crianças, em que pese

todos os seus outros significados é, em síntese, o abandono de crianças. Esse abandono jamais

pode ocorrer entre pais e filhos espirituais, pois suas almas estão vinculadas até o Dia de

Juízo. O mesmo se verifica entre irmãos. Pode haver o ódio e, amiúde, crimes ocorrem nas

famílias. Ainda que isso possa ocorrer entre os compadres, o elo não é quebrado, pois não são

os seus corpos que são irmãos, e sim os seus espíritos. E esses, segundo os cristãos, têm vida

eterna.

Como decorrência desta oposição, Gudeman & Schwartz (1988: p. 43) observaram

que os senhores não batizavam seus escravos. Seria incompatível, dada a ligação existente,

que um senhor imputasse pena física a seu escravo. Observaram também que outros senhores

ou parentes ocasionalmente batizavam os escravos. Afirma-se que “ocasionalmente” não é

apropriado para os compadrios dos escravos da Vila do Rio Grande. Muitas vezes os filhos

dos senhores ou mesmo a sua esposa serviam de padrinhos às crianças de seus escravos e,

muito raramente, o senhor também servia de padrinho a seu próprio escravo.

Entre os genros de Furtado de Mendonça observa-se a mesma ciranda de compadrios

para os escravos e para os seus próprios filhos. Pensa-se aqui que, nos estudos já citados, pode

haver uma aparente lassidão neste tipo de escolha devido à metodologia empregada na análise

dos casos. Se não se investigam os laços parentais consangüíneos e de parentescos fictícios ou

afins, fazendo o cruzamento dos dados obtidos para uma grande quantidade de agentes sociais

e seus co-relacionados, pouco se pode afirmar acerca de serem ou não vinculadas a eles as

pessoas que batizam seus escravos. Outra coisa que pode induzir a este engano é secionar a

sociedade entre “livres” e “escravos”, na medida em que os estudiosos da família senhorial se

atêm no núcleo livre e principal desta, e os que investigam as relações de compadrio dos

escravos não adentram às relações semelhantes dos senhores. Assim, diz-se de escravos que

têm compadrios no conjunto de escravos de outros senhores, que há nessa sociedade um


246

espaço de sociabilidade para os cativos, que circulam, que estabelecem suas próprias relações

com outros cativos. Afirma-se aqui que não somente podiam estabelecer suas próprias

relações com outros cativos mas que também estas ocorriam com outros tantos setores da

sociedade. Possivelmente reproduziam o “desenho” da malha de relações da família na qual

estavam inseridos. Essa é uma hipótese que será testada oportunamente, com a conclusão da

transcrição dos registros batismais e tabulação de seus dados, para verificar se o padrão da

família de Furtado de Mendonça também ocorre em muitos outros lares.

Tentando entender as relações subjacentes ao batismo, observa-se que elas são não

individualizadas — já que a noção de indivíduo não pertence a essa sociedade —, mas são

personalizadas. Se a esposa de alguém é madrinha, seu marido, se não compareceu à

cerimônia na posição de padrinho, não teve nenhum vínculo instituído com a família carnal da

criança nem com a própria. Se era ética e moralmente condenável um irmão espiritual colocar

à venda o outro irmão ou, como colocam os autores acima citados, impossível mandar

castigá-lo, não o seria para alguém que fosse pai ou casado com um destes irmãos espirituais,

já que, por mais próximos que fossem, a relação era pessoal. Retornando à situação da família

como incorporadora de todos os estratos sociais nela contidos, a família senhorial mantém um

vínculo espiritual – que implica em lealdade, proteção e reciprocidade entre desiguais –

através de seus outros parentes, de uma forma personalizada e não abrangente. Vejam-se os

exemplos abaixo, no qual o padrinho de Ana é filho do proprietário, assim como a jovem

madrinha de Inácio também é filha do proprietário, sem que isso esteja explícito nos

documentos:

Ana preta de nação Mina de idade pouco mais, ou menos de doze


anos escrava de Antônio Simões (...). Foram Padrinhos Manuel Marques de
Souza, e Ana de Azevedo mulher de Silvestre de Moura. Por verdade fiz este
assento. O Vigário Manuel Francisco da Silva.(ADPRG 3º LBat, 1757-
1759: fl. 20v)

Inácio filho natural de Teodora preta solteira escrava de Manuel da


247

Costa de Carvalho (...) Foram Padrinhos Inácio Francisco e Laureana


solteira. Por verdade fiz este assento. O Vigário Manuel Francisco da
Silva.(ADPRG, 4º LBat, 1759-1763: fl 55v)

Mas por ser a ligação personalizada, entre seus filhos e os escravos em questão, está

redimido de culpa quando, em seu papel de senhor, o pater familias, castiga os seus escravos.

Tanto quanto está redimido de culpa quando, para preservar o bem maior, ou seja, o

funcionamento da própria família, pune fisicamente um filho seu. Ou um mestre castiga o seu

aluno para afastá-lo do vício, impelindo-o, literalmente às pancadas, para o caminho da

virtude. Preservam-se, assim, amarrando os laços espirituais desse todo familiar em outros

membros da família – e nesta podem ser incluídos até mesmo os sócios e os amigos, muito

mais aqueles que já foram vinculados a ela através de compadrios anteriores – e liberando o

pater familias para o pleno exercício de seu patrio poder.

Por outro lado, o que dizer dos batismos, ainda que raros, de crianças escravas

apadrinhadas por seus senhores? Estes casos eram poucos, mas ocorriam na Vila do Rio

Grande, como no exemplo abaixo:

Joaquina filha legítima de Manuel, e de Luísa, pretos escravos do


Ajudante João Gomes de Melo (...) Foram Padrinhos o Ajudante João
Gomes de Melo e Josefa Maria da Conceição sua mulher. Por verdade fiz
este assento. Vigário Manuel Francisco da Silva.

Indo pela mesma lógica, pensa-se numa forma de amenizar quaisquer contradições

existentes entre a mão-de-obra escrava e o seu proprietário em uma unidade doméstica. Um

registro desse tipo parece implicar na certeza de que a família da menina Joaquina – filha

legítima, ou seja, de um casal de escravos com a união formalizada na Igreja – não seria

desfeita e que a criança não seria vendida em separado de seus pais quanto tivesse idade para

tanto. Gozaria de alguns privilégios e talvez até de uma alforria ou uma parcela, por mais

ínfima que fosse, no testamento de seus padrinhos. Esses teriam uma afilhada, um membro

próximo da família espiritual cristã e a eles devotado quando entrassem na velhice. Os


248

estratos inferiores de uma família tão hierarquizada quanto a própria sociedade também

tinham benefícios no estabelecimento desta relação. Os membros da família eram cristãos –

inclusive seus escravos. Viviam de acordo com as regras da cristandade. Senão pelas regras

formalizadas à tinta e ao papel, nas regras do “estilo e costume”, como dissera certa feita o

vigário.

A plasticidade de arranjos sociais que essa relação espiritual cristã permitia e que

lançava vínculos estreitos a todos os âmbitos da vida social talvez ajude a explicar a total

ausência de conflitos violentos na relação senhor-escravo na vila do Rio Grande entre os anos

de 1738 e 1763. A opressão existia, a violência da escravidão era presente em toda a vila. Mas

não foram encontrados registros de casos concretos de rebelião coletiva ou individual contra

os próprios senhores, ficando estes casos de violência pessoal, quando muito, restritos a

pessoas distanciadas da família proprietária de escravos e geralmente por brigas entre

bêbados, dívidas ou passional. Um pouco mais freqüentes foram as fugas, cujo estudo

também é dificultado pela já dita carência de fontes, desaparecidas no contexto da guerra.

Ainda assim, não são tão numerosas que possam configurar uma estratégia de uso constante e

reiterado pelos escravos da Vila. Tampouco, à exceção de uma fuga coletiva de índios, um

prisioneiro e um escravo nos anos iniciais da formação do povoado, no qual foram ajudados

por pessoa de boa situação social da Vila, não foram vistas iniciativas grupais de fuga, mas

empreendimentos pessoais de uns poucos.

Impregnar as escravarias e aos seus senhores com os ensinamentos católicos e em

especial com a apreensão dos significados dos sagrados laços do compadrio, parece ter sido

uma vacina, um tratamento preventivo contra a doença da rebelião e da rebeldia que podia

contaminar as relativamente pequenas escravarias da Vila do Rio Grande. Também poderia

contribuir na diminuição dos excessos senhoriais sobre seus escravos, reduzindo o grau de

insatisfação e de violenta passionalidade de seus escravos.


249

A inserção de escravos, índios, agregados e mais setores sociais de baixo estatuto no

âmbito da família espiritual cristã, compartilhando da fé e dos auspícios de um mesmo clã,

favorecia a todos na medida em que dava a cada um seu lugar no corpo social. Não dava

espaço nem a brutos nem a divindades. Não restam dúvidas que alguns foram muito mais

favorecidos que os outros nessa sorte de inserção. Mas esse era o parâmetro da organização da

sociedade lusa, quer européia, quer em suas conquistas: a cada um de acordo com sua posição

social, nem mais nem menos. Introjetar esses valores através da fé cristã foi obra de muito

efeito!

VII. Algumas Considerações

Pretensão seria tentar, aqui, concluir alguma coisa. O estudo que vai por estas sendas

recém se inicia. Deixam-se algumas outras questões em aberto, indicadas como rumos futuros

da investigação. Uma delas, não poderia deixar sua falta: se foram detectadas percepções de

diferenças de estatuto social entre os escravos de diferentes proprietários, deve-se tentar

averiguar, também, as diferenças existentes, ou seja uma escala social, interna às escravarias

de uma unidade doméstica. Não é impossível a existência de pessoas com um prestígio ou um

grau maior de reconhecimento dentro deste estrato. Todavia, ainda não se pode obter

instrumentos que o acusassem a partir da documentação parcialmente transcrita.

Entretanto, algumas coisas já podem ser ditas. A principal delas é a ampliação do

conceito de família para a vila do Rio Grande ao tempo de sua formação. Não pode ser vista

como a família nuclear, nem como a família co-residente. Isso vai ao encontro do observado

por Levi para a região Piemontesa (Levi, 2000: p. 121). Não pode também ser dita como

composta de parentes consangüíneos e afins, somente. Os padrões de compadrio dos escravos

de algumas famílias investigadas indicam que mesmo os cativos compartilhavam de

comportamentos semelhantes na eleição de padrinhos e mesmo nos prenomes e na aquisição

de sobrenomes. Mais do que um setor separado pela clivagem livre x escravo, os servos,
250

como coloca Aristóteles, eram membros da família, do oikos grego. Em sua analogia, dizia:

a alma governa o corpo, assim como ao servo o amo. (...) É


evidente, portanto, que a obediência do corpo ao espírito, da parte afetiva à
inteligência e à razão, é coisa útil e de acordo com a natureza. A igualdade
ou direito de governar de cada qual, por sua vez, seria prejudicial a ambos.
(Aristóteles, 2005: p.18)

O grande corpo familiar não podia prescindir de nenhum de seus membros, que

trabalhavam em desejada, mas nem sempre obtida, harmonia. Dar ordens, assim como

sujeitar-se a elas é bom para os componentes de um corpo assim como é salutar para o próprio

corpo. Cada um de acordo com sua posição dentro do organismo, Entretanto, as mesmas

instituições que estruturavam a sociedade e eram contraditórias entre si, deixavam brechas

para que a contradição fosse aplacada. Fosse pelo disposto por Deus, fosse através do “estilo e

costume”. Estes, como no caso de Felícia, apresentado ao início, muitas vezes sobrepujavam a

própria lei. Então, encerra-se esta reflexão da mesma forma que ela iniciou, falando de alguns

traços característicos dessa sociedade que devem ser levados em consideração; eis a

observação de Clavero: “o anacronismo é o pecado do historiador”(Clavero, 1991: 20).

Quando se analisa este povoado de fronteira, ao longo dos seus primeiros cinqüenta

anos, há que se ter certeza de estar diante de uma sociedade que está impregnada pelas noções

de reciprocidade e de eqüidade. Reciprocidade entre desiguais e eqüidade como base da

justiça distributiva, aquela que apresenta o que é justo na desigualdade: a cada um o que lhe

compete de acordo com seu estatuto social. Mais que isso seria o vício da prodigalidade,

menos que isso, o vício da mesquinhez.

A sociedade, assim como a família, nessa visão, era e tinha de ser composta por

diferentes categorias de pessoas, pois assim, impregnada pela noção corporativa, não pode

dispensar nenhuma de suas partes às quais competiam funções diferenciadas, mas essenciais

para seu bom funcionamento. As famílias se formavam e existiam na interseção entre

escravidão e liberdade, e não em sua secção entre os que são escravos e os que são livres. As
251

famílias e a própria sociedade, considerada como um grande espaço de relacionamento das

muitas famílias, tinham em seus fundamentos um pensamento de cunho religioso, que regrava

não apenas as relações pessoais, mas o que poderia ser chamado de política e de economia.

Estabeleciam-se relações que eram políticas e organizavam-se sobre as bases das famílias

amplas. Organizavam-se de forma oiconômica, como quer Clavero (1991: p.161). Essa

percepção pode, enfim, dar outro contorno aos estudos sobre povoados de fronteira no Estado

do Brasil ao período colonial, no qual os fatores extra-econômicos não sejam assim, tão

externos a esta óiconomia.

Abreviações usadas nesse capítulo:

RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro


AAHRS – Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
LBat – Livro de Batismo

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Capítulo 5

Os meus, os teus e os nossos: a construção de um patrimônio


imaterial na Vila do Rio Grande

O contexto da conquista e povoamento do Rio Grande de São Pedro, marcado

pela alternância de períodos de guerra declarada e de frágil paz, dava como certo aos

participantes do processo apenas a incerteza. Fossem vindos da Colônia do Sacramento, do

restante do Estado do Brasil ou nas levas migratórias de ilhéus, indígenas, africanos, lusos,

luso-americanos, quem quer que seja, todos experimentaram a situação de “recomeçar a

vida” numa situação que lhes era, no mínimo parcialmente, estranha.

As famílias que migraram de Sacramento para iniciar o povoado do Rio Grande

vivenciaram os ataques em tempos de paz e o inesperado cerco que lhes fizeram os

espanhóis ainda naquela praça. Muito provavelmente em sua vida em Sacramento

conseguiram desenvolver algumas atividades de comércio e negócios e iniciar produções

agro-pecuárias no tempo decorrido desde a partida de Trás-os-Montes até os ataques que

isolaram a Colônia do Sacramento do restante do Estado do Brasil por via terrestre e via

marítima. Entretanto. A guerra lhes tirou tudo o que haviam obtido. Em sua nova

migração, dessa vez para a barra da Lagoa dos Patos, provavelmente só levaram o que

coube em alguns parcos baús e aquilo que não pode ser contido em recipientes: suas
256

relações familiares, de amizade, de compadrio, do trato com outras pessoas. As famílias

derivadas de Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando e suas respectivas

esposas, trasmontanos que foram fazer o povoamento da Colônia do Sacramento, são

exemplares nesse sentido. Ainda que representem apenas uma parcela da população que

chegou para fazer o povoamento – aqueles que migraram para Sacramento e fizeram nova

migração para a Vila de Rio Grande – certos traços que serão aqui destacados valem para o

restante dos habitantes. Muitas dessas práticas poderão ser percebidas mais adiante,

quando o quando será analisado o comportamento à pia batismal de outras famílias, com

origens bastante diferentes das que derivaram dos Souza Fernando. Outras se mostrarão

diferenciadas, o que denota a existência de opções para a realização das alianças e para a

geração dos elos sagrados que, para além da amizade, uniam pessoas e famílias sob a égide

do sal, do óleo, da água benta e da benção de Deus Pai e da Madre Igreja.

I. As famílias Souza Fernando

No ano de 1716, a Colônia do Sacramento foi devolvida à posse portuguesa. Após

ter sido tomada pelos espanhóis em 1705, Sacramento foi evacuada pelos portugueses, cuja

maioria dirigiu-se para o Rio de Janeiro, mas não exclusivamente. Parte dos evadidos

retornou à Península Ibérica, outros foram para a região das Minas. Com a devolução de

Sacramento, a Coroa promoveu mais um de seus intentos de migração de famílias, coletiva

e direcionada, como já havia feito outras tantas vezes na colonização dos territórios de seu

vasto Império ultramarino. Houve a convocação de colonos do norte de Portugal que tinha

terras pouco férteis. Também o sistema de herança da nobreza que privilegiava os

primogênitos colocava sempre a população por vivenciar situações de carência de

alimentos e outros problemas correlatos à insuficiência no abastecimento. Da região de

Trás-os-Montes, em 1718, chegaram partidas de imigrantes (Relatório do Conselheiro


257

Antônio Rodrigues da Costa sobre o transporte dos Casais de Trás-os-Montes..., In:

Cortesão, 1951: pp. 413-415).

Na lista em que estão relacionados os chefes de famílias que atenderam a

convocação, constam Nicolau de Souza e Antônio de Souza (Relação dos casais que foram

para a Colônia em 1718. In: Monteiro, 1937: pp.68-70). Seus nomes completos: Nicolau

de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando. Estes dois homens, tio e sobrinho,

migraram com suas famílias, já que esse era o intento para o extremo-sul do Estado do

Brasil: ocupar e povoar o território com famílias, naquilo que Jaime Cortesão explicitaria

como sendo a “Política dos Casais” da Coroa portuguesa.

Segundo esta listagem, Nicolau de Souza Fernando teria embarcado com mais seis

pessoas. Uma delas provavelmente sua esposa, Ana Marques, de quem era primo em

terceiro grau (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406). A família de

Nicolau, portanto, compunha-se do casal e alguns dos seus filhos e, todos eles nascidos no

Valongo (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406-487).

Os anos que antecederam a chegada desta família não devem ter sido fáceis. Dona

Ana Marques, de inconteste fecundidade, já que trouxera ao mundo no mínimo dez

rebentos, viu cinco deles partirem desta vida. Crisanto, nascido em 1698; Romão, em

1700; Anastácia, em 1702; Josefa, em 1705 e Beatriz, em 1707. Faleceram ainda no

Valongo, provavelmente quatro deles na tenra infância, haja vista não lhes ter sido

agregado um sobrenome qualquer e apenas Josefa era Josefa Marques (Rheigantz, Título

Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 470).

As três filhas mais velhas dessa família, em ordem, Maria Marques de Souza, Ana

Marques, e Teresa Marques, contraíram matrimônio no Quartel da Torre da Marca,

enquanto aguardavam o embarque para o Brasil. Provavelmente, seus casamentos haviam

sido arranjados há mais tempo haja vista que Maria Marques e Teresa Marques foram
258

tomadas como esposas por dois irmãos, sendo José de Azevedo Barbosa o marido de Maria

e Francisco de Azevedo Barbosa o de Teresa. Não se exclui a possibilidade de ter sido o

marido de Ana Marques também eleito dentro dessas famílias. Chamava-se Francisco de

Souza Soares, tinha patente de alferes, e era filho de Francisco de Souza e Maria de Souza

Barbosa (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406-487).

A descendência desses três casais também está vinculada à conquista e

manutenção dos territórios do Continente do Rio Grande de São Pedro, tanto através de

suas trajetórias de militares e homens que exerceram cargos da Coroa como também

através das famílias com as quais teceram alianças matrimoniais ou ao compadrio.

Uma vez que foram identificados esses três casais que também migraram para

Sacramento em uma mesma partida, decorre uma discrepância entre o número de membros

da família de Nicolau de Souza Fernando listados na Relação dos Casais e o número de

filhos que co-habitavam com ele. Os genros compõe casais aparte do encabeçado por

Nicolau. José de Azevedo Barbosa e Francisco de Souza Soares passaram à Colônia como

“casal” composto de duas pessoas – muito provavelmente eles próprios e suas esposas – e

Francisco de Azevedo Barbosa passou como “casal” com três pessoas em sua comitiva.

Interessante notar que nesse caso, as filhas casadas de Nicolau de Souza Fernando

passam a integrar outro casal. Muito provavelmente, não deixaram de integrar a “família’

encabeçada por seu pai, haja vista as ligações reiteradas ao compadrio e em casamentos

intra-familiares que ainda teriam lugar na Vila do Rio Grande. Entretanto, como era

costume, os editais de convocação de migrantes ofereciam auxílio, sementes, insumos,

pagamentos por casal. Nesse momento, parece que seria mais benéfico, inclusive, à família

extensa, subpartir-se em vários casais, multiplicando o número de núcleos ou “casais” a

serem favorecidos pelos incentivos prometidos.

Dessa forma, Francisco de Azevedo, genro de Nicolau, foi beneficiado, em 1718,


259

com uma quota sementes de trigo que vieram de Portugal. Recebendo dois alqueires e

meio de sementes, colheu dois alqueires, com a colheita prejudicada como foram as de

todos os colonos, pois plantaram as sementes fora da época propícia, além de terem esses

grãos sofrido deterioração no transporte. Nicolau de Souza Fernando, por sua vez, obteve

sementes em Buenos Aires, das quais com um alqueire comprado, colheu dois, assim como

seu genro José de Azevedo que, com sementes obtidas do mesmo modo, também plantou

um e colheu dois. Apesar de terem uma colheita melhor, não era ainda a desejada. Os

colonos, talvez como prenúncio dos prejuízos que teriam com as rivalidades entre Portugal

e Espanha nesse Brasil meridional, foram sabotados pelos Espanhóis. Os grãos do trigo

adquiridos em Buenos Aires foram escaldados em água quente antes de lhes serem

entregues. Assim, cozidas, não germinaram como era o esperado. (AHU - Lista do pão que

receberam os casais este ano passado de 1718 das sementes que vieram de Portugal e se

repartiram conforme Sua Majestade ordenou... -1719). Não foi fácil começar a vida em

Sacramento.

Continuando o levantamento dos benefícios recebidos que foi possível fazer, tem-

se que Francisco de Azevedo obteve um boi manso, Nicolau de Souza Fernando e seu

sobrinho Antônio de Souza Fernando, assim como o alferes Francisco de Souza,

receberam, cada um, um boi brabo dado a amansar para posteriormente servirem-se deles

(AHU - Listas dos bois que se deram aos casais - 1719). Assim, se continuassem

“oficialmente” agrupados como membros de um único casal, os insumos recebidos teriam

sido aproximadamente um terço do que efetivamente lhes foi dado. Considera-se, portanto,

a aceitação dessa condição de aparente fracionamento da família como uma estratégia para

a obtenção de recursos já que, como será visto adiante, os Souza Fernando mantiveram

estreitas ligações e reiteradas alianças registradas nos livros paroquiais da Vila do Rio

Grande.
260

Segundo Fredrik Barth, ao falar sobre questões acerca do lugar dos valores, das

utilizações sociais e suas variações, diz que estas se refletem no comportamento das

pessoas e podem mostrar os fatores que geraram essas alterações (Barth, 1981b). Tais

variações são fruto de escolhas racionais, todavia restritas pelos valores e normas sociais,

de forma que, ainda que com um variado leque de opções para a ação, ele não é ilimitado

nem infinito. Ainda segundo um alerta bem-humorado deste antropólogo, quem vive em

sociedade é capaz de dizer o quanto essa vida pode ser impraticável (Barth, 1981a: p.14).

Esse é um dos objetivos desse trabalho: tentar ver, por mínimas que sejam, as

variações nos comportamentos sociais das famílias e grupos sociais com o intuito de

perceber quais os ganhos obtidos ou almejados e quais as estratégias sociais e familiares

que subjazem às escolhas que direcionaram suas ações. Junto com isso, tentar ver o quanto

o desenvolvimento desses eventos tornaram mais ou menos “praticável” a vida na Vila do

Rio Grande.

Uma outra observação que pode ser feita é que a desinência “casal” inclui o casal

propriamente dito e seus filhos solteiros, talvez um ou outro agregado, um aparentado, um

afilhado ou sobrinho ou mesmo um dos prometidos às filhas solteiras. Isso dá a impressão

de que as pessoas que compõe a comitiva do “casal” são aquelas pela qual o cabeça desse

casal assumiu a responsabilidade durante o transporte. De outro modo, a “família” pode

configurar-se de um modo bem mais amplo, incluindo nela outras formas de parentesco e

ligações não tão visíveis quanto as dadas pelo nascimento. Podem, inclusive, dar-se a

perceber quando não se está de posse dos registros eclesiásticos. Esses ou não puderam ser

consultados ou não sobreviveram ao tempo.

Os nomes, conforme já foi dito, não mantinham uma lógica de composição e

transmissão semelhante a que hoje conhecemos. A falta de apreensão dessa lógica que lhes

é própria, em grande medida, anuvia a percepção de suas sutilezas e dessa própria lógica,
261

dando a parecer que sempre falta uma peça do quebra-cabeças quando se tenta montar o

quadro mais completo. Um pouco pelo que é peculiar ao período. Outro pouco pela

impossibilidade de contar com tais registros. De certo, tem-se que além dos filhos solteiros

de Nicolau de Souza Fernando, outras pessoas compunham sua comitiva de “casal”.

Dos descendentes de Nicolau de Souza Fernando, os dois filhos mais novos

tiveram grande importância no período que se seguiu à fundação da Vila do Rio Grande.

São eles o Reverendo Padre Manuel Marques de Souza e sua irmã caçula, Maria Quitéria

Marques de Souza. Desta última, a descendência foi vasta e reiterou a importância da

família nas constantes guerras de conquista e reconquista dos territórios, como se verá no

próximo capítulo.

Já o casal encabeçado por Antônio de Souza Fernando passou à Colônia, segundo

a listagem, com quatro pessoas. Uma, certamente sua esposa, Apolônia de Oliveira, mas os

outros dois membros deste “casal” permanecem uma incógnita: segundo Rheingantz, todos

os seus filhos nasceram em Sacramento. Além disso, Antônio, a exemplo de suas primas

acima referidas, também contraiu matrimônio no período que antecedeu o embarque.

Apesar de ser um casal novo, existe a possibilidade de Dona Antônia já haver concebido

alguma criança fora do casamento. Entretanto, a data de nascimento que se possui para sua

filha mais velha é o ano de 1718, já na Nova Colônia do Sacramento (Rheingantz - Tiítulo

Antônio de Souza Fernando - 1979: p. 370). Fica, então, o mistério dos acompanhantes do

casal que não eram seus filhos, ainda por resolver. Talvez a única forma de solucioná-lo

não esteja longe, já que foram localizados livros de registros batismais da Colônia do

Sacramento relativos a este período no Arquivo da Cúria do Rio de Janeiro que,

infelizmente, estavam com seu acesso vetado à pesquisa quando do período da coleta de

dado para este estudo, permanecendo essa situação, segundo consta, até o presente.

Após uma estada de aproximadamente dezoito anos em Sacramento, da qual


262

pouco se têm notícia, os novos ataques e o conseqüente cerco promovidos pelos

castelhanos roubaram-lhes a tranqüilidade. Nos tempos que duraram de 1735 a 1737

experimentaram, sem sombra de dúvidas, a carência de alimentos e mais gêneros de

abastecimento que lhes impuseram os espanhóis. Como alguns outros moradores daquela

praça, Antônio de Souza Fernando, juntamente com esposa, filhos e genros, passou ao

novo povoado que se fundava às margens do Canal da Lagoa dos Patos. Nesse tempo, seis

de seus filhos já haviam nascido junto ao Rio da Prata, a filha mais velha, Maria de

Oliveira, já havia casado na própria Colônia no ano de 1734, com João Garcia Dutra,

natural da Ilha do Faial (Rheingantz - Tiítulo Antônio de Souza Fernando - 1979: p. 370).

Apenas sua filha mais nova, Felícia Maria de Oliveira, nasceu em Rio Grande, no mesmo

ano em que chegava o primeiro pároco à localidade.

Por falta de acesso aos registros eclesiásticos da Colônia do Sacramento, pouco se

pode dizer de como estabeleceram suas relações sociais naquela localidade. Entretanto, no

ano de 1738, com o batismo de sua primeira filha, pode-se dizer alguma coisa de como

procediam em seu novo local de moradia. Felícia foi batizada no dia 29 de dezembro de

1738 e teve como padrinho Francisco de Barbuda e Maldonado, solteiro, e madrinha Maria

de Oliveira, filha mais velha de Antônio de Souza (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753 -

Registro de Batismo Felícia, filha de Antônio de Souza Fernando, 29/12//1738 ). Anotação

do pároco indica que todos os partícipes do ato do batismo eram moradores do presídio que

se erigira.

Essa não foi, entretanto, a primeira aparição dos Souza Fernando à pia batismal. O

Segundo registro de batismo efetuado no Primeiro Livro de Batismos da Vila do Rio

Grande traz como padrinhos o Capitão João Caetano de Barros e Clara Maria de Oliveira,

outra das filhas solteiras de Antônio de Souza Fernando (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-

1753- Registro de Batismo de Antônio, filho de João Antunes da Porciúncula, 03/07/1738).


263

O batizando, o menino Antônio, filho de Antônio Antunes da Porciúncula e Antônia Pinto,

guarda traços em comum com a menina Felícia. A primeira observação a ser feita sobre os

padrinhos: tanto o capitão João Caetano de Barros quanto Francisco de Barbuda e

Maldonado estavam vinculados à Colônia do Sacramento. O primeiro, tendo servido lá por

mais tempo, possivelmente desde os anos que cercaram a sua devolução em 1716, e o

segundo, chegado para um posto de comando da Artilharia em 1737, durante o grande

cerco (ABN - Carta de Gomes Freire de Andrade, para o Governador da Colônia -

20/03/1737, 1928: 342-342). Ambos homens de patente, ambos, portanto, membros

destacados do corpo da sociedade como um todo, composto majoritariamente por

agricultores e camponeses como, segundo a Relação dos Casais, também eram os Souza

Fernando:

Manda Vossa Majestade que se povoe a nova Colônia para a


qual vão 60 casais de gente Transmontana que só entendem de
Agricultura, de que aquelas tão dilatadas campinas necessitam, pelos
grandes interesses que prometem à sua Real Fazenda: como também não
só parece conveniente mas preciso irem algumas pessoas práticas, e de
inteligência para reduzirem a boa forma o que pertencer à conservação
dos Povoadores. (Relação dos casais que foram para a Colônia em 1728.
In: Monteiro, 1937:p. 70)

A segunda observação é sobre as famílias dos batizandos: tanto João Antunes da

Porciúncula como Antônio de Souza Fernandes foram moradores da Colônia do

Sacramento. João Antunes da Porciúncula era natural do termo de Santarém, em Portugal.

Casou-se na Colônia do Sacramento com Antônia Pinto, natural de Salamanca, em 1727 e,

no mínimo, seus dois primeiros filhos nasceram lá (Rheingantz - Título João Antunes da

Porciúncula, 1979: p. 11-12). Eram, portanto, veteranos em ocupação de territórios. A

primeira experiência foi a que se encerrara na Colônia do Sacramento e a segunda ,a que se

iniciava em Rio Grande.

As famílias migradas provavelmente compartilharam as mesmas desventuras:


264

perder tudo, terras, lavouras, animais, benfeitorias. Algumas delas perderam na guerra

filhos, pais e esposos. Na retirada da população civil da Colônia do Sacramento sob fortes

ataques, provavelmente não puderam levar a maior parte dos bens, por terem migrado sob

a insígnia da guerra. Entretanto, observam-se, comparando e tecendo as ligações contidas

nessas duas atas de batismo que uma sorte de bens que não são transportados em carretas e

navios, tampouco são acomodados em caixas, barris ou baús, foram levados junto para a

nova moradia: as relações parentais, de amizade, de parentesco real ou fictício também

foram trazidas desde a Colônia do Sacramento até o Rio Grande. Novamente, lamenta-se

aqui não ter sido possível rastrear essas ligações visíveis ao compadrio na Colônia do

Sacramento. Não seria de espantar se Antunes da Porciúncula e Souza Fernando ou

membros de suas famílias já houvessem compartilhado o espaço no batistério da Igreja da

praça da Colônia. Na falta dessa documentação apenas pode-se deixar aqui indicado para

pesquisas futuras, quando alguém tiver condições de investigar essa reiteração em Rio

Grande, dos laços já forjados na Colônia do Sacramento. Sempre que possível e observável

na documentação que se tem disponível, esse fato será alertado.

Dos descendentes de Nicolau e Antônio de Souza Fernando elegeram-se para

análise neste estudo, respectivamente, Maria Quitéria Marques de Souza e Clara Maria de

Oliveira. A primeira sendo a filha caçula de Nicolau de Souza Fernando e a outra a

secundogênita de Antônio de Souza Fernando. A escolha dessas duas descendências se fez

por vário motivos. O principal deles é que, devido a importância que assumiram seus filhos

na manutenção dos territórios sulinos para a Coroa portuguesa, as trajetórias de seus

membros são muito bem documentadas, muito mais se comparados com as pessoas

“comuns” da Vila do Rio Grande, cujas seqüências de suas vidas se perdem num

emaranhado de homônimos e na carência de dados mais significativos que permitam uma

identificação destes agentes sociais com muitas garantias de sua correção e meticulosidade.
265

O segundo motivo, talvez não menos importante, é que, preservando as

características já observadas na geração anterior e na mesma geração dessas mulheres,

tanto elas quanto seus descendentes mantiveram a cada geração certas práticas, que são

visíveis em menor intensidade em outras famílias moradoras da localidade. A saber, dessas

práticas: a cada geração “reservam” um dos filhos para o casamento com parentes – tal

como ocorreram nos casamentos de Nicolau de Souza Fernando, Maria Marques de Souza

e Teresa Marques – reiterando alianças anteriores ou tecendo novas alianças com novas

famílias. Também são perceptíveis, nas escolhas dos compadres, as práticas familiares e da

sociedade como um todo: chamar de tempos em tempos algum parente para o compadrio,

reiterando na pia batismal as alianças pregressas contraídas ao matrimônio, ao mesmo

tempo que convocam, também, companheiros de armas, autoridades locais ou do Império.

Uma outra característica importante dessas duas linhas de descendências dos

Souza Fernando é que, por estarem entre os “primeiros moradores” ou “principais

moradores” do Continente do Rio Grande de São Pedro, possuem uma significativa

quantidade de escravos de diferentes origens. O adjetivo “significativo” aqui é usado em

relação às posses de escravos visíveis nos registros da localidade, sendo aproximadamente

quinze cativos o número de escravos estimado por Maria Luiza Bertulini Queiroz para o

maior proprietário da Vila no período sob análise. Se comparado com outras regiões da

colônia, dedicados ao plantio e fabrico do açúcar, por exemplo, essa quantia é ínfima1.

Entretanto, quando se analisa as formas e processos de acumulação de bens e prestígio em

uma situação peculiar de fronteira entre as duas nações ibéricas na região sulina, não cabe,

ao menos nesse momento, a comparação com economias distintas em territórios de posse

1
Cf. SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhias das Letras, 1988; SCHWARTZ, Stuart. "O Brasil colonial c. 1580-1750: as grandes
lavouras e as perifierias". In: Leslie (org.) BETHELL. História da América Latina. A América Latina
Colonial. São Paulo /Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.
266

mais antiga e consolidada. Mais produtivo seria analisar as possibilidades e opções de

pessoas que vivenciaram uma mesma realidade, assinalando o que as aproximavam em

suas trajetórias e o que as distanciavam na escala social que eles próprios estabeleciam

como uma das formas de dar sentido às suas vidas.

As famílias derivadas dos Souza Fernando possuíam, portanto, sob sua influência

e em contato consigo, gente de diferentes estatutos e qualidades. Isso faz com que seja

visto, através dessas duas linhas de descendência, um esboço da própria sociedade. Essa

era, ao mesmo tempo, diversificada quanto à classificação e à qualificação sociais e

econômicas. Era organizada a partir de critérios inerentes a ela, tendo a hierarquia

estabelecida ou por estabelecer em um território ainda sob conquista, um de seus pilares.

Ainda que estejam as relações aqui sob análise, num primeiro momento,

separadas por categorias que foram definidas para esse trabalho, tais como os batismos dos

filhos do casal, os afilhados dos membros das famílias, os compadrios dos escravos, etc. é

importante frisar que são entendidas aqui estas relações como sendo um continuum e que

essa quebra nos níveis de articulação entre elas é meramente feita com o intuito de facilitar

uma primeira análise.

Marcando e salientando a artificialidade deste recurso, fica, ao menos nesse

momento, redimida a culpa por qualquer anacronismo decorrente dessas classificações

absolutamente insatisfatórias para dar conta do objeto em questão. Tendo em vista o aporte

teórico que será melhor explicitado quando da análise das famílias como um todo, terá

lugar um aprimoramento na conceituação que tenta dar conta de fazer entender família,

acrescentando como partícipes dela também os agregados e servis, gente de posição

subalterna e muito inferior à da parentela consangüínea e afim dos Souza Fernando.


267

Ilustração 8 – Famílias dos Casais Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando.

FONTES: (ADPRG, L1Bat-RG, 1738-1753; Rheingantz, Títulos Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando, 1979)
268

Posteriormente, então, serão reagrupados o que se considera aqui inseparável para

uma análise mais completa: os membros de uma família incluindo os escravos e os

agregados, se forem visíveis aos registros. Desse momento em diante, a seção artificial será

substituída por uma nova maneira de se verificar o que é comum a uma família, com todos

os setores e graus hierárquicos que existem internos a ela. Passemos, pois, a uma olhada

nos compadrios estabelecidos para a família de Maria Quitéria Marques de Souza, filha de

Nicolau de Souza Fernando, incluindo filhos, marido.

1.1 Antônio Simões e Maria Quitéria

Quadro VI –Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões

Filho Ano Nasc Local Nasc Data Óbt Local Óbt


Teodósia Maria de Jesus 1730 Sacramento
José 1733 Sacramento
Ana Marques Vitorina 1735 Sacramento 1760 Sacramento
Bernardo Marques 1737 Rio Grande 2 1749 Sacramento
Luís Francisco Marques Fernandes 1740 Rio Grande
Manuel Marques de Souza 1743 Rio Grande 1822 Rio de Janeiro
Escolástica Marques de Souza 1746 Rio Grande
Feliciano Marques de Souza 1748 Rio Grande 1808 Porto Alegre
Joaquina Marques de Souza 1750 Rio Grande
Maria Joaquina Marques de Souza 1752 Rio Grande
FONTE: (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753; Rheingantz - Título Nicolau de Souza Fernando - 1979: pp. 406-487)

Conforme já dito, os registros batismais da Colônia do Sacramento não estão

disponíveis para a consulta de pesquisadores, ficando esta lastimável lacuna insanável até

mudança de orientação do Arquivo da Diocese do Rio de Janeiro, onde tais livros se

encontram. Seria extremamente importante poder seguir toda a descendência de Antônio

2
Bernardo Marques, segundo Rheingantz, nasceu em Rio Grande cf. RHEINGANTZ, Carlos G.
"Povoamento do Rio Grande de São Pedro. A contribuição da Colônia do Sacramento". In: INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO / INSTITUTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA MILITAR
DO BRASIL. Anais do Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande (1776-
1976). Rio de Janeiro: IHGB/IGHMB, 1979. . Entretanto, a data de seu nascimento antecede a chegada de
pároco ao local. Na falta deste registro de nascimento, pensa-se em duas possibilidades: houve engano na
construção desta genealogia por parte de Rheingantz ou a criança foi batizada na Colônia do Sacramento,
podendo ter ficado aos cuidados de seus avós ou tios que lá residiam.
269

Simões e Maria Quitéria, assim como conhecer os padrinhos dos seus primeiros filhos,

com o intuito de ver quanto dessas relações que antecederam a sua chegada em Rio Grande

foram renovadas na Vila. Deixando de lado o que é impossível fazer e indo para o que os

registros da Diocese do Rio Grande permitem, olhemos, pois, um segundo quadro,

composto dos filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria que nasceram e foram batizados

em Rio Grande.

Quadro VII – Batismos dos Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões
em Rio Grande

Criança Padrinho Tit. ou pat. Madrinha data


Luís Francisco José Carlos da Silva Vigário Eufrásia Maria de São Jose 04-10-1740
Manuel Francisco Barreto Pereira Pinto Tenente Catarina de Lima 07-03-1743
Escolástica Francisco Pinto do Rego Ten-Coronel Maria Josefa da Conceição 11-01-1745
Feliciano Domingos Martins Feliciana Domingues 03-06-1748
Joaquina João Gomes de Melo Ajudante Teodósia Marques 25-07-1750
Maria José da Silveira Capitão Brigida Antonia de Oliveira 11-03-1752
FONTE: (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753)

Pois bem, com exceção de Feliciano, cujo registro não traz nenhum título

associado ao nome, todos os demais padrinhos são gente com algum título ou patente, o

que os distancia do corpo das pessoas comuns da sociedade. É necessário afirmar aqui que

Domingos Martins não possui título apenas nesta ata, já que existem outras que lhe

atribuem a patente de capitão (p. ex. ADPRG - 1LBat-RG, Registro de Batismo de Maria,

filha do soldado dragão Francisco da Silva, 17/02/1752). Portanto, todos os seis padrinhos

das crianças do casal Antônio Simões e Maria Quitéria possuem alguma distinção social.

Falemos mais um pouco sobre eles.

José Carlos da Silva foi o primeiro vigário da localidade de Rio Grande. O

último registro batismal assinado por ele, em Rio Grande, data de 18 de abril de 1741. Em

dezembro de 1750 estava na localidade de Viamão, de onde também foi pároco por muitos

anos. A Relação de moradores que tem campos e animais neste Continente 1784-1785
270

(AHRS – cód. F1198 A e B) indica que o Pe. José Carlos da Silva foi também proprietário

de terras; vendeu uma porção de três léguas de largo por uma de comprido que tinha em

sociedade com o capitão Antônio Teixeira da Cunha para o também padre João Diniz

Alves de Lima. No tempo em que foi batizada a menina, o Padre José Carlos da Silva era a

autoridade eclesiástica máxima da localidade, responsável pelas ovelhas do Senhor em Rio

Grande.

O batismo de Manuel Marques de Souza é um tanto atípico. O menino,

provavelmente por ter passado por perigo de morte após o nascimento, foi batizado em

casa por necessidade. Manuel Marques de Souza é um dos raros casos em que a criança

tendo sido batizada em situação de emergência, recebeu padrinhos. A preocupação

principal das autoridades eclesiásticas era a de que não ficasse sem batismo qualquer

criança que viesse a nascer, ou mesmo se

...perigarem as crianças, antes de acabarem de sair do ventre de suas


mães, mandamos às parteiras, que aparecendo a cabeça ou outra alguma
parte da criança, posto que seja mão, ou pé, ou dedo, quando tal perigo
houver, a batizem na parte que aparecer... (Da Vide, 1707, Livro
Primeiro, Título XIII, § 44)

A falta do batismo as condenaria a danação eterna. Provavelmente a

responsabilidade por omissão de batismo a uma criança fosse bastante pesada, assim como

o destino da alma do infante. A tal ponto de, normativamente, as Constituições Primeiras

do Arcebispado da Bahia (Da Vide, 1707) estabelecerem que a pessoa que ministrava esse

Sacramento não necessitava ser um cura ordenado ou menos ainda, não necessitava nem

ser cristã, podendo, inclusive, incluir os antigos praticantes da Santa Fé Católica que foram

punidos com a excomunhão:

...nem por isso se deixa de se poder administrar licitamente fora da Igreja


em qualquer lugar, e por efusão ou aspersão, e por qualquer pessoa nos
casos de necessidade, e todas as vezes que houver justa, e racionável
causa, que obrigue a que assim se faça: como são, se alguma criança, ou
adulto estiver em perigo, antes de poder receber o Batismo na Igreja,
271

pode, e deve ser batizado fora dela, em qualquer lugar, por efusão, ou
aspersão, e por qualquer pessoa, posto que seja leigo, ou excomungado,
herege, ou infiel, tendo intenção de batizar, como manda a Santa Madre
Igreja. E posto que o Batismo feito por qualquer das ditas pessoas fica
valioso... (Da Vide, 1707, Livro Primeiro, Título XIII, § 42)

Um batismo feito nessas circunstâncias especiais, ainda que válido, não tem os

mesmos elementos de um batismo efetuado nas condições normais. Rezam as

Constituições Primeiras que ao batizando não serão conferidos padrinhos, supondo-se ser

essa uma das atribuições do pároco como representante máximo de Deus em sua paróquia.

O batismo procedido em casa, em situação de emergência, não consagraria padrinhos à

criança e, para que padrinhos tivesse, a criança deveria ser exorcizada desse batismo

emergencial e passar por novo ritual na Igreja, quando então lhe seria conferidos padrinhos

pelo pároco.

Assim como é raro o caso de uma criança batizada em situação de emergência ter

padrinhos, é inexistente qualquer ata de batismo nos quatro primeiros livros de Rio Grande

que revele haver sido feito o exorcismo do ritual caseiro. Entretanto, anotado o batismo de

Manuel como sendo emergencial, ainda ali são visíveis padrinho e madrinha. Seria apenas

um fato curioso se a repetição não tornasse visível um certo padrão: as poucas crianças que

foram batizadas em casa e tiveram padrinhos pertenciam aos estratos sociais mais elevados

da localidade, como no exemplo dado anteriormente do batismo de Nicolau, filho de

Mateus Inácio da Silveira. De algum modo, a posição social das famílias das crianças

batizadas em situação de emergência poderia possibilitar-lhes a designação de um

padrinho, ou seja de um pai e uma família espiritual, não sendo o mesmo válido para as

crianças nascidas em famílias de condição inferior. O que era de extrema raridade para

estas não era exatamente uma exceção nas famílias mais bem situadas.

Francisco Barreto Pereira Pinto, o padrinho escolhido para o menino Manuel,

era natural de Portugal e, ao tempo do batismo, tinha patente de tenente de Dragões do


272

Regimento das Minas Gerais, tendo participando da fundação do Presídio na expedição de

José da Silva Pais. Chegara a Rio Grande possivelmente no mesmo período em que

chegavam as famílias evadidas de Sacramento. Não é impossível que tenha estado lá

anteriormente, já que muitos dos oficiais militares que se estabeleceram em Rio Grande

faziam parte das forças dos terços que fizeram reforço à praça sob ataque. Em 1750 foi

promovido a Capitão e em 1755 foi nomeado Sargento-mor do Regimento de Dragões

(Queiroz, 1987: p.98). Supõe-se ter alguns conhecimentos de engenharia, haja vista

também ter sido designado como “ajudante” em alguns documentos, desinência esta quase

sempre relativa a pessoas com certo grau de estudo técnico. Outra demonstração de boa

situação social da família do padrinho de Manuel é o título de Dona associado ao nome de

sua esposa, Francisca Veloso.

As relações de compadrio da família de Francisco Barreto Pereira Pinto com os

Souza Fernando não se extinguiram no batismo de Manuel. Alguns meses após, Dona

Francisca Veloso foi convidada para madrinha de uma prima de Manuel, a menina Felícia,

neta de Antônio de Souza Fernando, também batizada em casa por necessidade e também

com padrinhos atribuídos (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753 - Registro de Batismo de

Felícia, filha de Sebastião Gomes de Carvalho, 23/12/1743 ). Segundo Queiroz, Francisco

Barreto situava-se na segunda faixa de maiores proprietários de escravos da Vila de Rio

Grande antes da tomada pelos espanhóis, detendo entre oito e dez cativos (Queiroz, 1987:

p. 98). Após a invasão da Vila, entre setembro de 1763 e junho de 1764, exerceu

interinamente o cargo de governador do Rio Grande de São Pedro. Não foi, portanto, uma

das “pessoas comuns” da localidade.

De Francisco Pinto do Rego, padrinho de Escolástica, além da patente de

coronel, pouco é possível saber através dos registros de Rio Grande. Francisco Pinto do

Rego não compareceu à cerimônia batismal de Escolástica, fazendo-se representar através


273

de procurador. Não foi morador da localidade e tampouco manteve maiores vínculos

visíveis através dos registros eclesiásticos. Entretanto, não foi difícil localizá-lo em outra

sorte de fontes primárias ou secundárias através dos procedimentos de buscas onomásticas

mais simples: Francisco Pinto do Rego era neto do antigo Capitão-mor da Capitania de São

Vicente, Diogo Pinto do Rego, cuja indicação para o cargo foi feita e aprovada pelo

Conselho Ultramarino, e nomeado pelo Rei como tal em 1678.

Há uma grande possibilidade de Francisco Pinto do Rego ter estado na Colônia do

Sacramento à época da chegada dos imigrantes de Trás-os-Montes, ainda que não se tenha

obtido nenhuma informação mais sólida quanto a isso. Entretanto, alguma ligações

familiares podem ser identificadas entre Francisco Pinto do Rego e os Souza Fernando,

através de um dos muitos braços que essa família estendia na Colônia. Voltando à

Ilustração I, posta acima, visualiza-se na descendência de Antônio de Souza Fernando o

casamento entre Clara Maria de Oliveira e o capitão Francisco Pinto Bandeira, cuja

ascendência paterna é oriunda da Laguna, por sua vez, fundada pelo capitão Francisco de

Brito Peixoto, de quem já se falou aqui, e avô materno de Pinto Bandeira (veja-se a

Ilustração II, posta adiante juntamente com a análise dos compadrios do casal Francisco

Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira).

Francisco de Brito Peixoto, nesse emaranhado de parentescos afins e

consangüíneos que uniam os que passaram por Sacramento e Laguna, era irmão da mãe de

Francisco Pinto do Rego. Seu tio materno, portanto. O elo familiar entre esses irmãos era

bastante forte, a ponto de Brito Peixoto designar o sobrinho e irmão de Francisco Pinto do

Rego, o mestre-de-campo Diogo Pinto do Rego, morador de São Paulo, como herdeiro de

suas mercês, em detrimento das filhas e filhos que vieram fazer o povoamento da Laguna e

do extremo-sul (BN - Manuscritos II-1,2,2,3- Notícia da Povoação, e fundação da Vila da

Laguna feita por Francisco de Brito Peixoto que foi Capitão-mor...). Francisco Pinto do
274

Rego, em São Paulo ou em qualquer outra localidade da colônia, também se destacava das

“pessoas comuns” dadas as qualidades suas e de sua família.

Domingos Martins, como já foi dito, apesar de não ter sua patente no registro da

ata batismal de Feliciano, era detentor de patente militar. Foi soldado do destacamento da

Bahia na Colônia do Sacramento, onde recebeu terras e gados (Queiroz, 1987: p. 98). Há,

na lista dos homens que acompanharam Dom Manuel Lobo na fundação da Colônia do

Sacramento, um Domingos Martins, sem que se possa saber se é o mesmo padrinho de

Feliciano ou não (Relação dos prisioneiros feitos pelos espanhóis na tomada da Colônia

em 1680, in: Monteiro, 19371937: pp. 47-48). Em 1738 o militar passou ao Regimento de

Dragões do Rio Grande, do qual deu baixa logo em seguida. Assim como Francisco

Barreto Pereira Pinto, está situado na segunda faixa estabelecida por Queiroz para os

maiores proprietários de escravos da localidade, possuindo, no mínimo, entre oito e dez

cativos. Tendo dado baixa do Regimento de Dragões, recebeu patente de capitão de

Infantaria das Ordenanças da Vila do Rio Grande. Em 1755 passou a capitão de Cavalos

das Ordenanças (Queiroz, 1987: p. 98). Dadas as patentes e mercês obtidas, tampouco

Domingos Martins poderia ser confundido com as pessoas comuns da Vila.

O Ajudante João Gomes de Melo, natural de Pernambuco, também foi

proprietário de um número mínimo de escravos entre oito e dez. Também compartilhava

dessa segunda faixa de maiores proprietários de cativos da Vila, estabelecida por Queiroz

(1987: p. 98). Sua patente de ajudante de engenharia era devida aos cursos técnicos de

Arquitetura Militar e Geometria e foi indicado para o cargo pelo mestre-de-campo André

Ribeiro Coutinho, sucessor de José da Silva Pais na Comandância Militar do Rio Grande

de São Pedro. Segundo parecer do Conselho Ultramarino, André Ribeiro Coutinho julgava

que em João Gomes de Melo

concorriam todas as circunstâncias necessárias para ocupar


275

aquele posto, assim pela sua suficiência e merecimento, como por ter se
empregado nos estudos da Arquitetura Militar e Geometria em tal forma
que, fazendo-lhe por várias vezes e em várias matérias individual exame,
o achara capacíssimo daquele emprego (AAHRS- Registro de uma carta
patente passada ao Cabo-de-Esquadra João Gomes de Melo... 1977 :
p.1124)

O mestre-de-campo André Ribeiro Coutinho era pessoa habilitada a emitir tal

parecer pois, além de guerreiro experimentado na Guerra da Sucessão ibérica, em Corfu na

Grécia, na Hungria, sargento-mor instrutor de disciplina militar no Estado da Índia sob o

comando de Gomes Freire de Andrade e tenente-coronel em Sacramento, era também

engenheiro militar, tendo escrito obras sobre a arte da guerra e as instalações militares,

tanto terrestres como marítimas (Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico,

Biográfico, Numismático e Artístico, 1904-1915).

No mesmo documento há um breve relato de serviços prestados por João Gomes

de Melo nos anos que antecederam sua chegada no Rio Grande. O cabo-de-esquadra da

infantaria da praça da Bahia que estava recebendo patente de ajudante de engenheiro havia

servido Sua Majestade no Rio de Janeiro, passando à Colônia do Sacramento, como

condestável nomeado por José da Silva Pais. Foi responsável pela correção dos planos

equivocados de construção da Guarda do Arroio do Taim, sendo indicado para continuar as

obras da fortificação de Rio Grande quando do recebimento da patente. No ano de 1740 já

estava casado com Maria Josefa da Conceição, moça de família mineira que teve a

infelicidade de ficar órfã de pai logo após a chegada de sua família ao Rio Grande. O

casamento deu-se por intercessão de André Ribeiro Coutinho, segundo petição do cunhado

de Maria Josefa:

passados poucos meses faleceu o dito seu sogro, deixando em total


desamparo sua mulher, a do Suplicante [Manuel de Almeida Peixoto],
três filhas e algumas escravas as quais só acharam a piedade e favor de
V.Sª [André Ribeiro Coutinho] que, casando duas de suas cunhadas com
o Ajudante João Gomes de Melo e com o Sargento João da Cunha,
evitou a ruína que a desgraça poderia ordenar na dita família (AAHRS -
Registro de um requerimento que fez Manuel de Almeida Peixoto...,
276

1977: p.147)

João Gomes de Melo foi agraciado com sesmaria de três léguas por uma légua, na

localidade de Palmares/Castilhos Grandes no ano de 1752, concedida por Gomes Freire de

Andrade durante a Expedição de Demarcação dos Limites do Tratado de Madri (RAPM v.

XXIII, 1929: pp. 502-503). Sua esposa, Maria Josefa, já comparecera à Pia Batismal a

convite dessa mesma família, sendo madrinha de Escolástica. O casal foi padrinhos de

outras crianças nessa mesma família e Maria Quitéria, juntamente com o Comissário de

Mostras Cristóvão da Costa Freire, batizou um dos filhos de João Gomes de Melo que,

curiosamente, recebeu o mesmo nome de um dos netos de Antônio de Souza Fernando

(ADPRG - 1LBat-RG - Registro de batismal de Venceslau, filho de João Gomes de Melo -

06/10/1749, 1738-1753). As relações entre os Souza Fernando e João Gomes de Melo

provavelmente também remontavam o tempo em que viveram em Sacramento e seu

casamento com Maria Josefa veio a acrescentar mais possibilidade de variação do conjunto

presente à pia batismal a reiterar alianças de compadrio já efetuadas anteriormente.

Pelas patentes e mercês recebidas, percebe-se que João Gomes de Melo tampouco

era uma pessoa pertencente a estratos inferiores dessa nascente sociedade. Fazendo valer a

condição de que, via de regra, convidam-se para padrinhos pessoas do mesmo estatuto

social ou estatuto social superior ao seu, a troca bilateral de afilhados entre essas duas

famílias sugere que a descendência dos Souza Fernando também fazia parte desses estratos

sociais superiores de Rio Grande, caso contrário apenas chamariam gente importante da

Vila para batizar seus filhos, sem nunca serem chamados por estes. Não é o que acontece,

como será visto adiante, quando do quadro dos afilhados dos membros desta família na

localidade de Rio Grande e os que foram encontrados em Viamão.

Por último, o capitão José da Silveira. A patente associada ao seu nome no

registro batismal de Maria já o apresenta como membro destacado da sociedade local.


277

Pelos registros batismais nos quais aparece o capitão José da Silveira, no primeiro livro de

registros batismais de Rio Grande, ele possuía no mínimo três escravos. Provavelmente é

um dos José da Silveira Bitencourt, pai ou filho, naturais da Ilha do Faial e que chegaram à

localidade por volta de 1742. Também foram proprietários de terras e comerciantes de

gados. Devido pai e filho serem homônimos e terem trajetórias bastante semelhantes,

conforme já apresentado no capítulo intitulado “O Segredo do Pajé”, não há como concluir

por um ou outro. Mas, sendo José da Silveira Bitencourt, pai ou filho, nesse caso não

importa qual seja, há na família uma patente de Alferes, duas patentes de Capitão de

Dragões, uma de Capitão da Ordenança, um ofício de Juiz de Órfãos, um ofício de Juiz

Ordinário, duas sesmarias, uma em Rio Grande e outra em Rio Pardo, e a posse de cinco a

oito cativos, que na classificação de Queiroz os coloca na terceira faixa de maiores

proprietários de escravos do Rio Grande. Pertence o capitão José da Silveira, padrinho da

menina Maria, a um seleto grupo de moradores da localidade.

Quanto às madrinhas, por geralmente haver menos informações sobre as mulheres

em todos os registros documentais do período, os comentários são mais sucintos.

A madrinha de Luís Francisco, Eufrásia Maria de São José era uma das filhas de

Antônio de Souza Fernando, casada com o cirurgião-licenciado Sebastião Gomes de

Carvalho. Pertencia à família Souza Fernando, portanto, apontando a reiteração espiritual

de parentescos consangüíneos existentes entre os Souza Fernando e sua descendência.

Catarina de Lima é dita apenas como solteira, podendo ser Catarina de Lima, filha de

Antônio Pinto e Isabel de Lima, que posteriormente casou-se com João Diniz Alves (ou

Álvares), sesmeiro que possuía no mínimo um escravo, ou Catarina de Lima, casada

posteriormente com José Antônio de Vasconcelos, também sesmeiro. Maria Josefa da

Conceição é tal boa moça mineira que tendo passado por penúria e miséria após a morte de

seu pai teve a sorte de ser dada por André Ribeiro Coutinho a casar com o ajudante João
278

Gomes de Melo. Feliciana Domingues, madrinha de Feliciano, era casada com o capitão

Domingos Martins. Teodósia Marques era irmã mais velha de sua afilhada Joaquina e

casada com o então tenente e posteriormente capitão Antônio Pinto da Costa. Brízida ou

Brígida Antônia de Oliveira era filha de Antônio de Souza Fernando, casada com o

capitão de dragões Manuel Pereira Roriz de Negrelos. Ou seja, também nas madrinhas

dessas crianças, em que pese incerteza sobre qual das duas Catarinas de Lima que viveram

em Rio Grande nesse período, são visualizados os atributos de quem está bastante mais

elevado do que o rés-do-chão da sociedade de Rio Grande. Através das características e

caracterizações encontradas nos registros eclesiásticos complementados com outras fontes

pode ser dito, com toda a segurança, que os atores sociais presentes nessas seis cerimônias

de batismo são membros destacados da sociedade Riograndina, dadas as qualidades suas e

das pessoas e famílias de suas relações. Boa parte deles fazia parte dos setores agraciados

por mercês de Sua Majestade, sob forma de sesmarias de terras, patentes, cargos e ofícios.

Muitos deles, como o próprio marido de Maria Quitéria e os padrinhos de Maria, eram

ativos comerciantes de gado, riqueza maior do extremo-sul do Estado do Brasil no período

sob análise. Eram, portanto, famílias e pessoas que, em consonância com o momento em

que viviam, teceram relações pessoais e estabeleceram atividades que podiam ser bem

rentáveis.

Se essa malha de compadrios dadas aos batismos dos filhos do casal Antônio

Simões e Maria Quitéria Marques de Souza já é complexa, a complexidade maior é

verificada quando são colocados em um quadro todos os batismos ao qual comparecerem

como padrinhos este casal ou um de seus filhos. Veja-se o quadro a seguir.


279

Quadro VIII – Compadrios do casal Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza e seus filhos

Criança Pai Mãe título patente padrinho Padrinho Madrinha data Estatuto situação fonte
Narcisa Raimundo Fernandes Nataria Ribeiro ajudante João de Freitas Silva Maria Quitéria Marques de Souza 06-08-1741 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Antonio de Almeida Francisca Pereira capitão Tomas Luis Osório Maria Quitéria Marques de Souza 17-08-1741 livre natural 1Lbat RG
Rosa Rafael Rodrigues de Andrade Maria Josefa tenente Francisco Barreto Pereira Pinto Maria Quitéria Marques de Souza 09-10-1741 livre legitimo 1Lbat RG
Angélica - Antonia da Rosa Pedro Monis de Menezes Maria Quitéria Marques de Souza 18-02-1743 livre natural 1Lbat RG
Joaquim Inácio da Costa Santos Rosa Maria Antonio Simões Teodósia Marques 11-03-1743 livre natural 1Lbat RG
Isidora Luis Dias Helena, índia Comissário Cristóvão da Costa Freire Maria Quitéria Marques de Souza 27-10-1743 livre índia natural 1Lbat RG
Manuel Sebastião Gonçalves, índio cabo Manuel de Oliveira Braga Maria Quitéria Marques de Souza 27-10-1743 livre índio natural 1Lbat RG
Inacio - - tenente Antonio Pinto da Costa Teodósia de Jesus 04-11-1743 livre índio - 1Lbat RG
Quitéria Francisco Gonçalves Ana Pereira de Souza Tesoureiro Faz. Real Pedro Jacques Maria Quitéria Marques de Souza 07-01-1744 livre legitimo 1Lbat RG
Teodora Raimundo Fernandes Nataria Oliveira ajudante João de Freitas Silva Maria Quitéria Marques de Souza 12-03-1744 livre índia legitimo 1Lbat RG
Luis Estevão da Silva Isabel, índia Tape coronel Diogo Osório Cardoso Maria Quitéria Marques de Souza 08-11-1744 livre índio tape natural 1Lbat RG
Domingos Jose Dias Marta Antunes de Souza Domingos Gomes Ribeiro Maria Quitéria Marques de Souza 02-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Albano João de Caldas Joana do Livramento Antonio Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 20-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Efigênia Manuel Afonso Ângela Pereira Manuel Francisco da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 30-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Jacinto Lucas Fernandes Joana Maria da Purificação Padre Manuel Henriques Maria Quitéria Marques de Souza 18-09-1746 livre legitimo 1Lbat RG
Bernarda Estevão Rodrigues Josefa, índia Minuane Governador Diogo Osório Cardoso Ana Marques de Souza 29-06-1747 livre índia minuane natural 1Lbat RG
Ana João Gomes de Melo Maria Josefa da Conceição Joaquim Manuel da Trindade Ana Marques de Souza 17-07-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Inocência Máximo dos Santos Inácia Gouveia Francisco de Lemos Maria Quitéria Marques de Souza 31-07-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Inácio Francisco Ribeiro da Costa Inácia Maria dos Ramos ajudante João de Freitas Silva Ana Marques de Souza 09-08-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Francisca João da Silva Valadares Maria da Assunção Licenciado Jose Antonio de Vasconcelos Maria Quitéria Marques de Souza 11-10-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Margarida Estevão da Silva Damásia Rodrigues Governador Diogo Osório Cardoso Maria Quitéria Marques de Souza 25-02-1748 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Luis de Queiroz Francisca Correia Francisco de Almeida Lisboa Maria Quitéria Marques de Souza 01-05-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Severina Domingos Martins Feliciana Domingues Manuel dos Santos Lobo Maria Quitéria Marques de Souza 05-05-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Escolástica Francisco de Seixas Josefa de Jesus Manuel Pinto Rabelo Maria Quitéria Marques de Souza 20-01-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Venceslau João Gomes de Melo Maria Josefa da Conceição Comissário Cristóvão da Costa Freire Maria Quitéria Marques de Souza 06-10-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Sofia - - - Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Faustina Tacu - Cabo Vilela Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Rufina - - Padre Bento Pereira Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Guiomar - - Padre Manuel Henriques Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Águeda - - Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Hilária - - Francisco Pinto Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
280

Anacleta Faustino de Macedo Paula Teresa José da Silveira Ana Marques de Souza 20-02-1749 livre índia minuane 1Lbat RG
Joaquina Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza ajudante João Gomes de Melo Teodósia Marques 25-07-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Bernardo Cipriano Jose de Oliveira Maria Antônia de Oliveira furriel de Dragões Manuel Osório Maria Quitéria Marques de Souza 28-08-1750 livre legitimo 1Lbat RG
João João de Oliveira Francisca Ferreira tenente de Dragões Antônio José de Figueroa Maria Quitéria Marques de Souza __-09-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Manuel Bicudo da Luz Brígida de Oliveira cabo de Dragão Jose Coelho Maria Quitéria Marques de Souza 21-09-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Amatildes Manuel de Assunção de As Antonia Maria de Faria capitão Manuel Carvalho de Lucena Maria Quitéria Marques de Souza 18-06-1751 livre legitimo 1Lbat RG
Fabiano Antônio Pinto da Costa Teodósia Marques alferes Antônio Pinto Carneiro Ana Marques de Souza 18-04-1752 livre legitimo 1Lbat RG
José José Pacheco Dionísia da Rosa capitão Gaspar dos Reis Ana Marques de Souza 30-04-1752 livre legitimo 1Lbat RG
João José Caetano Pereira Maria Eugênia de Figueiredo José da Silva Ribeiro Maria Quitéria Marques de Souza 23-05-1752 livre legitimo 1Lbat RG
Jacinto Luis da Rocha Maria da Costa tenente de Dragões Antônio Pinto da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 15-02-1753 livre legitimo 1Lbat RG
João Pedro Quadrado Ângela de Souza Manuel Marques de Souza Luísa Maria 06-08-1753 livre legitimo 1Lbat RG
Ana Salvador Moreno Maria de Santo Antonio Francisco Coelho Osório Maria Quitéria Marques de Souza 27-08-1753 livre legitimo 1Lbat RG
Corroído Matias Gonçalves Isabel Maria Romão da Silva Maria Quitéria Marques de Souza 30-09-1753 livre legitimo 2Lbat RG
Luis incógnito [---] mulata escrava ? Maria Quitéria Marques de Souza 00-01-1754 escravo natural 2Lbat RG
Úrsula Luis Álvares dos Santos Mariana Rosa Antonio Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 18-04-1754 livre legitimo 2Lbat RG
Felícia Pedro Lopes Bárbara de Jesus José Lopes Maria Quitéria Marques de Souza 10-06-1754 livre legitimo 2Lbat RG
Bernardina Miguel Pereira Rita Bernarda Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 13-03-1755 livre legitimo 2Lbat RG
João Mateus Marques Bárbara Maria Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 23-06-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Antonio Jose Caetano Pereira Maria Eugenia de Figueiredo João Martins da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 11-08-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim Agostinho da Cunha Mariana de Souza Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 19-08-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Mariana Manuel Jose Soares Catarina Maria Jose da Costa Guimarães Maria Quitéria Marques de Souza 16-10-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Jacinto Estevão da Silva Damásia Rodrigues capitão Jacinto Rodrigues da Cunha Teodósia Marques 22-12-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Manuel Jaques de Oliveira Angélica da Cruz Capitão-mor Francisco Coelho Osório Maria Quitéria Marques de Souza 13-04-1776 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Antonio Machado Rita Maria Manuel Marques de Souza Escolástica Marques de Souza 18-05-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim - Joana, Mina Feliciano Antonio Marques Maria Marques 18-05-1756 escrava natural 2Lbat RG
Antonio Jose de Deus Paula Maria Antonio Francisco dos Santos Escolástica Marques de Souza 20-06-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Domingos Francisco Pires de Souza Josefa Isabel de Bitencourt Domingos Fernandes de Oliveira Maria Quitéria Marques de Souza 19-07-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Leonor João Caetano de Souza Joana Maria da Ressurreição alferes Francisco Lopes Maria Quitéria Marques de Souza 08-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Antonio Teixeira Batista Teresa Maria Manuel Marques de Souza Apolinária de Souza 10-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Rosaria Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São Jose Capitão Manuel de Araújo Gomes Maria Quitéria Marques de Souza 18-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Antonio Antonio Pinto da Costa Teodósia Marques Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 22-09-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Maria Jose Francisco Maria do Rosário Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 23-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Jose Pacheco Dionísia da Rosa Antonio Teixeira de Abreu Maria Quitéria Marques de Souza 22-11-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim Mateus Bárbara Maria Manuel Marques de Souza Joaquina Marques 26-01-1757 livre legitimo 2Lbat RG
281

Manuel Pedro Ca[?] de Alcântara Josefa Ana de Andrade Padre Manuel da Cruz Gomes Escolástica Marques de Souza 17-02-1757 livre legitimo 3LBatRG
Corroído [---]Teixeira Apolinária de Souza Manuel Marques de Souza Teresa Maria 27-03-1757 livre legitimo 3LBatRG
José Francisco Machado Maria de Jesus Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 10-04-1757 livre legitimo 3LBatRG
Antonio Antonio Francisco dos Santos Mariana Felícia da Encarnação Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 09-05-1757 livre legitimo 3LBatRG
Ana, mina - - Manuel Marques de Souza Ana de Azevedo 17-06-1757 escrava - 3LBatRG
Manuel Miguel Pereira Rita Bernarda Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 02-08-1757 livre legitimo 3LBatRG
Joaquim Simão Pereira de Souza Maria Josefa Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 11-08-1757 livre legitimo 3LBatRG
Rosaria incógnito Jacinta, mina Feliciano Antonio Marques Joaquina Marques 10-10-1757 escrava natural 3LBatRG
Maria Antão de Ávila Luzia Maria Manuel Marques de Souza Teresa Maria 29-05-1758 livre legitimo 3LBatRG
Francisca incógnito Joana, mina Manuel Marques de Souza Rosa Maria Seria 18-10-1758 escrava natural 3LBatRG
Giralda incógnito Ana, Angola Manuel Marques de Souza Escolástica Marques de Souza 18-10-1758 escrava natural 3LBatRG
Antonio Antonio Francisco dos Santos Mariana Felícia da Encarnação Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 19-10-1758 livre legitimo 3LBatRG
Carlos Manuel Teles de Bitencourt Maria do Carmo Lemos Inácio Osório Escolástica Marques de Souza 09-11-1758 livre legitimo 3LBatRG
José Mateus Marques Bárbara Maria Feliciano Antonio Marques Rosa Maria Seria 25-12-1758 livre legitimo 3LBatRG
Manuel Jose Francisco Ana Maria Manuel Marques de Souza Maria Marques 04-02-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonio Silvestre de Moura Ribeiro Ana Gomes de Azevedo Manuel Jorge Maria Quitéria Marques de Souza 22-04-1759 livre legitimo 3LBatRG
Marta Manuel Teixeira Apolinária de Souza Manuel Marques de Souza Luzia Maria 27-05-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonia Manuel Correia Simões Josefa Mariana da Luz Antonio Jose de Moura Maria Quitéria Marques de Souza 06-10-1759 livre legitimo 4LBatRG
João Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São Jose Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 24-10-1759 livre legitimo 4LBatRG
Manuel Caetano Furtado Custodia Pereira Antonio Jose de Moura Maria Quitéria Marques de Souza 11-02-1760 livre legitimo 4LBatRG
Francisca Carlos Teixeira Maria do Rosário Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 08-03-1760 livre legitimo 4LBatRG
Domingos Pedro Pais de Figueiredo Maria Antonia Domingos Martins Pereira Maria Quitéria Marques de Souza 08-04-1760 livre legitimo 4LBatRG
Jose Jose Rodrigues Nicola Inês de Lima Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 23-06-1760 livre legitimo 4LBatRG
Rosa Antonio Jose de Brito Catarina de Sena Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 31-07-1760 livre natural 4LBatRG
Antonio Luis da Rocha Maria da Costa Antonio Ferreira Maria Quitéria Marques de Souza 05-04-1761 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Antonio Correia da Silva Josefa Maria Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 10-03-1762 livre legitimo 4LBatRG
Maria Antonio Francisco dos Santos Maria Josefa Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 05-09-1762 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Jose Francisco Ana Maria Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 11-09-1762 livre legitimo 4LBatRG
Isabel Cristóvão Ferreira de Carvalho Isabel de Jesus Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 06-12-1762 livre legitimo 4LBatRG
Ana Antonio Pinto da Costa Teodósia Marques Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 23-01-1763 livre legitimo 4LBatRG
David Jose Rodrigues Nicola Inês de Lima Padre Francisco de Lima Pinto Joaquina Marques 22-02-1763 livre legitimo 4LBatRG
Manuel Manuel Lourenço Maria Silveira Manuel Marques de Souza Úrsula Teresa 12-04-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Francisco Luís Isabel Inácia Capitão Manuel Marques de Souza Joana Maria 24-05-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Gertrudes Constantino José Rodrigues de Lima Maria da Conceição Manuel Marques de Souza Mariana 12-05-1768 livre legitimo 1LBEstreito
282

Maria Antão Pereira Machado Joana Maria Manuel Marques de Souza - 13-05-1768 livre legitimo 1LBEstreito
Custódio Gonçalo José Luísa Inácia Manuel Marques de Souza - 15-07-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Ana João Caetano Joana Maria Manuel Marques de Souza - 30-09-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Joaquim Pires Teresa de Jesus Manuel Marques de Souza Antônia Teresa 20-10-1776 livre legitimo 1LBEstreito
José Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza Josefa Marques 15-05-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel - Maria do Rosário Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre natural 1LBEstreito
Joaquina Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Felipe Francisco de Souza Rita Maria da Ressurreição Manuel Marques de Souza Páscoa Maria da Ressurreição 09-06-1773 livre legitimo 1LBEstreito
José Francisco da Rosa Quitéria Maria Antônio Pinto Carneiro Maria Quitéria Marques de Souza 03-07-1763 livre legitimo 2LBViamão
Bernardina Francisco da Rosa Quitéria Maria Manuel Fernandes de Castro Joaquina Marques 06-08-1765 livre legitimo 2LBViamão
Joaquim Alberto Soares Leonarda Francisca Reverendo Francisco Rodrigues Xavier Prates Joaquina Marques 21-09-1762 livre legitimo 2LBViamão
Angélica Antônio da Terra Catarina Josefa Manuel Bento da Rocha Joaquina Marques 26-01-1766 livre legitimo 2LBViamão
Antônio Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira Capitão Antônio Pinto Carneiro Maria Quitéria Marques de Souza 04-04-1766 livre legitimo 2LBViamão
Luis Luís Teixeira da Silva Bernarda Rosa Ramos Francisco de Oliveira Coutinho Escolástica Marques de Souza 20-10-1766 livre legitimo 2LBViamão
Joaquina Antônio Fernandes da Fonseca Brízida Maria de Jesus Capitão Antônio Pinto Carneiro Joaquina Marques 26-09-1767 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Domingos Martins Ana Francisca de [---] Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 09-07-1768 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Antônio Francisco de Abreu Rita da Conceição Francisco Martins de [---] Escolástica Marques de Souza 03-04-1769 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Antônio da Terra Catarina Josefa Manuel Fernandes de Castro Joaquina Marques 16-07-1769 livre legitimo 2LBViamão
283

Foram, no mínimo, cento e dezoito as vezes nas quais ao menos um dos membros

do casal ou um de seus filhos compareceram à pia batismal como padrinhos de crianças

nas localidades de Rio Grande, Estreito e Viamão entre os anos de 1738 e 1776. Mais

seriam se fossem encontrados os desaparecidos livros específicos de registros batismais de

escravos de Rio Grande, se alguns registros fragmentados e corroídos pudessem ser lidos

ou se fossem acrescidos os livros dos escravos de Viamão.

Se Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza foram pouco ecléticos ao

eleger os padrinhos de seus filhos, uma rápida passada de olhos no quadro acima colocado

demonstra a variedade de compadres que os convidaram a eles e a seus filhos para

padrinhos e madrinhas de suas crianças nessa localidade. Entre os compadres deste casal e

os de seus filhos, além das pessoas pertencentes ao seu estrato social, estão índios tape,

índios minuano, escravos, forros, agricultores açorianos e mais gente cuja procedência,

origem étnica, ocupação e posses não pode ser verificada. A família em questão era uma

das mais procuradas para o compadrio em Rio Grande. Deviam ter, portanto, algumas

qualidades que os tornavam desejáveis para esse tipo de relação. De algum modo, a

proximidade com os membros da família deveria favorecer seus compadres e afilhados.

Treze crianças nomeadamente indígenas foram batizadas por membros dessa

família. Todas elas num período em que ainda não vigoravam nem a Lei de Liberdades

nem Diretório dos Índios, que devolviam a liberdade que fora subtraída aos indígenas,

datados ambos de 1755. Ainda que nem sempre fosse expresso, instituição da

administração de indígenas por particulares ainda se fazia notar em Rio Grande. Apesar de

não poderem ser consideradas escravas por não haver nesses registros nada que vincule os

pais das crianças ao estado de escravidão, as afilhadas indígenas das famílias livres eram

usadas para suprir mão-de-obra nas unidades domésticas. Uma espécie de negociação feita
284

entre a sociedade indígena que se buscava atrair para a localidade e os lusos que ali

chegaram, utilizava-se o sacramento cristão do batismo como forma de aproximação.

Nove moças, das quais seis eram da etnia minuano, foram batizadas por Maria

Quitéria Marques e duas, também ditas minuano, por sua filha Ana Marques Vitorina,

nascida em Sacramento e ainda solteira quando desses batizados. Antônio Simões foi

colocado na segunda faixa de maiores proprietários de escravos na Vila por Queiroz.

Entretanto, a contagem foi feita a partir dos pais e crianças nomeadamente escravos nos

registros batismais. Se houvesse a possibilidade de fazer-se contagem diferente, ou seja,

que fossem contados aqueles que podiam estar submetidos a alguma forma de trabalho

compulsório, essa situação seria brutalmente alterada.

Se as afilhadas indígenas foram dadas a criar por Maria Quitéria Marques de

Souza e sua filha, como era costume, esse núcleo familiar saltaria de súbito para a primeira

faixa de utilizadores de mão-de-obra sem obrigação de pagamento sob seu mando. Sobre

esse costume, das moças indígenas serem dadas a criar por suas madrinhas, há o registro de

uma carta de um padre anônimo que se refere a um batismo coletivo ocorrido em outubro

de 1750, batismo para o qual não se encontra registro lançado nos livros de Rio Grande

nem neste ano nem no seguinte. Provavelmente por deslizes da memória, o padre referia-se

ao batismo coletivo ocorrido um ano antes, em setembro de 1749, e lançado no livro de

batismo de Rio Grande em dezembro do mesmo ano. Um bom indicativo de que possa ser

esse o motivo de diferença nas datas é que o anônimo cita a mediação de José Ladino, um

minuano catequizado e catequista, que falava o idioma dos minuano e também o espanhol,

sendo usado como língua no contato com os grupos que viviam nas imediações das

fortalezas e nas terras reais de Bojuru. Ladino tinha filhos incluídos nos batismos de 1749.

Também o padre Bento Pereira, presente como padrinho em alguns desses batizados de

1749, é dito pelo padre anônimo como sendo Bento Nogueira, o que autoriza uma certa
285

desconfiança para com a fidelidade às datas e nomes citados pelo anônimo. Entretanto,

acerca do costume, veja-se o que diz o anônimo:

Mas os Índios batizados, com suas mulheres, por conselho dos


Padres, foram servir a el –Rei nas terras do Boiuru, pertencentes à Coroa,
onde ganhavam o mesmo salário dos homens de trabalho, ficando as
moças índias ao cuidado de suas madrinhas para instruir e doutrinar.
Em outubro de 1750 celebraram-se os batismos dos índios
Minuanos, sendo seus padrinhos o mesmo Governador e todas as outras
pessoas importantes do Presídio. Os batizados, entre adultos e crianças,
foram pouco mais de 60 (Autor Anônimo, Catequese e Aldeamento dos
Minuanos - in: Cesar, 1988.: p.122).

O tema da incorporação dos indígenas à sociedade lusa nas terras sulinas foi

objeto da dissertação de mestrado de Elisa Frühauf Garcia (2003: pp.102-103). Essa

autora, entretanto, para a Vila do Rio Grande, não obteve mais sucesso na confirmação e

coleta de dados empíricos para o estudo das práticas de educação e catequese das moças

indígenas nessa localidade do que o que aqui acima está posto. De todo o modo, se as

moças minuano foram de fato deixadas sob a guarda de Maria Quitéria e Ana Marques, a

família possuía um séqüito feminino, do que decorre muito mais coisa, das quais algumas

passaram despercebidas a Garcia. A que aqui se pretende destacar é que, em uma região de

fronteira, sujeita a guerras e necessitada de gente para o seu povoamento, ter autoridade

sobre tantas moças que estão recebendo uma educação cristã, em uma localidade como

essa significa deter um tanto mais de poder e influência no mercado matrimonial da Vila.

As relações de compadrio, forneceram afilhadas – filhas espirituais – aos Souza Fernando,

aqui analisados através de Maria Quitéria Marques de Souza, seu marido e filhos, e

compadres entre os minuano que foram alocados na aldeia de Bojuru. Nunca é demais

lembrar que as famílias de migrantes açorianos, agricultores e camponeses em sua maioria,

que se destinaram a Rio Grande com seus filhos e filhas ainda por casar, somente

começaram a chegar em fins de 1749, e apenas a partir de 1752 ou 1753 seu peso começa a

fazer-se notar na população da Vila.


286

A família tinha, por seu prestígio e posição social, através de suas filhas, um

recurso inestimável para captar bons matrimônios. A Ilustração I demonstra a qualidade

dos maridos dos Souza Fernando expressa em seus títulos e patentes. Entretanto, não

somente de pessoas situadas no alto se compõe uma sociedade. Há gente de todos os

estatutos sociais e, através do recurso de tornarem-se madrinhas e preceptoras de moças,

ou ao menos das oito moças da etnia minuano, muito provavelmente eram colocadas Maria

Quitéria Marques de Souza e sua filha Ana Marques na posição de obter obséquios e

gratidão dos pretendentes às mesmas, a quem foi concedida a mão.

Através das meninas batizadas e educadas, os Souza Fernando acabavam por

exercer influência sobre setores sociais aos quais não pertenciam diretamente. Faziam,

portanto, ligações fortes através de elos de reciprocidade com os setores situados abaixo do

seu. Com isso, ainda que as moças tenham sido exploradas e usurpadas em sua força de

trabalho como retribuição à educação que lhes seria dada na casa de suas madrinhas, talvez

não seja a mão-de-obra a maior contribuição das afilhadas indígenas para o

enriquecimento, engrandecimento e prestígio de uma família que já tem posses. Um grande

número de homens da vila, soldados, agricultores, através dessa possibilidade de

matrimônio que lhes era dada pela descendência dos Souza Fernando, lhes deviam respeito

e gratidão, colocando-os como área de influência desta família. Convém lembrar aqui que

esta é uma sociedade na qual os bens, alguns deles os mais importantes para a vida e para a

sobrevivência, não eram todos obtidos no mercado. Existiam outros fatores que

influenciam a vida econômica para além do comprar e vender. Uma boa família só

conseguia manter-se acima das demais porque existem outras tantas situadas abaixo a lhes

dar sustentação.

Os batismos das moças indígenas, pensa-se aqui, era uma das formas de gerar

uma base social diversificada e cômoda. Cômoda porque amenizava a tensão social sempre
287

existente quando se obriga alguém ao trabalho ou quando se lhes acomoda no convívio em

uma situação subalterna que, nesse caso, fica devida, além da submissão ao trabalho, por

ser espiritualmente subalterna a posição de uma afilhada ante sua madrinha, já que

respeito, cuidado e gratidão são devidos àqueles que, de forma pia, as receberam em suas

casas, alimentaram, educaram, colocaram Deus em suas vidas e as inseriram no corpo da

cristandade.

Os grilhões da reciprocidade com os quais as futuras famílias de suas afilhadas se

vincularam aos Souza Fernando valeria a eles bem mais que anos de salário que pudessem

ser pagos a empregados ou jornaleiros. Muito mais porque dentre as moças tornadas noivas

e esposas provavelmente algumas seriam concedidas a pessoas que não pertenciam ao

mesmo nicho social de suas madrinhas. Através das mulheres da família e de suas novas

afilhadas, a influência, o prestigio e o aguardo do contradom – sempre esperado mas nunca

exigido – eram estendidos em reciprocidades entre desiguais, atingindo, portanto, um

espectro social muito mais amplo do que as boas famílias ali chegadas, que não trocaram

favores com gente de estatuto social diferente do seu. Se pelo costume do compadrio e do

mercado matrimonial seria impraticável trazer, através de seus filhos, gente dos estratos

inferiores para dentro do seu círculo de relações, através das afilhadas de origem social

diferente da sua, podiam atrair aliados espalhados por toda a pirâmide social.

Cabe ainda uma outra observação. Não é porque essas moças eram indígenas que

sua situação social era necessariamente muito inferior à dos seus padrinhos. Destaca-se

aqui a moça Faustina, afilhada de Maria Quitéria Marques de Souza e do Cabo Vilela.

Faustina era filha de Tacu, um dos chefes de grupos minuano que viviam na região. Os

Souza Fernando, assim, aliavam-se com gente do topo da hierarquia social própria dos

minuano.

Combinando essa sorte de relações com a cessão de moças ao matrimônio com


288

gente não pertencente à família ou aos estratos superiores da sociedade, têm-se com isso

que ampliavam a sua rede de relações e de influência tanto horizontalmente, se comparado

o prestígio e a posição social do chefe minuano que lhes dava uma filha para educar com o

da família que a recebia. Mas também ampliavam suas relações e influências verticalmente

nessa sociedade.

Tanto as moças quanto seus possíveis maridos estariam obrigados ao respeito e à

gratidão devidos pelos dons recebidos. Colocavam-se, portanto, na posição de devedores

de uma graça dada, no caso uma família a ser constituída e a inclusão das moças na

sociedade cristã. Os Souza Fernando, através de suas esposas e filhas, detinham um bem

muito cobiçado nessa sociedade, que não poderia ser comprado ou vendido, mas cujos

valores e benefícios trazidos eram inestimáveis tanto para quem recebia uma mulher

“livre”, cristã e casadoira, como para quem a concedia em casamento, ou ainda para quem,

ocupando posição de destaque na sociedade de origem, tal como o chefe Tacu, adentra as

relações de quem tem posição de destaque na sociedade que se implantava, sendo o inverso

também verdadeiro.

Para os Souza Fernando e para Antônio Simões, homens que se ocuparam das

atividades de preia de gado nas campanhas pra sua posterior comercialização, a aliança

com os minuano, os primeiros e mais aguerridos indígenas a dominarem esta vasta área de

campinas ricas em animais, era parte de sua fortuna, novamente dito aqui, imensurável e

impossível de quantificar em valores monetários. Os Souza Fernando, com essa sorte de

compadres e afilhadas, além de suas próprias descendentes, dominavam uma importante

fatia do mercado matrimonial da Vila do Rio Grande. Essas relações de compadrios e

apadrinhamento compunham, portanto, um patrimônio imaterial, intangível e não avaliável

em termos financeiros, mas certamente fundamentais nos termos da economia do dom

praticada nas sociedades de Antigo Regime.


289

Antes de encerrar as observações aqui cabíveis sobre esse assunto, um último

comentário acerca do que se divisa a partir disso: a sociedade lusa que se implantava ao sul

do Estado do Brasil se utilizava de diferentes mecanismos e instituições que concorriam

todos para um mesmo fim: a inclusão de parcelas minuano em seu corpo. Através das

relações de compadrio, a conquista de aliados nesse importante grupo que ao longo de todo

o século XVIII manteve sua relativa autonomia das parcelas européias. Através da criação

das afilhadas dessa etnia, a cristianização das moças e de sua prole, dando-as ao

casamento, o reforço, através da formação de famílias miscigenadas às alianças políticas

conquistadas com presentes e mimos. Através de contratos de trabalho remunerado, a

inclusão dos homens como mão-de-obra nas estâncias de cria de gado e, principalmente de

cavalos, como era Bojuru. Pode-se dizer, portanto, que a sociedade lusa, fortemente

hierarquizada e que primava por deixar claras as diferenças sociais era tudo, menos

excludente. Tratava, antes, de gerar mecanismos muito sutis para incluir novos membros

em seu corpo. Buscava, e esse é o assunto que concerne a esse estudo, através da

instituição Igreja e seus sacramentos e laços sacralizados, unir ao corpo social, usando de

um rito de iniciação como é o batismo – isso pode ser lido por qualquer sociedade que os

possua: atribuição de nome, recepção de um novo membro, geração de parentescos rituais

– novos e desejáveis membros. Muito mais do que ao apresamento forçado, a inclusão de

indígenas minuano foi feita com a utilização dessas sutilezas religiosas, das madrinhas, da

devoção de suas afilhadas.

Além da diversidade de compadres que convidaram os membros da família para o

compadrio, ficou evidente, na análise do quadro, o prematuro comparecimento dos

meninos e meninas da família como padrinhos nos rituais de batismo. As Constituições

Primeiras do Arcebispado da Bahia estabeleciam critérios para que alguém pudesse se

tornar padrinho de outrem:


290

Conformados com a disposição do Santo Concílio Tridentino


mandamos, que no Batismo não haja mais que um só padrinho, e uma só
madrinha, e que se não admitam juntamente dois padrinhos, e duas
madrinhas; os quais padrinhos serão nomeados pelo pai, ou mãe ou
pessoa, a cujo cago estiver a criança; e sendo adulto, os que ele escolher.
E mandamos aos Párocos não tomem outros padrinhos senão aqueles, que
os sobreditos nomearem, e escolherem, sendo pessoas já batizadas, e o
padrinho não será menor de quatorze anos, e a madrinha de doze,
salvo especial licença nossa (Da Vide, Livro Primeiro, Tit. XVIII, § 64,
1707 - grifo meu).

Se calculada a idade de Manuel Marques de Souza, batizado logo após o

nascimento em 1743, quando de sua primeira aparição como padrinho, tem-se que batizou

seu primeiro afilhado em Rio Grande com dez anos, apenas. Essa também foi a idade da

primeira aparição como madrinha de sua irmã Escolástica. Feliciano batizou pela primeira

vez em Rio Grande com oito anos, acompanhando sua irmã Maria, de quatro anos de

idade, também “debutante” como madrinha. Joaquina, nascida entre Feliciano e Maria,

tinha cinco anos de idade quando batizou pela primeira vez. Fez par à pia com seu irmão

Manuel Marques de Souza. Frisa-se aqui que, por falta de dados acerca do compadrio

dessa família na Colônia do Sacramento, onde já haviam morado os pais e onde parte da

descendência de Nicolau de Souza Fernando ainda vivia, não é conclusiva a idade da

primeira aparição de Manuel Marques e de Teodósia. Estes podem ter batizado em

Sacramento algumas crianças, antes de surgirem como presença freqüente nas cerimônias

de batismo na Vila.

Contrariando, portanto, o disposto no livro que regulava a vida cristã no Estado do

Brasil, as crianças filhas de Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza, algumas

delas ainda inocentes, ficavam responsáveis pela salvação da alma, pela purgação do

pecado original, pela educação cristã e pela atribuição de nome a muitas crianças nessa

Vila. Isso não poderia ter sido feito sem intenção. Há algo, portanto, algo perceptível e que

demanda uma resposta que agora se tenta esboçar. Se essas relações tecidas à pia batismal

fazem parte do patrimônio de uma família, crê-se que se está assistindo a formação de um
291

legado em relações sociais aos filhos. Como o restante dos bens que serão repassados pelas

famílias por herança ou dote, esse patrimônio em alianças e relações também é repassado

dentro das famílias, e uma boa maneira de fazer isso é induzindo as crianças à situação de

padrinhos o mais cedo possível.

Imagine-se a aqui a menina Maria, com dezesseis anos de idade e um afilhado

com doze, a prestar-lhe respeito e obediência. Jovem e com ascendência sobre pessoas. Seu

primeiro afilhado era escravo do marido de Teodósia Marques de Souza, Antônio Pinto da

Costa. A menina madrinha realiza, no mínimo, dois tipos de intenção, ambas vinculadas à

ampliação da rede de relacionamentos socialmente desejáveis. A primeira, como

comentado no parágrafo anterior, a formação de um conjunto de compadres e afilhados que

serão, sacramentados pelos laços religiosos, seus aliados nessa vida e na próxima. A

segunda, a intensificação de uma relação que é de trabalho e de subordinação em outros

âmbitos da vida social.

O menino ingressa na família espiritual de seus padrinhos – ambos irmãos da

senhora da casa – em uma condição de débito: deve-lhes seu nome, deve-lhes o ingresso no

mundo cristão, deve-lhes o respeito e o auxílio, em troca de orientação religiosa. Para o

proprietário do menino Joaquim, um modo de reforçar a lealdade e pertencimento à família

através do compadrio e uma forma de elidir as normas sociais que constrangiam a venda

ou castigos, jogando esses laços, que são pessoais, a parentes colaterais e não diretamente

para si. Alinhavar, portanto, relações lançadas ao futuro, formar um pecúlio imaterial para

esses jovens, subjaz ao ato de torná-los disponíveis ao compadrio ainda em tenra idade.

Podendo parecer uma exceção, Feliciano e Maria Marques são exemplos de uma prática

recorrente na Vila. Lá se percebem outras tantas crianças de famílias de posição iniciarem

suas carreiras de madrinhas sem serem ainda confessadas ou ter deixado sua condição de

inocentes. A norma era clara e o costume a sobrepujava.


292

Para o menino escravo e sua mãe, também deveria haver vantagens nesse tipo de

relação, considerando que as opções ao compadrio nessa localidade não são ilimitadas, mas

não são tão poucas. Esses escravos teriam pessoas muito próximas aos seus senhores, em

igualdade de condições sócio-econômicas às deles, a interceder por suas questões. Podia

ser uma via para escapar da vala-comum de ser apenas “escravo de Antônio Pinto da

Costa” para ser, além disso, afilhado de Feliciano Antônio Marques de Souza e Maria

Marques. Pode parecer pouca coisa, mas em uma sociedade na qual seus partícipes eram

avaliados pelos coevos não apenas em relação ao que tinham, mas com quem estavam

vinculados, isso poderia gerar uma diferenciação social entre os escravos da Vila e mesmo

internas à escravaria de um mesmo proprietário. Para ser escravo, basta ser legalmente

privado da liberdade e submetido a regime compulsório de trabalho, com subordinação ao

senhor. Para ser afilhado ou compadre de alguém, há que passar por rituais que circundam

e antecedem o próprio batismo, desde o convite até o final da cerimônia3. Entende-se que,

ainda que não fosse condizente com as regras estabelecidas pela Igreja através das

Constituições Primeiras, essa situação de batismos levados a cabo por padrinhos jovens

era desejável para o bem comum. Atenuava tensões entre setores sociais em tese

antagônicos e, ao mesmo tempo, contribuía para a manutenção da hierarquia social,

delegando ascensão de uma parcela sobre outras.

3
Sobre alguns dos ritos sociais não estabelecidos pela Igreja nem pelas normas de administração
do batismo que antecedem o ato batismal propriamente dito, em sociedade contemporânea, há o trabalho da
antropóloga Françoise Zonabend, um dos textos inaugurais do estudo das relações e ritos de compadrio na
França, cf. ZONABEND, Françoise."La Parenté Babtismale a Minot (Côte-D'Or)". In: Annales. Histoire,
Sciences Sociales.v. 33 (3). 1978. Esse estudo indica que tais ritos, que remetem às antigas tradições cristãs
da localidade por ela estudada, eram práticas sociais derivadas de interpretações populares do próprio
sacramento e das obrigações mútuas dele derivados. Sendo a vida em sociedades de Antigo Regime
fortemente ritualizada em vários âmbitos, crê-se aqui, que muito principalmente nas questões que circundam
importantes atos vinculados aos sacramentos cristãos, também o fossem, ainda que não se conheça estudo
específico sobre as práticas e ritos populares de origem religiosa que antecediam o ato batismal no Brasil
Colonial.
293

Comentando, então, um outro aspecto bastante visível no quadro que traz os

afilhados desse núcleo familiar: há reiterada presença da parentela feminina sobrepujando

a presença masculina à pia batismal, sendo que para os últimos anos, fez-se a contagem

dos homens da família incluindo os genros maridos das filhas já casadas.

Aqui cabe uma breve discussão sobre a presença das mulheres de elite no período

colonial nos atos de batismo. O assunto foi tema de artigo de autoria de Renato Pinto

Venâncio, cuja idéia principal defendida é “a existência de uma valorização do recato

doméstico feminino e, por vezes, uma real obediência a ele” (Venâncio, 1986: p. 95).

Venâncio afirma que as mulheres da elite carioca “evitavam sair às ruas, até mesmo para

comparecer a cerimônias simples, como a de ser madrinha em um batizado” (idem: p. 96).

Sem entrar no mérito da afirmativa quanto a ser a cerimônia de batismo algo

simples, já que a complexidade da mesma foi demonstrada por Gudeman (1971; 1975),

Zonabend (1978) e Christinat (1976) entre outros, e o discutido aqui em capítulos

anteriores, o intento será tentar entender porque as mulheres dessa e de algumas outras

famílias de Rio Grande tinham comportamento tão distante do verificado por Venâncio em

período concomitante à parte de seu estudo, que abrange de 1750 a 1800.

As mulheres descendentes dos Souza Fernando compareciam sim, e muito, à pia

batismal, com ou sem o acompanhamento de seus maridos ou irmãos. Essas mulheres

foram madrinhas noventa e oito vezes nos cento e dezoito batismos arrolados, sendo que

nesses noventa e oito não estão computadas as vezes em que Rosa Maria Séria, filha de

Teodósia Maria, batizou. Se computada essa neta de Maria Quitéria, seriam cem vezes. Os

homens da família compareceram à pia batismal por trinta e cinco vezes; quarenta, se

incluídas as vezes que o genro Antônio Pinto da Costa fez par à pia com sua esposa, e

quarenta e três se computados os compadrios do Reverendo Padre quando também em par

com alguma das mulheres da família. Noventa e oito era o número mínimo de
294

comparecimento dessas mulheres diretamente vinculadas ao núcleo do casal Antônio

Simões e Maria Quitéria, contra as trinta e cinco vezes que compareceram os homens, o

que parece descartar a idéia de reclusão e não comparecimento às cerimônias batismais.

Com tudo o que foi dito aqui, fica evidente que eram mulheres pertencentes à elite

local. Entretanto, sua presença à pia batismal na condição de madrinhas de batizandos clara

e evidentemente ultrapassa a presença masculina nessa sorte de cerimônia. Tampouco se

crê que os homens da família eram descuidados da proteção e zelo para com suas

mulheres. Percebe-se através da “bifurcação” dos compadrios, durante os anos em que a

Vila do Rio Grande esteve sob domínio espanhol, que “esta fronteira do Rio Grande” —

como costumava o Padre Manuel Francisco da Silva anotar nos registros batismais do

Estreito — era área limítrofe e em contexto de guerra. Manuel Marques de Souza,

incorporado à força dos Dragões, permanecia na “fronteira”. As mulheres passaram a ser

madrinhas na localidade de Viamão, que nunca esteve sob ameaça espanhola direta.

Proteger mulheres e crianças, afastando-as da área de perigo, é atitude de zelo condizente

com quem prima pela preservação da família e de sua continuidade. Se o termo “recato” no

texto de Venâncio é usado no sentido de precaução para evitar dano, transtorno ou perigo4,

não há cuidado mais extremo do que o tomado pela família de Maria Quitéria Marques de

Souza. Ela e seus filhos e filhas mais jovens foram protegidos do risco que era

permanecerem em suas casas, na Vila do Rio Grande. Entretanto, se recato vem com o

sentido do que se oculta à vista5, não pode estar mais distante do que se encontra registrado

nos livros de batismo. As mulheres da família, assim como suas crianças, eram por demais

visíveis nesses registros. Protegidos, entretanto, com uma visibilidade imensa.

4
Conforme acepção 1 do verbete “recato”, in: HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss
da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Edição em CD.
5
Conforme acepção 3 do mesmo dicionário.
295

Tentando entender esta tamanha diferença entre o comportamento das mulheres

de famílias de elite do Rio de Janeiro e das mulheres descendentes dos Souza Fernando,

pensa-se na diferença de modos de vida entre as duas localidades. O Rio de Janeiro era

uma cidade já constituída, estava assumindo o posto de principal porto de comércio do

Império português na América e, a despeito das investidas francesas do início do século

XVIII, não se pode dizer que era um local de frágil defesa. Na década de 1750 havia

muitas fortificações e outras formas de proteção a ataques que usavam a costa, sua face

mais exposta, como via de acesso. O Rio de Janeiro era um dos pontos mais importantes do

conjunto de portos portugueses existentes pelo mundo.

A Vila do Rio Grande, por sua vez, em 1750 ainda era uma localidade nova, em

vias de construção. A igreja matriz teve sua obra concluída por esses anos e ainda estava

na memória de todos os dissabores experimentados pelos ataques à Colônia do Sacramento

entre 1735 e 1737. Natural seria pensar que nesse contexto de possibilidades de ataques e

revides de indígenas às propriedades rurais, de exposição direta ao inimigo espanhol quer

por mar, quer por terra, as famílias e, mui principalmente suas mulheres, deveriam estar

recolhidas ao lar, sem muito mostrar o rosto em locais amplos, inclusive pela situação de

carência de mulheres na localidade fundada por tropas militares, evidenciada na

correspondência das autoridades. Mais do que no contexto estudado por Venâncio, seria

concebível a essas famílias uma espécie de agorafobia no que tange às suas mulheres. De

forma diferente do Rio de Janeiro, em Rio Grande tudo ainda estava sendo construído. Não

apenas casas, prédios públicos, armazéns e instalações militares, mas as próprias famílias,

a economia, as escravarias, as unidades domésticas com a variedade de tipos sociais que

lhes compete, a agregação de pessoas e, principalmente, as relações pessoais mais sólidas e

duráveis. Uma maneira de adquiri-las e consolidá-las, pelo que até aqui foi visto, era
296

através da participação em cerimônias religiosas, dentre as quais é destacado o batismo e

as relações a ele subjacentes.

Tornar-se padrinho ou madrinha, compadre ou comadre, afilhado ou afilhada era

estabelecer vínculo para além da vida terrena. Era contrair laços que disputas, discórdias,

maledicências, brigas e guerras não podiam romper. Considerando que boa parte dos

homens necessitavam ausentar-se com freqüência ou sazonalmente da localidade por suas

atividades, as mulheres tomavam conta da vida em suas unidades domésticas. Quer

militares, quer vinculados às condutas e comércio de tropas de animais ou mesmo

engajados nas muitas tentativas de aliciar indígenas ou demarcar e vigiar as fronteiras, os

homens se ausentavam amiúde. Ainda que fossem nomeadamente os chefes das famílias,

estas permaneceriam acéfalas se outras pessoas não assumissem “interinamente” o posto

de administradores dessas unidades domésticas, econômicas e sociais. Antônio Simões

ausentava-se por seu vínculo com as condutas e comércio de tropas. Manuel Marques de

Souza distanciou-se das mulheres da família, sua mãe e suas irmãs, por ser militar

destacado para a fronteira em guerra.

Não é remota a possibilidade de que muitas das suas mulheres se incumbiam das

tarefas de administração das suas famílias por períodos relativamente longos. Correlatas a

essas tarefas também estariam o fato de fazer-se presente em cerimônias de batismo. Ainda

que os laços sagrados entre compadres e entre padrinhos e afilhados fosse pessoal, não

recaindo sobre os cônjuges de quem apadrinha ou amadrinha uma criança, as famílias eram

grupos de pertencimento importantes e primavam por isso. O afilhado e o laço sagrado do

compadrio eram de responsabilidade pessoal, mas as obrigações mundanas podiam ser

estendidas às famílias, gerando relações que eram capitalizadas por essa organização

social. As mulheres faziam-se visíveis por serem membros de um corpo com bastante

coesão, que necessitava da reiterada aparição pública e de manifestações de seu prestigio e


297

de sua influência. Com essa visibilidade, a despeito de qualquer intenção de recato no

sentido de recolhimento ao lar, tornaram-se pessoas públicas, talvez quase tanto quanto a

parcela masculina da família e, acostumados a vê-las e tê-las em cerimônias e festividades

na paróquia, não deveria haver muitos constrangimentos em convidá-las para madrinhas de

uma criança sem que o convite fosse estendido a seus maridos ou filhos.

Um outro motivo perceptível nos muitos registros batismais da vila, haja vista o

exemplo da menina Violante, citado em capítulo anterior, que ocorria principalmente nas

famílias sem maiores destaques na sociedade, é a existência de um padrinho pertencente à

família e uma madrinha externa a ela. O padrinho, portanto, de condição social semelhante

a dos pais das crianças, e a madrinha, com condição social superior a dos pais do

batizando. Pensa-se isso ser explicado pela própria situação de inconstância na paz. Essa

era uma localidade na qual muitos dos habitantes, fossem eles indígenas, africanos, lusos,

luso-brasileiros, espanhóis, hispano-americanos, se viram, de uma hora para a outra, sob

ameaça de ataques, seqüestro ou aprisionamento. A guerra, se por um lado provoca a

destruição, por outro constrói algo muito forte: a oposição entre “nós” e “eles”. Em uma

situação de emergência, o padrinho – pai espiritual da criança – também se encarregaria

dos deveres mundanos de um pai: prover o alimento e demais necessidades de uma

criança. Confiar esses cuidados ao tio, avô ou irmão mais velho do batizando parece uma

decisão muito sábia, pois os elos mundanos, dados pelo parentesco consangüíneo, seriam

reforçados no parentesco espiritual. Já aos deveres da madrinha poderiam ser acrescidos os

deveres de uma mãe carnal: cuidar para que estejam dignamente vestidos, que façam suas

orações, que freqüentem as missas e outros ofícios religiosos, investigar os pretendentes,

travar relações com suas famílias, fazer o papel de casamenteiras para seus afilhados,

interceder por eles junto às suas comadres e seus compadres – gente de seu mesmo estatuto
298

social ou superior – por uma mercê, por um consentimento de casamento, por relevar faltas

leves, por um serviço, por um cargo, por uma inclusão nos contingentes militares.

Também é visível um outro padrão, muito usado por famílias melhor situadas

social e economicamente. Visível na descendência de Antônio Furtado de Mendonça, as

madrinhas são todas pertencentes ao núcleo familiar, enquanto alguns padrinhos são

buscados fora da família. A intenção é clara: o cuidado diário das crianças é

responsabilidade das mulheres e o compadrio pelo lado masculino busca novas alianças ou

reforço dos elos que já existiam em outros âmbitos da vida, no caso dessa família, relações

de comércio e exercício do poder na Câmara ou em outras áreas do poder, como os

Juizados e forças da Companhia das Ordenanças.

Nesse contexto de incertezas e inseguranças, sobretudo as que expunham a

existência física das crianças, não se podia sempre investir todas as possibilidades de

relações pessoais e familiares em uma única direção. Muitas vezes, portanto, o compadrio

tinha um outro sentido, apresentando uma tendência a internalizar e reiterar laços

familiares já existentes, oriundos dos casamentos ou de compadrios anteriores. Ao que

tudo indica, os habitantes de Rio Grande eram por demais cientes da necessidade de gerar

elos pessoais e familiares fortes, com os quais pudessem contar em momentos de extrema

dificuldade. As madrinhas pertencentes à esfera sobrenatural, as Nossas Senhoras e as

Santas Anãs, são muito raras nesse período sob estudo, ao passo que no quinto livro de

registros de batismos de Rio Grande, após a devolução da Vila ao domínio luso sob novos

pactos de paz, passa a ocorrer com maior freqüência. Em uma conjuntura de fragilidade de

paz e de risco de morte para as crianças, foram amiúde privilegiados padrinhos e

madrinhas com existência real e terrena. Com um apaziguamento mais perene, os elos com

o mundo sagrado, com as santas e protetores de características divinas, podia tornar-se

mais freqüente.
299

Ainda sobre as mulheres dessa família, é curioso notar que, ainda que geralmente

quando há a falta de um dos padrinhos em Rio Grande, é a madrinha quem está ausente,

concordando, aí sim, com o dito por Venâncio. Entretanto, Maria Quitéria Marques de

Souza é um dos raríssimos casos em que há madrinha mas não há padrinho. Veja-se os

casos de Sofia, índia minuano, no qual homem nenhum acompanhou Maria Quitéria no

ritual, configurando um extremamente raro caso de “padrinho ausente”. Em se tratando de

um batismo coletivo, com dificuldades de compreensão da língua dos indígenas pelo padre,

como foi dito na ata dos mesmos:

e dos homens foram os mesmos padrinhos de muitos e não pude fazer


este termo com mais clareza por lhe não entender a língua ainda se lhe
fez a diligência (ADPRG - 1LBatRG - 1738-1753 - Lançamento do rol
dos batizados celebrados a 08/09/1749, )

aventa-se a possibilidade de tratar-se de uma omissão involuntária. Entretanto, diferente

dos registros de batismo das crianças de famílias mais abastadas, não foi corrigido a

posteriori, podendo ser, também, o que de fato ocorreu naquele dia. Desse modo, esse

batismo fica aqui colocado apenas como demonstração de que a variedade de combinações

do conjunto presente na pia batismal e as variações no seus registros são muitas. Sendo

feitas generalizações a partir dos padrões mais recorrentes, esses não podem apagar as

especificidades encontradas. Essas também existiam e faziam parte das possibilidades na

vida dos habitantes da Vila do Rio Grande, assim como mulheres que compareciam às

cerimônias batismais para amadrinhar uma criança muito mais que seus filhos ou maridos.

Para não alongar mais a análise acerca desse casal e sua descendência, passa-se

agora ao casal Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira, sendo ela filha de

Antônio de Souza Fernando e Apolônia de Oliveira. Como muitos dos aspectos

perceptíveis nos compadrios e nos casamentos desse ramo dos Souza Fernando foram
300

comentados quando da análise de Antônio Simões e Maria Quitéria e sua descendência,

isso será feito de modo mais sucinto.

1.2. Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de


Oliveira

O casal Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira une os Souza

Fernando aos “paulistas”, descendentes de Francisco de Brito Peixoto, o conquistador e

fundador da Laguna. Também através desse casal as duas formas de conquista, ocupação

de territórios e colonização que se deram no extremo-sul (Prado, 2002: p. 44), se unem em

matrimônio.

Da descendência dos paulistas vêm as práticas bastante elaboradas de avançarem

de herança, matrimônio e migração para as fronteiras abertas a cada mostra de limitação

dos recursos para a sobrevivência, tanto nos termos básicos de bens necessários para um

mínimo de conforto como para sobrevivência como parcela da elite “paulista”, o que eram

(Metcalf, 1983: p. 189; Metcalf, 1992). Francisco Pinto Bandeira, nascido na Laguna,

migrou para o sul juntamente com seus tios maternos, os quais, em grande medida,

situaram suas moradias em Viamão e nas imediações do Caminho das Tropas (Hameister,

2002). Já Clara Maria de Oliveira, nascida na Colônia do Sacramento, foi uma das

primeiras moradoras da Vila do Rio Grande, tendo migrado para lá juntamente com seus

pais após os ataques espanhóis de 1735-1737. Fazia parte dos intentos oficiais de conquista

e povoação da Coroa que se levassem casais da Península e das Ilhas dos Açores e Madeira

para as localidades ainda sob processo de conquista, para que promovessem a agricultura,

os serviços artesanais e, com suas filhas disponíveis ao casamento, um mercado

matrimonial efetivo, que fixasse os conquistadores e os soldados nas localidades

granjeadas para a Coroa.


301

Ilustração 9 - Ascendência e Descendência de Francisco Pinto Bandeira (simplificado)

Fontes: Rheigantz, 1977, Cabral, 1976, AHCMPA – Livros 1 e 2 de Batismos de Viamão, ADPRG – Livros 1, 2, 3 e 4 de Batismos de Rio Grande, Leme, 2002, Leme, 2006
302

Dona Clara, assim como Francisco Pinto Bandeira, figuram como padrinhos de

crianças já nos primeiros assentos de batismos de Rio Grande, o que comprova sua

chegada entre os “primeiros da povoação”, como seria anotado em tempos posteriores pelo

pároco Manuel Francisco da Silva, como forma de distingui-los dos que chegaram depois,

principalmente dos imigrantes açorianos que começaram a se estabelecer na localidade na

década de 1750. Vejam-se os filhos nascidos no Continente do Rio Grande de São Pedro:

Quadro IX – Filhos de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira


Criança Padrinho Tit Madrinha data Fonte
Rafael Diogo Osório Cardoso coronel Eufrásia Maria de São José 04-01-1741 1LbatRG
Desidéria 01-09-1743 1LBatRG
Maurícia 1744* Rheingantz
Evaristo Manuel Luís Vergueiro pároco Nossa Senhora da Conceição 06-12-1749 1LBatViamão
Felisberto José Carlos da Silva padre Teresa Gracia de Jesus 08-12-1753 1LBatViamão
José José Carlos da Silva padre Felícia Maria de Oliveira 20-05-1760 2LBatViamão
Francisca Antônio José Pinto Felícia Maria de Oliveira 04-6-1762 2LBatViamão
*Não foi localizado o registro de batismo, podendo estar entre os muitos danificados pela ação do tempo e insetos

Poucos comentários acerca dos padrinhos das crianças. Em termos de escolha

feita, ela pouco difere dos padrinhos dos filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria. O

padrinho de Rafael, anotado pelo pároco como sendo coronel, era também o Comandante

do Continente do Rio Grande de São Pedro. Amiúde chamado e tratado por Governador

tanto nos registros paroquiais como na correspondência oficial trocada com demais

autoridades. Desidéria foi batizada em casa e não foram dados padrinhos. De Maurícia não

foi localizado o registro, podendo ter sido um dos tantos que se perderam por ação do

tempo e dos insetos. Evaristo Pinto Bandeira tinha por padrinho o pároco Manuel Luís

Vergueiro. Esse padre, além das suas atribuições religiosas, era também condutor de tropas

de animais nos caminhos dos sertões, fazendo o comércio de gados e cavalgaduras. Com

bastante freqüência, ausentava-se para São Paulo nessa sua segunda e provavelmente mais

lucrativa atividade (ADPRG – Auto de Denúncia que mandou fazer O Reverendo Vigário

José Carlos da Silva) O padrinho de Antônia agregou-se à família através do casamento


303

com Felícia Antônia de Oliveira. Esta, juntamente com Eufrásia Maria, era também

descendente dos Souza Fernando. Teresa Gracia de Jesus, ainda que não se possua certeza

quanto à sua identidade, é possivelmente a mesma Teresa de Jesus, filha de Dionísio

Rodrigues Mendes e Beatriz Barbosa, com quem a família Pinto Bandeira guardava

distante parentesco, ou ainda Teresa, filha de Antônio de Souza Fernando. Nessa família

também há o compadrio com ente místico, invocando a proteção de Nossa Senhora da

Conceição, padroeira da Capela de Viamão. Provavelmente promessa feita e cumprida para

a proteção no parto, como foi visto por Renato Pinto Venâncio (Venâncio, 1986: p.97), já

que o ato de dar a luz era o maior responsável pela morte de mulheres em idade fértil,

assim como um momento de muito risco para a criança que vinha ao mundo. Para esses

casos, as Constituições Primeiras estabeleciam, inclusive, instruções e treinamentos para

que as parteiras pudessem ministrar o sacramento do batismo em situação de emergência

no melhor cumprimento das exigências da Igreja (Da Vide, Título XVI, § 62, 1707).

Nesses compadrios de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira estão

as características básicas do mesmo tipo de relação firmada à pia batismal por seus

parentes Antônio Simões e Maria Quitéria: pessoas do mesmo estatuto social ou superior

convidadas para padrinhos. As madrinhas majoritariamente pertencentes à família e

homens com posição de destaque, não pertencentes a ela. Reiteravam, por meio dos laços

sagrados com essas mulheres pertencentes à família, alianças pregressas contraídas ao

matrimônio ou de laços de parentesco consangüíneo. Além de cunhadas, tornavam-se co-

mães das crianças e irmanavam-se em espírito aos seus cunhados.

Através do compadrio com os homens, reiteravam também alianças outras, tais

como o companheirismo e pertencimento ao corpo dos comerciantes de tropas de animais,

atividade também exercida por Francisco Pinto Bandeira e pelo padre Manoel Vergueiros,

antigo pároco de Viamão. Ainda que não existisse uma corporação comercial formalmente
304

constituída no Continente do Rio Grande de São Pedro — e não se tem informações sobre

a formação de uma Irmandade religiosa que os aglutinasse em específico —, os praticantes

de certas atividades, na sociedade de Antigo Regime, comportavam-se e pensavam-se

como um corpo, legitimados pela idéia corporativa que permeava toda a sociedade

originada na filosofia aristotélica à luz da filosofia escolástica.

... possuíam uma idéia de economia bastante distinta da que


vulgarmente utilizamos hoje. Não havia uma economia, mas uma
pluralidade de “economias”, na acepção de que nos falava Bluteau: era a
arte ou ciência “...que ensina o governo e regimento particular da casa,
família, mulher, criados e administração da fazenda.” De um modo
geral, esta noção de economia, mais exatamente de “oikonomia”,
prevaleceu durante toda a idade moderna. Por casa se podia entender,
inclusive, o Reino, do qual o Rei era o grande pater familias, sendo a
analogia entre rei, senhor e pai amplamente difundida. Da mesma forma,
uma irmandade ou corporação era entendida como uma espécie de
família, com sua jurisdição, direitos e obrigações próprios dos irmãos
(Gil, 2005 - grifo e itálicos do autor).

Segundo Bartolomé Clavero, dom e contradom, ou a reciprocidade antidoral são

fundamentais para a existência e legitimação desses corpos, instituindo-lhes as obrigações

da dádiva como espinha dorsal e parâmetro para todas as medidas

Sabemos as maneiras que articulavam à família em sua


diversidade de espécies, das menos às mais artificiais, todas naturais: a
reverência e o obséquio, a correspondência e a amizade. Têm sido uma
referência contínua e pacífica de nossa doutrina. Suas trocas brindavam a
melhor ilustração, os exemplos mais inteligíveis para ao mesmo
tratamento da economia menos natural do tráfico de dinheiro.
Representava uma profundidade social mais subentendida do que
explicada. Oferecia o modelo da antidora. Era a economia que todos
conheciam, mas a qual poucos lhe davam um nome e ninguém realmente,
com distinção e suficiência, um tratamento (Clavero, 1991: p. 161).

Se não possuíam por certo uma corporação e possivelmente não havia uma

irmandade específica no Continente que os irmanassem sob o auspício da religião católica,

nem por essa falta ficavam sem derramar a graça divina sobre essas relações mundanas e,

de certo modo, depreciativas. Provavelmente faziam isso também através das relações de

compadrio, quando membros de um mesmo corpo, no caso criadores e comerciantes de


305

tropas, se irmanavam espiritualmente ao contrair o parentesco ritualizado à pia batismal,

elevando-as, portanto, de mundanas e depreciativas, à esfera das relações especialmente

abençoadas por Deus e com direitos e deveres mútuos semelhantes à dos irmãos por

parentesco carnal.

Parece ter sido utilizado também para os praticantes das atividades castrenses, já

que Francisco Pinto Bandeira era tenente quando do nascimento de seu filho Rafael e

subordinado ao coronel governador Diogo Osório Cardoso, seu compadre. Não era

incomum membros do Corpo de Dragões servirem como padrinhos ou testemunhas de

autos matrimoniais e atividades pregressas de seus subordinados ou companheiros de

armas (AHCMPA- Autos Matrimoniais - 1756-1769).

Dos outros padrinhos, vê-se que o padre José Carlos da Silva é o mesmo que já

havia sido vigário de Rio Grande, conhecido de longa data dos Souza Fernando e de

Francisco Pinto Bandeira. Com esses também compartilhava a posição de sesmeiro nas

terras de Viamão. Era a autoridade religiosa, moral e ética que adentrava à família

espiritual dos Pinto Bandeira, que no mundo terreno também compartilhava certas

qualidades e posses que o aproximava destas famílias bem situadas. Passa-se às

observações que podem ser feitas acerca dos afilhados e escravos da família de Francisco

Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira, a partir dos quadros postos a seguir.
306

Quadro X – Afilhados da família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira

Criança Pai Mãe tit p Padrinho Madrinha data Estatuto situação fonte
Alexandre José Rodrigues Nicola Inês de Lima ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 08-12-1738 livre legítimo 1LBatRG
Luís Zeferino Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São José coronel Diogo Osório Cardoso Clara Maria de Oliveira 05-09-1740 livre legítimo 1LBatRG
Inocência Sivestre Domingues Antônia Pereira ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Maria de Oliveira 14-04-1741 livre legítimo 1LBatRG
Maria Bartolomeu Gonçalves de Magalhães Francisca Teresa de Jesus Francisco Manuel de Souza Távora Clara Maria de Oliveira 25-12-1747 livre legítimo 1LBatViamão
Manuel Francisco Manuel de Souza Teresa Antônia ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Felícia Maria 21-01-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Gertrudes Bernardo [_] Joana Dias Vieira ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 12-04-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Francisco José Pinto Bandeira Bernarda Gonçalves Rafael Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 05-04-1752 livre legítimo 1LBatViamão
Ricardo Bartolomeu Gonçalves de Magalhães Francisca Teresa de Jesus ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 13-08-1752 livre legítimo 1LBatViamão
Ana Manuel Dias, pardo forro Rosa Maria, índia Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 31-05-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Josefa Bernardo Pinto Bandeira Maria Sancha licenciado José Vasconcelos Clara Maria de Oliveira 16-08-1753 livre legítimo 1LBatViamão
Inácia Martinho Correia Garcia Ana Maria Rafael Pinto Bandeira 27-12-1753 pardo for. legítimo 1LBatViamão
Maria Miguel Fernandes Maria Mendes Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 29-03-1755 livre legítimo 1LBatViamão
José Manuel Duarte do Amaral Rosa Rosa Maria Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 30-03-1758 livre legítimo 1LBatViamão
Ana Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira capitão Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 23-09-1759 livre legítimo 2LBatViamão
Pedro Manuel Duarte do Amaral Rosa Rosa Maria Antônio José Pinto Desidéria Maria Bandeira 24-07-1760 livre legítimo 2LBatViamão
Antônio Antônio José Pinto Felícia Maria de Oliveira Rafael Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 15-08-1760 livre legítimo 2LBatViamão
Maria Bartolomeu Antônio Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 09-05-1762 livre legítimo 3LBatRG
Joaquim Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 05-06-1762 livre legítimo 2LBatViamão
Gertrudes Francisco Álvares Maria da Silva Rafael Pinto Bandeira Bernarda Gonçalves 21-09-1762 livre legítimo 2LBatViamão
Pedro José Garcia de Morais Teresa de Jesus Custódio Ferreira Desidéria Maria Bandeira 26-01-1764 livre legítimo 2LBatViamão
Francisco José de Souza Bárbara Maria capitão Francisco Pinto Bandeira Maria de Jesus 03-04-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
Venâncio Luís Antônio Narcisa do Espírito Santo capitão Francisco Pinto Bandeira Genoveva Maria do Livramento 19-08-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
João Francisco Ferreira Jardim Ana do Sacramento capitão Francisco Pinto Bandeira Genoveva Maria do Livramento 01-10-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
Jacinta Pascoal de Souza Maria do Sacramento capitão Francisco Pinto Bandeira Maria Bárbara ??-09-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
Hilário Antônio José da Silva Quitéria Maria da Ressurreição capitão Francisco Pinto Bandeira Páscoa Maria da Ressurreição 01-03-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
307

Maria incógnito Maria de Jesus Felisberto Pinto Bandeira Bárbara de Souza 16-06-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
Ricarda Francisco de Oliveira Maria da Silva Bernardo José Pereira Clara Maria de Oliveira 13-11-1765 livre legítimo 2LBatViamão
Felizarda João Carvalho Francês Lourença Antônia Francisco Pinto Bandeira Rita da [---] 03-03-1766 livre legítimo 1LBatEstreito
Eufrásia Antônio José da Silva Quitéria Maria da Ressurreição coronel Francisco Pinto Bandeira Úrsula Teresa Fernandes 13-02-1777 livre legítimo 1LBatEstreito
Ezequiel incógnito incógnita coronel Rafael Pinto Bandeira 22-07-1779 livre exposto 1LBatEstreito

Quadro XI – Batizados de escravos de Francisco Pinto Bandeira

batizando pai mãe padrinho Proprietário pd madrinha proprietário md fonte data


José Antônio de Souza Fernando Maria de Oliveira 1LBatRG 03/08/1738
João, Cabo Verde Antônio de Souza Fernando Teresa de Jesus 1LBatRG 18-09-1740
Quitéria Manuel Josefa legítimo Manuel de Souza Teresa de Jesus 1LBatRG 01-09-1743
Bartolomeu Sanches,
Jacinto mameluco Antônia Tapanhuma legítimo Antônio de Souza Fernando Maria de Oliveira 1LBatViamão 08-12-1747
Quitéria Antônio Tapanhuma Maria Tapanhuma legítimo Sebastião Tapanhuma Cristóvão da Costa Freire Teresa Tapanhuma Cristóvão da Costa Freire 1LBatViamão 08-12-1747
Anastácia Manuel Tapanhuma Josefa Tapahuma legítimo Antônio Tapanhuma Francisco Pinto Bandeira Maria Tapanhuma Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 23-06-1748
Maria Antônio, guiné Isabel, guiné legítimo João, guiné Francisco Pinto Bandeira Maria, guiné Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 06-03-1749
Manuel Manuel de Souza Silveira Ana Silveira natural Francisco Manuel de Souza Eufrásia de Ribeiro forro 1LBatViamão 25-07-1750
Vitorino Mateus Josefa legítimo Casemiro Pinto Bandeira Mariana, mulata 1LBatViamão 26-12-1750
Florência Antônio Maria legítimo Sebastião Cristóvão da Costa Freire Teresa Cristóvão da Costa Freire 1LBatViamão 20-10-1749
Jerônima, mulata incógnito Engrácia natural Jacinto Mateus Dona Isabel Francisca 1LBatViamão 28-08-1752
Marta Manuel da Silva Pinto Josefa Pinta legítimo Luís José Rodrigues Prates Maria Rodrigues José Rodrigues Prates 1LBatViamão 16-10-1752
Tomásia Antônio Maria da Silva legítimo Domingos Bamba Domingos Gomes Ribeiro Gracia Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 14-01-1753
Martinho, pardo forro Ana Maria, parda
Inácia escravo forra escrava legítimo Rafael Pinto Bandeira 1LBatViamão 27/12/1753
Luciana, crioula João Baracu Gracia Benguela legítimo José Gracia Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 14-04-1754
Felipe Manuel Josefa legítimo Francisco João de Macedo Maria Padre Tomás Clarque 1LBatViamão 27-10-1754
Maria João Cabaru Gracia Angola legítimo Antônio, forro Maria, tape 1LBatViamão 12-05-1758
Nazario, pardo Martinho, parda Ana Silveira, parda legítimo Estevão da Silva Conde Maria da Encarnação pardo 1LBatViamão 12-09-1756
Damásio Manuel Josefa legítimo Ventura, solteiro Rosa, casada 1LBatViamão 26-12-1756
308

A família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira compareceu

menor número de vezes à pia batismal na qualidade de padrinhos de crianças. Trinta vezes

puderam ser computadas no mesmo lapso de tempo em que seus parentes, o casal Antônio

Simões e Maria Quitéria, compareceram mais de uma centena de vezes.

A diversidade social de seus compadres é menos expressiva. Existem pessoas

pertencentes a todos os setores sociais, mas em menor medida. Nos livros de batismos

consultados para esse estudo pessoas nomeadamente indígenas não foram encontrados com

a mesma profusão com que foram vistos nos registros do casal anterior. Isso não quer dizer

que não houvesse. Há escravos, há índios, há pardos forros. Há casais de açorianos, como

Pascoal de Souza e Maria do Sacramento, pais da menina Jacinta. Há pobres e ricos. Mas

com menos representantes em cada um desses grupos sociais, ficando os parentes.

As mulheres vinculadas aos Pinto Bandeira compareceram em menor medida

sozinhas à pia. Com muita freqüência formavam par com seus pais, irmãos ou maridos e

raramente com alguém alheio à família. Clara Maria de Oliveira foi à pia batismal em

companhia de Diogo Osório Cardoso que, mesmo sem pertencer à família consangüínea ou

afim, apresentava uma ligação mais forte com o casal: este batizado aconteceu em

setembro de 1740, e em janeiro do ano seguinte Diogo Osório Cardoso estaria novamente

com essa família à pia batismal, dessa vez para o batismo do primogênito Rafael. A criança

batizada por Dona Clara Maria de Oliveira e pelo coronel comandante Diogo Osório

Cardoso era da descendência dos Souza Fernando, um sobrinho de Dona Clara, filho de

sua irmã Eufrásia e do cirurgião-mor do presídio Sebastião Gomes de Carvalho.

Rafael Pinto Bandeira, a exemplo de seu primo Manuel Marques de Souza, fez

sua primeira aparição como padrinho antes da idade determinada pelas Constituições

Primeiras e seu primeiro afilhado foi criança da família. Desidéria teve como primeira

afilhada uma menina forra, filha de índia com um pardo forro – o que não significa
309

exatamente uma ascendência africana, pois o termo era usado também para designar

índios. De um modo geral, essas identidades indígenas estão mais ocultas nos registros

batismais de Viamão do que em Rio Grande, talvez porque boa parte dos primeiros

povoadores de Viamão também tivessem ascendência indígena.

Ainda que se perceba a clara intenção, nos batismos dos filhos de Francisco Pinto

Bandeira e Clara Maria de Oliveira, de estreitar os laços existentes entre essas duas

famílias, não se pode deixar de notar que os convites que receberam os membros dessa

família ampliam a sua esfera de influência. Alguns casais de açorianos, os migrantes que

“chegaram depois do início do povoamento”, estão incluídos como compadres. Também a

crença na perenidade ou, ao menos, na longevidade dessas relações, é percebida quando

sabemos, dada a posição privilegiada do historiador que vê os registros com uma grande

distância no tempo, que o primeiro afilhado de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de

Oliveira na localidade de Rio Grande terá vínculo por parentesco afim com esta família.

A filha bastarda “minuano” de Rafael Pinto Bandeira encontrou casamento nessa

família décadas depois, vindo a desposar um irmão do menino Alexandre, dando origem,

segundo Aurélio Porto, aos Rodrigues Lima, família de importância no Rio Grande do Sul

(Porto, 1946: p. 66). Os laços de compadrio serviam, portanto, não somente para fortalecer

alianças antigas; também serviam para lançar alicerce para novas alianças que podiam

ampliar o leque de opções futuras para aproximações, fossem essas nos negócios, nos

matrimônios ou em outros âmbitos da vida. Se iam ou não render frutos, era-lhes

impossível dizer, mas podiam investir em relações novas, geradas em seus novos locais de

moradia, tentando fazer com que a vida futura tivesse a alternativa de tornar-se melhor.

Com os compadrios constituíam e investiam nessa sorte de bens que não são materiais,

mas podem consubstanciar-se em favores e dádivas que influenciam no bem estar material

e pessoal.
310

Colocaram-se aqui também os batismos dos escravos dessa família por acharem-

se ali certas ocorrências que merecem atenção. Todos os escravos encontrados nos livros

de batismo que serviram de base para este estudo pertenciam a Francisco Pinto Bandeira.

Nem sua mulher nem seus filhos possuíam, a esse tempo, escravos registrados nesses

livros batismais como sendo seus. Segundo Fábio Kühn (2001), Francisco Pinto Bandeira

era o maior proprietário de escravos no Continente do Rio Grande de São Pedro no ano de

1751, o que demonstra que tinha uma capacidade para a acumulação bastante grande,

revertida na mão-de-obra adquirida no mercado escravista bem como em possibilitar um

mínimo de recursos e qualidade de vida para que sua escravaria procriasse e suas crianças

subsistissem à infância.

A bem da verdade, o tempo das grandes charqueadas, com produção em larga

escala para o abastecimento de carnes destinadas às propriedades escravistas ainda não

havia chegado. A fabricação de carnes – expressão da época para a feitura do charque – era

ainda em pequenas quantidades, tendo sido documentada uma maior demanda durante os

anos do Grande Cerco à Colônia do Sacramento, a partir de gados adquiridos dos

lagunistas que já viviam no Continente – majoritariamente membros da parentalha de Brito

Peixoto (Monteiro, 1979), incluindo o próprio Francisco Pinto Bandeira, que vendeu 100

cabeças para o encarregado da Coroa. Talvez, para o fornecimento de carnes nas

expedições de demarcação de limites e no combate aos índios missioneiros amotinados

contra sua expulsão e a dos padres jesuítas, na primeira metade da década de 1750,

tenham-se “feito carnes” em uma escala maior.

Entretanto, fazer carnes em grande quantidade não era a preocupação maior, ao

menos não nesse momento, dos proprietários de terras, gados e escravos. Durante os três

primeiros quartéis do século XVIII o responsável pelo ingresso de valores em metais e

moedas foi o transporte e o comércio de gados em pé. Com isso, provavelmente os


311

escravos passavam mais tempo ocupados nas lavouras, na feitura dos couros e no trato dos

gados, transferindo-os de pastagens, arrebanhando-os e procedendo a marcação, do que na

faina extenuante e insalubre do fabrico do charque. A sazonalidade era a marca das tarefas

braçais, havendo uma época para o plantio e outra para a colheita, uma época para a

marcação e outra para o abate de reses, uma época para separar as crias e engordá-las e

outra para colocar as tropas de animais vivos a caminho das feiras do Sudeste. Era uma

economia diversificada e, ao mesmo tempo, bastante restrita, sem um único grande produto

a capitanear o ingresso de receitas.

Havia também as guerras, ataques, saques e defesas preparadas para deter tais

ataques. Essas podiam ocorrer a toda hora, ainda que o período para o qual esse estudo se

dirige talvez tenha sido o de mais prolongada paz no primeiro século de existência de

povoados nessa fronteira. Mas o risco de uma invasão, sempre presente nas preocupações

das autoridades e dos moradores da região, expressava-se nas negociações do final da

década de 1750, quando da proibição da criação de muares no Continente do Rio Grande

de São Pedro. A alegação dos vereadores – boa parte deles vivendo dessa produção muar

ou mantendo estreita relação com os produtores – era a de não haver no Rio Grande outras

minas e que, uma vez interrompida a mais lucrativa de suas atividades, teriam de se retirar

do território, deixando-o ermo e disponível à penetração espanhola. Blefe ou não, o

argumento foi levado em consideração pelas autoridades de Portugal e o Rio Grande do

Sul obteve permissão para dar continuidade à produção de muares, que continuava

proibida no restante do Estado do Brasil.

As atividades bélicas faziam não menos parte dos afazeres dos escravos, havendo,

inclusive, um escalonamento na divisão do butim de guerra que também os contemplasse.

A década de 1770 foi farta em embates e em saques de guerra. Havia nas falanges do

exército chefiado pelos Pinto Bandeira um grande número escravos, incluindo os seus, que
312

recebiam a parte que lhes cabia do que fosse tomado dos castelhanos (Gil, 2003: pp. 35 e

ss.).

Para a tomada de São Martinho dispomos do cálculo realizado


para a divisão do butim. O valor total do saque, retirado o quinto de Sua
Majestade, foi calculado em 6.015$184 réis. Para fins de divisão cada
oficial inferior, soldado, agregado, bombeiro, peão ou escravo
participante foi contado como um. Os oficiais subalternos foram contados
como dois. Os capitães tiveram peso três, e o comandante, peso doze
(Gil, 2003: p. 39).

Os escravos dessa família, portanto, sem serem oficialmente membros das tropas,

eram membros de fato, com um percentual a receber dos ganhos feitos em guerra. Sem

pertencer legalmente ao corpo de guerra da Coroa portuguesa, pertenciam como

combatentes que eram. E, em posição subalterna, como os soldados, agregados, bombeiros

tinham uma parte do saque, assim como parte do butim tinha Sua Majestade Fidelíssima.

Ao rei, cabeça de todo o corpo da sociedade portuguesa, cabia um quinto do montante ou

20% do total. Os quatro quintos restantes eram divididos de acordo com o escalonamento

acima. Ora, vê-se, portanto, o reconhecimento dos escravos fazendo parte de um dos mais

importantes corpos nessa situação de fronteira: aquele que fazia a efetiva manutenção dos

territórios. Se recebiam pouco por sua participação, recebiam tão pouco quanto os setores

livres de menor qualidade nessa sociedade.

A hierarquia das tropas, refletindo também a importância da manutenção da

sociedade hierarquizada que vigia ao Antigo Regime, mantinham-nos no mais baixo

patamar do corpo, mas incluso nele. A situação de guerra, portanto, contribuía para o

estabelecimento e mantença dessa hierarquização tão importante e que dava formato ao

corpo social. Se as forças militares e a sociedade lusa eram fortemente hierarquizadas, não

há onde pousar dúvidas. Entretanto, não eram excludentes. Tratavam de incluir todos os

setores dentro dessa mesma massa social, que tinha a forte hierarquização a suplantar o

caos que se lhe imporia em situações em que a igualdade fosse pleiteada. O que vemos
313

aqui, então, são escravos incluídos – em óbvia situação inferior – no corpo militar do reino.

O que tentaremos ver com os registros batismais de escravos de Francisco Pinto Bandeira é

se essa inclusão era possível em outros corpos sociais.

Uma opção adotada nos compadrios é estender os laços formados sob a benção da

Igreja a outras famílias de igual ou superior condição social. Isso é perceptível, por

exemplo, nas duas vezes em que o casal de escravos do comissário de mostras Cristóvão da

Costa Freire batizaram filhos de escravos de Pinto Bandeira, ou ainda na escrava do Padre

Tomás Clarque, comparecendo como madrinha a um desses batizados. No entendimento

luso das relações de compadrio, o padrinho ou a madrinha de uma criança ou adulto teria a

responsabilidade de sua orientação religiosa, nesse mundo em que a religião era o grande

normatizador ético e moral da população. Um casal de escravos pertencente a uma pessoa

de tão destacada posição social e, segundo Gudeman & Schwartz, por serem casados sob a

benção da Igreja, já tinham introjetados muitos dos valores da sociedade cristã e seriam

bons preceptores para a vida em sociedade. O mesmo pode-se supor da escrava do padre,

possivelmente não apenas escolhida pelas qualidades de seu proprietário, autoridade moral

e ética sobre os cristãos, mas também pelos conhecimentos do catolicismo colhidos junto

ao seu senhor. Para conduzir uma criança no mundo católico, a escrava do padre pode ter

tido orientação religiosa muito superior a de muitos cristãos livres da comunidade de

Viamão.

Nos primeiros registros que foram feitos em Rio Grande percebe-se que, mesmo

sendo a localidade muito recente, Francisco Pinto Bandeira estava despendendo recursos

para adquirir escravos africanos. Isso significa, entre outras coisas, que Francisco Pinto

Bandeira, ainda que recém-chegado na localidade, era portador de cabedais que lhe

permitiam essas aquisições. Não estava, portanto, despojado de bens, podendo ser esse,
314

juntamente com sua patente militar, alguns dos atrativos que possuía para ingressar no clã

dos Souza Fernando através do matrimônio com uma de suas filhas.

Nesse quadro dos batismos de escravos de Francisco Pinto Bandeira, algumas

coisas saltam aos olhos desde o primeiro momento: os dois primeiros escravos

provavelmente eram adultos, adquiridos ao mercado. José e João Cabo Verde foram

batizados pelo sogro ou cunhado homônimo desse e duas de suas cunhadas. Um outro

padrinho, Manuel de Souza, sem acréscimo de outro sobrenome, pode ser um deslize do

pároco ao atribuir Antônio de Souza como pai de Manuel de Souza ou um dos muitos

homens que portavam o nome de Manuel de Souza, mas que têm alguns quesitos

semelhantes. Se assim for, um dos mais prováveis era Manuel de Souza Torino, vereador

em Rio Grande no ano de 1753, que tinha como cônjuge de seu primeiro matrimônio

Josefa de Jesus. O nome de sua companheira à pia batismal é Teresa de Jesus, podendo ser

também deslize do pároco ou mesmo um dos outros nomes adotados por Josefa. A

madrinha podia ser tanto a Josefa de Jesus como Teresa de Jesus, filha de Antônio de

Souza Fernando. Podia ser também o sargento de dragões Manuel de Souza, entre outras

possibilidades de “Antônios de Souza” existentes na localidade nesse ano. No caso

específico desse registro de batismo, jamais se saberá exatamente quem são os padrinhos.

Entretanto, isso não impede alguns dados para análise: tratava-se de homem e

mulher livres, nada tendo sido anotado quanto a ser índio, forro, pardo, escravo ou

qualquer outro qualificativo junto a seu nome. Qualquer um deles possuía características

que os diferenciavam das famílias comuns da população, fosse uma patente, fosse o cargo

de vereador ou posse de terras, gados e escravos. Esses três escravos, os primeiros de

Francisco Pinto Bandeira batizados em Rio Grande, tinham como padrinhos pessoas bem

além de sua própria condição e alguns deles pertencentes à família de seu senhor. Estavam,

portanto, do ponto de vista da família espiritual, inseridos na grande família formada por
315

parentescos rituais e fictícios. E como a sociedade e a família se organizavam a partir da

hierarquização das posições, estavam inseridos nela nos estratos inferiores desse corpo

social, como escravos, privados de sua liberdade.

Um outro traço marcante na escravaria de Francisco Pinto Bandeira é a quase

inexistência de crianças bastardas filhas de seus escravos. Em sua maioria ou são escravos

novos, cujos pais são ignorados nos registros, ou são crianças filhas legítimas desses

escravos. As únicas exceções são duas crianças ditas naturais, uma delas, o menino

Manuel, filho de pai livre, nomeadamente Manuel de Souza Vieira. O menino Manuel,

homônimo de seu pai livre, foi alforriado à pia, recebendo de seu pai o nome e muito

provavelmente a liberdade adquirida pelo costume de não ser negada a alforria no batismo.

Seu padrinho era, possivelmente, seu tio paterno.

A outra, a menina Jerônima, dita mulata em seu registro, era filha de pai incógnito

com a escrava Engrácia. O pai, dada a característica de miscigenação expressa na situação

de “mulata” da criança, provavelmente era “branco” e provavelmente livre. Muitos desses

filhos de pais “incógnitos” eram filhos de pessoas conhecidas e reconhecidas na

comunidade, como expresso nas Constituições Primeiras:

E quando o batizado não for havido de legítimo matrimônio,


também se declarará no mesmo assento do livro o nome de seus pais, se
for cousa notória e sabida, e não houver escândalo; porém havendo
escândalo em se declarar o nome do pai, só se declarará o nome da mãe,
se também não houver escândalo, nem o perigo de haver(Da Vide, Livro
I, Título XX, § 71, 1707).

O restante das crianças filhas de escravos eram nascidos de legítimo matrimônio e

foram registrados como filhos legítimos. Essas crianças continuaram sendo batizadas por

membros da família, ao mesmo tempo em que se introduziam outros recursos para

amalgamar as famílias escravas que viviam nas propriedades de Francisco Pinto Bandeira.

Parece haver um estímulo para a formação de parentescos fictícios ou espirituais dentro da


316

própria escravaria. Pares de escravos de Francisco Pinto Bandeira eram padrinhos de seus

companheiros. Geravam-se no parentesco espiritual as relações, ou simulacro das relações,

que haviam sido abruptamente interrompidas com a captura de escravos na África e sua

posterior venda como “peças” no mercado escravista desse lado do Atlântico. Diz James

H. Sweet:

A despeito de um punhado de exemplos de relações ancestrais


que sobreviveram à travessia, a dolorosa realidade da escravidão nas
Américas fez com que as linhagens natais da maioria dos africanos fosse
quebrada para sempre. E não importa como sucedesse de um indivíduo
criar novas redes parentais, essas redes de relações de parentesco
corporativo ou fictício podiam nunca restaurar as que foram perdidas no
rompimento do parentesco da unidade natal. Ser removido de uma rede
parentesco fazia alterar todo o ciclo vital de modo inimaginável à maioria
dos ocidentais. (...). Encarar esse desafio sozinhos, sem o suporte coletivo
e compreensões compartilhadas com a rede de parentesco natal, era
equivalente à morte social6. E, apesar da recriação de uma variedade de
parentescos formados nas Américas, a perda dos parentes natais deve ter
pesado fortemente nas vidas daqueles que foram escravizados e nas vidas
daqueles parentes consangüíneos que foram deixados para trás na África.
(Sweet, 2003: pp. 31-32)

Sweet interpreta a baixa quantidade de escravos casados sob os auspícios da Igreja

e que têm seus filhos como filhos naturais, com “pai ignorado”, como uma forma de recusa

e resistência aos ensinamentos dos cristãos e seu modo de vida, ao mesmo tempo em que

era uma afirmativa de seus antigos costumes de liberdade sexual (Sweet, 2003: pp. 34-50) .

Entretanto silencia quanto ao grande número de escravos africanos ou filhos de africanos

que eram batizados. A baixa incidência de filhos naturais entre a escravaria de Francisco

Pinto Bandeira será comentada adiante. Os casos de registros de filhos naturais, com ou

sem paternidade reconhecida, eram bastante freqüentes, sendo essa configuração da

escravaria de Pinto Bandeira não necessariamente uma exceção, mas um tanto mais difícil

de ser encontrada.

6
O autor refere-se à “morte social” conforme o trabalhado por Orlando Patterson, em Slavery and
Social Death. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1982.
317

Registra-se aqui que, a introdução no mundo cristão dava-se, e ainda é assim, pelo

batismo, assim como na religiosidade africana se dava através de rituais de iniciação. Em

nenhum dos dois casos a inclusão nos âmbitos social, econômico, religioso e cultural é

feita através do matrimônio. Pode-se pensar que, para uma nova realidade, em que o

mercado matrimonial é bastante restrito aos cativos e que estes normalmente ocorriam

dentro de uma mesma escravaria, que essa recusa ao matrimônio podia ser uma estratégia

bastante simples para fazer valer alguns dos costumes e práticas matrimoniais ancestrais. A

Igreja católica estabelecia o parentesco de até quinto grau como motivo de impedimento

matrimonial. Ao serem ocultos os nomes dos pais das crianças, preservava-se, portanto, ao

menos a linha paterna para os matrimônios e procriações endógenas, já que não havendo o

parentesco reconhecido tampouco haveria a interdição ou o empecilho do matrimônio entre

primos ou entre tios e sobrinhos. Essa possibilidade merece mais atenção e um estudo mais

detalhado.

O que assistimos, portanto, com os compadrios entre os próprios escravos de

Francisco Pinto Bandeira e entre estes e escravos de pessoas de situação social semelhante

ou superior, como era o comissário de mostras Cristóvão da Costa Freire, proprietário de

padrinhos “tapanhumas” de duas crianças, filhas de “tapanhumas”, era, possivelmente, a

formação de uma rede parental fictícia que reproduzia ou simulava laços que lhes foram

rompidos com a escravização. Uma reinvenção de parentelas que se assemelhassem

àquelas que foram deixadas na África ou que ficaram esparsas na América, quando da

venda de escravos oriundos de uma mesma localidade para regiões diferentes. A

desinência “tapanhuma”, é corruptela de tapanhuna ou tapanhuno, herdada dos paulistas,

palavra de origem indígena usada para os escravos negros (Monteiro, 1994 : p. 119).

A aglutinação predominante de escravos negros em famílias e parentesco fictício

não excluía a introdução de indígenas nessas redes que tentavam reconstituir um terreno
318

mais ou menos seguro para a existência em grupo. Há um “mameluco”, referência a filhos

de brancos com indígenas, entre qualificativos dados a esses escravos e forros, assim como

há a estranha desinência de “pardo forro escravo de Francisco Pinto Bandeira”. O

antagonismo dos termos “forro” e “escravo” deve ter sido a solução dada pelo pároco para

a situação dos indígenas sob administração particular sob a luz da nova legislação

pombalina que a proibia, em especial a Lei de Liberdades e o Diretório dos Índios. Esse

batismo deu-se no ano de 1756, ou seja, no momento em que tais leis eram ainda novidade.

Faz-se a especial observação de que a existência de parentescos rituais não era estranha

nem aos índios nativos do sul ou os que para lá foram conduzidos desde o sudeste.

Também não eram novidade para a imensa maioria dos africanos. A utilização de um meio

tipicamente cristão para a geração de redes de parentesco fictício e ritual pode ter sido uma

porta convidativa aos “estrangeiros” – índios ou africanos – para ingressarem nessa

sociedade cristã.

Para os escravos, talvez a utilização dessa forma de ingresso no mundo da

cristandade admitida pelos conquistadores e povoadores e, mais do que isso, estimulada

por eles, pode ter permitido a recriação de laços em moldes semelhantes aos conhecidos

desde a infância na África. Podem ter sido “lidos” e interpretados pelos africanos e afro-

descendentes a partir de uma ótica que em seus traços mínimos pôde ser captada dos

ensinamentos cristãos.

Ainda que não se possa generalizar, boa parte das sociedades africanas tinha na

base de suas religiões a crença na dualidade corpo e espírito. Um corpo como portador de

uma alma de vida eterna, independente, que pode ausentar-se do corpo por momentos,

procedendo a viagens místicas e que sobrevive à morte do corpo. Após o passamento, a

alma dos mortos podia ir visitar parentes ou locais onde tinha vivido. Os dissabores que os

vivos experimentavam em sua existência estariam, em muitas dessas concepções,


319

vinculados a falhas e desleixo no culto dessas almas ancestrais (Sweet, 2003: pp. 104-

105.).

A idéia, portanto, da possibilidade de um perfilhamento que faziam os espíritos

dos adultos ao tomar para seu cuidado as almas das crianças ou dos que recém haviam feito

a travessia do oceano – que para muitas religiões era uma analogia para a morte – e o

irmanar-se das almas no ato do batismo, não deveria estar tão longínquo assim de quem

previamente sabia que existia um mundo que pertencia somente aos espíritos, inacessível

aos corpos que ainda vagavam no mundo de sofrimento e dor, possivelmente os maiores

seriam aqueles que se iniciaram com a captura na África, seguindo-se de doenças, morte e

dor durante a travessia e a realidade da escravidão que seguiu-se a esses.

Ao fazer a análise do parentesco espiritual dentro do complexo da Santeria

cubana, ritual de origem yorubá, Mary Ann Clarck, destaca em seu artigo Godparenthood

in the Afro-Cuban religious tradition of Santeria (2003), que essas davam-se em duas

esferas. De um lado as relações interpessoais, dadas entre os iniciados e seus iniciadores e,

por um conjunto de conexões religiosas, a existência de um vínculo entre um iniciado e os

demais, que foram iniciados pelo seu iniciador. A segunda, entre o iniciado e as deidades

da Santeria, no qual os protegidos de um mesmo orixá guardavam também relação entre si.

A autora optou por explorar algumas das origens dessas relações pessoais focalizando

também a origem cultural dos termos de parentesco e como elas foram transformadas no

contexto da Santeria.

Ainda que a realidade cubana enfrentada por aqueles que haviam completado e

sobrevivido à travessia do Atlântico fosse diferente dos que vieram para a Colônia lusa, a

origem não difere muito. A experiência de construção de parentescos fictícios nos ritos de

iniciação religiosa na África eram comuns. Também eram comuns muitos dos traços das

sociedades coloniais para as quais foram trazidos. Parentescos rituais existiam em África,
320

em Europa e também na América. Sílvia Maria Jardim Brügger (2004) desenvolve

raciocínio semelhante para os rituais afro-brasileiros durante o período escravista, nos

quais deidades africanas e figuras do rito de compadrio se juntam na iniciação de seus

membros. Essa autora vê a presença dos orixás e outras entidades contracenando com

padrinhos e madrinhas nos rituais que nominavam os escravos e os inseriam, ritualmente,

nas suas comunidades. Os ritos afro-brasileiros apresentam, por conseqüência e por mais

tênues que sejam, algumas semelhanças com os ritos afro-cubanos, tais como uma

existência espiritual que antecede ao nascimento para o mundo terreno, a dualidade

corpo/espírito, a iniciação religiosa através de um preceptor denominado padrinho ou

madrinha. Apresentam também suas idiossincrasias. Entretanto, as bases sobre as quais

foram construídas são comuns: a religiosidade africana pregressa e a religiosidade católica

na qual se construíram. Ainda que possuam características que por vezes muito as

diferenciam, há que se levar em consideração o rompimento dos elos de iniciação religiosa

quando do início do cativeiro, ainda na África: aquilo que se dava no seio da família e da

comunidade natal, unindo parentesco consangüíneo e afim não mais era exeqüível na nova

vida que lhes foi imposta.

Havia a possibilidade de levar à morte social que a abdução representou às vias de

fato: não inserir-se, não resistir, não sobreviver, inclusive fisicamente, ao novo meio.

Havia também a possibilidade de, através do conhecimento preexistente, reinventar elos e

laços parentais entre aqueles que não compartilhavam dos mesmos grupos de parentesco.

Segundo Mary Ann Clark, a iniciação religiosa nos ritos yorubá se dava com um iniciador

pertencente à família e mais velho do que o iniciado, pais ou avós iniciando seus filhos e

netos (Clark, 2003: p.45-47).

Dado o rompimento das famílias com o fenômeno da captura e escravização de

alguns de seus membros e posterior venda para diferentes localidades das colônias lusas, a
321

reinvenção de uma sociedade e de uma religiosidade não mais calcadas nos elos

consangüíneos ou afins, e sim usando dos mais antigos, provavelmente com

conhecimentos mais profundos dos ritos ancestrais, como iniciadores nos rituais religiosos,

veio dar lugar a uma nova forma e configuração de parentesco, uma nova organização

familiar, fictícia ou corporativa, que simulava e, ao mesmo tempo, tentava reproduzir

aquelas formas já conhecidas (Clark, 2003: p.45-47). Não era exatamente a mesma coisa,

mas vinha tentar suprir a lacuna do drástico rompimento ao qual se refere Sweet.

Na Santeria afro-cubana, os iniciadores religiosos foram os mais velhos das

comunidades de escravos e, posteriormente, os anciãos da comunidade afro-cubana. Os

adeptos dessas novas formas de manifestações religiosas que têm os cultos yorubá como

ponto de partida, chamam seu iniciadores, geralmente não pertencentes à rede parental

consangüínea e afim através da apropriação dos termos do parentesco ritual católico

construídos no rito do batismo. Os iniciadores na religião são chamados de padrino e/ou

madrina, que guardam extrema semelhança em suas funções religiosas e sociais com os

padrinos e madrinas: zelam pelas vidas religiosas e mundanas de seus ahiados como

protetores que eram. Evitavam assim, a referida “morte social” cujo conceito elaborado por

Patterson foi utilizado por Sweet ao analisar o que ele chama de uma recriação da África

para o contexto da América lusa.

Na Vila do Rio Grande, na qual uma comunidade de africanos e afro-descendentes

estava ainda por se constituir, da mesma forma que toda a sociedade ainda estava por

fazer-se a partir dos conhecimentos e experiências pregressas em localidade e realidade

nova para quem quer que ali chegasse, não havia muitos “anciãos africanos” para servirem

de iniciadores nos ritos religiosos. Por outro lado, encontraram na nova localidade formas

de parentesco ritualizado que vinculavam pessoas que não pertenciam necessariamente ao

mesmo núcleo familiar, fosse de parentesco afim ou consangüíneos. A esses africanos foi
322

oferecida a possibilidade de vincularem-se a “protetores espirituais”, iniciadores nos ritos

da cristandade no ato do batismo, que para os católicos também tem o significado de

renovação, renascimento, deixar para trás o pecado original, a vida pregressa e inserir-se

no novo mundo que a eles se lhe apresentava.

Não parece ser por acaso que os escravos novos de Francisco Pinto Bandeira

tiveram como padrinhos, ou seja, como preceptores, pertencentes à própria família, no caso

o sogro e cunhadas de Francisco Pinto Bandeira. Também não parece acaso que para

padrinhos das crianças filhas de “tapanhumas” tenham sido escolhidos padrinhos também

“tapanhumas”: guias espirituais e protetores pertencentes a este mundo, já iniciados nos

conhecimentos místicos tanto da cristandade como do mundo africano que havia sido

deixado para trás. Esses guias espirituais e protetores acabavam gerando ligações fortes

entre as famílias que se formavam internas à escravaria de Francisco Pinto Bandeira.

Também não parece por acaso que, eventualmente, um membro das famílias escravas

crioulas ou já ladinas fosse convocado ao compadrio com escravos africanos novos:

propiciavam para mais uma geração, além das cadeias de reciprocidade a proteção, auxílio,

orientação espiritual, as normas de comportamento social, respeito e devoção formadas nas

gerações anteriores.

Em uma seqüência de rompimentos e clivagens, tais como uma existência africana

que fora abortada com o cativeiro, os laços familiares e sociais rompidos com a abdução, a

necessária convivência com o desconhecido, as diferenças sociais marcantes existentes na

sociedade lusa, que separavam os melhores dos comuns, os livres dos escravos, os gentios

dos cristãos, a instituição do compadrio parece ter sido um dos tecidos instersticiais entre

esses inúmeros estatutos sociais e qualificadores sociais. Fazia com que se compartilhasse

o sentimento de pertença a uma ou mais de uma unidade política, econômica e social, que

eram as famílias.
323

A instituição cristã do compadrio e apadrinhamento pode ter contribuído,

portanto, não necessariamente de um modo sincrético como coloca Clark, mas no sentido

de uma re-elaboração dos conhecimentos trazidos das comunidades natais e a nova

realidade com que se defrontavam, gerando formas de convívio, de relacionamentos

parentais físicos e espirituais, de interpretação do mundo e de práticas religiosas híbridas.

Sendo as vertentes desse novo “parentesco” tão distintas, concorriam para um mesmo

ponto: a consecução da vida de tantos estranhos e migrantes na nova localidade que se

formava.

Seria possível que, através das bases mínimas dos conhecimentos religiosos

africanos, compreendessem e acabassem por serem inseridos por vontade própria na nova

realidade, sem que a anomia e o caos provocados pelo rompimento de suas vidas normais

junto às suas famílias, amigos e orientadores espirituais predominassem nessa nova

existência de privações e provações. As noções básicas da religiosidade dos ancestrais e a

aceitação mínima de alguns princípios do catolicismo os jogavam para dentro da sociedade

lusa nessa fronteira. Se todas as novas experiências geravam o efeito da entropia, o

parentesco religioso encontrado à pia batismal jogava um peso muito grande como uma

força centrípeta, atraído-os e mantendo-os junto ao núcleo familiar de seus senhores. Com

isso, não parece difícil entender porque e principalmente depois de alforriados, alguns

escravos conduzissem em seus nomes os sobrenomes ou os prenomes de seus senhores:

designavam o locus social de origem no mundo luso-brasileiro.

Os africanos e seus descendentes, se acreditarmos na existência de uma cultura

oral, do costume da educação e orientação moral e religiosa passados dos mais velhos para

os mais novos, puderam conduzir suas experiências pregressas mescladas aos novos

conhecimentos sociais, religiosos e econômicos, gerando uma forma peculiar de

pertencimento. A adoção do cristianismo, com maior ou menor conhecimento de seus


324

ensinamentos, com maior ou menor utilização das bases religiosas africanas, pode não ter

sido somente um fator de predomínio cultural dos conquistadores sobre o restante da

população. Pode ter sido, também, um fator que permitiu a essas populações escravizadas e

situadas no sopé da escala social na Colônia, gerarem formas de vinculação reais ou

fictícias que lhes possibilitaram a existência social em contrapartida à morte social que a

abdução representou em suas vidas. A incorporação dos mitos, ritos e santos da cristandade

ao panteão africano e aos comportamentos sociais pregressos pode ter significado um

fôlego na existência dessas tradições, ao invés de seu esmagamento por total pelo

escravizador luso.

O mais instigante de tudo é que, tanto sob a ótica dos senhores como da ótica de

suas escravarias, ambos se inseriam numa mesma rede de parentescos rituais e espirituais,

haja vista o filho do senhor de todos esses escravos, Rafael Pinto Bandeira, comparecer

como padrinho a um desses batizados, o mesmo acontecendo com outros parentes

próximos, tanto do ramo dos Pinto Bandeira como do ramo dos Souza Fernando. O

significado mais imediato desse parentesco ritual era amalgamar os diferentes estratos,

estatutos e qualificações sociais coexistentes em uma unidade doméstica, dando a noção de

pertencimento a um corpo que tinha representantes, em seu interior, de todas as camadas

existentes na própria sociedade. Os “meus ancestrais”, os “teus ancestrais”, vinculados

através dos ritos que uniam espíritos ou almas, com fundamentos diferentes para cada uma

dessas duas concepções religiosas, mas que compartilhavam da crença na existência dual

corpo/espírito, sendo o segundo eterno e superior ao primeiro; poderiam dar-lhes a noção

do “nosso corpo social e familiar” em contraste àquelas redes parentais – reais ou fictícias

– com as quais não guardavam relações. O “meu mundo”, unido ao “teu mundo” dava a

noção – verdadeira ou falsa, não vem ao caso – de estarem construindo, cientes da

necessidade de haver diferenças entre uns e outros, um “nosso mundo”, ordeiro e bastante
325

coeso, um corpo social e familiar único, nos quais as diferenças de estatutos internos que o

hierarquizasse era fundamental para seu funcionamento. A exclusão social, então,

voluntária ou imposta, estava ausente dos intentos de senhores e escravos ao levarem à pia

batismal os adultos boçais recém chegados e as crianças filhas de escravos recém-nascidas.

O ato do batismo servia para internalizá-los, incorporá-los espiritualmente às unidades

domésticas às quais pertenciam em suas existências mundanas. Agregados sob um

catalisador de relações sociais tão forte quanto o sistema de compadrio ibérico, parece

bastante compreensível que, durante todo o período sob estudo, não tenham havido

revoltas, fugas massivas nem atentados contra membros das famílias senhoriais por parte

desses escravos.

Uma outra opção amiúde adotada nos compadrios é estender os laços formados

sob a benção da Igreja a outras famílias de igual ou superior condição social. Isso é

perceptível, por exemplo, nas duas vezes em que o casal de escravos do comissário de

Mostras Cristóvão da Costa Freire batizou filhos de escravos de Pinto Bandeira, ou ainda

na escrava do Padre Tomás Clarque, comparecendo como madrinha a um desses batizados.

Interrompe-se aqui as observações acerca dos Souza Fernando e dos Pinto

Bandeira, passa-se a visualizar os compadrios de uma outra família de posses, tanto em

bens de raiz como em bens móveis nessa porção meridional da Colônia e que possui uma

configuração familiar um tanto mais complexa.

2. As famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos,


Antônia de Morais Garcês e Domingos Gomes
Ribeiro

Desde a primeira década de existência do povoado de Rio Grande há registros de

batismos que anotam o nome dessas três pessoas. Antônio Gonçalves dos Anjos era natural

de Matosinhos. No tempo em que viveu em Rio Grande exerceu as atividades de condutor


326

de tropas (AAHRS, 1977 - Registro de um despacho do Mestre-de-Campo André Ribeiro

Coutinho: p. 105), conduzindo-as desde o sul através da Barra da Lagoa, possivelmente

dando prosseguimento às viagens que terminavam nas feiras de gados e cavalos que

existiam em São Paulo. Possivelmente, ainda que não se tenham encontrado registros dessa

atividade, foi também criador de animais, já que nas primeiras décadas da existência da

localidade não havia uma especialização muito grande nem a divisão por completo entre

aqueles que conduziam os animais a seus mercados e aqueles que os produziam para o

comércio. Atividade também correlacionada à criação dos animais era a extração de

subprodutos para o comércio, o fabrico dos couros, exercida por Antônio Gonçalves dos

Anjos (AAHRS, 1977, - Registro de uma petição feita a requerimento de Francisco Lopes

da Silva e Antônio dos Anjos, : pp. 74-74) .

Esse homem, em sua transferência para o Rio Grande, trouxe consigo sua mulher,

nascida no Rio de Janeiro e com família também nas Minas. Dona Antônia de Morais

Garcês, apesar da alegação de seu marido de possuir frágil saúde, era requisitada como

madrinha de crianças no povoado. Entre os anos de 1740 e 1748 Dona Antônia

compareceu à pia batismal na condição de madrinha ou nomeou procurador para que a

representasse por catorze vezes. Em contrapartida, seu marido compareceu apenas três

vezes, talvez em função de sua atividade de preador de gados e condutor de tropas. Nessas

ocasiões, o parceiro mais freqüente de Dona Antônia de Morais Garcês era o capitão

Domingos Gomes Ribeiro, que foi padrinho em seis dos batizados que Dona Antônia foi

madrinha (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753).

Dona Antônia de Morais Garcês sofria de muitas doenças, segundo alegação de

seu marido Antônio Gonçalves dos Anjos. O requerimento que este encaminhou em 1740,

dizendo da necessidade de tratamento de sua esposa onde houvesse médico, medicamentos

de botica e solicitando autorização para que se dirigissem ao Rio de Janeiro em busca de


327

melhores ares para os maus humores que afligiam sua esposa, foi atendido depois de ter

esta sido examinada pelo cirurgião-mor do presídio, o licenciado Sebastião Gomes de

Carvalho, genro de Antônio de Souza Fernando. Dizia a certidão emitida pelo licenciado e

anexada ao requerimento:

Dona Antônia de Morais padece continuamente de moléstias,


tanto de erisipelas universais como também de moléstias nos olhos
continuamente, procedido tudo de um parto infeliz que teve, de que lhe
não ficou lúbrico o seu ordinário; e padece continuamente de dores de
cabeça que lhe dão grande moléstia... (AAHRS, 1977, - Registro de uma
petição feita a requerimento de Francisco Lopes da Silva e Antônio dos
Anjos, : pp. 74-74)

A despeito de sua frágil saúde, Dona Antônia de Morais sobreviveu à própria

existência do marido. No registro batismal do menino Manuel, filho de José Dias de

Menezes, feito no dia 12 de fevereiro de 1747, ela foi dita viúva. Nos dois batismos

seguintes em que foi convidada para madrinha, Dona Antônia não compareceu às

cerimônias. Passou procuração a dois representantes no mês de maio. Voltou a atuar como

madrinha no mês de setembro do mesmo ano. Em novembro foi madrinha de seu próprio

neto, Manuel, filho do alferes Joaquim Francisco Homem e de sua filha Ana Francisca. O

padrinho foi novamente Domingos Gomes Ribeiro. Depois de seu neto, foi madrinha de

mais uma criança, em maio de 1748 (ADPRG - 1LBat-RG. 1738-1753). Sua próxima

aparição como madrinha em Rio Grande deu-se no dia 28 de outubro de 1748, um ano e

seis meses após ter sido dita viúva pela primeira vez, sendo o padrinho Domingos Gomes

Ribeiro, agora seu marido (ADPRG - 1LBat-RG - Registro batismal de Eufêmia, filha de

Francisco Gonçalves, 28/10/1748.). Desse casamento ao menos duas crianças nasceram:

Vicente e Rosária.

Domingos Gomes Ribeiro, já tantas vezes citado aqui, também era viúvo. Fora

casado com Maria Engrácia Rodrigues Lima e com ela teve pelo menos um filho

homônimo seu. Natural da freguesia de São Miguel de Carvalho, no bispado de Braga,


328

Domingos Gomes Ribeiro teve passagem por Laguna e foi vereador de sua Câmara no ano

de 1732 (Cabral, 1976: p. 154). Transferiu-se para Rio Grande nos primeiros anos de

existência do povoado. Em Rio Grande possuía terras, duas sesmarias que lhes foram

dadas com posse homologada por Gomes Freire de Andrade, durante a expedição de

Demarcação dos Limites do Tratado de Madri. A despeito dessas cartas de sesmaria serem

datadas da primeira metade da década de 1750, em sua solicitação Domingos Gomes

Ribeiro alegava possuí-las de longa data (RAPM, v. XXIII, 1929: 474-475; RAPM, v.

XXIV, 1933: pp. 248-250). Também participou das atividades de conduta de gado,

subscrevendo em 1749 uma carta contendo a opinião dos moradores de Rio Grande acerca

do local onde deveriam ser cobrados os Direitos das Passagens dos Gados no Registro de

Curitiba (AAHRS - Resposta que deram os moradores casais desse estabelecimento, 1977:

pp. 234-235)

Domingos Gomes Ribeiro também era padrinho bastante solicitado na Vila do Rio

Grande, tendo comparecido à pia batismal mais cinco vezes além daquelas em que

acompanhou Dona Antônia antes de serem casados. Com a morte de Antônio Gonçalves

dos Anjos e posterior casamento de Domingos Gomes Ribeiro e Dona Antônia, tem-se a

impressão, ao analisar as qualidades dos compadrios dessa família, ter havido uma fusão

das redes de compadrio que vinham desde o núcleo Antônio Gonçalves e Antônia de

Morais com as que vinham da parte do então viúvo Domingos Gomes Ribeiro. Essas

relações, se as entendemos como patrimônio social construído na vivência da Vila do Rio

Grande, foram também repassadas como uma espécie de herança imaterial. A

complexidade da trama dos compadrios dessa família que tem seu início em dois casais

distintos é muito impressionante, pois envolve também os compadrios de seus escravos,

que puderam ser detectados a partir da lacunar documentação existente. Há, portanto, a

necessidade de colocação de vários quadros abaixo que são de certo modo contínuos e
329

interligados, mas cuja separação se fez necessária para que se pudesse analisar essa origem

bifurcada, bem como as suas diferenças e semelhanças quando da fusão dessa. O marco

para o momento da fusão é primeira aparição de Domingos Gomes Ribeiro e Dona Antônia

de Morais como marido e mulher nos registros batismais, ainda que o que foi chamado de

“compadrios Anjos-Garcês” tenham continuidade após a morte de Antônio Gonçalves dos

Anjos, com os compadrios da filha e do genro.


330

Quadro XII – Afilhados da Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais Garcês

Criança Pai Mãe Padrinho Madrinha data fonte


Tomas Antonio de Almeida Joana Pereira Antonio Goncalves dos Anjos Antonia de Morais Garces 16-03-1740 livre natural 1LBatRG
Jose Joao de Souza da Costa Maria Nogueira de Jesus Antonio Goncalves dos Anjos Antonia de Morais Garces 04-04-1740 livre legitimo 1LBatRG
Helena Miguel de Mendonca Maria Teixeira padre Manuel Henriques Antonia de Morais Garces 29-04-1740 livre legitimo 1LBatRG
Ana Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 17-05-1741 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Vitoria da Costa Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 19-06-1741 livre natural 1LBatRG
Domingos Manuel da Silva Varges Pascoa Maria Cosme da Silveira Antonia de Morais Garces 06-12-1741 livre legitimo 1LBatRG
Antonio Roberto Edmunds Jean Poor Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 27-05-1742 livre legitimo 1LBatRG
Joana Silvestre Domingues Pereira Antonia Pereira capitão Antonio Goncalves dos Anjos Dona Antonia de Morais Garces 17-11-1742 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Antonio Coelho Maria do Rosario alferes Manuel Pereira Roriz Antonia de Morais Garces 12-08-1743 livre legitimo 1LBatRG
Jose sargento Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 29-12-1744 livre legitimo 1LBatRG
Joaquim soldado dragao Lourenco Marques Ana Maria alferes Joaquim Francisco Homem Nossa Senhora do Rosario 24-04-1746 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joaquim Francisco Homem Ana Francisca Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 20-11-1747 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Jose Dias de Menezes Marta Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 12-02-1747 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joao Gomes de Oliveira Apolonia da Silva sargento Luis Goncalves de Souza Antonia de Morais Garces 04-09-1747 livre legitimo 1LBatRG
Maria Manuel da Assuncao e As Antonia Maria de Oiveira Francisco Coelho Osorio Antonia de Morais Garces 07-05-1748 livre legitimo 1LBatRG
Inacia Eusebio Alvares de Souza Luisa Maria da Fonseca Jose da Silveira Ana Francisca dos Passos 10-08-1750 livre legitimo 1LBatRG
Rogerio alferes dragões Manuel da Cunha e Souza Maria Gomes padre jesuita Manuel da Cunha Ana Francisca dos Passos 16-08-1750 livre legitimo 1LBatRG
Jose Antonio da Cunha Viegas Marta Antunes de Souza alferes dragoes Joaquim Francisco Homem Angelica Teresa 16-02-1751 livre legitimo 1LBatRG
Antonio Domingos de Lima Veiga Gertrudes Pais de Araujo Marcal de Lima Veiga Ana Francisca dos Passos 16-06-1751 livre legitimo 1LBatRG
Antonio Xavier Cavalcante,
Rosalia pardo forro Antonia de Morais, parda forra alferes Joaquim Francisco Homem 01-10-1756 livre natural 2LBatRG
331

Quadro XIII – Batismos de Escravos Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais Garcês

batizando pai mãe proprietário padrinho prop pad madrinha prop mad livro data
Antonio Goncalves dos
Manuel incognito Maria Goncalves Anjos Paulino da Costa Ascenca da Anunciacão natural escravo 1BatRG 25-01-1740
Antonio Goncalves dos Manuel Francisco Manuel Francisco
Inacio Manuel, cabo Verde Josefa, Benguela Anjos escarvo Jacó da Costa escrava Domingas da Costa legitimo escravo 1BatRG 07-02-1740
Antonio Goncalves dos
Hilario Francisco, fula Maria, Benguela Anjos Luis Mendes Josefa de [---] escravo 1BatRG 20-02-1740
Antonio Goncalves dos Maria da Encarnacao
Nazario Manuel Goncalves Josefa do Rosario Anjos Inacio Soares Godinho legítimo escravo 1BatRG 06-08-1741
Antonio Goncalves dos Domingos Gomes
Antonia Francisco Goncalves Maria dos Anjos Anjos Ribeiro preta Sebastiana Pinto legítimo escravo 1BatRG 29-11-1741
Antonio Goncalves dos parda
Bento Manuel, cabo Verde Josefa, Benguela Anjos cabo Simplicio Antonio forra Antonia do Prado legítimo escravo 1BatRG 20-07-1743
Antonio Goncalves dos parda
Jose Francisco, Benguela Maria, Benguela Anjos Luis Vieira forra Josefa de Jesus natural escravo 1BatRG 28-09-1743
Antonio Goncalves dos
Mariana Manuel Josefa Anjos Jose Meireles preta Domingas Luis da Cunha legítimo escravo 1BatRG 28-07-1745
Maria Pequena, Antonio Goncalves dos Diogo Francisco
Joao Joao, angola angola Anjos Severim Teresa Pedroso legítimo escravo 1BatRG 21-10-1745
Antonio Goncalves dos Rafael Rodrigues de
Francisco Francisco Maria Anjos Andrade Maria Josefa de Azeredo legítimo escravo 1BatRG 04-01-1746
Antonia de Morais Manuel Lopes Vilas mulata
Teodosia Luis Vieira Antonia, mulata Garces Boas Angelica Teresa natural forra 1BatRG 10-04-1747
Antonia de Morais Manuel Alves Antonia de Morais
Maxima Manuel dos Anjos Josefa de Morais Garces Guimaraes Ana dos Anjos legitimo escravo 1BatRG 03-07-1748
332

Quadro XIV – Afilhados de Domingos Gomes Ribeiro

Criança Pai Mãe Padrinho Madrinha data situação fonte


Ana Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 17-05-1741 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Vitoria da Costa Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 19-06-1741 livre natural 1LBatRG
Antonio Roberto Edmunds Jean Poor Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 27-05-1742 livre legitimo 1LBatRG
Joao Gaspar Nunes Florencia de Oliveira Domingos Gomes Ribeiro Ana Francisca dos Passos 24-06-1742 livre natural 1LBatRG
Luzia Antonio de Araujo Vilela Joana Correia Domingos Gomes Ribeiro Antonia Maria de Jesus 31-07-1742 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Quiteria da Cunha Domingos Gomes Ribeiro Maria Josefa 24-02-1743 livre natural 1LBatRG
Jose incognito Pascoa da Ressureicao Domingos Gomes Ribeiro Nossa Senhora do Rosario 07-11-1744 livre natural 1LBatRG
Jose sargento João da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 29-12-1744 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joao Ferreira Josefa da Silva Domingos Gomes Ribeiro viuva Margarida da Silva 30-03-1745 livre legitimo 1LBatRG
Domingos Jose Dias Marta Antunes de Souza Domingos Gomes Ribeiro Maria Quiteria Marques de Souza 02-05-1745 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Jose Dias de Menezes Marta Domingos Gomes Ribeiro viuva Antonia de Morais Garces 12-02-1747 livre legitimo 1LBatRG
Manuel alferes Joaquim Francisco Homem Ana Francisca dos Passos Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 20-11-1747 livre legitimo 1LBatRG

Quadro XV – Escravos de Domingos Gomes Ribeiro

batizando pai mãe proprietário padrinho prop pad madrinha prop mad data livro
Rosa Maria da
Joaquim incognito Luzia, Angola Domingos Gomes Ribeiro Manuel Fernandes Vieira Conceicao natural 10-02-1749 escravo 1LBatRG
Tomas Joao Angola Maria Angola Domingos Gomes Ribeiro escravo Francisco escrava Brizida legitimo 05-01-1750 escravo 1LBatRG
Vicente incognito Antonia, mulata Domingos Gomes Ribeiro Manuel Fernandes Vieira Ana Maria natural 30-04-1750 escravo 1LBatRG
Domingos Dionisio Rodrigues Beatriz Barbosa
Mariana Bamba Maria do Rosário Domingos Gomes Ribeiro Mendes Rangel legitimo 25-07-1751 escravo 1LBatViamão
Manuel, cabo
Maria verde Josefa, angola Domingos Gomes Ribeiro João Martins legitimo 30-04-1752 escravo 1LBatViamão
Maria Garcês de
Joao Joao Silveira Morais Domingos Gomes Ribeiro Inácio Fernandes Maria Fernandes legitimo 24-06-1752 escravo 1LBatViamão
Caetano
Amaro Angola Rosa, índia forra Domingos Gomes Ribeiro capitão Felipe forra Maria legitimo 03-02-1753 livre* 1LBatViamão
Domingos Gomes Domingos Gomes
Joao Francisco Luzia Antonia Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde Ribeiro crioula Maria Ribeiro legitimo 29-06-1755 escravo 1LBatViamão
333

Domingos Gomes Domingos Gomes


Jose Joao Maria Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde Ribeiro escrava Caetana Rosa Ribeiro legitimo 03-08-1755 escravo 1LBatViamão
Domingos Gomes Domingos Gomes
Santiago Joao Maria Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde Ribeiro escrava Caetana Rosa Ribeiro legitimo 03-08-1755 escravo 1LBatViamão
Manuel, cabo
Isabel verde Josefa, angola Domingos Gomes Ribeiro Domingos de Lima Veiga Maria de Lemos legitimo 20-11-1756 escravo 1LatViamão
Luzia do Espirito
Brizida incognito Teresa, Angola Domingos Gomes Ribeiro Manuel Ferreira da Silva Santo natural 25-01-1757 escravo 2LBatRG
Ana, preta Manuel Marques de Escolástica Marques
Giralda incognito Angola Domingos Gomes Ribeiro Souza de Souza natural 18-10-1758 escravo 3LBatRG
Manuel Pereira
Rosalia incognito Teresa, Angola Domingos Gomes Ribeiro escravo Inacio Roriz escrava Francisca Gaspar dos Santos natural 27-10-1758 escravo 3LBatRG
Florencio de Dr. Prov.da Manuel da Costa Morais Domingas Ferreira
Clemencia Sampaio Rosa Maria Domingos Gomes Ribeiro Fazenda Barba Rica parda Pinto legitimo 05-01-1761 escravo 4LBatRG

Quadro XVI –Afilhados da família Domingos Gomes Ribeiro - Antônia de Morais Garcês

batizando tit pai Pai Mãe Padrinho Madrinha data fonte


Eufemia Francisco Goncalves Ana Pereria de Souza Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 28-10-1748 livre legitimo 1LBatRG
Ana Sebastiao Gomes de Carvalho Eufrasia Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 28-10-1748 livre legitimo 1LBatRG
Silvestre Silvestre Domingues Antônia Pereira Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 09-11-1748 livre legitimo 1LBatRG
Jose Joao Vieira Inacia Pereira Domingos Gomes Ribeiro 13-02-1751 livre natural 1LBatRG
Antonia Maximo dos Santos Inacia de Gouveia capitão Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 00-05-1751 livre legitimo 1LBatRG
Maria Joao Antunes da Porciuncula Josefa Maria Barbara Francisco Coelho Osório Antonia de Morais Garces 27-08-1751 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Antonio Francisco dos Santos Mariana Felicia da Encarnacao capitão Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 21-11-1751 livre legitimo 1LBatRG
Maria Luis Pereira Joana da Silva Francisco Moreira da Cruz Antonia de Morais Garces 22-08-1752 livre legitimo 1LBatRG
Inacia Luis de Queiroz capitão Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 15-09-1754 livre legitimo 2LBatRG
Ana incognito incognito Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 04-12-1756 livre exposto 2LBatRG
Joao Joao da Cunha Antonia Maria Manuel Jorge Dona Antonia de Morais Garces 17-06-1758 livre legitimo 3LBatRG
Jose ajudante Joao Gomes de Melo Mariana Josefa da Encarnacao governador Pascoal de Azevedo Dona Antonia de Morais Garces 18-11-1758 livre legitimo 3LBatRG
Joana incognito Sebastiana Gomes da Silva Andre de Sa Fonseca Dona Antonia de Morais Garces 24-01-1759 livre natural 3LBatRG
Brizida Lourenco Correia Florim Rita Maria de Jesus Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 2?-06-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonia soldado dragao Manuel Cabral Ana Inacia de Jesus Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 21-08-1759 livre legitimo 4LBatRG
334

filho do
Violante Gregorio Goncalves Josefa Maria Sargento-mor Domigos Gomes Ribeiro* Dona Antonia de Morais Garces 15-11-1760 livre legitimo 4LBatRG
filho do
Luciana incognito Florinda, mulata forra Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro* Josefa Maria 04-02-1761 livre natural 4LBatRG
Francisca soldado dragao Claudio Brandao Ursula Francisca Capitao-mor Francisco Coelho Osório Dona Antonia de Morais Garces 31-07-1761 livre legitimo 4LBatRG
Maria Joao Antonio Fernandes Luzia Rita da Esperanca sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 26-11-1761 livre legitimo 4LBatRG
Jose Jose da Costa Luis Inocencia Francisca Pereira sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 03-12-1761 livre legitimo 4LBatRG
alferes de
Antonio incognito Antonia de Morais, parda forra Dragões Joaquim Francisco Homem Dona Antonia de Morais Garces 06-02-1762 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Salvador Pinto Bandeira Maria de Brito Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Ana de Brito 19-05-1762 livre legitimo 1LBatViamão

*Trata-se do filho homônimo de Domingos Gomes Ribeiro


335

Parece claro que a separação que foi feita tendo os matrimônios de Dona Antônia

de Morais Garcês como marcos da existência dos núcleos familiares é por completo

artificial. Entretanto, a ênfase nesse ponto de articulação entre as vidas de Dona Antônia e

seus dois maridos traz à tona aspectos que a observação continuada deixaria muito

anuviada. O primeiro deles é, de fato, a continuidade das relações existentes entre

Domingos Gomes Ribeiro-Antônia de Morais Garcês e os membros do núcleo familiar

Antônio Gonçalves dos Anjos-Antônia de Morais Garcês. Dona Antônia comparece à pia

batismal ao lado do genro Joaquim Francisco Homem para batizar a criança filha de

Antônia de Morais, parda forra que fora sua escrava, possivelmente alforriada com o

passamento de Antônio Gonçalves dos Anjos. A criança, numa clara homenagem aos

antigos proprietários, recebeu o nome deles. Do mesmo modo, sua mãe, também Antônia,

portava o sobrenome “de Morais”. O mesmo acontecia com a escrava Maria de Morais

Garcês, que utilizava o sobrenome completo de Dona Antônia. No núcleo familiar Antônio

Gonçalves dos Anjos-Antônia de Morais Garcês não era novidade escravos usarem os

sobrenomes de seus proprietários, haja vista cinco deles, entre homens e mulheres,

portarem os sobrenomes Gonçalves ou dos Anjos. Muito destacado fica isso nos batizados

das crianças filhas de Francisco Gonçalves e Maria dos Anjos, escravos de Antônio

Gonçalves dos Anjos e Manuel dos Anjos e Josefa de Morais, escravos de Dona Antônia

de Morais Garcês.

A despeito da legislação e do costume de separar claramente os bens adquiridos

na vida que antecedia ao matrimônio, os escravos que eram de Antônio Gonçalves dos

Anjos e que teriam passado por herança à Dona Antônia, são amiúde ditos escravos de

Domingos Gomes Ribeiro. Em paralelo a isso, também é perceptível a inexistência de

escravos de Domingos Gomes Ribeiro fazendo batizar seus filhos no período que

antecedeu seu matrimônio com Dona Antônia. Pouco provável que não os tivesse, ao
336

mesmo tempo que muito provavelmente, dadas as suas atividades e as de seu filho

homônimo como criadores de gados e condutores de tropas que eram, esses seus possíveis

escravos fossem homens usados nessas atividades que, entre outras coisas, se dão afastadas

do núcleo de maior concentração populacional e mesmo obrigam a viagens longas e

demoradas. Havia a necessidade de cuidar de duas grandes sesmarias de três léguas de

comprido por uma légua de largo que se situavam em locais distantes do povoado e da

igreja da localidade.

Contribui para isso também o fato de ser viúvo, apesar de ser homem de posses,

dispensando a necessidade de escravas para o acompanhamento doméstico de sua esposa

em uma residência naquilo que poderia ser chamado de “núcleo urbano” de Rio Grande

nas primeiras décadas de sua existência. Uma criada ou uma índia daria conta do serviço

dos ranchos usualmente situados nas propriedades rurais de alguém que tanto se ausentava.

Muito possivelmente, se escravos de Domingos Gomes Ribeiro reproduziram antes do

matrimônio com Dona Antônia de Morais Garcês, eram alguns dos tantos pais das crianças

ditas “filhas de pais incógnitos” que nessa fronteira existiam.

No entanto, a partir de seu matrimônio com Dona Antônia, começam a surgir

crianças na sua escravaria, assim como aparece de súbito a índia Rosa, natural das

Missões, dita “parda forra”, que contraiu matrimônio com o escravo Caetano Angola, que

não aparecem nos batismos dos escravos do núcleo Antônio Gonçalves-Antônia de Morais.

Muito provavelmente fossem escravos que viviam nas propriedades rurais de Domingos

Gomes Ribeiro. A índia missioneira Rosa não somente deu esse filho a batizar como

também foi madrinha de uma outra criança, alheia à escravaria dessa família. Por ela foi

batizado o menino João, filho de Antônio Rodrigues Prates e Maria Rodrigues Prates,

escravos de João Rodrigues Prates. Esse homem era dito dos primeiros povoadores de

Viamão, sendo oriundo da Laguna, onde Domingos Gomes Ribeiro também viveu.
337

O menino Amaro, filho de Rosa, por ter nascido de mãe legalmente livre, herdou

a liberdade de ventre. No entanto, por ter o pai escravo e a mãe coexistindo com seu

marido dentro dos limites da propriedade de seu senhor, muito possivelmente nem ela nem

a sua mãe teriam uma condição de vida muito diferenciada dos escravos desta família.

Estariam sujeitos à execução de tarefas dentro da propriedade e, por fazerem parte da

família do escravo, pouco provável estivessem sujeitos à paga de jornal.

Infelizmente a insuficiência de registros das vidas de Antônio Gonçalves dos

Anjos, de Dona Antônia de Morais Garcês e de Domingos Gomes Ribeiro no tempo que

antecedeu a sua chegada em Rio Grande não permite que sejam sabidos quantos filhos

tiveram nem os destinos desses. Domingos Gomes Ribeiro, filho homônimo do capitão,

também como seu pai ingressou na Companhia de Dragões. Como seu pai, retirou-se dela,

transferindo-se para a Companhia da Ordenança. Comprou e vendeu terras em Viamão e

continuou envolvido em vendas de animais.

Se tudo indica que Antônio Gonçalves dos Anjos morreu de morte natural, de

Domingos Gomes Ribeiro sabe-se um fim distinto. No dia dois de junho do ano de 1762,

pouco mais de um mês após comparecer à pia batismal pela última vez, está registrado seu

óbito no Primeiro Livro de Registros de Óbitos de Viamão. Domingos Gomes Ribeiro

morreu “de um tiro que lhe deram ao cruzar o Arroio do Curral do Fiúza” (AHCMPA -

1LObt-Viamão, 1748-1777. Registro do Óbito de Domingos Gomes Ribeiro, 02/06/1762),

deixando Dona Antônia viúva pela segunda vez. Talvez isso tenha representado um baque

na saúde já fragilizada de Dona Antônia. Em junho de 1764 também Dona Antônia veio a

falecer (AHCMPA - 1LObt-Viamão, 1748-1777. Registro do Óbito de Antônia de Moraes

Garcês, 24/06/1764).

A filha de Antônio Gonçalves dos Anjos e Dona Antônia de Morais Garcês, Ana

Francisca dos Passos, foi beneficiada com a herança havida com o passamento de
338

Domingos Gomes Ribeiro. Ela e seu marido herdaram a Estância da Figueira e

posteriormente a legaram ao seu filho Manuel Joaquim Homem (Domingues, 1990: pp.

111-112)

Entretanto, a despeito da ciência do que se passou com cada um dos membros

dessa família de complexa composição, destaca-se aqui a fina malha de relações sociais

que souberam tecer, não apenas com os parentes, sejam consangüíneos, mas envolvendo

todos aqueles que viviam em suas propriedades ou sob as chefias das famílias. Os arranjos

foram muito bem imbricados e a idéia de pertença perpassava as distintas posições sociais

internas a esse tipo de família. Para viver em uma situação de fronteira, não bastava ter

posses, terras, casas, bens móveis e de raiz. As terras podiam ser tomadas a qualquer

momento, como de fato o foram com a chegada dos espanhóis invasores em 1763. A

produção, fosse ela em animais ou agrícola, podia ser requisitada pelos soldados de Sua

Majestade para o munício das tropas. Podia ser vítima de vandalismos, saques e ataques

dos índios ou dos inimigos espanhóis. Tudo o que tinham de bens tangíveis podia ser

levado ou deixado de um momento para o outro. Os autos da Devassa Sobre a Entrega da

Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas de 1764 são prolixos em relatar as perdas

sofridas com o ataque. Barcos, casas, lojas, animais, roupas, mantimentos, utensílios e

mais bens de quem os possuía foram deixados para trás, no que foi chamado de “os tempos

da corrida”.

Esses homens e mulheres que viviam em Rio Grande puderam reconstituir suas

vidas com base no mais importante dos bens que possuíam. Um patrimônio que não podia

ser perdido porque não podia ser tocado pelas mãos humanas. As relações de compadrio e

os deveres da reciprocidade que a estruturavam, eram levados para onde quer que fossem.

Apresenta-se, por último, uma família que, assim como a família de Maria Quitéria

Marques de Souza, viveu na Vila do Rio Grande até o momento da tomada pelas tropas
339

castelhanas e que, na urgência da fuga, levou consigo só o que podia carregar, além das

coisas que não precisam de sacolas nem baús para serem conduzidas, ou seja, as relações

inter-pessoais e inter-familiares que arranjaram no tempo em que viveram em Rio Grande.

Abreviações usadas nesse capítulo:

ABN – Anais da Biblioteca Nacional


AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AAHRS – Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ACMRJ – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
ADPRG – Arquivo da Diocese de Rio Grande
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
AN – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
BN – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
RG – Rio Grande
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil

Fontes e referências bibliográficas usadas nesse capítulo

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ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Auto de Denúncia que
mandou fazer o Reverendo Vigário José Carlos da Silva contra Joana Gracia Maciel, mulher de João
de Magalhães, o moço, pelo escândalo público com que vive e desonesto procedimento, como depõem
as testemunhas abaixo. Viamão: 1757.
ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Autos Matirmoniais.
1756-1769.
ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Livro 1o de Óbitos de
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ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Relação de Moradores que têm campos e animais
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Fontes Primárias Publicadas

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Capítulo 6

As Sementes Para o Futuro: os padrinhos infantes, a formação


de um pecúlio imaterial e a subversão da lógica do dom na Vila
do Rio Grande

Alguma famílias do Rio Grande, em clara desatenção ao que era determinado nas

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, iniciavam seus filhos na carreira de

padrinhos com uma idade muito aquém da exigida nesse conjunto de ordenações para a

vida cristã e moral. Nos registros batismais da Vila do Rio Grande não é difícil encontrar

meninos com idade abaixo da exigida a comparecer em cerimônias de batismo no papel de

padrinhos nas cerimônias e, muito freqüente, é o comparecimento de algumas meninas em

tenra idade. Algumas madrinhas foram encontradas batizando dentro da faixa etária ainda

considerada como inocente – até sete anos ou até que cumprissem o segundo sacramento

da Igreja Cristã, a comunhão com Deus e demais membros da cristandade.

O estado de inocência dava-se após o batismo, quando a criança liberta do Pecado

Original estava livre de culpas. Estava também livre de responsabilidades. Ou como no

verbete “inocência”, do dicionário de Raphael Bluteau:

(...) pureza da alma, livre de todo o gênero de pecados. Neste sentido


dizemos que Adão foi criado no estado da inocência, e que a inocência
Batismal restitui o homem à sua primeira pureza, etc. A idade dourada da
inocência é a infância do homem no leite, com que se alimenta, se divisa
o seu candor; a ignorância daqueles anos é o seu preservativo, a
simplicidade o seu adorno. (...) (Bluteau, 2000 , verbete INOCÊNCIA)
344

Estando isento de culpa e de responsabilidades, um inocente não poderia, ao

menos não em tese, assumir para si as funções de padrinho ou madrinha de uma outra

criança. Ser apadrinhar era dar a graça de um nome cristão. Também era assumir a

responsabilidade pela salvação da alma de outrem, pela sua educação moral e religiosa.

Segundo as Constituições Primeiras,

...o padrinho, ou a madrinha nomeados toquem a criança, ou a recebam


ao tempo que o Sacerdote a tira da pia batismal feito já o Batismo, e que
o Sacerdote, que batizar, declare aos ditos padrinhos, como ficam sendo
fiadores para com Deus pela perseverança do batismo na Fé, e como por
serem seus pais espirituais, têm a obrigação de lhes ensinar a Doutrina
Cristã, e bons costumes (Da Vide, Tíluto XVIII, § 65, 1707).

Era tornar-se fiador ante o pároco, ante a comunidade e, acima de tudo, ante Deus,

pela renúncia ao Demônio. Passada a idade da inocência, a criança que fora batizada

reafirmaria o compromisso assumido por seus padrinhos no momento em que recebesse o

sacramento da Crisma ou Confirmação do Batismo. Nesse momento, aquela criança que

foi levada ao estado de inocência em seu batismo com os compromissos inerentes aos

cristãos afirmados por seus padrinhos, afirmaria ser sua própria vontade renuncias ao

Demônio e manter-se um cristão no seio da cristandade. Eram, portanto, os compromissos

assumidos pelos padrinhos no ato do batismo, por demais pesados para serem levados a

cabo por um inocente.

Para isso, as Constituições Primeiras recomendavam que uma vez nomeado o

padrinhos pelos pais ou responsáveis pela criança, o mesmo tivesse a idade mínima de

catorze anos se fosse rapaz e de doze anos no caso das moças (Da Vide, Título XVIII, §

64, 1707). Deveria ser essa idade a da perda completa da inocência ou de admissão na

idade adulta pois “O Varão para poder contrair Matrimônio deve ter quatorze anos

completos e a fêmea doze anos também completos...” (Da Vide, Título LXIV, § 267,

1707), vindo após observação sobre as exceções que possibilitariam contrair matrimônio
345

antes da idade recomendada. Entretanto, para a idade determinada para apadrinhar ou

amadrinhar uma criança não estão descritas as exceções e, caso pudessem haver, ficaria,

talvez, ao critério do pároco que deveria obter licença do bispado. Assim, como nos casos

de batismos por outros curas que não o vigário da igreja estão anotadas as referidas

licenças, os batismos que eram procedidos tendo crianças como padrinhos, deveriam ter

anotadas as referidas licenças no assento. Mas não era isso que ocorria. Em nenhum dos

registros batismais que tiveram meninos e meninas com a idade abaixo da determinada por

essa compilação de regras e normas traziam referência a alguma licença concedida.

I. Quem se busca para padrinho

Para que se possa tentar entender esse fenômeno, será feita uma breve análise da

qualidade dos compadrios buscados na vila. Será tomado como base para essa análise as

crianças filhas de nativos das Ilhas dos Açores, batizadas em Rio Grande desde a fundação

do povoado e seus padrinhos. Elegeu-se esse grupo por possuírem ao menos uma origem

geográfica semelhante e possivelmente hábitos sócio-culturais mais homogêneos do que

aqueles que chegaram em momentos e a partir de lugares distintos, fosse da península ou

da Colônia. A freqüente anotação acerca de sua origem no arquipélago dos Açores é

elemento que os distinguia dos demais segmentos da sociedade e que por essa facilidade

em sua identificação foi tomado aqui.

Desde meados da década de 1740 houve a chegada de nativos das Ilhas. No

primeiro momento como soldados que vieram para fazer a defesa dos territórios de Sua

Majestade. Posteriormente, com o envio de casais para que se procedesse o povoamento

(Parecer do Conselho Ultramarino assinado por Alexandre de Gusmão, e um despacho

real ordenando o embarque de soldados... In: Cortesão, 1951 442-443). A partir de 1749

os casais foram chegando a Rio Grande, a princípio com pouco ímpeto, sendo intensificada
346

essa chegada com o passar dos anos da primeira metade da década de 1750. Inicialmente

havia o plano de assentar os casais de açorianos, seus filhos e agregados na fronteira oeste,

ocupando as áreas das estâncias e povoamentos missioneiros desde que o Tratado de Madri

acordou a expulsão dos padres jesuítas do território. Não contavam as autoridades,

entretanto, com a resistência dos indígenas a este acordo feito entre as nações ibéricas. Sem

poderem ir para as terras que lhes seriam, ao menos em tese, destinadas, os ilhéus ficaram

“represados” na Vila do Rio Grande, aguardando solução para o caso.

Se as autoridades achavam que a derrocada da resistência indígena era uma

questão de tempo, as populações civis não podiam esperar para dar consecução às suas

vidas. Estabelecidos na Vila do Rio Grande, atendidos pela Ordenança dos Casais,

continuaram a viver com as parcas condições que ali possuíam. Muitos dos solteiros e

solteiras casaram-se e, juntamente com os que já vieram casados, começaram a reproduzir

na nova localidade onde estavam vivendo. O nascimento de crianças fazia parte dessa

continuidade, fossem seus pais solteiros e casados. Como cristãos que eram, buscaram

batizar seus filhos, livrando-os do pecado original. Junto com isso, reatavam laços, através

do parentesco espiritual que remontavam às Ilha e atavam novos laços com moradores que

já estavam na Vila há mais tempo. O resultado disso é uma bem elaborada malha de

relações que transparecem nos registros batismais, dando a esses novos moradores uma

base de sustento para suas existências sociais.

Têm-se coletados dos quatro primeiros livros de registros batismais da Vila do

Rio Grande desde o surgimento de seu primeiro pároco até o ano de 1763, quando a Vila

foi tomada por espanhóis, um total de 1368 registros legíveis na íntegra ou parcialmente

legíveis, haja vista os livros terem sofrido com ação do tempo, de agentes naturais como a

umidade ou ataque de insetos. Desses registros, 97 não têm padrinho registrados, o que

geralmente ocorria em casos em que o batismo havia sido efetuado em situação de


347

emergência ou não foi possível saber, dado o estado de corrosão do documento. Um pouco

distante desse número está aqueles em que não havia madrinha ou foi impossível saber.

São 227 os registros que não continham madrinha ou foi impossível coletar dados.

Considerando os dados encontrados por Renato Pinto Venâncio para as freguesias

do Rio de Janeiro que estudou, encontramos para o grupo de imigrantes vindos dos Açores

uma presença muito alta de mulheres à pia batismal como madrinhas em relação à

freqüência que o autor encontrou para aquela cidade. Venâncio achou um índice de

abstenção das madrinhas de 70% para as crianças filhas de escravos e de 60% para as

crianças nascidas livres (Venâncio, 1986). Os percentuais de ausências para os batismos de

filhos de imigrantes dos Açores foram de 16,5%, incluídos aqui os registros cujas

condições não permitiam saber se houve ou não a presença de uma madrinha. A ausência

de padrinhos ou impossibilidade de extração desse dado é praticamente a metade: somente

7,9% dos batismos não possuem padrinho ou não foi dado a coletar este dado. Infelizmente

Venâncio não apresenta números ou percentuais de ausências masculinas nesses batismos,

para que pudesse ser feita também uma comparação. Bem mais próximos aos índices

encontrados para a Vila do Rio Grande estão os percentuais fornecidos por Donald Ramos

para a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Esse autor encontrou 28% das

crianças livres, 20% das escravas, 27% das forras sem constar madrinha. Outro dado

interessante à contrapor os imigrantes dos Açores na Vila do Rio Grande e essas duas

outras localidades é a inexistência de madrinhas pertencentes à esfera sagrada. Donald

Ramos (2004) oferece os dados em números absolutos, 60 crianças escravas e livres num

universo de 11295 batizados. Renato Pinto Venâncio encontrou 22% do total de 2110

registros batismais.

Entre os filhos dos açorianos não foi localizada nenhuma criança com madrinha

santas, como Nossa Senhora ou Santa Ana. Ao que tudo indica, por mais que se invocasse
348

a proteção sobrenatural na hora do parto, a importância do estabelecimento de relação de

compadrio com pessoas do mundo terreno estava dada. A necessidade de pais espirituais

com existência de carne e osso era muito forte nessa região de fronteira, ainda mais quando

se vê um grupo de imigrantes chegando a uma localidade inteiramente nova para eles,

tendo ainda que firmar sua posição dentro do corpo social. Nesse ponto, o aspecto dito

funcional por Stephen Gudeman (1971) parece ter sido privilegiado na seleção de

padrinhos e madrinhas. Estabelecer contato e relação estreita sob a bênção da Igreja pode

ter sido fundamental para o dia de amanhã desses imigrantes.

II. Os padrinhos e as madrinhas


dos filhos dos ilhéus

Nas escolhas de padrinhos e madrinhas para as suas crianças, os ilhéus

transmigrados para Rio Grande deixaram transparecer clara preferência por alguns grupos

familiares, fossem eles de nativos dos Açores ou vindos de outras partes quaisquer. Dos

1259 batismos que tinham padrinhos nominados, 648 padrinhos compareceram apenas

uma vez à pia batismal, sendo que neste número estão aqueles de quem não se pode fazer

uma identificação positiva com pessoas homônimas constantes em outros registros; 118

compareceram, com identificação positiva, duas vezes à pia batismal, podendo haver

suspeição de outras vezes que apadrinharam, mas nesse caso, não havendo certeza, estão

colocados na categoria anterior; 52 compareceram apadrinharam por três vezes, valendo a

observação anterior. Apenas 22 compareceram quatro vezes à pia como padrinhos. Os que

compareceram cinco ou mais vezes, estão dispostos em quadro abaixo, em ordem

decrescente:
349

Quadro XVII – Padrinhos de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes

Padrinho # Antão Pereira Machado 6


Manuel da Costa de Carvalho 18 Antônio de Souza dos Reis Cardoso 6
Padre Manuel da Cruz Gomes 16 Antônio Francisco 6
Manuel de Souza Torino 16 Domingos Simões Marques 6
Manuel Marques de Souza 13 Padre Francisco de Lima Pinto 6
Joaquim Manuel da Trindade 13 João de Souza Rocha 6
João Martins da Costa 12 José Gonçalves Dias 6
João Martins Lima 10 Manuel Jorge 6
José Antônio de Brito 10 Tomé Teixeira 6
Lucas Fernandes da Costa 10 André de Sá da Fonseca 5
Bartolomeu Antônio 9 André de Souza Aguiar 5
Domingos de Lima Veiga 9 Antônio Gomes Pacheco 5
Francisco Coelho Osório 9 Antônio Goularte 5
Inácio Osório Vieira 9 Antônio José de Moura 1 5
Manuel Machado Fagundes 9 Antônio Pereira 5
Antônio Gonçalves Passos 8 Antônio Simões 5
Domingos Martins 8 Francisco Pires Casado 5
Manuel de Oliveira 8 João da Cunha Vale 5
Antônio Francisco dos Santos 7 José da Corte 5
Antônio José Coimbra de Andrade 7 José Luís de Queirós 5
Antônio Rodrigues Sardinha 7 Manuel da Costa Pimentel 5
Domingos Fernandes de Oliveira 7 Manuel da Silva 5
Luís Gonçalves Viana 7 Padre Manuel Francisco da Silva 5
Manuel Bento da Rocha 7 Manuel Leite Vieira 5
Manuel Pinto Rabelo 7
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

Um quadro semelhante, de concentração de compadrios, também aparece nas

madrinhas escolhidas por estes casais. 292 mulheres compareceram apenas uma vez como

madrinhas nas cerimônias de batismo, em que pese, por exemplo, haver 11 Teresas de

Jesus que não continham nenhuma outra informação que pudesse redundar em

identificação positiva com outra Teresa de Jesus, o mesmo acontecendo com Maria da

Conceição e outras mulheres com nomes comuns sem sobrenome. 80 mulheres foram

madrinhas por duas vezes, valendo para estas também as observações feitas anteriormente.

34 foram madrinhas por três vezes, 37 por quatro vezes. As que foram madrinhas por cinco

vezes ou mais estão dispostas em quadro abaixo, também organizadas de modo

decrescente.
350

Quadro II – Madrinhas de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes

Madrinha # Isabel Maria 6


Joana Maria da Purificação 36 Joana Rosa 6
Inês de Santo Antônio 23 Luzia da Conceição 6
Laureana Maria de Santo Antônio 20 Maria do Espírito Santo 6
Maria Quitéria Marques de Souza 20 Maria do Rosário 6
Ana Maria 16 Maria Francisca 6
Ana Maria Pais 16 Rosa Maria Pires 6
Maria Inácia 14 Águeda Maria 5
Maria Coelho 13 Águeda Teixeira 5
Maria Goularte [Maria do Rosário] 12 Ana Francisca 5
Margarida Luísa Rosa 11 Ana Maria da Silva 5
Ana Maria Pinto [Ana Maria Pinta] 10 Antônia Maria 5
Joana Maria da Ressurreição 10 Catarina de Sene 5
Maria Silveira 10 Cipriana Gonçalves 5
Rosa Maria 10 Francisca Fagundes de Oliveira 5
Rosa Maria [Rosa Francisca] 9 Francisca Joaquina de Almeida Castelbranco 5
Helena do Espírito Santo 8 Inácia Xavier 5
Isabel Francisca da Silveira 8 Josefa de Jesus 5
Maria Rodrigues 8 Luzia Maria 5
Catarina Josefa 7 Madalena do Rosário 5
Escolástica Marques de Souza 7 Maria de São José 5
Josefa Maria 7 Maria Rosa 5
Maria Lauerana [Maria Lourenço] 7 Mariana Rosa 5
Angélica Teresa 6 Rosália Inácia do Sacramento 5
Francisca Correia 6

Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

De pronto tem-se a medida: o homem que mais vezes com pareceu à pia batismal

como padrinho, o fez exatamente a metade das vezes que foi madrinha a mulher que mais

batizou crianças filhas de ilhéus. A concentração de escolhas para madrinha que recaia

sobre certas mulheres era, então, muito maior do que a concentração de escolhas para os

homens.

Dos homens que constam nos quatro primeiros lugares da lista têm-se que Manuel

da Costa de Carvalho era Sargento-supra da Companhia das Ordenanças. A Companhia

das Ordenanças era responsável por dispensar recursos tanto em sementes como

ferramentas agrícolas, alimentação e vestimentas para os Casais de Sua Majestade. Sem a

menor sombra de dúvidas, Manuel da Costa de Carvalho era pessoa influente e interessante

de se ter como aliado nesse momento de chegada à Vila. Também é interessante notar que
351

sua primeira aparição nos registros batismais da Vila é do ano de 1753, coincidentemente

um ano de grande chegada de contingentes das Ilhas na localidade. Há portanto, grande

possibilidade de Manuel da Costa de Carvalho ser também um ilhéu, de qualidade mais

elevada, haja vista a patente da Ordenança. Também é bastante provável que seu posto de

Sargento-supra fosse referente à específica Companhia das Ordenanças dos Casais, o que o

tornava em situação de liderança direta sobre os Casais de Sua Majestade.

Manuel de Souza Torino era homem de posses, tendo exercido o cargo de

vereador da Câmara de Rio Grande no ano de 1753. Pode ter sido eleito outras vezes, mas

a documentação da Câmara foi perdida com a invasão que promoveram os espanhóis,

tendo sobrevivido um documento enviado pela Câmara de Rio Grande a el-Rei por estar no

acervo do Arquivo Histórico Ultramarino. Esse documento contém a assinatura de Manuel

de Souza Torino.

Com cinco ou mais afilhados entre os filhos de ilhéus havia padres, o que por si só

os colocam acima e distante da maioria dos mortais. Eram homens de Deus numa terra

estranha. Um deles foi padrinho por 16 vezes, a despeito das Constituições Primeiras

proibirem clérigos de serem padrinhos de crianças. Mas isso não era desrespeitado apenas

em Rio Grande, haja vista Sílvia Brügger ter encontrado padres entre os padrinhos mais

freqüentes de São João del Rei (Brügger, 2002).

Fazendo o caminho inverso, tentemos, pois, saber quem são as quatro mulheres

que mais batizavam crianças filhas de ilhéus na Vila do Rio Grande.

Joana Maria da Purificação era casada com Lucas Fernandes da Costa, que figura

como padrinho de dez crianças. Lucas Fernandes era criador de gados e detentor de larga

porção de terras, ainda que não homologadas. Foi fiador de tropas de animais que eram

enviadas para a o sudeste. Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação com

freqüência eram ditos “dos primeiros povoadores”, o que tem duplo significado a esse
352

tempo. Por um lado, significa que foram os que chegaram quando ainda estava tudo por

fazer, quando Rio Grande não passava de uma fortaleza militar e um amontoado de choças

daqueles que vinham da Colônia do Sacramento por lá morarem ou por lá estarem fazendo

sua defesa. O outro significado é de estarem inseridos entre os principais, os melhores da

terra, entre as primeiras famílias na hierarquia social.

Inês de Santo Antônio era esposa do primeiro colocado no ranking dos padrinhos,

sendo possivelmente uma nativa dos Açores de família com algum destaque entre eles, já

que era mulher do Sargento-supra da Ordenança. Laureana Maria de Santo Antônio, a

terceira colocada no ranking das madrinhas era filha deste casal. A quarta mulher

empatada com Laureana Maria era Maria Quitéria Marques de Souza, casada com Antônio

Simões, que batizou por cinco vezes. Também era mãe de Manuel Marques de Souza.

Tentando ver, portanto, qual a colocação da esposa de Manuel de Souza Torino no

quadro das madrinhas, encontramo-la. Maria Coelho tinha o expressivo número de treze

afilhados entre os filhos de açorianos.

Não é coincidência, então, o fato de estarem essas quatro mulheres que lideraram

esses batismos associadas a homens também bem posicionados nas escolhas dos ilhéus,

assim como não parece ser acaso que as esposas dos homens que eram casados e que

ocupavam as liderança nas escolhas também estarem associados a madrinhas de muitos

afilhados. Isso dá a certeza de que as escolhas para os compadrios se dava muito menos em

termos pessoais do que familiares. Havia, pois, uma concentração de preferência a para

padrinhos em torno de algumas famílias. Organizados abaixo, então, os padrinhos e

madrinhas identificados nos dois quadros acima, dispostos por núcleo familiar, nos quais

as datas indicam o primeiro e o último compadrios na localidade, não sendo

necessariamente de um filho de nativo dos Açores.


353

Quadros de Compadrios com açorianos por membro do núcleo familiar

Quadro XIX – Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação


1º último nome posição na comparecimentos
Compadrio compadrio
na na
família à pia
localidade localidade
16/06/1738 07/08/1761 Lucas Fernandes da Costa marido 10
16/06/1738 18/04/1763 Joana Maria da Purificação esposa 36
17/07/1747 14/11/1762 Joaquim Manuel da Trindade filho 13
07/08/1761 07/08/1761 Inácia Maria de Lima nora 1
25/10/1758 02/02/1762 Jacinto José Xavier filho 2
Total de comparecimentos à pia 61
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

Quadro XX – Manuel de Souza Torino e Maria Coelho


1º último nome posição na comparecimentos
Compadrio compadrio
na na
família à pia
localidade localidade
03/06/1743 05/10/1760 Manuel de Souza Torino marido 16
16/04/1739 05/10/1760 Maria Coelho esposa 13
Total de comparecimentos à pia 29
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
Quadro XXI – Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza
1º último nome posição na comparecimentos
Compadrio compadrio
na na
família à pia
localidade localidade
11/03/1743 10/04/1757 Antônio Simões* marido 5
06/08/1741 05/05/1761 Maria Quitéria Marques de Souza esposa 20
18/05/1756 16/05/1759 Manuel Marques de Souza filho 13
18/05/1756 14/01/1763 Escolástica Marques de Souza filha 7
05/09/1762 14/01/1763 Antônio José de Moura genro 5
18/05/1756 25/12/1758 Feliciano Marques de Souza filho 1
18/05/1756 22/03/1763 (Maria)Joaquina Marques de Souza filha 1
Total de comparecimentos à pia 55
* Faleceu em 31/05/1758 – L1Obt-RG, Registro do óbito de Antônio Simões
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

Quadro XXII – Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio


1º último nome posição na comparecimentos
Compadrio compadrio
na na
família à pia
localidade localidade
25/10/1753 30/10/1762 Manuel da Costa de Carvalho marido 18
09/03/1755 30/10/1762 Inês de Santo Antônio esposa 23
25/10/1753 31/01/1762 Laureana Maria de Santo Antônio filho 20
Total de comparecimentos à pia 61
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

As esposas, portanto, tendiam a comparecer à pia batismal mais vezes que seus

maridos e filhos, com exceção do casal Manuel de Souza Torino e Maria Coelho. Ainda

assim, dadas as treze vezes que compareceu a cerimônias de batismo como madrinha,

Maria Coelho não é exatamente o tipo de mulher que viveria reclusa no lar, dando mostras
354

de sua presença em cerimônia públicas da Igreja Católica. Com certa freqüência, também

as filhas extrapolaram o número de compadrios estabelecidos por seus pais. O que se

verifica nesses quadros de padrinhos e madrinhas e nos quadros pro núcleo familiar é um

maciço comparecimento de mulheres de boas famílias aos atos batismais, o que torna a

explicação de Renato Pinto Venâncio para a ausência de mulheres de famílias de elite nas

cerimônias de batismo inválidas para o contexto da fronteira sulina. As mulheres saíam de

casa, ainda que pudesse ser somente para cerimônias religiosas e, muitas vezes o faziam

sem o estarem o tempo todo ao lado de seus maridos ou filhos, filhos ou irmãos, já que,

muitas vezes, não era com eles que formavam par ao batizar uma criança.

A outra constatação que pode ser feita ao ver estes quadros é que os ilhéus, antes

de investirem suas possibilidades de relacionamentos firmados pelo compadrio em

pessoas, investiam em famílias. As quatro famílias de “campeões” de compadrio entre os

açorianos na Vila do Rio Grande tinham posição de destaque. Ao mesmo tempo, o grande

número de pessoas que compareceram apenas uma ou duas vezes à pia batismal remete a

uma situação de diversificação do direcionamento das relações de compadrio. Um deles

voltado para as alianças de compadrio para com famílias bem posicionadas outro voltado

para outras possibilidades, muito provavelmente dentro do próprio grupo familiar ou de

origem social, econômica ou geográfica. Em tempos de instabilidade como a chegada e

estabelecimento em um novo povoado e numa situação de constante insegurança dada nos

contextos de fronteira sulina ao século XVIII, criar e reiterar as alianças entre esses grupos

de origem semelhante significa uma reciprocidade entre pares, podendo estar mais calcada

na solidariedade “entre os iguais que vivem situação semelhante”. O convite ao compadrio

entre os colonos dos Açores e as famílias de elite de Rio Grande construíam elos de

reciprocidade entre desiguais, com famílias situadas acima na escala social.


355

A opção por abordar mais as mulheres que os homens – com a exceção do casal

Manuel de Souza Torino e Maria Coelho – é por demais interessante para estudo. Em se

considerando Antônio Simões e Lucas Fernandes, uma das causas plausíveis é que, sendo

condutores de tropas, nem sempre estariam na localidade à época do batismo. Mas essa não

é a única explicação, pois encontra eco em algumas outras famílias, inclusive na de Manuel

da Costa de Carvalho que tinha suas atividades a Ordenança dos Casais e, portanto,

passava a maior parte do tempo dentro da jurisdição da freguesia onde estavam situados

estes casais.

Pensa se aqui que, para uma situação de instabilidade como era a de fronteira, na

qual a morte e o infortúnio espreitavam a todos, manter um compadre interno à família ou

interno ao grupo de origem social e/ou geográfica semelhante significava pronto auxílio

sem maiores formalidades, talvez necessárias, de quando se acorre a um homem de posição

social superior. Entretanto, ao buscar o compadrio com as esposas desses homens, ainda

assim conseguiam adentrar à rede de parentela espiritual dessa família. O compadre

responsável pelo sustento de uma criança, o braço provedor estaria ao alcance praticamente

imediato, ao passo que a solicitação respeitosa de um favor, de uma intercessão dos

homens de poder, poderiam ser feitas através da intermediação das comadres, suas filhas e

esposas. Também a estas poderiam caber outros aspectos mais sutis da vida: agirem como

casamenteiras, intercederem na obtenção de uma colocação de trabalho, pedirem o alívio

da aplicação de alguma pena. Enfim, uma faceta da vida que facilmente escapa dos

registros em fontes documentais.

Essa situação de desequilíbrio de condição social entre padrinhos e madrinhas das

crianças foi observada também por Solveig Fagerlund (2000), que analisou os compadrios

de Helsingborg, na Suécia, no período de 1688-1709, uma localidade na qual o predomínio

religioso era do luteranismo, o qual guarda diferenças importantes principalmente quanto à


356

importância do batismo. Sendo considerado menos importante que a confirmação, ainda

assim era uma cerimônia importante na vida as comunidade cristã. A constatação do autor,

é semelhante a constatação aqui feita para a Vila do Rio Grande e exemplificada no grupo

facilmente identificável como oriundo dos Açores. Segundo Fagerlund, as mulheres

desempenhavam papel importante na rede de relações de compadrio, nas quais os

padrinhos e madrinhas sempre eram buscadas entre famílias de mesmo estatuto social dos

pais das crianças ou estatuto superior, jamais inferior. As mulheres casadas oriundas de

estratos sociais superiores eram privilegiadas na escolha para madrinhas ao passo que os

homens casados de situação semelhante à da família dos batizandos eram privilegiados

para padrinhos. Não necessariamente situados em grupos de atividades profissionais,

ofícios ou companheiros de armas, mas também voltados para dentro das famílias. As

mulheres casadas de alto estatuto social eram, portanto, as mais visadas para o

estabelecimento de relações ditas verticais através do compadrio, ao passo que os homens

casados de mesmo estatuto social eram os mais visados para estabelecimento de relações

do tipo horizontais ao contrair o laço do compadrio. Um dos pontos de contato entre as

famílias de estatuto social distinto era feito, então, nessa localidade sueca, através das

mulheres das famílias de posses, em detrimento de seus maridos.

Observando então, a grande disparidade na escolha das madrinhas e padrinhos nas

família aqui colocadas para estudo, percebe-se que, na Vila o Rio Grande, as relações do

compadrio masculino, então, serviriam para reiterar alianças de companheirismo e

solidariedade oriundos da profissão: a atuação na conduta de tropas, na lavra de um mesmo

campo; de vida em um mesmo mundo, no qual, carentes de tudo, reivindicavam sementes,

rações de alimentos e a terra para viverem em produzirem; de parentesco consangüíneo ou

afim, obtidas em alianças matrimoniais pregressas, que muito provavelmente atravessaram

o oceano em sua bagagem imaterial.


357

Já as relações do compadrio feminino na Vila do Rio Grande, possibilitariam a

ampliação desse círculo de relações para além da família, para além do grupo de origem,

para além dos companheiros de ofício. Através do compadrio feminino era costurada a fina

teia da malha social que englobava todos os setores, por vezes com graves antagonismos

de interesses, como seria de se esperar os existentes entre senhores e escravos, entre

patrões e jornaleiros. Bem provável tenha sido essa malha tecida por Joanas, Marias,

Quitérias e Laureanas a dar coesão ao tecido social e minimizar as tensões internas.

Em Rio Grande, através do compadrio, diferentes setores dentro da fortemente

hierarquizada sociedade lusa desta fronteira se punham em contato e assumiam

compromissos mútuos de respeito e auxílio, sejam lá quais forem os significados que essas

palavras pudessem assumir para cada um desses segmentos sociais. Para os camponeses

migrados podia significar um trabalho, a venda de uma colheita, um teto e um prato de

comida para a criança que ficou órfã. Para as famílias mais aquinhoadas, a formação de

uma base de sustentação à sua posição dentro da sociedade, já que não basta estar no topo:

é preciso manter-se lá. O número de pessoas entre as crianças e compadres que lhes

deviam respeito na parcela oriunda dos Açores nessa localidade fala bem alto acerca de

quão abrangente podia ser a área de sua influência.

Não é exagerado lembrar novamente que compadrio assim como o que se passa

entre padrinho e afilhado são relações e, portanto têm de funcionar em mão-dupla. Dando-

se entre iguais, tendem à solidariedade. Entretanto, se entre desiguais, os bens trocados

nessa relação, e principalmente sendo bens não materiais na maioria das vezes, fazem com

que se criem relações de dependência mútua, com dívidas que nunca serão saldadas.

Mais ainda porque a há a tendência de serem os compadres pertencentes a grupos

com estatuto social superior ao de seus afilhados e também não é exagerado lembrar que o

topo da pirâmide social em sociedades hierarquizadas sempre é muito mais afilado que sua
358

base, essa alargada. Os que na sociedade riograndina não obtiveram tiveram o acesso

restrito a recursos e benesses era bem mais numeroso que os setores que por meios

diversos obtiveram e mantiveram privilégios, largas porções de terras, altas patentes

militares, cargos e ofícios régios, contratos para a distribuição de municio de tropas, dos

açougues do fisco sobre a passagem das tropas, etc. Se o compadrio funcionava como

instituição da Igreja Católica se manteve por tanto tempo e, dessa forma, foi tecendo

alianças entre setores desiguais na sociedade, deveria ter algo de benéfico a ambos. Não

seria tão longevo se permanentemente existisse grande prejuízo para o mesmo setor.

Para o setor situado nas camadas mais baixas da sociedade, não faltam as

afirmativas extraídas das próprias obrigações estabelecidas pelo sacramento do batismo:

contrapartida dada como proteção, educação religiosa e moral e mais cuidados para com o

afilhado. Para o grupo das famílias que apadrinhavam e mais ainda para essas que

apadrinhavam em quantidade, a contrapartida percebe-se com formação de um séqüito de

compadres apoiadores, que reconhecem nele qualidades suficientes para entregar-lhes a

salvação de seus filhos, no princípio a salvação religiosa, mas, muitas vezes, a salvação

física, com a cedência de mantimentos, roupas, com a introdução em outras redes de

relacionamentos através da indicação dos padrinhos e madrinhas mais bem situados.

Muitas famílias que, ligadas a eles por laços sacramentados, lhes deviam, no mínimo,

respeito. As relações subjacentes ao batismo foram tão fortes e tiveram permanência ao

longo do tempo de forma que, ainda hoje, passados mais de dois séculos do período sob

estudo, é de uso popular dizer que alguém que foi favorecido em uma disputa no mercado

de trabalho é “apadrinhado” de quem decide ou de quem é próximo a quem decide. Havia

então, a esse tempo, um mercado de influências cuja moeda não cabia em cofres ou no

bolso de quem detinha a fortuna. Mas ao que tudo indica, a “contabilidade” aproximada
359

dessa fortuna poderia ser feita através do que está registrado nos livros de batismo da

igreja.

Conforme Barrington Moore, (1988), não basta chegar ao topo da pirâmide social

para que uma família seja parte da elite ad infinitum. Moore afirma que tão difícil quanto

escalar os degraus da hierarquia social e chegar ao topo era manter-se nele. Nome,

propriedades, riqueza, prestigio em um dado momento nunca eram, por si só, suficientes

para a permanência de pessoas e famílias como membros da elite para pouco além de um

átimo da vida da coletividade, para além dos quinze minutos de fama como disse certa feita

Andy Whorroll. Há a constante necessidade de reiteração das qualidades que os alçaram a

tais posições e de reinvenção dos mecanismos que as sustentam (Moore, 1988).

Há que engendrar formas de manter-se lá. Há a necessidade de inventar e

reinventar modos de angariar aqueles quesitos que faziam com que alguns se destacassem

do corpo da sociedade, mostrando distinção e que detinham qualidades que os outros não

possuíam. Uma dessas qualidades, supõe-se aqui, era a de aglutinar gente de distintos

estatutos sociais em torno de si, com um apoio quase que irrestrito, como as obrigações

relativas ao ato do batismo se lhes impunham.

O pressuposto básico da superioridade do espírito sobre a matéria, da alma sobre o

corpo, fazia com que as obrigações recíprocas do compadrio se estendessem para além da

vida terrena. A morte não romperia os compromissos assumidos na pia batismal. Um

padrinho de muitos afilhados era alguém que tinha praticamente o dobro de compadres e

comadres do que tinham de afilhados. Como por vezes ocorria de as mesmas pessoas

servirem de padrinhos a mais de um filho de uma mesma família, esse número é inferior à

exatamente o dobro do número de afilhados. Talvez a alta mortalidade infantil existente à

época viesse a equilibrar novamente essa proporção.


360

Sendo assim, um padrinho de cinco crianças teria, além de aproximadamente dez

compadres, cinco afilhados a tratar-lhes com o devido respeito como fariam a um pai ou

mesmo mais do que deviam a um pai. Por outro lado, os padrinhos seriam a autoridade

externa à família consangüínea que poderia colocar-se de como amortecedor das tensões

entre pai e filho. Poderia levar, em momentos de crise familiar, o afilhado a viver em sua

casa, sem que isso pudesse parecer estranho a quem quer que fosse. Poderia castigar-lhe

fisicamente por desobediências ou pela falta de cumprimento de seus deveres domésticos.

Entretanto, por não se tratar de pessoa diretamente lesada com o mau comportamento, o

faria de modo mais brando, afastado da passionalidade do ofendido. Em benefício do

afilhado, poderia legar-lhe algo em testamento da parte da qual dispunha livremente; não

tendo herdeiros, poderia nomeá-lo como um. Junto com os cinco afilhados, teria

aproximadamente dez adultos, cinco homens e cinco mulheres a nomeá-lo como compadre

– alguém com quem dividiam a responsabilidade de serem pais. Um padrinho de cinco

afilhados teria algo próximo de quinze pessoas sob sua influência, nomeados e registrados

nos livros da igreja como sendo parte de sua família espiritual, aquela que, pela sacralidade

dos laços, era superior em qualidade e intenções à família carnal ou afim.

Assim como se percebe a diversificação de aliados a partir dos laços contraídos

nos compadrios, quando parte deles se direcionam para dentro do grupo de origem

familiar, social ou geográfica e outra parte para setores sociais mais bem posicionados que

o seu, se percebe também a diversificação no que tange às famílias escolhidas como

favoritas ao compadrio dentre essas mais bem posicionadas. Tomando as quatro primeiras

linhas dos dois quadros, excluindo o Padre Manuel da Cruz Gomes pelos motivos

seguintes: não foi encontrada nenhuma referência quanto a ter família no Rio Grande,

ficando então a preferência vinculada a sua condição de padre. Não obstante essa ocupação

que lhe dava ascendência espiritual, moral e ética e muita proficiência na orientação
361

religiosa de seus afilhados, Manuel da Cruz Gomes era um padre que fazia constantemente

“rondas” pelos sítios e fortalezas no entorno dos quais os novos colonos se colocavam.

Assim, mesmo quando os batismos ocorriam na matriz, as famílias que o convidavam,

podiam estar fazendo isso como um deferimento àquele que lhes levava a palavra de Deus

e as missas nos locais distantes ou ermos em que viviam.

Nas linhas superiores de cada quadro, portanto, foram encontradas quatro famílias

concentrando, com distância das outras, as preferências ao compadrio. Isso não significa

que não houvessem outras bem cotadas nessas predileções, mas indica também que não

foram investidas todas as possibilidades de alianças com os principais da Vila em apenas

uma. Havia mais de uma opção. E essa opção era daqueles que convidavam ao compadrio

e não daqueles que eram convidados. Isso acrescenta uma nova dimensão na idéia da

formação dos séqüitos de apoiadores por segmentos sociais que se divisa a partir dos

compadrios dos nativos dos Açores. Todos que nasciam na Vila necessitavam de

padrinhos, mas não necessitavam de padrinhos escolhidos necessariamente nessas famílias

mais bem situadas. Eis que somos levados a uma reflexão com base nos fundamentos da

economia do dom e nos deveres que a dádiva impõe aos que entram nas tramas da

reciprocidade.

III. A subversão da lógica do


dom
O antropólogo Marcel Mauss, em seu estudo sobre a dádiva, chega às três

obrigações do dom: dar, receber e retribuir (Mauss, 1974). Por sua vez, Maurice Godelier

aprofunda a discussão acerca do que chama “a quarta obrigação do dom”, advinda da

reciprocidade entre desiguais. Não apenas entre pessoas de estatuto social desigual mas

também da desigualdade na própria dádiva ofertada. Disso viriam os bens que uma vez

aceitos, jamais poderão ser retribuídos na mesma medida. Ainda segundo este autor, é
362

estabelecida uma relação de desigualdade. Quem recebe a oferta fica em dívida para com

quem a fez, fica obrigado à retribuição (Godelier, 2001: 23).

Dar, parece instaurar assim uma diferença e uma desigualdade


de status entre doador e donatário, desigualdade que em certas
circunstâncias pode se transformar em hierarquia. Se essa já existisse
entre eles, antes do dom, ele virá expressá-la e legitimá-la ao mesmo
tempo. Portanto, dois movimentos opostos estariam contidos em um
único mesmo ato. O dom aproxima os protagonista porque é partilha e os
afasta socialmente porque transforma um deles em devedor do outro.
Pode-se divisar o formidável campo de manobras e de estratégias
possíveis contidos virtualmente na prática do dom e a gama de interesses
opostos a que ele pode servir. O dom é, em sua própria essência, uma
prática ambivalente que une ou pode unir paixões e forças contrárias. Ele
pode ser, ao mesmo tempo ou sucessivamente, ato de generosidade ou ato
de violência, mas nesse caso de uma violência disfarçada de gesto
desinteressado, pois se exerce por meio e sob a forma de partilha.
(Godelier, 2001: 23)

Usualmente, a dádiva parte de quem tem mais para quem tem menos, de quem

está em uma posição privilegiada em direção aquele que menos possui. Segundo António

Manuel Hespanha, era o dom quem cimentava as reações sociais e essas as relações

políticas.

(...) Deste modo, o dom podia acabar por tornar-se um princípio e uma
epifania do Poder. Assim, era freqüente que o prestígio político de uma
pessoa estivesse estreitamente ligado à sua capacidade de dispensar
benefícios, bem como à sua fiabilidade no modo de retribuir os benefícios
recebidos. (...) Usualmente o benefício não possuía uma dimensão
meramente econômica. Daí que fosse difícil definir os limites exatos do
seu montante. Esse caráter incerto do montante da dádiva instituía um
campo indefinido de possibilidades de retribuição. (...) Uma das formas
mais comuns de manifestação desse estado de desequilíbrio é a idéia de
“amizade” (“desigual”, no sentido aristotélico) – que, para o pólo
dominante, (credor), se traduz na disponibilidade de quem dá um
benefício e não exige contrapartida expressa e/ou imediata, e, do lado do
pólo dominado (do devedor), está associada às idéias de “respeito”,
“serviços”, “atenção”, significando a disponibilidade de prestar serviços
futuros e incertos. (Xavier & Hespanha, 1988: 340).

e mais adiante, fala dos termos em que se dá essa “amizade” no sentido aristotélico:

...a amizade desigual é, formalmente, aquela que legitima as relações de


poder entre homens livres. Sob este ponto de vista, a regra será a da
proporção entre a posição social dos dois ‘amigos’, quer no plano das
363

prestações (em que o inferior é obrigado a prestações menos


importantes), quer também, de modo inverso, no plano do amor, (em que
o inferior é obrigado a dar mais que o superior). O modelo de troca é o
mesmo – prestações materiais em troca de submissão política, effectus em
troca de affectus”. (Xavier & Hespanha, 1988: 343).

Muito instigante é pensar a relação de compadrio como agindo na contra-mão

dessa troca de effectus e affectus notada por Xavier & Hespanha, subvertendo a lógica do

dom na sociedade de Antigo Regime. Havendo uma relativa equiparação de posições

sociais entre os compadres, a dádiva inicial poderia ser quitada na mesma moeda. Uma

família convida pessoas de outra família para adentrarem à sua, sob o laço sagrado do

compadrio. A recíproca seria um convite semelhante, quando do nascimento de uma

criança, convidar os já compadres que lhes convidaram para batizar um filho seu. Isso só é

possível em uma situação.

Pelo que foi mostrado anteriormente houve um grupo situado majoritariamente

em camadas subalternas da sociedade oferecendo constantemente seus filhos como via de

acesso às suas famílias e às suas redes de reciprocidade. Nesse caso, assim como no

compadrio de escravos, forros ou índios, tem-se que os compadres que batizaram os filhos

nesses estratos inferiores jamais ou muito excepcionalmente – talvez no caso de uma

parteira que acompanhou o sofrimento e socorreu mãe e criança ao longo do parto ou de

alguém com quem já tivessem alguma dívida moral que só pudesse ser retribuída dessa

maneira – seriam chamados a apadrinhar uma criança de seus compadres bem situados

socialmente. Essa dívida jamais seria quitada, pois o uso e o costume não eram os de

convidar pessoas de estatuto social inferior para batizar as crianças de estrato superior.

Inclusive porque, provavelmente através dessa mesma lógica, pudessem agrilhoar aqueles

que estavam em situação social mais privilegiada ainda nas cadeias do dom e contradom.

Inverteria-se assim não a direção dessa relação, mas o sentido da mesma, partindo de quem

tem menos a oferta inicial e a impossibilidade de retribuição na mesma moeda por parte de
364

quem tem mais. Havendo uma relação assimétrica, dos menos aquinhoados, ver-se á

melhor mais adiante, viria o ato de “generosidade ou violência”, havido sob forma de uma

oferta de cunho religioso.

As nuanças intermediárias entre estatutos sociais claramente visíveis pelos

historiadores eram, antes de mais nada, uma complexa combinação de prestígio, bens e

outros atributos angariados ao longo da existência das pessoas e, de modo geracional, pelas

famílias. Essa complexidade dificilmente pode ser apreendida pelos estudiosos do período,

mas estavam presentes na vida dos habitantes de Rio Grande. Tanto é que, mesmo a

situação de cativeiro, não tornava os escravos iguais uns aos outros. Existiam qualificativos

anotados nos documentos que dão pistas para essa desigualdade de condição. Ser dito “de

nação” ou “crioulo” já distinguia aquele que era um estrangeiro e aquele que tinha raízes

familiares e sociais na América. Acredita-se que a alusão aos proprietários também

acrescentava qualificativos a esses escravos, uma vez que colocava a público pertencer a

uma família que, na ciência dos moradores da localidade possuía certos atributos. Estaria

assim o escravo associado aos qualificadores que cercavam aquela família. Faria diferença

ser escravo de um Capitão de Dragões e escravo de um “homem paisano”.

Tanto fazia diferença que percebem-se em muitos registros batismais dos escravos

da Vila de Rio Grande nos quais os proprietários puderam ser identificados que, em se

tratando de criança nascida no cativeiro, mas dentre a escravaria de uma família

prestigiosa, os padrinhos dessa criança, ainda que escravos, eram pertencentes às famílias

de mesma condição social superior ou de condição social semelhante a de seu proprietário.

Não raro essas crianças filhas de escravos eram batizados por pessoas livres e de estatuto

social bastante elevado, como foi o caso, por exemplo, do menino José, filho de Tomás e

Rosa, escravos de Antônio Simões. O padrinho do menino, um dos tantos Antônio

Rodrigues existentes em Rio Grande, era soldado de Dragões, e a sua madrinha Rita era
365

escrava do Capitão Domingos Martins. Os escravos de Antônio Simões também

participavam de compadrios cujos pais das crianças eram escravos de famílias bem

situadas, como essa mesma escrava Rosa, que foi madrinha da menina Anastácia, filha de

José Congo e Maria Benguela, escravos de Francisco Coelho Osório, capitão-mor do

Distrito de Rio Grande.

Segundo Giovanni Levi, os atributos que acompanhavam uma pessoa eram muitos

e emanavam das distintas facetas da vida familiar e pessoal. A avaliação desses atributos

pelos coevos e autoridades aptas a discernir “quem é quem”, quem eram os seus pares e o

que lhe competia nessa sociedade, tanto em deveres como em direitos (Levi, 2002). A

máxima verificada aos compadrios, de que os padrinhos sempre eram pessoas de estatuto

social igual ou superior vêm a mostrar que, ainda que se faça um “achatamento” das

categorias sociais, discernindo, por exemplo entre livres e escravos, tanto uma categoria

quanto a outra eram bem mais ricas em atributos de seus membros. De tal forma, não basta

ser livre para ser igualado a outro livre. Também não basta ser escravo para igualar-se aos

demais escravos.

Assim como é perceptível no caso dos compadrios dos setores inferiores dessa

sociedade, isso também transparece nas famílias da elite riograndina. Por exemplo, o

padrinho de Manuel Marques de Souza, filho de Maria Quitéria Marques de Souza e de

Antônio Simões, uma das famílias favoritas para o compadrios dos nativos dos Açores, era

Francisco Barreto Pereira Pinto. Ao tempo do batismo de Manuel Marques, Pereira Pinto

tinha a patente de Capitão de Dragões e fora também Sargento-mor da mesma companhia.

Esse homem nasceu por volta de 1708, na freguesia de Lagoalva, Terra da Feira, no

bispado de Coimbra. Seu pai foi Capitão-mor dessa freguesia e comarca do mesmo nome.

Francisco Barreto Pereira Pinto também era um dos homens que vivenciaram o lançamento

das fundações do presídio militar da Vila do Rio Grande, vindo pelo Regimento das Minas
366

Gerais na expedição de José da Silva Pais. De acordo com Maria Luiza Bertulini Queiroz,

Pereira Pinto estaria situado na segunda faixa de maiores proprietários de escravos da

localidade (Queiroz, 1987: p. 98), mesma faixa em que se encontrava Antônio Simões, pai

de Manuel Marques de Souza. Pereira Pinto foi também um dos dois padrinhos – situação

que só ocorreu duas vezes nos registros que foram consultados – de Dom Agostinho,

cacique minuano. O outro padrinho era Diogo Osório Cardoso, governador militar do

Continente do Rio Grande de São Pedro no tempo em que ocorreu esse batismo. No ano de

1763, após a tomada da Vila do Rio Grande pelas tropas espanholas, Pereira Pinto assumiu

o governo interino do Continente do Rio Grande de São Pedro. Na devassa que foi feita

sobre incidente com os espanhóis, foi ele um dos principais acusadores dos atos do seu

antecessor, ditos por ele como sendo atos de covardia do antigo governador (Biblioteca

Riograndense, 1937: p. 19).

Visível, pois, que mesmo a família de Antônio Simões e Maria Quitéria

encontravam em Rio Grande gente situada acima de seu estatuto social para chamar ao

compadrio e induzir a laços eternos de reciprocidade. E se não existia mais gente de

posição superior na localidade, ainda assim podiam, dentro da vastas redes familiares, de

parentesco fictício, de negócios e amizades, buscar alguém que, de longe, se inserisse

nessas cadeias da reciprocidade do compadrio. Isso é ocorreu no compadrio estabelecido

pelo Tenente-coronel de Dragões Tomás Luís Osório. Seu filho Belchior, batizado em Rio

Grande, tinha como padrinhos O “Excelentíssimo Gomes Freire de Andrade”, que a esse

tempo nada mais era do que o Governador do Rio de Janeiro e da Repartição Sul, que o

batizou por procuração. Teve também como a madrinha Dona Ana de Lorena, camareira-

mor da Rainha, que deu procuração ao Capitão-mor Francisco Coelho Osório que o

batizasse em seu nome (ADPRG - Registro batismal de Belchior, filho de Tomás Luís

Osório, 30/09/1752 - 1LBat-RG, 1738-1753).


367

A oferta inicial, o convite ao compadrio era feito, nos casos de assimetria entre os

estatutos sociais dos partícipes, pelos setores que menos tinham a ofertar em termos

materiais, mas que mais tinham em muito termos de parentela ou mesmo de pessoas de sua

mesma condição, pertencentes a seu grupo de relações. Em uma sociedade eminentemente

agropecuária, o número de pequenos agricultores, peões, jornaleiros nas estâncias, deveria

extrapolar em muito o número de capitães nela existentes, em que pese se uma localidade

com um grande contingente militar devido a sua situação de fronteira em risco de invasões.

Entretanto quem ficava obrigado à retribuição da dádiva ao aceitar o convite para o

compadrio, não eram os pequenos agricultores, os peões e mais gente de modestas

condições na Vila. Pelo contrário, quem estava obrigado a uma contra-prestação, sem

exigência de compensação imediata e sem um valor atribuído ao dom inicial, eram

justamente as pessoas mais proeminentes na Vila. Talvez fosse justamente essa “contra-

mão” das obrigações do dom que equilibrava um pouco as relações tão díspares dessa

sociedade fortemente hierarquizada.

Segundo Giovanni Levi:

... essas eram sociedades em que a arte da sobrevivência baseava-se para


muitos, na capacidade de proteger-se contra a ameaça permanente de
flutuações conjunturais e de eventualidades ligadas ao ciclo de vida.
(Levi, 1998: pp. 218-219)

Os setores menos aquinhoados, não-destacados, tornaram-se, através das relações

de compadrio, credores dos setores mais aquinhoados. Esses, para manter e ampliar a sua

base de apoiadores na seqüência de suas vidas ou repassando o prestígio e a ascendência

sobre um grande número de pessoas e famílias, deveriam corresponder às expectativas de

seus compadres. Deveriam ser solidários, prestar auxílio, promover casamentos, arrumar

emprego, educar, punir as falhas de seus afilhados, ajudar inclusive se necessário, com

algum bem material as famílias que investiram neles a sua “fortuna” de alianças. Deveriam
368

dar a proteção necessária aos seus compadres e afilhados, ou seja, suas famílias espirituais.

Não corresponder a essas expectativas poderia significar serem preteridos em novos

convites, reduzindo para tempos futuros o leque de relações e, por conseqüência, a

manutenção e ampliação do leque de relações sociais possíveis de obter com outros setores

sociais que não o seu.

As relações de compadrio poderiam, portanto, agir como meio de regular a

conduta de oficiais da Coroa, militares de altas patentes, administradores, sesmeiros,

criadores e comerciantes de gados. Ainda que não pudesse ser cancelado o compromisso

sagrado assumido anteriormente, de uma hora para outra poderia cessar o afluxo de

convites, fragilizando sua posição não ante aos setores que por interesses próprios lhes

seriam antagônicos, mas muito pior que isso: fragilizavam-nos ante pessoas e famílias que

competiam com eles por terras, cargos, contratos, patentes, mão-de-obra, etc. Sem dúvida,

esse era um poder de barganha muito forte, lançado contra a elite e situado na mão de

gente tão comum. Havia, portanto, uma situação sempre tensa entre os estratos inferiores e

os estratos superiores da sociedade que, no caso dos compadrios, favorecia aos inferiores.

Da aprovação deles dependia a reiteração dos laços sociais que permeavam a sociedade

desde baixo ao alto e deles dependia a reiteração das famílias da elite no tempo, através

dos legados em relações pessoais que podiam deixar aos seus filhos.

Um exemplo da não reiteração do apoio incondicional que o batismo suscita foi

visto por João Fragoso para algumas das famílias de elite do Rio de Janeiro ao século

XVII. As famílias Barbalhos e Lobo Pereira, envolvidas nas disputas de poder intra-elite,

foram derrotados. Juntos, detinham 15% dos compadrios da localidade. Após a conclusão

desses embates políticos, nos anos seguintes, os Barbalhos não batizaram mais, não foram

padrinhos de nenhuma criança e os Lobo Pereira compareceram à pia batismal apenas uma

vez (Fragoso, 2001b: p. 252). Isso indica um redirecionamento do “investimento” em


369

relações sociais das famílias da localidade, alimentando a base social de apoio de outras

parcelas dessa elite. Os compadrios que já existiam não podiam ser retirados, mas não

foram reiterados na forma manifesta de novos convites. A sempre tensa relação entre os

setores que detêm mando e prestígio e os setores subalternos da sociedade são, então,

visíveis nos convites e intenções de compadrio. Os registros batismais desses setores

subalternos são quantitativamente indicadores dessa barganha tácita, assim como a

predileção dos setores privilegiados por padrinhos de estatuto social muito elevado, por

vezes distantes geograficamente, também são mostras da qualidade dos compadrios que

eram buscados por todos: gente de posição social mais elevada que era atraída para dentro

da família pelo parentesco espiritual e era amarrada a ela pelas obrigações do dom, ou os

deveres antidorais, como quer Bartolomé Clavero (Clavero, 1991).

IV. Tentando entender os


padrinhos infantes

Retornando ao assunto esboçado ao início, acerca dos padrinhos e madrinhas de

tenra idade, comentam-se sobre o debut e posterior carreira à pia batismal de algumas

crianças.

Feliciano Antônio Marques, filho de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio

Simões, foi batizado em no dia 3 de junho de 1748 (ADPRG- 1LBat-RG,1738-1753 -

Registro batismal de Feliciano, filho de Antônio Simões, 03/06/1748). Seu primeiro

comparecimento à pia batismal como padrinho foi para batizar o menino Joaquim, “filho

natural de Joana de nação Mina preta escrava do Capitão Antônio Pinto da Costa” e a

madrinha foi sua irmã Maria Marques. A cerimônia deu-se no dia 18 de maio de 1756

(ADPRG, 2LBat-RG, 1753-1757 - Registro Batismal de Joaquim, filho de Maria,

18/05/1756 -), quando Feliciano tinha, seis anos, prestes a completar sete e sair da “idade
370

da inocência”. Maria Marques foi batizada no dia 11 de março de 1752 (ADPRG- 1LBat-

RG, 1738-1753, Registro Batismal de Maria, filha de Antônio Simões, 11/05/1752), tinha

três anos de idade - quatro incompletos – quando do seu debut como madrinha. Nenhum

dos dois irmãos respondiam por seus atos, mas foram convocados para fiadores de Joaquim

ante Deus e a comunidade cristã de Rio Grande. Feliciano foi padrinho em Rio Grande por

mais duas vezes, nos anos seguintes de 1757 e 1758.

A menina Joaquina Marques de Souza foi batizada em 25 de julho de 1750

(ADPRG- 1LBat-RG, 1738-1753 - Registro batismal de Joaquina, filha de Antônio

Simões, 25/07/1750) e iniciou sua carreira de madrinha no dia 26 de janeiro de 1757, com

sete anos incompletos, batizando o menino Joaquim. Seu par à pia foi seu irmão mais

velho, Manuel Marques de Souza (ADPRG- 1LBat-RG, 1753-1757 - Registro Batismal de

Joaquim, filho de Mateus Marques, 26/01/1757). Os pais do menino eram livres e naturais

dos Açores. A despeito do sobrenome do pai, não parecem guardar parentesco com os

Marques de Souza. O nome da criança foi escolhido provavelmente em homenagem à

madrinha, estreitando ainda mais os laços que ambos contraíam à pia batismal. No futuro,

conviveriam no espaço da Vila Joaquina Marques e seu afilhado Joaquim Marques, se esse

fosse o sobrenome escolhido para portar. Joaquina foi madrinha mais sete vezes além

desta, sendo o último registro batismal que cita seu nome nessa localidade, antes da

invasão espanhola, datado de 26 de janeiro de 1762, ano em que poderia começar a

iniciação de crianças no mundo cristão de acordo com as Constituções Primeiras do

Arcebispado da Bahia. Sua participação como madrinha em batizados teve continuidade na

freguesia de Viamão, para onde as mulheres e crianças da família dirigiram-se quando da

invasão da Vila do Rio Grande.


371

De outra família, temos a menina ou moça Laureana de Santo Antônio1. Essa

sempre dita solteira, batizou muitas crianças, não apenas entre os filhos dos ilhéus mas

também em outros estratos sociais, como por exemplo, a vezes em que foi madrinha uma

criança filha de uma escrava de seu próprio pai. Por um deslize do pároco que registrou o

batismo equivocadamente no livro de registros dos livres, para depois proceder a

transferência do assento para o livro dos escravos, que está desaparecido, tornou-se

possível saber que Manuel da Costa de Carvalho possuía escravos, já que nenhum outro

documento visto até o presente acusa este fato (ADPRG - 4LBat-RG - Registro de Inácio,

filho de Teodora - 09/10/1760, 1759-1763).

Laureana Maria de Santo Antônio é um caso interessante de “hereditariedade” da

preferência ao compadrio para uma de suas filhas espirituais. De certo modo, já era

“herdeira” das qualidades que seu pai e sua mãe possuíam aos olhos dos ilhéus povoadores

de Rio Grande, haja vista o grande número de compadrios, tanto dele quanto dela,

estabelecidos com gente desse segmento social. Dentre as afilhadas de Laureana Maria

encontramos a menina também chamada Laureana, filha de José da Silveira de Andrade e

Maria Silveira, ambos naturais da Ilha do Faial. O padrinho foi seu pai, Manuel da Costa

de Carvalho (ADPRG - 1LBat-RG, 1753-1757- Registro batismal de Laureana, filha de

José da Silveira de Andrade, 08/06/1755).

Após a invasão castelhana, Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio

se transferiram para o Estreito e podem ser vistos atuando em batismos por um curto lapso

de tempo. De sua filha Laureana perdeu-se o rastro. Pode ter morrido com a invasão, pode

ter casado e mudado para longe. Em Viamão tampouco soube-se dela. A menina Laureana,

1
Laureana Maria, nos livros de registros batismais de Rio Grande foi dita também Laureana Maria
do Espírito Santo, Laureana Maria de São José, Laureana Maria de Santa Rosa e Laureana Maria e Jesus. Em
todos estes casos têm-se a certeza de tratar-se da mesma moça, dada a recorrência de padrinhos com quem
forma par e/ou ou a referência expressa a seus pais. As diferenças nos modos com que era chamada podem
acusar ou a sua pouca idade ou a indefinição acerca de qual nome portaria para o restante da vida.
372

afilhada de Laureana Maria, fez sua estréia como madrinha portando o nome de Laureana

de Jesus no dia 23 de dezembro de 1770, com dez anos então, batizando mais algumas

crianças nos anos seguintes.

Eis que, a pergunta que não quer calar: por que essas famílias, geralmente bem

posicionadas na sociedade local expunham seus filhos desde a tenra idade assumindo um

dos compromissos mais sérios que um cristão poderia ter ante Deus e ante a cristandade?

Uma das respostas possíveis é que, cientes da necessidade de reafirmação de seu prestígio

e posição nessa sociedade, tinham intenções de reiteração destes ao longo do tempo. A

constatação de que as pessoas não vivem para sempre e que é dever dos pais construir

legado para os seus filhos também são pertinentes. A noção de que essas relações, apesar

de serem nominais, pessoais, eram direcionadas a famílias específicas e não a apenas um

de seus membros vem a reforçar esta idéia.

Algumas vezes, o primeiro afilhado de uma criança de pouca idade era um

escravo da família, fosse dos pais do padrinho, fosse dos cunhados ou tios. Nesses casos,

parece ser intencional fazer a inauguração da carreira de padrinhos, mesmo que o convite

não venha de um outro núcleo familiar, como que alertando que a família já estava

disponibilizando-o ao compadrio. Também soam comuns os filhados dos núcleos

familiares vindos dos Açores. Esses eram “estrangeiros”, na localidade, chegados depois

de transcorrida mais de uma década desde a fundação do povoado e buscando vínculos

com as famílias que já viviam lá há mais tempo. Como raramente se pode conferir as

idades que muitas dessas crianças tinham ou com quantos anos iniciaram como padrinhos e

madrinhas, qualquer quantificação nesse momento, devido à forma de coleta e a

metodologia com que foram trabalhados esses dados, seria inconseqüente. Entretanto, tem

o mérito de apontar para uma questão a ser pesquisada futuramente: a origem social e

geográfica desses pequenos padrinhos e madrinhas. O que pode ser feito aqui, apenas, é
373

colocar à discussão alguns dos casos que puderam ser identificados e que podem ser dados

como exemplo.

Pode-se pensar, a partir dessas recorrências, que os filhos mais velhos e as filhas

mulheres eram os “herdeiros” da popularidade dos pais à pia batismal. Tudo dá mostras de

que a família estava formando um patrimônio em relações sociais e legando aos seus

filhos, numa clara estratégia de lançar estas alianças ao futuro da família. Estavam, de

certo modo, gerando um pecúlio imaterial que servia como um dote que não podia ser

descrito e quantificado nos inventários que restaram desse período. Muriel Nazzari em seu

extenso estudo sobre o dote em São Paulo, usou os inventários como fonte principal.

Conclui por uma decadência dessa prática que já dava algumas de suas mostras ao século

XVIII e que culminou com o seu desaparecimento na primeira metade do século XX

(Nazzari, 1991). Essa autora vê, na dotação das noivas, a parte material do pacto de

alianças inter-famílias que concretizava ao matrimônio, sendo o dote uma transferência de

bens da família da noiva ao novo casal.

João Fragoso, ao estudar as famílias de elite do Rio de Janeiro percebeu que as

escrituras de dotes ainda que fossem pouco menos de dez por cento do total de 110

escrituras vistas para o período, representavam um terço do valor registrado nessa sorte de

documentos. Ou seja, um terço dos valores movimentados nessa sociedade não era feito

através do mercado de compra e venda e sim através de acordos entre as famílias. Conclui

este autor:

...as pessoas que fizeram tais escrituras criaram a imagem de um mercado


definitivamente marcado não somente pela oferta e procura, mas também
por outras relações sociais (Fragoso, 2001a: pp. 61-62)

Fábio Kühn (2003), ao analisar a prática do dote entre as famílias sulinas, percebe

que algumas famílias não mais dotavam suas filhas e que a colação dos bens nos

inventários, ou seja, o retorno do montante do dote ao monte-mor para a posterior divisão


374

dos bens entre os herdeiros, tornou-se comum naquelas famílias em que o dote havia sido

dado quando do casamento das moças, reforçando a idéia que também é colocada por

Sílvia Brügger em sua tese, que o dote antes de ser um presente, era um adiantamento da

herança à moça que se casava (Brügger, 2002: pp. 201-202).

Mas o aspecto que aqui se levanta, da imaterialidade de certos bens que eram

repassados no interior das famílias, não é e nem pode ser dimensionado com essa sorte de

fontes. Se a dotação em forma de bens materiais, fossem eles em bens móveis ou de raiz

apareceria na colação dos inventários e nas próprias escrituras de dote. Mas não é nessa

sorte de documentação que serão encontradas aquelas relações sociais que, segundo

Fragoso, também marcavam o mercado dito imperfeito, no qual há valores e bens que não

passam por ele. Nisso concordam Brügger e Kühn.

As posses dessas famílias, devido às migrações que tiveram como motor as

instabilidades da diplomacia ibérica refletida em guerras de fronteira, possivelmente foram

perdidas e refeitas, algumas por mais de uma vez. Mas a rede de alianças que teceram ao

tornarem-se compadres de outros moradores – e nesse caso tanto faz se na Colônia do

Sacramento ou na Vila do Rio Grande – estavam feitas para todo o sempre.

Durante as migrações e as reinstalações dos núcleos familiares em novas

localidades, os compadres, a verdadeira fortuna em relacionamentos humanos e espirituais

movia-se junto com os migrantes. Junto com eles, as obrigações mútuas relativas à

economia do dom. Ao que tudo indica, os livros dos registros batismais, assim como os

registros de matrimônios, que para este estudo não foram analisados de forma intensiva,

guardam registro desse patrimônio imaterial no momento de sua formação. Ao ato do

batismo de uma criança seriam sacralizadas certas relações que, a despeito de um possível

ganho imediato sob forma de presentes ao afilhado, eram carregadas para o restante da

vida e para além dela. Dessa forma, mesmo laços mundanos como as sociedades aos
375

negócios ou fazer parte de um mesmo corpo militar, reiteravam-se no ato do batismo

recebendo a bênção da Igreja.

Os filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria que nasceram em Rio Grande

começaram a batizar em Rio Grande fora da idade determinada pelas Constituições

Primeiras, havendo também possibilidade de terem sido realizados outros batismos

Colônia do Sacramento, mesmo antes destes.

Manuel Marques de Souza estreou com dez anos de idade e seu primeiro afilhado

era filho de um casal das Ilhas. A segunda criança que batizou, também filha de ilhéus, foi

a estréia de sua irmã, Escolástica, como madrinha em Rio Grande, aos nove anos de idade.

No ano de 1756, Manuel Marques de Souza fez par à pia batismal com sua sobrinha, Rosa

Maria Séria natural de Rio Grande e filha de sua irmã mais velha, Teodósia, nascida na

Colônia do Sacramento. A menina Rosa tinha nove anos de idade e sua primeira afilhada

em Rio Grande era filha de uma escrava de seu pai, Antônio Pinto da Costa. Feliciano

Antônio Marques e Maria Marques começaram a batizar, respectivamente, aos sete e

quatro anos incompletos, quando fizeram par à pia batismal para o batismos de um menino

chamado Joaquim, também filho de uma escrava de Antônio Pinto da Costa. Joaquina

Marques foi madrinha pela primeira vez quando tinha seis anos de idade, seu par também

foi Manuel Marques de Souza e a criança batizada, Joaquim, era filha de ilhéus. A

recorrência de crianças apadrinhando outras crianças nessa e em outras famílias chamou a

atenção.

A um outro núcleo familiar, encabeçado pelo casal Domingos de Lima Veiga e

Gertrudes Pais de Araújo, estende-se essa análise. Domingos de Lima Veiga, nascido no

Bispado do Porto, em Portugal, acumulou diversos ofícios e patentes na Vila do Rio

Grande. Foi Sargento e, posteriormente, Capitão da Ordenança e foi situado por Queiroz na

terceira faixa de proprietários de escravos da Vila (Queiroz, 1987: p. 100). Sua esposa,
376

Gertrudes Pais de Araújo era sorocabana, descendente das famílias paulistas já

tradicionais. Os nomes da filha deste casal que foi madrinhas em Rio Grande aparecem

com grandes variações nos registros batismais de Rio Grande, talvez denotando, como já

foi dito anteriormente, uma certa indefinição na juventude acerca de qual deles seria

adotado para o restante de suas vidas. Não se exclui a possibilidade de haver mais de uma

menina com nome semelhante, fato comum a este período e por vezes impossível de dar a

perceber.

Após a evasão para Rio Grande, transferiram-se para Viamão, onde tiveram mais

filhos e de onde novamente migraram, dessa vez para Porto Alegre, acompanhando

também o deslocamento da única Câmara de Veradores que existiu no Continente do Rio

Grande de São Pedro ao longo do século XVIII.

Este núcleo não se encontra entre as que estão no topo dos quadros apresentados

acima, mas que, ainda assim, possuem um considerável número de afilhados entre os

ilhéus e em outros setores da sociedade. O grande número de membros dessa família

assegurava que, ainda que não houvesse grande concentração em uma única pessoa, os

batismos dispersos por vários deles, eram bastante significativos. Diferente dos outros

quadros, não é a esposa desponta na predileções dos açorianos, mas uma filha e o marido.

De forma semelhante aos outros núcleos familiares citados anteriormente, com a honrosa

exceção de Manuel de Souza Torino e Maria Coelho os compadrios da parcela masculina,

se somados, não ultrapassam os compadrios da parcela feminina.


377

Quadro XXIII - Domingos de Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo


1º último nome posição na comparecimentos
Compadrio compadrio
na na
família à pia
localidade localidade
03/09/1754 02/08/1762 Domingos de Lima Veiga marido 9
03/09/1754 10/07/1757 Gertrudes Pais de Araújo esposa 4
16/06/1750 29/09/1760 Marçal de Lima Veiga* pai 2
14/11/1760 14/11/1760 Narciso de Lima Veiga filho 1
30/09/1755 15/09/1760 Ana Maria Pais/Ana Joaquina filha 16
Total de comparecimentos à pia 32
Faleceu em 02/09/1762, 1LObt-Rg
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG

A quantidade dos compadrios convertida em qualidade dos compadres pode ter

sido um dos fatores que colocavam essas moças e rapazes numa posição privilegiada

quando na idade de casar. Da família de Domingos de Lima Veiga sabe-se ao menos de um

bom casamento. Tanto para os rapazes quanto para as moças que eram padrinhos com certa

popularidade, a quantidade e a qualidade diversificada de seus afilhados e compadres dava

a demonstração sobre quais os setores sociais sobre os quais tinham ascendência, o quão

eram alastradas essas relações e quantas pessoas lhes deviam respeito e deferência.

Não encontrou-se o registro de nascimento de Ana Maria ou Ana Joaquina na Vila

do Rio Grande, sendo possivelmente, natural Sorocaba, onde nasceu casou sua mãe em

1744 (Leme, Título Lemes, 2002) ou qualquer outro lugar que o casal tenha residido, não

se descartando a possibilidade de terem vivido na Colônia do Sacramento. Por

conseqüência, não se tem a menor idéia da idade com que ela começou a batizar crianças

na Vila. Entretanto, a julgar por seu irmão mais novo, Narciso, batizado em Rio Grande em

dez de outubro de 1756, acredita-se que tenha sido mais uma das madrinhas infantes da

localidade. Narciso teve um triste fim, como que uma sina do próprio nome: morreu

afogado em Viamão, em 1764, aos oito anos de idade (AHCMPA - 1748-1777 - 1LObt-

Viamão- Registro do óbito de Narciso, filho de Domingos de Lima Veiga, 21/11/1764,).

Mas nada impediu que antes do nefasto pudesse ter batizado duas crianças na Vila do Rio
378

Grande, a primeira delas aos quatro anos de idade, aumentando a lista dos parentes fictícios

correlatos à família dos Lima Veiga/Paes de Araújo.

A despeito das posses do pai de Ana, que tudo indica não serem poucas, haja vista

ter sido o Almoxarife da Fazenda, cargo que exigia certo cabedal para o seu exercício,

estava sendo formado um outro pecúlio para ela. Assim como as demais famílias aqui

citadas, esse núcleo familiar não possuía compadres apenas entre os ilhéus, fazendo parte

do circuito de relações por eles formadas ao batismo de crianças, filhos de gente de

estatuto social semelhante ao seu – sesmeiros, militares, oficiais da Coroa, comerciantes de

tropas, contratadores – além de escravos, forros, pardos, índios, camponeses, peões,

soldados de baixa patente. Como as outras famílias que eram preferidas ao compadrio em

Rio Grande, havia uma diversificação de origem sócio-econômica e geográfica entre os

seus compadres. Ao que tudo indica, essa diversificação podia demonstrar ou construir um

referencial de inserção na sociedade, não apenas na camada social de onde eram

originários, mas na capacidade de cativar – aqui usando os dois sentidos da palavra,

seduzir ou angariar simpatia, como no de tornar escravo, tornar preso moralmente e estar

obrigado a algo – pessoas de outra situação que não a sua.

Ana, por sua vez, casou-se com o também popular padrinho Manuel Marques de

Souza, filho de Antônio Simões e Maria Quitéria. Somente entre os ilhéus que tiveram

filhos batizados em Rio Grande, eles amealharam um dote em relações pessoais

sacramentadas pelo batismo o montante mínimo vinte e nove afilhados. Em compadres

ilhéus, talvez um pouco menos que o dobro disso, pois pode ter havido núcleos familiares

que os convidaram mais de uma vez. Teriam, portanto, somente entre compadres e

afilhados com origem nos Açores, algo em torno de oitenta pessoas, ligadas a eles de modo

sagrado e direto. Parece ser isso uma fortuna bastante sólida para um jovem casal que

inicia a vida.
379

Havendo documentos suficientes, ao historiador é dada a possibilidade de uma

visão do “futuro” dos protagonistas que fazem parte do seu objeto de estudo. Devido às

características muito chamativas desse casal que se formou na Vila do Rio Grande, não foi

possível resistir uma escapadela ao “futuro”, para ver da descendência deste casal, para

tentar saber se as estratégias montadas por suas famílias que era visíveis aos registros

batismais foram ou não bem sucedidas. Extrapolando, então, o recorte cronológico desse

estudo, verificou-se que o filho homônimo de Manuel Marques de Souza, assim como seu

pai, também teve carreira militar, sendo, assim como seu pai, guerreiro em lutas contra

espanhóis. Obteve a patente de Tenente General e exerceu o governo interino do Rio

Grande do Sul como Presidente do Triunvirato nos entre setembro de 1820 e agosto de

1821. O neto de Manuel Marques de Souza e da então chamada Dona Ana Maria (ou Ana

Joaquina) também guerreiro experimentado em lutas de fronteira, atuou na Guerra da

Cisplatina, na Guerra dos Farrapos ao lado das tropas legalistas, foi herói da Guerra do

Paraguai, entre outros feitos – podendo haver um outro homônimo em descendência direta

do qual não se encontrou referência. Esses feitos pessoais seus e os serviços de sua família

lhe renderam título de nobreza, sendo agraciado como Visconde e posteriormente Conde

de Porto Alegre.

As bem sucedidas estratégias familiares e sociais dos Marques de Souza suscitam

a continuidade desse estudo, aí sim, perseguindo ao longo do tempo tanto sua descendência

quanto sua ascendência, escrutinando suas práticas matrimoniais que incluem o casamento

endogâmico, que incluem alianças com diversos setores da sociedade, visíveis através do

compadrio e que inclui a experiência geracional em guerras intestinas e contra o

estrangeiro. Uma estirpe de guerreiros especializados em guerras de fronteira formou-se ao

sul. Desse seu conhecimento, especialização e vivência de fronteira veio o reconhecimento

e a retribuição sob forma de mercês.


380

Em trabalho anterior (Hameister, 2002: p. 203), foi dito que a guerra só tem como

frutos a morte e a destruição. Entretanto, acompanhando o processo de estabelecimento de

famílias povoadoras na fronteira sul do Império português, assinala-se aqui o grande erro

contido nessa afirmativa. Corrige-se agora o equívoco anterior: a guerra, deletéria em sua

essência, também trouxe benefícios para a sociedade sulina. As guerras, nessa fronteira

meridional, contribuíram para o estabelecimento das hierarquias e para a sua manutenção.

A hierarquia, muito dela emanente das atividades bélicas, dava forma a sociedade lusa que

se formou ao sul fazendo com que o caos oriundo de uma possível igualação de posições

dentro dela não corresse o menor risco de acontecer. Por mais paradoxal que possa parecer,

a guerra teve seus efeitos positivos na medida em que trouxe mais uma forma de

organização para a sociedade que, sem essas hierarquias tenderia ao tão amedrontador caos

social.

A sempre presente ameaça de invasões e conflitos fazia com que toda a sociedade

muito necessitasse de quem houvesse de fazer sua defesa. As famílias que investiram

forças e membros nessas carreiras, fossem as famílias de elite, fossem as pertencentes a

outros setores da sociedade, estavam entre os agraciados privilegiados pelas mercês de Sua

Majestade, sempre recebendo o justo: aquilo que era proporcional aos seus serviços e à sua

qualidade, de acordo com o discutido por Levi (2002). Isso contribuía, inclusive, para o

estabelecimento de qualidades diferenciadas dentro de estratos sociais semelhantes. Havia

peões, escravos, pardos, forros, índios minuano, índios tape, índios del-rei que foram à

guerra e os que não foram. Isso aumentava a complexidade dessas escalas da

hierarquização social de fronteira ao mesmo tempo em que gerava distinções internas aos

muitos setores, avaliáveis e perceptíveis pelas autoridades morais e legais de seu próprio

tempo. Contribuía para que escravos, pardos, livre, forros, e gente de “nação”

apresentassem diferenças internas dentro dessas mesmas categorias, podendo, inclusive,


381

gerar “elites” dentro desses mesmos setores: escravos com ascendência social e política

sobre outros escravos ou um “rei dos pardos” entre aqueles que eram classificados e

qualificados como pardos.

Estirpes de guerreiros se fundaram e se firmaram na defesa dos territórios de sua

Majestade, permitindo um aprendizado nessas funções militares que eram ao mesmo tempo

familiares e geracionais. Os descendentes de Francisco de Brito Peixoto que se firmaram

ao sul foram partícipes da conquista e defesa dos territórios lusos contra os ataques dos

espanhóis. Lutaram na Colônia do Sacramento, lutaram pela manutenção do Rio Grande

sob a égide da Coroa portuguesa – Francisco e seu filho, Rafael Pinto Bandeira

acumularam fortunas significativas em uma terra em que o normal era nada ou quase nada

ter de sólido (Silva, 1999; Gil, 2003).

Os descendentes de Antônio Simões e Maria Quitéria fizeram construíram seu

nome e sua carreira em meio às guerras. A hereditariedade nas carreiras militares e o

repasse dos nomes dentro dessas famílias, muito bem exemplificado no caso dos três –

talvez quatro – militares Manuel Marques de Souza que, em descendência direta, fizeram

com que o nome e os atos – partes intangíveis de suas trajetórias – se perpetuassem e se

engrandecessem ao longo das três gerações nascidas na América. Com isso chegaram à

obtenção de título nobiliárquico a uma família que teria, quando muito, uma pequena

fidalguia desde quando deixou o Trás-os-Montes, arrolados como “gente que só entende de

agricultura”. Na península, provavelmente isso seria impensável para essas famílias. O

contexto de fronteira e de guerras, ao mesmo tempo que primava pelo estabelecimento de

hierarquias sociais nessa sociedade que tinha nessa hierarquização um de seus pilares,

permitia uma mobilidade bastante acentuada, quer para os setores situados mais acima na

escala social, quer para aqueles menos favorecidos pela sorte ou pelo nascimento.
382

V. Os destinos diferentes

Ainda ficou no ar a questão: e os açorianos credores do dom feito inicialmente e

que deram inicio a esta discussão, o que receberam nessa toca de bens não mensuráveis? A

resposta a essa pergunta também é difícil, pois trata-se desse patrimônio imaterial e das

trocas imateriais que praticamente não são passíveis de mensurar e raras vezes são

perceptíveis aos olhos. O recurso da analogia e o apoio teórico conferem suporte ao tentar

suprir o que a documentação não diz com aquilo que se percebeu como sendo práticas

sociais e religiosas do período. Permitem, ainda assim, dizer algo dessas relações e dos

bens trocados.

Das famílias que mais receberam o “investimento” em convites ao compadrio,

nem todas foi encontrada a seqüência de suas vidas cuja “normalidade” – se é que esse

termo pode ser aplicado a um breve período de paz em uma localidade na qual até mesmo

sua fundação foi fruto da guerra – foi interrompida pela tomada da Vila promovida pelos

espanhóis. De Manuel de Souza Torino e Maria Coelho nada mais se soube. Talvez

estivessem entre os mortos na invasão, podem ter sido levados para San Carlos de

Maldonado pelos invasores como podem ter migrado para qualquer outra localidade do

Império luso. Um de seus filhos transferiu-se para o Estreito, onde foram batizados e

crismados filhos seus sem, no entanto, comparecer como padrinho a nenhuma cerimônia.

Bem mais adiante, foram percebidos com alguma atividade junto aos ritos batismais em

Viamão, ainda que sem a expressão que tiveram em Rio Grande. Era um outro contexto,

havia tantos mais habitantes que já viviam lá. Jamais recobraram a predileção ao

compadrio que tinham antes, talvez por já estarem envelhecidos, talvez porque Torino foi

um dos que fugiu da Vila aos primeiros sinais da invasão, não ficando para o

enfrentamento nem para a proteção das demais famílias. Bem provável não tenha

conseguido, em um momento que testou ao limite a capacidade de zelo e proteção às


383

famílias espirituais formadas anteriormente. Talvez não tenha sido, em momento extremo,

o padrinho e compadre que todos esperavam.

Da família de Manuel Gonçalves de Carvalho, de quem já foi falado um pouco,

quedam dúvidas que poderão ser diminuídas ou eliminadas com o exame dos registros

eclesiásticos de San Carlos de Maldonado, já que Moacyr Domingues cita pessoas com o

nome dos membros dessa família sem que os dados que os circunstanciam possam refutar

ou afirmar peremptoriamente uma identificação. Manuel Gonçalves de Carvalho e Inês de

Santo Antônio passaram para a localidade do Estreito, que recebeu fugitivos da Invasão e

para onde o pároco de Rio Grande, Manuel Francisco da Silva, deu continuidade ao seu

trabalho de pastor desse rebanho. Ambos desaparecem subitamente dos registros sem que

tenham sido localizados na freguesia de Viamão e Laureana não aparece em nenhum outro

registro, quer em Viamão, quer no Estreito, ficando, então a continuidade do estudo dessa

família aguardando ocasião e documentação que permitam a continuidade.

Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação transferiram-se para a

jurisdição de Viamão, também não tendo expressão maior na vida da freguesia, fosse em

cargo da Câmara, fosse em algum ofício. Muito provavelmente as perdas de gados e terras

para uma família que concentrava suas atividades quase que exclusivamente na criação de

animais e seu comércio não pode ser revertida, principalmente por já estar a família Pinto

Bandeira e mais descendentes de Francisco de Brito Peixoto, que atuavam nesse mesmo

comércio já estabelecidos há décadas na localidade, deixando pouco espaço para a

reinstalação dos que fugiram de Rio Grande. Dos filhos de Lucas Fernandes, um ordenou-

se padre. O outro casado, viveu em Viamão. Com o peso da idade já se fazendo sentir,

tampouco Lucas Fernandes da Costa atuou nas campanhas de defesa do Rio Grande, vindo

a falecer em 1776, por volta dos noventa anos de idade (ADPRG, 1LObt-Viamão, 1748-

1777 - Registro do Óbito de Lucas Fernandes, 20/04/1776 ). Provavelmente a falta de


384

disposição e de condições de atuarem na defesa do território e dos seus moradores, como

possivelmente ocorreu com Manuel de Souza Torino e sua mulher Maria Coelho, foi fator

decisivo para a decadência dessa nas preferências batismais na década de 1770. Nessa

década, Lucas Fernandes e Joana Maria compareceram apenas uma vez à pia batismal e

seu filho, Joaquim Manuel da Trindade não foi padrinho sequer uma vez. A família de

Lucas Fernandes não foi capaz de dar a proteção e amparo aos compadres nos momentos

de maior dificuldade pelos quais passaram os habitantes de Rio Grande. A dádiva não foi

retribuída e tampouco reiterados os laços que vinham sendo firmados e reafirmados na

Vila do Rio Grande.

Das cinco famílias aqui analisadas, duas tiveram consecução. Curiosamente, essas

duas famílias uniram-se através do matrimônio de Manuel Marques de Souza e Ana de

Lima. Isso trás à discussão a questão da racionalidade limitada, posta em ação em situação

de recursos também limitados e cujo resultado também é limitado “por um horizonte de

constante incerteza” (Lima Fo, 1999: pp. 259-260). Os grilhões da dádiva que partiam dos

açorianos nessa localidade foram concentrados nessas cinco famílias, entretanto, os

embates entre lusos e espanhóis nessa fronteira não lhes dava segurança nenhuma quanto

aos resultados. Nem a eles, nem às cinco famílias de padrinhos de muitos afilhados, na

expressão de Sílivia Brügger (2002: pp. 351 e ss.). Entretanto, essas duas famílias que

“vingaram”, continuaram a batizar filhos e netos de açorianos no Estreito e em Viamão,

dando a entender que de alguma forma conseguiam cumprir com o que deles era esperado,

ainda que na maioria das vezes escape à apreensão do pesquisador o que se esperava de

padrinhos ou famílias de padrinhos que muito batizaram.

Somando-se a essa evidente e bem sucedida trajetória dos Marques de

Souza/Lima Veiga, há interessante querela dois nativos dos Açores, um deles compadre de

Domingos de Lima Veiga e arbitrado pelo próprio. Essa querela entre dois nativos dos
385

Açores, um com patentes, sesmarias de terras, contratos de fornecimento de carnes, criação

de gados e cargo na Câmara e outro com poucas distinções.

VI. O que ganharam com isso os credores


do dom primeiro? Um caso revelador da
dádiva e da subversão de sua lógica

Eis que no ano de 1778, André Pereira Maciel, natural das Ilhas, casado com uma

filha de nativo das Ilhas, entrou com um requerimento pedindo confirmação da posse de

umas terras havidas por dote de seu já defunto sogro, Francisco da Fonseca Quintanilha, de

alcunha Francisquinho. Argumentava estar de posse das terras por mais de dez anos,bem

como de um retalho de terra em uma várzea que sobejara quando da divisão da Estância de

Itapuã. Essas terras antigamente pertencentes ao Capitão Domingos Gomes Ribeiro, foram

desapropriadas para o assentamento dos Casais de Sua Majestade em datas de terra que

deveriam ter um quarto de légua em quadra ou tamanho menor se houvesse a concordância

do pretendente a elas. A terra foi dada a Quintanilha e o retalho de terras, na alegação do

mesmo requerente, era insuficientes para alojar mais um casal mas que muito serviriam a

ele, lindeiro de tal retalho. Ambas haviam sido dados por carta de autoridades a esse

requerente primeiro (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002: pp. 554-555).

Não obstante, André Pereira Maciel solicitava a confirmação da posse de ambas

as porções com certa urgência, já que um homem de destacada posição na sociedade

também as pretendia. Dizia ele em seu requerimento:

...que informasse o Capitão do Distrito com o seu parecer, e sendo-lhe


que este apresentando o deu sem informação por conhecer se de justiça o
que alegava o antecessor do suplicante, e como agora o mesmo Capitão
Francisco Pires Casado requereu a Vossa Senhoria se lhe desse a dita
vargem com o pretexto de que esta se acha devoluta, e que assim ficou
quando se arrumaram os moradores da Freguesia da Senhora de Santa
Anna, quanto tudo é pelo contrário, visto os documentos juntos, e bem
certo estará Vossa Senhoria que estando naquela mesma paragem
estabelecido o sogro do suplicante lhe pôs Vossa Senhoria em sua vida
duas bestas para correrem as paradas, e é bem certo que não haver ali
386

moradores e estarem devolutas nem Vossa Senhoria lhe poria as ditas


bestas nem teria aquela paragem o nome de Vargem do Francisquinho,
nestes termos e a vista dos documentos juntos, e dos mais que alega o
suplicante com aquela verdade que costuma (Barroso, Brochado &
Tassoni, 2002: pp. 554 - grifo meu)

O escrivão da Provedoria Real da Fazenda a este tempo era Domingos de Lima

Veiga. O seu despacho nesse requerimento foi o que segue:

Da Certidão junta consta ter-se medido e demarcado as terras na mesma


mencionadas a Francisco da Fonseca Quintanilha sogro do suplicante, e
como este alega o pertencerem por lhe serem dadas em dote parece se
deve conservar na posse em que está, e que estava o dito seu sogro,
requerendo a confirmação da referida data para a poder possuir com o
título justo como se conferiram os casais. É o que posso informar a vossa
mercê. Porto Alegre, trinta e um de julho de mil setecentos e setenta e
oito = Domingos de Lima Veiga = (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002:
pp. 554)

O Provedor da Fazenda Real considerou o despacho do Escrivão e deu o “cumpra-

se” dando a posse definitiva da terra e do retalho de várzea, medidas por um Capitão-

Engenheiro, a André Pereira Machado, casado com filha de ilhéu. Resolveu-se portanto,

baseado num julgamento que competiu ao Escrivão da Fazenda Real fazer a justiça, com

parecer dado ao Provedor. Resolveu então, Domingos de Lima Veiga, uma querela em que

estava envolvido um de seus muitos compadres. Entretanto, não se encerra aqui a

discussão acerca das relações de compadrio e sua relação com o exercício do poder. Ao

contrário, mais interessante fica. O compadre de Domingos de Lima Veiga, ao contrário do

que se poderia pensar, não era André Pereira Machado e sim Francisco Pires Casado!

Como interpretar essa atitude de “compadre que emite parecer contra compadre”?

Aparentemente contraria os compromissos assumidos à pia batismal. Aparentemente, o

favorecimento a um compadre estaria na ordem do dia ao distribuir os bens da Coroa cuja

responsabilidade estava em suas mãos. Havia inúmeras formas de negar o requerimento de

André Pereira Machado. Uma delas era alegar estarem as terras devolutas, com apenas

algumas cabeças de animais que bem poderiam ser fugidas das terras de seu dono. Poderia
387

ser alegada a necessidade maior do compadre Pires Casado no uso dessa terra. Alegações

não faltariam e tampouco deixaram de ser usadas em processos por disputas de posse de

terras no Brasil colonial. Entretanto, Domingos de Lima Veiga, não o fez. Lembrando aqui

o caso da menina Felícia, havia outros compromissos que aqueles ocupados em dispensar

justiça deviam respeitar. Com a própria justiça que dá a cada um o que lhe compete.

Também posição de quem dispensa justiça exigia o compromisso com o bem-comum e

com a ordem social. Bem possível também tenha Lima Veiga pressentido alguma ameaça à

ordem e à estabilidade contida na frase de André Pereira Machado:

Pede a Vossa Senhora mandar que se conserve o suplicante nas ditas


terras que ocupa, visto estar na posse delas há mais de dez anos para que
não seja inquietado por outros requerimentos semelhantes ao do
suplicado, pois deseja viver pacífico, debaixo da proteção de Vossa
Senhoria (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002: pp. 554 - grifo meu.) .

Novamente, há a necessidade de retorno aos estudos da dádiva. Foi dito

anteriormente que a dádiva primeira caberia a quem oferece seu filho como afilhado de

outrem, caberia a quem convida o outro a adentrar a sua família através dos laços sagrados

do compadrio. As obrigações de receber e retribuir caberiam a quem foi feito o convite.

Maurice Godelier, ao discutir várias formas de dons, agonísticos e não-agonístico, diz que

em alguns casos o que interessa é não quitar jamais as dívidas e sim criar dívidas que

durem o maior tempo possível, guardando o bem ofertado primeiro, de tal modo que o

prestígio possa ser acumulado e o nome engrandecido. Nesse tipo de trocas estariam o kula

e o potlatch. Os dons não-agonísticos funcionariam com resultado distinto no interior da

sociedade. Teriam, portanto, uma função diferente também.

Isto nos permite destacar a grande diferença que existe entre a


prática de dons e contra-dons não agonísticos e o kula ou o potlacht. No
kula quando um objeto de igual categoria e de valor equivalente vêm a
ocupar o lugar do dom inicial, a dívida é anulada. O contradom apaga a
dívida. Isso é completamente diferente, como vimos, com os dons não-
agonísticos. Nesse caso, os contradons não anulam os dons. O objeto não
é “devolvido”, ele é dado de novo. Os dons criam dívidas de longo prazo
388

que, muitas vezes, ultrapassam a duração da vida dos doadores e os


contradons têm como motivo primeiro restaurar o equilíbrio entre
parceiros, a equivalência de seus status – não a anulação da dívida
(Godelier, 2001: p. 143).

A quarta obrigação do dom estaria em guardar, reter o bem ofertado, conservando

aquele que recebe tudo o que representa pelo maior tempo possível. Engrandece assim a

sua história e a história de sua família com tudo o que está associado ao bem recebido.

Guardar, reter e protelar a retribuição faria parte, portanto, da economia do dom.

O sacramento do batismo e as relações que este gera são formas de dom e

contradom. Godelier afirma que nas trocas os objetos que são doados tomam o lugar das

pessoas, substituindo-as e representando-as. Quando se dá algo, se dá algo de si. No caso

dos batismos, não há um objeto trocado e sim crianças que se oferecem tomando o lugar

das famílias nessa troca. O bem oferecido – um filho – é aceito em outra família, uma

família espiritual como um afilhado ou filho espiritual. O batizando representa a família

que se oferece, consubstanciada nele. O elo gerado entre pais da criança e os padrinhos

ultrapassam a duração da vida e nem sempre pode ser a oferta retribuída de imediato ou

mesmo decorrido muito tempo.

As relações de compadrio, dependendo da qualidade das famílias envolvidas,

podem ser trocas do tipos diferentes. Uma vez parceiros na troca possuindo posições

sociais diferentes, cai-se no caso em que a dívida nunca será cancelada. A criança que

representa a família nessa troca, pelos costumes dessa sociedade, não será batizada por

uma pessoa de qualidade inferior à de sua família. Assim, ao convidar pessoa de estatuto

social superior, a família de condição inferior sabe, de antemão, que jamais será convidada

a ir à pia batismal proceder o batismo de um filho de seu compadre. O bem ofertado, o

filho que foi batizado ficará “retido” para todo o sempre sob forma de afilhado por seus

padrinhos. Os compadrios que se formam nesse momento tampouco serão re-alimentados


389

com uma oferta de valor semelhante, um filho espiritual para a família daqueles com quem

já se teceu uma primeira ligação sob forma de afilhamento e compadrio. Quem recebeu o e

aceitou o convite feito, esse, ficará ad eternum devedor desse dom primeiro. Como

observou Godelier (2002) tendo como ponto de partida os estudos de Annette Weiner, esse

tipo de troca não engrandece o nome de quem fez a doação primeira, mas aquele que, de

certo modo, teve a coragem de deixar-se agrilhoar nas cadeias da dádiva por uma família,

por um grupo social, de condição inferior à sua e reteve o bem ofertado sem retribuí-lo.

Quem se engrandece na relação de compadrio entre desiguais são aqueles que, pertencendo

às camadas superiores da sociedade, se deixam cativar pelas inferiores, e demonstram isso

nem que seja nos registros dos livros de batismo. São padrinhos de muitos afilhados que

têm origem em muitos estratos sociais.

Por outro lado, a relação de compadrio, quando estabelecida entre pares, pode ser

retribuída na mesma moeda. O que pode parecer uma quitação da dívida, mas não. É “dar

de volta”, é “dar de novo”. Talvez haja constrangimento social em recusar um convite ao

compadrio, mas não há nada que obrigue a fazer a oferta. Se nessa situação de compadrio

entre famílias de estatuto social semelhante o que batizou primeiro opta por manter os

grilhões da dívida com o que ofertou primeiro, a equiparação de seus estatutos não é feita.

O bem ofertado é retido a despeito da possibilidade de ser saldado com bem de igual valor.

Nessa condição, o receptor do bem primeiro sairia engrandecido com este

compadrio procedido dentro de seu próprio nicho social, mas não teria autonomia para

certas decisões sobre a sua vida que afetassem a vida de seu compadre, pois não dera de

novo um bem equiparável à dádiva inicial. Não demonstraria aos seus pares e mais gentes

com quem compartilha a existência em uma mesma sociedade a existência de equivalência

entre as posições sociais dos envolvidos na troca.


390

Esta seria uma situação sempre tensa, o que não quer dizer que não pudesse ser

proveitosa. Muitos compadrios entre pares ocorreram sem a mão-dupla. Houve a oferta de

um bem inicial que não foi novamente ofertado, mas que pode ser retribuído sob forma de

proteção e auxílio que se dão entre iguais, ou seja, retribuído na forma de solidariedade.

Demonstravam a ascendência reconhecida entre um e outro e colocavam um como sendo

“gente do outro”, protegido, aliado. Mostravam que junto com a partilha do filho de um

como afilhado do outro estava o reconhecimento de posições desiguais e de compromissos

assumidos entre um e outro que os vinculavam nessa situação de diferença de status e,

portanto, de dívida em aberto até que houvesse a retribuição do dom inicial. Essa poderia,

então, nunca ocorrer.

Outras vezes, o bem era dado de volta. E esse é o caso da relação existente entre

Domingos de Lima Veiga e Francisco Pires Casado. No ano de 1761, Domingos de Lima

Veiga ofertou seu filho Francisco para ser afilhado de Francisco Pires Casado. Deu algo de

si, de sua família, representado pela criança, para Pires Casado. Note-se que a busca por

uma ligação perene também foi manifesta na escolha do nome da criança, que recebeu o

nome de seu padrinho. No ano de 1762, Francisco Pires Casado fez a retribuição da dádiva

inicial: ofertou sua filha Francisca – e note-se também o nome da menina: Francisca e não

Domingas – para Domingos de Lima Veiga tê-la como afilhada. As posições foram

equiparadas no contradom ofertado, na mesma moeda da troca, excetuando-se o nome da

criança – mas essa já e uma dádiva de padrinho para afilhado e não entre compadres – feito

por Pires Casado. A partir desse momento, a relação passou a ser de estatuto social

equilibrado e, portanto, conferindo a ambos uma maior autonomia para as decisões que

afetassem a vida de seu compadre. A oferta primeira, o dom maior, a doação da família

consubstanciada na criança ofertada como afilhada fora retribuída em bem de igual valor.

Gerou-se, nesse caso, uma relação de solidariedade entre pares, mas não uma relação de
391

poder propriamente dito, já que um não se deixou ficar em posição inferior ao outro na

troca que fora feita por mais de um ano. Francisco Pires Casado não reteve o bem ofertado,

deu de volta na primeira oportunidade que teve. Não engrandeceu nem a si nem à sua

família com a retenção da oferta por muito mais que um ano. Não houve, para nenhum dos

lados, um “engrandecimento” do status ou de posição social. Houve, isso sim, por parte de

Pires Casado, o anseio de demonstrar que sua situação social não era superior à de Lima

Veiga, não subordinando sua existência a uma dádiva não retribuída de mesmo modo.

Equiparou-se e não deveu mais obrigações díspares a Lima Veiga. Suas almas estavam

unidas, irmanadas ad eternum, mas até irmãos têm suas diferenças e por vezes são levados

a agir com certa dureza um sobre o outro para a manutenção do justo e do certo.

André Pereira Machado não era compadre de Domingos de Lima Veiga. Não

possuía relação nenhuma que colocasse o então Escrivão da Fazenda Real em dívida para

consigo. Entretanto, por casamento, estava vinculado a um grupo que, somente na Vila do

Rio Grande, dera à família de Lima Veiga a oportunidade de comparecer por trinta e duas

vezes à pia batismal, tornando-se uma família com muitos afilhados dentro desse grupo de

origem e com necessidades e anseios em comum. Os nativos das Ilhas dos Açores

compartilharam das mesmas agruras, das mesmas e constantes reivindicações de terras,

alimentos, roupas e insumos prometidos no Edital que os convocara e os seduzira à

migração nas Ilhas.

Nessas trinta e duas ocasiões em que compareceram à pia batismal para o

compadrio com ilhéus, geraram-se dívidas que nunca foram retribuídas na mesma moeda,

portanto, nunca foram e nunca seriam quitadas. Somaram-se em torno de noventa parentes

espirituais à família de Lima Veiga. O nome dos Lima Veiga foi engrandecido com esses

tantos comparecimentos à pia, reiterados ano após ano, agregando afilhados e compadres a

si e aos seus. Uma relação de poder, por ser desigual, foi instaurada nesse instante em que
392

alguém de estatuto social inferior ofertou algo de si a Lima Veiga e este aceitou, certo de

que, por usos e costumes dessa sociedade, não poderia retribuir, jamais, na mesma moeda.

A quantidade de afilhados e compadres dos Lima Veiga era uma manifestação da

ascendência e influência dessa família – ou uma epifania do poder, como quer Godelier –

sobre um grupo relativamente coeso de habitantes de Rio Grande e, mais tarde, de Viamão

e Porto Alegre, localidades para onde muitos nativos das ilhas com suas famílias

migraram, assim como Lima Veiga. Ao mesmo tempo, como a dádiva inicial nunca seria

equiparada, Lima Veiga para a reiteração dessas relações e sustentação futura ou

geracional dessa ascendência, devia retribuir, ainda parcialmente ou com bens inferiores

aos que lhe foram ofertados no início. Obtinha respeito, distinção, prestígio e

engrandecimento nessa relação, mas havia a necessidade de retribuir com, no mínimo o ato

de dispensar justiça em um caso como o de André Pereira Machado, para que não decaísse

– nem ele nem os seus – na preferência de um dos grupos sociais que geravam e

mantinham o seu poder na localidade.

Com essas retribuições feitas sob forma de “dons menores”, contraprestações que

não se igualavam ao bem ofertado inicialmente, de modo constante, mantinha um certo

grau de satisfação das necessidades e apelos de um dos grupos sociais que lhe sustentavam

o poder e mesmo a predileção na escolha para certos cargos e ofícios, tais como o próprio

ofício de Escrivão da Provedoria. Com isso também mantinha-se a relação de “mão-dupla”

e uma certa limitação do poder delegado aos setores da elite, cujos membros estariam a

mercê de seus próprios pares com os quais disputavam recursos caso não soubessem

manter e reiterar constantemente a base social de onde emanava seu prestígio e que era

demonstração clara de sua ascendência sobre homens e suas famílias, fossem elas livres,

fossem elas escravas, fossem elas cativas ou agregadas de outrem. Tendo em vista que

Lima Veiga e os seus continuaram a batizar em profusão em Viamão, conclui-se que essa
393

família estava desempenhando a contento, ao menos aos olhos dessa comunidade, as suas

obrigações de padrinhos e madrinhas.

Assim, conclui-se aqui que, os setores subalternos tinham a ganhar com esse tipo

de relação no qual delegavam ascendência sobre si a um compadre de muitas qualidades.

Também fica evidente que os compadres de muitas qualidades tinham a ganhar nessa troca

desigual. De certo modo, a grande oferta de afilhados como representantes de suas famílias

em uma troca como essa, servia como demonstração de uma delegação de poder e

ascendência, mas também em um limitador desse poder cedido às elites locais. Era um

elemento que coibia o abuso desse poder, que impedia que fosse utilizado de forma

descomedida e descompromissada com o bem-estar dos que estavam situados em patamar

inferior ao seu.

A estratégia das famílias situadas na base da pirâmide social de Rio Grande

mostrou-se efetiva e bem elaborada. Uma retribuição sob forma de “bem menor” às

famílias de ilhéus, ainda que a longo prazo, ocorreu. A assinatura de Domingos de Lima

Veiga, cabeça de uma família que era uma das favoritas ao compadrio, consta não apenas

na data de terras de André Pereira Machado, mas em aproximadamente 50% das 631 datas

de terras conferidas entre os anos de 1770 e 1800, quando dadas finalmente as terras

prometidas em 1745 no Edital de Convocatória lançado nas Ilhas. Ainda que não se tenha

podido por enquanto verificar o percentual de famílias vinculadas por compadrio a Lima

Veiga por terem sido muitas vezes dadas aos herdeiros das terras, como foi o caso de

André Pereira Machado, não constando o nome dos que pleiteavam a terra já falecidos, não

é de duvidar que entre os muitos que receberam terras estivessem parentes dos parentes

espirituais do Escrivão ou mesmo seus afilhados, dos quais as atas batismais registraram

apenas o primeiro nome que pode ter sido trocado por outro ao longo da existência.
394

O investimento concentrado em poucas famílias com preferência majoritária ao

compadrio rendeu-lhes como contrapartida, no mínimo a proteção física, através da defesa

das gentes e dos territórios pelos Marques de Souza e a proteção da justiça, na distribuição

do que lhes competia nessa sociedade, pela mão do Escrivão da Provedoria. Se de cinco

famílias que receberam o investimento apenas duas foram capazes de retribuí-lo, isso fazia

parte da incerteza com relação ao futuro e que é parte da existência humana. Entretanto,

não há como negar que os habitantes da Vila do Rio Grande prepararam de algum modo,

através das estratégias das quais pode se ver o esboço nos seus livros de batismo, a

possibilidade de um futuro no qual pudessem viver.

A estratégia dos Marques de Souza e da família de Lima Veiga, ao aceitar o risco

de deixarem-se cativar pela dádiva, não retribuir a mesma, reter o bem ofertado e

formarem um pecúlio de prestigio, ascendência e distinções teve resultados positivos.

Também na união dessas duas famílias isso é demonstrado. Esse resultado foi expressa na

trajetória de sua descendência. Com três gerações de existência na América chegaram a um

título nobiliárquico, passando por importantes comandos dentro das tropas regulares, tanto

da Coroa lusa como, posteriormente, no Império do Brasil. Souberam não apenas receber a

dádiva inicial ofertada por seus compadres de situação social inferior mas também

souberam retê-la e dar a correta moeda para a retribuição parcial. A não quitação da dívida

e a prestação de dons menores ao longo do tempo os manteve na preferência dos convites

que por sua vez realimentava a cadeia de dons e contra-dons.

Por último, só resta dizer que em nessa situação de uma fronteira com alto risco

de conflito com o país limítrofe, o bem maior e o patrimônio mais sólido que as famílias

podiam constituir era intangível. Não podia ser tirado, não podia ser roubado. Não

necessitava de armários e baús para acondicioná-lo. Unia as pessoas e as famílias sem que

as disputas e rivalidades por detê-los se transformassem em conflitos entre os setores


395

sociais que podiam conservar antagonismos entre si, pois não podiam ser comprados ou

vendidos, mas eram ofertados de bom grado. Não se transformavam em riqueza imediata

na mão de saqueadores nem de contrabandistas, mas era a riqueza maior tinham e que, com

sabedoria e cuidado, transmutavam-se em sobrevivência para alguns e em melhoria da

situação de existência para outros. As relações sociais tecidas na Igreja e nas capelas eram

o bem maior dessa gente toda. Por outro lado, como visto no parentesco espiritual entre

Lima Veiga e Pires Casado, podia despertar até mesmo a rivalidade entre as frações da

elite que dependiam deles para manter sua situação social. Eram intangíveis e elemento da

maior importância para a mantença da sempre frágil paz em uma sociedade que se mostra

mais complexa na medida em que são averiguadas estas e outras possibilidades de arranjos

sociais.

Abreviações usadas nesse capítulo

ADPRG- Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande


AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos

Fontes e referências bibliográficas usadas nesse capítulo:

Fontes manuscritas:

ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livros 1o, 2o, 3o e 4o de Batismos da Vila do
Rio Grande 1738-1763.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1o de Óbitos da Vila de Rio Grande.
1738-1763.
ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Primeiro Livro de
Óbitos de Viamão. 1748-1777.
396

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Capítulo 7

“A mão separada do corpo não será mão senão pelo nome”1:


experimentando conceitos e métodos

O que até aqui foi visto, sempre tendo os registros batismais como fonte principal

para o estudo, trouxe várias facetas de fenômenos sociais que sucederam na Vila do Rio

Grande. Estes tiveram como eixo comum, além das fontes, as famílias que lá se

estabeleceram. Estas famílias foram tomadas como janelas privilegiadas para dar vistas ao

passado na fronteira sul do Estado do Brasil. A discussão acerca de uma possível formação

de identidade entre o grupo de migrantes originários das Ilhas dos Açores deu-se a partir da

observação de algumas famílias. A utilização e repasses de prenomes e sobrenomes do

Continente do Rio Grande foi feita a partir da observação do que ocorria no interior de

algumas famílias. A geração de alianças entre pessoas e grupos de diferentes estatutos

sociais foi demonstrado através dos batizados nos quais participaram algumas famílias, nos

papéis de parentes consangüíneos e afins ou como padrinhos, testemunhas ou procuradores

nos atos batismais. Quando viu-se a formação e repasse do pecúlio formado em relações

sociais, viu-se isso no seio das famílias.

Cabe, agora, tentar entender o que é essa família que se formou ao sul e da qual

tanto se falou até agora. Com isso, os diferentes temas abordados até aqui de modo

1
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 14.
399

aparentemente desconexo, nos quais cada capítulo apresentado tem início, meio e fim,

podendo ser tomado em separado, receberá a ligação que está faltando. Os aspectos

isolados das manifestações de práticas sociais se mostrarão um tanto mais coesos e

componentes de uma trama complexa que envolvia a todos nessa localidade, através das

tais famílias e das relações inter e intra familiares.

Com toda a certeza, a família que foi vista até agora em “funcionamento”, na Vila

do Rio Grande, extrapola os limites da família formada por pai, mãe e prole. Esse tipo de

família quase sempre era aludido como “casal” quando das migrações e os filhos dos

migrantes se diziam filho de casal. Dona Antônia de Morais Garcês teve que proceder

requerimento especial para seu tratamento no hospício do presídio – hospital da fortaleza –

e sua licença para tratamento no Rio de Janeiro porque seu nome e de seu marido, Antônio

Gonçalves dos Anjos não estavam na lista de casais. Casais também foram chamados os

pais, mães e filhos que se alistaram em Trás-os-Montes para migrarem para Sacramento.

Três décadas depois, os pares de marido e mulher, ainda que acompanhados de seus filhos,

alistados nos Açores e Madeira, também eram ditos casais.

Os genros de Antônio Furtando de Mendonça, que além desse parentesco político

desfrutavam de negócios em comum, teceram relações de compadrio entre si e entre seus

outros sócios ou pessoas com quem mantinham negócios em outras localidades.

Trouxeram para dentro da família espiritual – a família fictícia para os historiadores mas

muito real para a cristandade do século XVIII nessa fronteira – uma sorte de pessoas com

quem estavam ligados por laços mundanos, menos dignos que o parentesco, menos dignos

que os laços abençoados das relações de compadrio. Utilizaram a instituição da Igreja

Católica e um de seus sacramentos, talvez o mais importante deles, pois era o batismo que

inseria as pessoas no seio da cristandade, para conferir um outro caráter às relações de tipo

inferior. Acrescenta-se a isso a participação de seus escravos naquilo que foi chamado aqui
400

de “ciranda de compadrios”, através do compadrio estabelecido a partir dos batismos de

seus filhos que nasciam ou do batismos de escravos africanos novos. As escravarias

estavam colocadas nessa mesma “ciranda” que abrangia também este setor situado no mais

baixo escalão da sociedade e a outras pessoas que viviam em uma unidade doméstica. Os

escravos estavam colocados em uma posição inferior, mas participando, mesmo que fosse

como a mais baixa posição hierárquica nessa família, dentro do mesmo movimento e

intento de captação novas relações e reiteração das já existentes. Eram os mesmos “jogos” ,

por assim dizer, sociais e familiares dos quais participavam seus senhores. Por mais

estranho que possa parecer, as fontes e a interpretação dos dados nelas coletados

apontavam nessa direção. Não sendo parte da família, os escravos tendiam a um

comportamento semelhante ao dos seus senhores na hora de tecer as relações lançadas ao

futuro na pia batismal. Como explicar esse fenômeno? Se sua configuração é complexa,

sua interpretação e sua explicação não podem ser menos.

I. Buscando entender os
significados

Para melhor entender essa sorte de organização social e familiar, buscou-se,

portanto, algumas definições em dicionários de época, tanto lusos quanto espanhóis.

Segundo verbete Família do dicionário elaborado por Raphael Bluteau (2000 ) publicado

em 1717: “As pessoas que de que se compõe uma casa, pais, filhos e domésticos”. No

verbete Familiar encontra-se: “Familiar da casa. Doméstico. Ser um dos familiares da casa

ou pessoa de alguém”. Nesse mesmo dicionário, uma das acepções do termo Casa é:

“Geração. Família” e para Doméstico há: “cousa da casa”. Para Escravo, encontramos,

dentre muitas acepções: “Aquele que nasceu cativo, ou foi vendido e está debaixo do poder

de Senhor”. Dando seqüência, buscou-se a significação de outros termos correlacionados a


401

estes. Escravaria: “Os servos”. Escravidão: “servidão, cativeiro”. Servo: “Criado.

Servidor. Escravo. Cativo”.

Já no dicionário elaborado pela Academia de Autoridades da Espanha (Real

Academia Española, 1726-1739), volume que contém a letra C, datado de 1729, dentre as

acepções de Casa. encontram-se as palavras:

“Vale asimismo la familia de criados, y sirvientes, que assisten


y sirven como domesticos al señor y cabeza o dueño de ella”(...) “Se
llama tambien la descendência o lináge que tiene un mismo apellido, que
viene de un mismo orígens”. (Real Academia Española, 1726-1739)

No volume ao qual corresponde a letra F, lançado em 1732, tem entre as acepções

de Família:

La gente que vive en una casa debaxo del mando del señor de ella. Es voz
puramente Latina. Por esta palabra família se entiende el señor de ella, e
su muger, e todos los que viven só el, sobre quien há mandamiento, assi
como los hijos e los sirvientes e los otros criados (...) Se toma mui
comunmente por el numero de los criados de alguno, aunque no vivan
dentro de su casa (Real Academia Española, 1726-1739)

Para Familiar tem-se: “vale tambien Amigo” e “se toma comunmente por el

Criado o sirviente a una casa: y en este sentido y otros se usa esta voz como substantivo”

(Real Academia Española, 1726-1739).

O volume que guarda os vocábulos iniciados com P foi lançado em 1737, e nele

foram buscados Parentela: “conjunto de todo género de parientes. Es voz Latina. Lat.

Congnatio. Singnifica lo mismo que parentesco” e Parentesco: “Vinculo, connexion ò

ligacion, por consguinidade ò afinidad. Unido con el vinculo de amistad, mas estrecho que

de parentesco” (Real Academia Española, 1726-1739).

O Tesoro de la Lengua Castellana o Española, do Padre Sebastian de Covarrubias

Orozco (1674) também é bastante inclusivo a pessoas outras que não os parentes

consangüíneos ou afins no âmbito da família ibérica. Encontra-se no vocábulo:

FAMÍLIA, en comun significacion vale la gente que un señor sustenta


402

dentro de su casa, de donde tomô el nombre de padre de familias: dixo-


se del nombre Latino famelia: y se entendia de solos los siervos, trayendo
origen de la diccion Osca, famel, que cerca los Oscos siginficavan siervo,
pero ya no solo debaxo deste nombre se comprehenden los hijos, pero
tambien los padres, y abuelos, y los demás ascendientes del linage, y
dezimos la familia de los Cesares, de los Scipiones: ni mas; ni menos a
los vivos, que son de la mesma casa, y decendencia, que por otro
nombre dezimos parentela: y debaxo desta palbra familia se
enteiende el señor, su muger, y los demás que tiene de su mando,
como hijos, criados, esclavos (...) (Orozco, 1674 - grifos meus)

Essas definições coevas aos eventos em que aqui há a tentativa de analisar dão

todos os indícios de que os parentes consangüíneos e afins, como eram as filhas e os

genros de Furtado de Mendonça, mas também mais gente que pudesse viver sob seu

Domínio, que assume também acepções distintas no dicionário de Bluteau:

Direito de propriedade sobre terras, rios, etc. (...) Bens, que se possuem e
de que se pode usar e dispor como próprios. (...) Poder, mando. (...)
Autoridade, para persuadir, e para inclinar a vontade alheia ao que
se quer. Ter domínio sobre alguém. (...) Vale o mesmo que influência
poderosa na produção de algum efeito” (Bluteau, 2000 ).

Tais significados, provavelmente presentes para as pessoas que fizeram parte da

formação da Vila do Rio Grande autorizam então a ampliação dessa família que lá se

instaurou. Ao que tudo indica, assim como o conceito de Nação aponta:

Nome coletivo que se diz da Gente, que vive em uma grande região, ou
Reino, debaixo de um mesmo senhorio. Nisto se diferencia nação de
povo, porque nação compreende muitos povos (Bluteau, 2000 ),

estavam ligados a uma relação que tinha entre seus componentes a lealdade e a proteção,

colocar-se debaixo de seu domínio e ao mesmo tempo, estar obrigado a serviços e respeito.

Somente os partícipe dessas relações que amalgamavam a família é que poderiam

estabelecer os limites das suas próprias famílias, quais as pessoas que incluíam e que

excluíam. Resta saber o que dava suporte a essa maior abrangência de estratos sociais e

qualidades diversas no seio das famílias.


403

II. Tentando perceber os


conceitos

Diz Aristóteles:

(...) é preciso falar da economia do lar, já que o Estado é formado pela


reunião de famílias. Os elementos da economia doméstica são,
precipuamente, os da família, a qual, para estar completa, deve
compreender servos e indivíduos livres (....) conhecendo-se que na
família elas são [partes primitivas e indecomponíveis] o senhor e o servo,
o marido e a mulher, os pais e os filhos. (Aristóteles, 2005: p.15)

Eis então que, na visão aristotélica, entre partes componentes de uma família,

cujas relações a estruturam estão aquelas travadas entre senhor e escravo. De onde é

possível pensar que os escravos faziam parte desta família abrangente na visão aristotélica

que permeia a filosofia escolástica que era predominante ao período sob estudo. Ainda que

possa parecer difícil entender que gente analfabeta ou mesmo escravos pudessem ter

acesso à filosofia de Aristóteles, esse absurdo se desfaz quando as Constituições Primeiras

do Arcebispado da Bahia, em cujo texto não faltam citações de obras de Aristóteles, e de

filósofos de importância para a cristandade moderna e estabelecem com um dos deveres

dos párocos proceder a educação de seus fregueses

Porque aos Párocos, como Pastores, e Mestres espirituais, obriga mais o


cuidado de apascentar suas ovelhas com a Católica e verdadeira doutrina,
exortamos a todos os do nosso Arcebispado, e a todas e quaisquer
pessoas, a que nele estiver encarregada a cura das Almas, ainda que
sejam isentas, que todos os Domingos do ano em que não concorrer
alguma festa solene, ensinem aos meninos, e escravos a Doutrina
Cristã no tempo e hora que lhe parecer mais conveniente, atendendo
aos lugares e distâncias das suas Paróquias, ou sejam nas cidades ou
fora delas (...) E para se conseguir o fruto desejado, ordenem os párocos
aos Pais, que mandem aos lugares, e horas determinadas seus filhos,
e aos senhores seus escravos (...). E aos Padres Capelães
encomendamos que nas suas Capelas façam a mesma diligência,
principalmente com os escravos (Da Vide, Livro I, Título III - Da
especial obrigação dos Párocos para ensinarem a doutrina Cristã a seus
fregueses, §§ 6º e 7º - grifos meus)

Fosse aos domingos que não tinham festa, nos quais o público alvo eram “os

meninos e os escravos”, fosse com seus sermões, sempre com função de serem feitos com
404

intuito de indicar o caminho cristão e livrar os fiéis do caminho do pecado. Idéias e juízos

morais aristotélicos e tomísticos, mediados pela interpretação dos agentes de divulgação,

chegavam até os lugares mais distantes. Assim, os párocos, os curas e mais gente

autorizada a fazer a pregação da palavra divina agiam como vetores do repasse ou

mediadores do pensamento cristão acerca da virtude e do pecado, acerca das próprias

instituições da Igreja para. Não fica então, completamente absurdo que, seja lá como foi

apreendido por meninos e escravos, um tanto dessa visão de sociedade cristã que está

esboçada nas Constituições Primeiras, a qual também encerra em si recomendações do

Concílio de Trento. Não se pode esquecer também que os principais juristas lusos e

espanhóis da Idade Moderna, tinham rígida formação religiosa quando não eram também

doutores em teologia. Dá-se como exemplo o espanhol Luís de Molina, também presente

nas notas e citações que margeiam as páginas das Constituições Primeiras.

O comportamento à pia batismal dos escravos dos genros de Furtado de

Mendonça assumiam uma feição semelhante à de seus senhores ou da família da qual

faziam parte quer como servos, quer como domésticos. Isso reflete um tanto do que pode

ter chegado até eles, com as devidas mediações, das normas cristãs ensinadas por

homens doutos, e versados nas Divinas letras, lição dos Santos, e de boa
vida, e costumes para Pregadores desse Arcebispado, e no conceder das
licenças se hajam com grande exame como requer o tal ofício (Da Vide,
Livro III, Título XX – Da Pregação e dos Pregadores, § 512º)

As relações cristãs eram delineada pelas possibilidades de relações cabíveis ao seu

estatuto social mas eram lançadas às famílias – e aqui também entendendo as escravarias

dessas famílias como partes componentes dos domínios dos senhores delas – de estatuto

social semelhante ou superior à família na qual estavam inseridos.

Não parece, portanto, absurdo pensar que a utilização do sobrenome de um chefe

de família ou de um proprietário ou proprietária de escravos por parte de seus cativos, de


405

seus agregados, de seus afilhados, de seus subordinados, fosse uma forma de demonstrar o

pertencimento a uma dessas unidades domésticas, família ou casa. Estas, também definiam

os seus membros como aquela gente “que tiene un mismo apellido”. No já citado exemplo

dos compadrios dos escravos de Antônio Gonçalves e Antônia de Morais Garcês, seus

escravos assumiam o nome de família de um ou de outro. E se é possível pensar como

“origem” um mesmo ponto de referência e este sendo a casa da qual faziam parte, essa

também seria compartilhada pelos seus membros, independente de sua posição na

hierarquia interna dessa família ou casa.

Entretanto, a tal “economia do lar” encontrada no texto de Aristóteles, também

teria que ter uma expressão, uma face visível nessa sociedade, se assim ela pensasse e visse

a si própria, tendo um modelo de organização que levasse em conta essas considerações.

Quem trata disso, pensando no âmbito da economia ou melhor, da economia em uma

sociedade moderna católica é Bartolomé Clavero, em Antidora: Antropología Catolica de

la Economía Moderna (1991). Quanto a essa antropologia e a essa sociedade, Clavero vai

buscar no léxico da época e na filosofia coeva os elementos que eram seus estruturadores,

percebendo que a noção de indivíduo não pertencia a nem uma nem outra.

Si avanzándose en la edad moderna ya pudía apuntar de alguna


parte la ocurrencia física y es piritual, lo fuera el indivíduo también
jurídica, parece un "vulgare axioma" descartable sin mayor problema. La
sociedad no se construía con evidencias tan burdas. No tenía el indivíduo
espacio propio ni contaba con consistencia para determinarlo. Nos
encontramos con una antroponogía que no merece su nombre: no conoce
un sujeto individualizadamente humano.
Nos encontramos con un orden de sujetos plurales. El hombre
en sentido individual genrérico no podía ser entonces más que un tópico
de reagrupación de una materia jurídica que, sin principio propio, no cabe
reducir a sistema. (...) No hay espacio común ni ámbito alguno que el
individuo pueda determinar. Como no habia ni podría haber una
economía, tampoco, mas sustantivamente un derecho. Con la pluralidad
de sujetos no reducibles a categoría unitaria, con la multiplicación de
cuerpos sociales, distinciones de ámbitos habia desde la misma base del
espacio oiconómico primario. Tenían su derecho las familias
particularmente privilegiadas. Podían tenerlo las corporaciones o cuerpos
sociales. Solo el individuo derecho en rigor no tenia (Clavero, 1991: pp.
164-165).
406

Para entender a existência desses sujeitos coletivos, inseridos nos corpos sociais,

Xavier & Hespanha (1998) buscam os paradigmas políticos que davam substância ao modo

como essa sociedade compreendia a si mesma. Dizem esses autores da existência de uma

tensão entre dois modelos, quais seriam, o tradicional, que concebia a sociedade como um

corpo e o moderno ou pós-cartesiano, que explica os movimentos e estabilidades sociais a

partir de sua materialidade (Xavier & Hespanha, 1998: p. 113).

Sendo projetos alternativos de sociedade e poder, decorrem, no entanto,


de uma tradição largamente comum. O universo literário dos juristas
seiscentistas e setecentistas era composto por obras (de teologia moral,
direito e, mais tarde, política) de juristas e teólogos. Daí que nos tópicos
ocorrentes em ambos se encontrem mútuas contaminações (Xavier &
Hespanha, 1998: p. 113).

O modelo corporativo medieval sofreu algumas transformações com a Segunda

Escolástica, mas o principal pressuposto, a sociedade como um corpo, tendo o Rei como

cabeça2 e mais corporações como o corpo, persistiu na sociedade lusa por largo tempo.

Entretanto, as modificações sofridas não concernem à importância das atividades

articuladas das partes para o bom funcionamento do corpo. Não podia ser diferente. A

Segunda Escolástica, através da filosofia de São Tomás de Aquino, ainda era tributária das

idéias de Aristóteles no que tange à organização social, começando de suas unidades

básicas até chegar ao organismo completo, qual seja, a própria sociedade. Citado por

Xavier & Hespanha, há o pensamento de Luís Marinho Azevedo da sujeição do rei às leis,

retirado da obra Exclamaciones Politicas, datada de 1645, que dá a idéia da prevalência

desse modelo corporativo como analogia para o funcionamento da sociedade:

como si fuera com fortisima cadena, y desobligarse el Principe de


semejantes leyes fundamentales seria el mismo que atropellar los direitos
del Reyno, arracar la vabeza de los miembros, arruinar todo su Imperio
(Luís Marinho Azevedo, Exclamaciones... Exclamação II, apud Xavier &
Hespanha, 1998: p. 120)

2
Sobre a concepção medieval do Rei como cabeça do corpo social, há importantes elaborações na obra de
Ernest Kantorowicz, Os Dois Corpos do Rei. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
407

O que aqui interessa para a seqüência da análise da formação da sociedade

riograndina é justamente o modelo que, segundo esses autores, começou a entrar em

decadência ao final do século XVIII, decadência essa que se aceleraria a partir das

reformas pombalinas. O modelo de sociedade corporativa coloca o funcionamento da

mesma de forma análoga ao corpo humano. O Rei, como cabeça simbólica do reino

(Hespanha, 1994: p. 490) e, com função análoga, a do pater familias, chefe de uma

unidade doméstica, de uma família. O restante da sociedade, comporia demais partes do

corpo social, sendo que as muitas formas de organização por setores ou grupos de

interesses também teriam a organização corporativa a reger-lhes internamente. Tal como o

homem, tinha uma ordem natural que universal que orientava homens e coisas, orientava-

os para um destino final, que seria, na sociedade cristã, seu próprio Criador. Os corpos

sociais eram diferentes partes componentes do grande corpo dessa monarquia. Essa

organização corporativa, quer do grande corpo como dos pequenos corpos seus

componentes, pressupunha diferentes funções a cada uma das partes:

(...) a unidade dos objetivos da criação não exigia que as funções de cada
uma das partes do todo na consecução desses objetivos fosse idêntica às
outras. Pelo contrário, o pensamento medieval sempre manteve
firmemente agarrado à idéia de que cada parte do todo cooperava de
forma diferente na realização do destino cósmico. Por outras palavras, a
unidade da criação era uma “unidade de ordenação” (unitas ordinis,
totum universale ordinatum) – ou seja, uma unidade em virtude do
arranjo das partes em vista de um fim comum – que não comprometia,
antes pressupunha, a especificidade e irredutibilidade dos objetivos de
cada uma das “ordens da criação, e dentro da espécie humana, de cada
grupo ou corpo social”. (Xavier & Hespanha, 1998 p. 114).

Chega-se então, ao ponto em questão. Tal modelo de organização social exigia

que diferentes corpos e diferentes pessoas tivessem também diferentes funções nos

organismos sociais, fossem os pequenos corpos que compunham a sociedade, fosse o

grande corpo social. Nas funções diferenciadas encontram-se também fundamentos para a

hierarquização da sociedade, já que algumas funções são de órgãos únicos e vitais para o
408

funcionamento do todo, não havendo substituição. Outras são de menor importância, por

serem múltiplos e exercerem funções secundárias. Entretanto, para o seu funcionamento, é

necessário que todas as partes estejam atuando em favor do bem comum e que a cada um

seja conferida a autonomia necessária ao desempenho de suas funções (Xavier &

Hespanha, 1998: p. 115). Havia, ainda, a necessidade de leis que para que tal organismo ou

seus componentes não se afastem de sua natureza, de tal forma que um tirano, um mau

governante, revoltas e revoluções fossem “acidentes” no desenvolver-se desse corpo social

do que a sua negação propriamente dita.

Do ponto de vista social, o corporativismo promovia a imagem de uma


sociedade rigorosamente hierarquizada, pois, numa sociedade
naturalmente ordenada, a irredutibilidade das funções sociais conduz à
irredutibilidade dos estatutos jurídico-institucionais. (dos “estados”, das
ordens). O direito e o governo temporais não podem fazer outra coisa que
não seja ratificar essa ordenação superior (Xavier & Hespanha, 1998: p.
20).

E regressando ao tema da família, elo que une as várias discussões apresentadas

nessa pesquisa, tenta-se ver em Aristóteles alguns dos fundamentos da sociedade e da

família que podem ter perdurado até o período sob análise. Organizando a sociedade do

menor ao maior, agrupa primeiro homem e mulher, ainda que essa seja uma união que tem

por finalidade a reprodução e não outros fins que não os biológicos. Em torno da relação

homem-mulher, outros se aglutinariam, aí sim visando benefícios que só a socialização

seria capaz de oferecer. Diz ele:

Estas duas primeiras associações, a do senhor e o escravo, a do


esposo e a mulher, são as bases da família, e Hesíodo o disse muito bem
neste verso “A casa, depois a mulher e boi arador;” porque o pobre não
tem outro escravo que o boi. Assim, pois, a associação natural e
permandente é a famíla, e Corondas pode dizer dos membros que a
compõe “ que comiam na mesma mesa”, e Epimenides de Creta “que se
aqueciam no mesmo lar”.
A primeira associação de muitas famílias, mas formadas em
virtude de relações que não são cotidianas é o povoado, que justamente
pode chamar-se colônia natural da família, porque os indivíduos que
compõe o povoado, como dizem alguns autores “mamaram o leite da
família, são seus filhos, “os filhos de seus filhos”. Se os primeiros
409

Estados se viram submetidos a reis, e se as grandes nações o estão ainda


hoje, é porque tais Estados se formaram com elementos habituados à
autoridade real, posto que na família o de mais idade é o verdadeiro rei, e
as colônias de famílias seguiram fielmente o exemplo que lhes foi dado
(Aristóteles, 2000: pp. 6-7).

Entendia Aristóteles a família como sendo o primeiro tipo de associação e que,

como tal, também deveria funcionar a exemplo de um corpo. Acerca do funcionamento do

corpo, da necessidade de manter unidas todas as suas partes ao mesmo tempo em que o

corpo é mais do que o somatório das partes isoladas, também era bastante claro:

Não pode pôr-se em dúvida que o Estado está naturalmente


sobre a família e sobre cada indivíduo, porque o todo é necessariamente
superior à parte, posto que uma vez destruído o todo, já não há partes,
não há pés, não há mãos, (Aristóteles, 2000: p. 8).

Ou como consta em outra tradução:

Levantai o todo: dele não restará nem pé nem mão senão o


nome, como se poderá afirmar, por exemplo, que a mão separada do
corpo não será mão senão pelo nome. (Aristóteles, 2005: p.14)

Mais adiante, afirma:

Ora, o que não consegue viver em sociedade, o que não


necessita de nada porque se basta a si mesmo, não participa do Estado; é
um bruto ou uma divindade. A natureza faz assim com que todos os
homens se associem. Ao que primeiro estabeleceu essa fórmula se deve o
bem maior; pois se o homem, chegado à sua perfeição é o mais
excelente dos animais, também é o pior quando vive isolado e sem leis
e sem preconceitos. Tremenda calamidade constitui-se a injustiça com
armas na mão. As armas que a natureza fornece ao homem são a
prudência e a virtude. Não possuindo a virtude, torna-se o mais ímpio e o
mais feroz de todos os entes vivos; não sabe, para a sua vergonha, mais
do que amar e comer. (Aristóteles, 2005 - grifo meu).

Assim, o agrupamento de homens e mulheres com diferentes posições em sua

organização hierarquizada, sendo aglutinados em torno de um mesmo senhor, formam uma

família. A extensão dessa família pode ser variável, pois parece evidente que o critério

principal para sua inclusão é a mútua aceitação, seja essa obtida de forma consensual ou

sob coerção.
410

III. Experimentação de um
método

A título de experimento3, utilizou-se a metodologia empregada na análise de redes

sociais4 (social network analysis) e tomou-se uma das famílias já apresentadas

anteriormente como “grupo teste”. Autores como Jeremy Boissevain afirmam não se tratar

de uma teoria para a análise social, mas uma metodologia a ser empregada e, como tal, tem

suas implicações teóricas e suas limitações. Tal metodologia não é recente:

As análises de redes sociais surgiram no final dos anos 60,


através dos trabalhos pioneiros de Mitchell, Boissevain e Barnes. 5 Trata-
se de uma metodologia que percebe nas interações humanas o objeto de
análise primordial, sem, contudo, dispensar o diálogo com outras
metodologias. A preocupação central desta abordagem são os tipos e
forma de relacionamentos mantidos pelas unidades de análise (que podem
ser pessoas, empresas, cidades, palavras) e como estes laços podem
interferir no comportamento e nas escolhas destas unidades (Gil, 2005).

Seu emprego vem crescendo no interesse dos historiadores e tem acrescentado

bastante às análises de fenômenos históricos e sociais. Ela vêm sendo utilizada por autores

como Zacharias Moutoukias, no estudo de redes sociais da elite portenha, tomando os

comerciantes de Buenos Aires como grupo-chave (Moutoukias, 1992) e Susan Socolow,

também tendo como alvo as famílias dos comerciantes portenhos (Socolow, 1991).

Daniel Santilli (2003) se utilizou desta metodologia para o estudo do compadrio

em Quilmes e alerta que as relações por ele estabelecidas podem encontrar nuances que

vão desde o parentesco, seja ele real ou fictício ou como redes sociais com outros

fundamentos, tais como as percebidas em documentos judiciais que implicam em relações

3
Agradeço a Tiago Luís Gil o convite, o incentivo e o coleguismo nessa “aventura” de trilhar por sendas que
me eram completamente desconhecidas. Devo-lhe também a interlocução e a constante discussão quanto aos
empregos do método e aos resultados parciais obtidos. Isso auxiliou por demais num refinamento das análises
obtidas e principalmente em tentar definir o que pode e o que não pode ser feito com o método.
4
Há há excelentes referências bibliográficas sobre o tema disponíveis na Internet. Especial destaque para
http://www.redes-sociales.net/ para artigos especializados bem como ponto inicial para novas buscas.
5
BARNES, John A."Class and comittees in a Norwegian Island parish". In: Human Relations.(7). 1954;
BOISSEVAIN, Jeremy."Network Analysis: a reappraisal". In: Current Anthropology. v. 20 (2). Jun.
1979.1979.
411

que vão além do matrimônio ou compadrio (Santilli, 2003). Em suma, alerta o autor, para o

fato de que por vezes família pode apenas mostrar a existência de laços familiares e,

portanto, a rede familiar de parentesco e não redes sociais mais complexas como a que

envolve sociedades, empréstimos, transações de terras, crimes, contrabando e outras tantas

situações que envolvem pessoas que nelas podem estar contidas. Para o contexto dessa

fronteira, uma geração adiante, Tiago Luís Gil recentemente a empregou para a

visualização da importância de certos pontos nodais na rede de contrabandos de Rafael

Pinto Bandeira (Gil, 2005).

A partir do estabelecimento de matrizes quadradas que envolvem os partícipes das

relações percebidas nos livros de batismos da Vila do Rio Grande que encabeçam linhas e

colunas, buscou-se, através de software próprio6 a elaboração de representações gráficas

dessas mesmas relações, com a tentativa de visualizar aspectos que não eram claros na

mera exposição dos dados em quadros e tabelas. O recurso mostrou-se bastante útil e

apresentou alguns resultados que instigam a continuidade das pesquisas nesse sentido.

Para a utilização da metodologia empregada pela social network analysis e das

ferramentas até então estranhas a essa pesquisa, utilizou-se a obra Introducción a los

Métodos del Análises de Redes Sociales (Hanneman, 2001) como referência mais

elementar. Este manual foi de grande auxílio para a compreensão da importância das

escolhas a serem feitas pelo pesquisador ao analisar as múltiplas qualidades de relações

que podem ser estabelecidas pelos agentes sociais participantes de uma mesma

coletividade ou de grupos sociais distintos.

6
Para esse estudo foram feitos testes com os softwares Pajek (disponível em http://vlado.fmf.uni-
lj.si/pub/networks/pajek/), Ucinet+NetDraw (disponíveis em http://www.analytictech.com/), e Netminer
(disponível em http://www.netminer.com/NetMiner/home_01.jsp). Optou-se pela execução dos gráficos
através do Ucinet/NetDraw por oferecer interface simples e qualidade de objetos gráficos de bom nível, além
do oferecimento de um uma versão para testes bastante completa, sem desmerecimento dos outros softwares
testados, todos eles bastante competentes para a realização das funções às quais se propõem.
412

No caso da sociedade que se formou em Rio Grande, cuja interação em vários

aspectos do mundo social, econômico, político e religioso vividos em simultâneo se

colocaram evidentes, houve a necessidade de abdicar da representação gráfica de algumas

dessas interações para que outras se tornassem óbvias aos primeiros olhares. Definir o

imprescindível e o prescindível não é atribuição da ferramenta, mas obrigação do

pesquisador quando define seus objetos de estudo, os objetivos a serem alcançados com ele

e o aporte teórico de sua investigação. As ferramentas oferecem a possibilidade de mostrar

toda a sorte relações percebidas entre esses agentes sociais e suas interlocuções à pia

batismal mas a seleção do que deve ser priorizado, o estabelecimento de hierarquias nessas

interlocuções é de inteira responsabilidade do executor.

Como não há regras para tanto, no ímpeto e no alvoroço, de início pensou-se em

incluir todas as relações possíveis que apareciam ou eram deduzidas a partir dos registros

de batismo. Por exemplo, o fato de todas as mulheres livres envolvidas nos batizados dos

netos de Furtado de Mendonça serem irmãs. Por conseqüência, eram cunhadas do núcleo

masculino livre dessa família. Estes homens, por sua vez, eram todos co-cunhados entre si.

Os filhos dos casais eram irmãos ou primos, sobrinhos, afilhados e filhos dos adultos deste

núcleo central. Se essas frases acima parecem confusas e o leitor se perde no emaranhado

dos parentescos, os resultados das primeiras tentativas de representação gráfica, não

poderiam ser diferentes: gráficos saturados que mostravam “tudo” e ao mesmo tempo não

diziam nada a quem tentasse a sua leitura. Um emaranhado de linhas e setas partindo de

muitos pontos, em muitas direções. Por mais sofrido que seja o processo de escolha e

decisão para a eliminação de certas relações subjacentes ao batismo, cortou-se um número

bastante grande delas para que as representações gráficas ficassem mais limpas e por

conseqüência mais úteis aos propósitos de análise dessa família e dessa sociedade.

O segundo problema enfrentado foi como marcar as relações que podem ser
413

simples ou bilaterais, simétricas ou assimétricas. Também esse problema de escolhas a ser

resolvido e passa pela interpretação de coisas tão corriqueiras que normalmente ficam

desapercebidas até que se leve a cabo o intento. Tanto quanto as relações citadas no

parágrafo anterior há o complicador dos graus de relação existente entre agentes sociais:

irmãos entre si têm o mesmo grau de relação nas duas extremidades da linha que os liga,

assim como marido e mulher e co-cunhados são ligados pelo mesmo tipo de vínculo.

Isso não ocorre nas relações senhor-escravo, pai-filho, padrinho-afilhado são

diferentes, com diferentes obrigações morais, religiosas ou legais, com “pesos” diferentes

em cada uma das pontas da linha que os liga. São ligações entre “pontos” – nodos da rede

que representam os partícipes dela – diferentes desde as mais básicas informações que se

têm sobre a organização da sociedade hierarquizada. São pessoas de estatutos jurídicos

diferentes ou de posições com diferentes valores atribuídos na escala social em que estão

inseridas. São relações que não encontram simetria entre as posições sociais dos dois nodos

da rede que estão vinculados por relação no conjunto agentes sociais dos representados.

Um caso aparte, dada uma complexidade que se desconhecia ao início de toda a

pesquisa e que é um dos fundamentos do trabalho desenvolvido até aqui é a desigualdade

constante e a possibilidade de equiparação entre os dois nodos ligados pela relação de

compadrio. A relação entre compadres, aparentemente uma relação equilibrada, na medida

em que compadres se irmanam espírito, ao menos dentro do princípio religioso, mostrou

ter três diferentes possibilidades que são condicionantes dos tipos de relações que podem

ser estabelecidas entre esses irmãos espirituais. Essas respondem muito mais aos aspectos

ditos funcionalistas por Stephen Gudeman (Gudeman, 1971) do que aos aspectos religiosos

de inserção num mundo cristão em que todas as almas, antes do dia de juízo, se equivalem

por serem almas. Entretanto, são distintas se há em mente que pode haver um dos nodos

que não equiparou a dádiva inicial com um dom semelhante.


414

Essa assimetria corriqueira nos compadrios e a possibilidade de tornar-se uma

relação simétrica é um importante espaço nas barganhas sociais entre os componentes de

uma relação desse tipo, pois significava ficar com uma dívida que jamais poderia ser paga

ao compadre que ofertou o afilhado, reter o bem por um tempo prolongado ou equiparar a

relação com bem ofertado de mesmo valor, qual seja a oferta de um filho como afilhado ao

compadre que primeiro fez a oferta. Desse pequeno e flexível espaço vinham, então,

possibilidades de arranjos político, sociais e econômicos. Não havendo a oferta de

contradom de igual valor, estava dada a possibilidade de benefícios, nem tanto materiais,

mas sociais que um compadre poderia esperar de outro.

Por um lado, da relação assimétrica entre desiguais vinha a possibilidade de

favorecimento e satisfação de necessidades sociais, por mínimas que fossem, das famílias e

grupos sociais de menor posse e credoras dessa oferta primeira. Vinha também a

possibilidade de formação de uma base social de apoio com compromisso moral de auxílio

e respeito firmado ante Deus, favorecendo ao compadre em situação social privilegiada.

Isso o deixava resguardado para agir com certa desenvoltura entre seus pares, entre seus

concorrentes no mesmo nicho social em que atuavam e por vezes competiam pelo acesso a

recursos, negócios, cargos e ofícios. Vinha, o que parece bastante importante, o cerceio ou

uma certa limitação de poder dos compadres pertencentes à elite, com muitos afilhados, já

que estavam em dívida impagável com seus compadres de menor qualidade social. Um

deslize ou não cumprimento do que era esperado poderia acarretar a não reiteração ou não

reprodução dessas relações para o futuro, ficando o compadre de boa situação social a

mercê de seus pares e concorrentes por faltar-lhe essa base social.

Por outro lado, a equiparação da oferta inicial com oferta de mesmo valor só

poderia ocorrer entre pessoas situadas em um mesmo estrato social e era, antes de mais

nada, uma opção ou parte de estratégias sociais dessas famílias. O dilema dessa decisão
415

seria ficar em dívida, cativo e obrigado a prestações menores, que não retribuíam todo o

valor do bem ofertado e ter como seu apoiador e parceiro solidário um compadre que

atuava no mesmo nicho social ou equiparar a dívida com a oferta de um filho ao compadre

credor, não se deixando cativar nas contraprestações intermináveis mas também

equiparando a novamente a situação e deixando que as disputas pelos bens, negócios e

mercês passíveis de serem angariados por gente de seu meio entrasse novamente na vida

desses compadres. Opção desse momento, trocando em miúdos, significava a paz

duradoura entre famílias que podiam competir entre si ou o retorno à disputa pelos bens e

recursos próprios de seu estrato social. Isso era parte do jogo social e político da Vila e

que, por serem tempos em que nem tudo o que se podia adquirir advinha do mercado, parte

das estratégias que podiam levar uma família ao sucesso e engrandecimento ao longo do

tempo ou a bancarrota em uma ou duas gerações. Impossível deixar de assinalar essa sorte

de escolhas e de demonstrações da equivalência ou desigualdade de posições sociais entre

os compadres.

Percebeu-se então, três formas de arranjos nas relações entre compadres. Na

primeira o compadre A oferece afilhado ao compadre B (A→B); na segunda B oferece

afilhado a A (A←B) e na terceira, há “troca de afilhados”, na qual A oferece afilhado para

B e vice-versa (B↔A). A primeira e a segunda possibilidades aparecem como relações

assimétricas, na qual as posições sociais dos compadres podem ser equivalentes ou

diferenciadas, ficando a retribuição do dom inicial pendente da vontade ou da possibilidade

de ter um rebento a ofertar como contrapartida. Somente a terceira é uma relação simétrica

ou equilibrada e ocorria e apenas entre pessoas e famílias que, no momento em que foi

firmado o segundo compadrio – a retribuição com bem de igual valor – tinham posições

sociais reconhecidamente semelhantes.


416

Esses eram dados que foram considerados importantes e que não poderiam deixar

de ser mostrados em uma representações gráficas das relações de compadrio.

Principalmente pela pretensão de serem ressaltadas as relações punham em contato gente

de diferentes posições sociais e com diferentes ofertas de dons e contradons nesse

“mercado de compadrios” e possivelmente por acusarem uma das fontes de poder nessa

sociedade nascente.

Na sucessão de eliminações de algumas relações de parentesco simétricos ou de

fácil reconhecimento a partir dos quadros de compadrio sitos ao capítulo 4 deste, às

páginas 233 e 238, pensou-se ter eliminado as relações “excessivas” e “poluentes”.

Chegou-se a dez tipos de relações. Novamente feitos os testes, a saturação de linhas entre

os nodos da família ainda poluíam visualmente a figura, de tal forma que não eram

ressaltados alguns aspectos visíveis nos quadros acima citados e que serviram de base para

essa construção. Feita nova depuração, ficaram reduzidas a cinco tipos, rotuladas

numericamente sem que o valor do algarismo utilizado indique “força” ou importância da

relação. São estas:

1- relação marido e mulher (aqui considerada simétrica);


2- pais e filhos (assimétrica, com seta partindo de pais para filhos);
3- senhor e escravo (assimétrica, com seta partindo do senhor para seus
escravos);
4- compadrio (assimétrica, com seta partindo de quem oferece o afilhado ou
simétrica para o caso de “troca de afilhados”, com seta em ambas as
extremidades);
5- relação padrinho afilhado (assimétrica, com seta partindo do padrinho para o
afilhado).
Essas cinco deixavam perceber relações visíveis nos quadros montados e

tornavam evidentes outras, cuja percepção não era dada nesse tipo de arranjo de dados em

quadros e tabelas. Passou-se, então à produção dos arranjos gráficos das mesmas, com o já

citado par de softwares UCINET-NetDraw. Essa ferramenta permite que se mostrem as


417

relações por categorias rotuladas, o que foi de grande valia nos testes que se produziram e

que serão colocados logo adiante. Algumas dessas visualizações trouxeram à tona aspectos

antes não observados, que serão comentados a seguir, mostrando primeiramente as

relações do núcleos livres destas famílias e seus compadrios sem as crianças. Também, ao

longo do experimento,algumas relações foram deixadas “invisíveis” para que se percebesse

que sorte de vínculos outros uniam essas pessoas. Serão a seguir apresentados em passos

os elementos representados graficamente nessas relações, onde (e) significa escravo.


418

Ilustração 10 - Partícipes dos Compadrios nas famílias dos genros de Antônio Furtado de Mendonça

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
419

Essa é a aparência inicial da representação gráfica que se pode produzir. Com a

utilização das ferramentas próprias do UCINET-NetDraw, mostrou-se acima apenas os

partícipes. Esses foram, também por opção, representados com a figura geométrica do

círculo. Os partícipes dos atos batismais, excetuando-se padres e eventuais testemunhas

para o caso de batismos procedidos de modo emergencial, são, a partir dessa sucessão de

escolhas feitas, os nodos da rede formada pelos cinco tipos de relações selecionadas para

serem representadas graficamente nesse estudo. Constam na ilustração acima os pais das

crianças, as crianças, os padrinhos livres e escravos das famílias nucleares (ou “casais” no

sentido empregado na documentação da época) dos genros de Antônio Furtado de

Mendonça que se puderam coletar nos registros batismais dos quatro primeiros Livros de

Registros de Batismo de Rio Grande.

Na seqüência abaixo, serão apresentados os mais componentes do que seria a

figura completa para que, após, se tenha a representação gráfica da rede de compadrios

dessas famílias nucleares (ou dessa família extensa) mostradas na mesma figura.

Ilustração 11 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos e direção de relação

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
420

Ilustração 12 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça:nodos e linhas com sentido
e direção de relação

Ilustração 13 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos, linhas com sentido
e direção de relação e rótulo das relações

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
421

Ilustração 14 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos nominados, linhas
com sentido e direção de relação e rótulo das relações (representação gráfica completa)

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763

Nodos, linhas e setas são, portanto, os principais elementos na representação,

podendo ser acrescidos, a critério do pesquisador, a nominação dos nodos. Aqui, por se

tratarem de pessoas, os nodos são os partícipes, as linhas as relações que foram eleitas para

a análise e as setas indicam, também nesse caso, a critério do pesquisador, o sentido da

relação. Podem ser acrescidos os rótulos eleitos para as relações, explicitados acima e a

nomenclatura atribuída aos nodos. No caso em questão, por serem os nodos representações

das pessoas envolvidas nos atos batismais, o rótulo serão seus nomes próprios, acrescidos

de um número no caso de crianças homônimas e da letra “e” entre parêntesis no caso de

escravos.

Optou-se, para fins de ilustração geral o formato da Ilustração 8, por ser menos

saturada e ao mesmo tempo bastante clara, contendo os elementos básicos necessários à

sua compreensão. Elementos adicionais poderão ser usados para destaque de detalhes

específicos:
422

Ilustração 15 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica simplificada

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
423

Tendo sido apresentados nos capítulo 3 e 4 deste os atores das cenas sociais e

religiosas que se desenvolviam no ato batismal, passa-se a analisar agora os gráficos e os

aspectos salientados na representação gráfica que não eram visíveis ou ao menos

facilmente visualizados na organização dos dados em quadros e tabelas. Para tanto, será

recorrente a utilização de representações que tornam invisíveis os “excessos” visuais para

salientar aspectos considerados mais interessantes ou instigantes.

Antes disso, para que a explanação possa seguir com certa fluência, parece

necessário mostrar os partícipes e as relações específicas que os vinculam uns aos outros.

A seguir, então, usando o recurso de deixar visível apenas as relações com de mesmo

rótulo, mostram-se as representações gráficas dos cinco tipos de relações destacadas para

este capítulo.

Ilustração 16 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica


relação de tipo 1 (marido↔mulher)

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
424

Ilustração 17 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica


relação de tipo 2 (pai→filhos)

Ilustração 18 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica


relação de tipo 3 (senhor→escravo)

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
425

Ilustração 19 – Compadrios nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica


relação de tipo 4 (pais→padrinhos)

Ilustração 20 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica


relação de tipo 5 (padrinhos→afilhado)

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
426

Algumas coisas já podem ser ditas a partir dessas ilustrações apresentadas.

Em primeiro lugar, no canto superior direito da representação gráfica simplificada

(Ilustração 15) vê-se um losango formado por Antônio de Aranda, seus dois escravos

casados, Inácio e Luzia de Aranda e a afilhada desses, a escrava Catarina, de nação mina e

de propriedade de Francisco Pires Casado, genro de Antônio Furtado de Mendonça.

Luzia era escrava nova e adulta. Ainda que o registro batismal não traga a nação,

seu batizado vai ao encontro das afirmativas de Gudeman & Schwartz (1988) para as

escravarias da região açucareira da Bahia: a tendência de escravos novos ou boçais serem

batizados por casais de escravos, já inseridos em contextos familiares com um mínimo de

assimilação dos ensinamentos e hábitos católicos. Assim, vêem-se essas escravarias de

famílias de boa posição social formando suas próprias redes de parentesco fictício,

geralmente subjacentes à grande malha de compadrios das famílias às quais pertenciam,

mas que os vinculavam a outras pessoas com condições semelhantes, eram escravos com

pertencimento a outras boas casas da localidade. Infelizmente não foi dado a saber se os

padrinhos Inácio e Luzia eram escravos crioulos ou de nação e muito menos de que nação

seriam.

O pertencimento dos padrinhos de Catarina à casa, à família (extensa) conforme o

sentido dessas palavras nos dicionários coevos é evidente: compartilhavam inclusive do

uso do sobrenome dessa casa. Inácio e Luzia usavam um bem próprio da família de

Antônio de Aranda e que era um dos elementos possíveis de reconhecimento e de inclusão

em grupos familiares nessa sociedade. No verbete do dicionário Academia de Autoridades

(1726-1739): “que tiene un mismo apellido, que viene de un mismo orígens”, podendo ser

essa origem comum, então, a unidade doméstica à qual estavam vinculados. Essa área da

representação gráfica será novamente mencionada quando do destaque de outros aspectos

que encontram correlatos em áreas outras da representação gráfica. Isso levou à produção
427

de uma nova ilustração, na qual estão aglutinados os partícipes que estão associados a um

mesmo cabeça de casal. A opção foi atribuir cores diferentes a esses grupos, ficando eleita

a cor verde-clara para os padrinhos não relacionados por parentesco consangüíneo ou

político com os genros de Antônio Furtado de Mendonça valendo o mesmo para Francisco

Antônio da Silveira, parente cujo grau não se pôde saber.

Ilustração 21 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: partícipes aglutinados por
relação de pertença aos casais

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763

A seguir, como já havia sido explanado na apresentação dos partícipes desta rede

familiar e de compadrios, o genro Antônio Moreira da Cruz, que apresentava trajetória

bastante diferenciada de seus co-cunhados, está situado em um ponto quase isolado, no

canto inferior direito da representação. Retornando aos gráficos das relações isoladas, vê-

se que se vincula a uma única pessoa por um único tipo de relação. O que havia sido

percebido para ele, através da comparação das trajetórias revelou-se igualmente peculiar na

representação gráfica. Moreira da Cruz é o único dos co-cunhados que não deu filhos a

batizar ou não foi padrinho de crianças dentro da família no período sob análise. Estava
428

vinculado a ela apenas por seu casamento com Joana Margarida da Silveira. Moreira da

Cruz e sua esposa estão representados em laranja na ilustração imediatamente acima.

Lembra-se aqui da recomendação de Santilli (2003) acerca da necessidade de

matizar a aplicação da metodologia de análise de redes sociais e a interpretação dessas

figuras produzidas à partir dos registros batismais. Por vezes o que elas mostram são

apenas os resultados de interações familiares, ou seja, em alguns lugares desta malha

desenhada vêem-se laços familiares e apenas isso, não dando a ver outra sorte de relações.

No caso de Moreira da Cruz, a inexistência de compadrios, ao menos até o momento da

Invasão Espanhola, não aparecem porque não existem. Não se encontrou nem nos registros

existentes na Provedoria da Fazenda – fossem eles petições, promoções, nomeações, ou

qualquer outra sorte de registros – nada que o vinculasse aos seus co-cunhados além do

fato de ter tomado esposa na mesma família. Sua trajetória destoante ajuda a compreender

essa falta de interação com demais membros masculinos dela. Não sendo sócio, não tendo

negócios em comum, não exercendo a mesma sorte de ofícios, ainda assim era parte da

família, havendo ingressado nela através do matrimônio com uma das moças.

Também visível quando dessa última representação é a ausência de madrinhas das

crianças das famílias, sejam essas crianças livres ou escravas, que fossem externas à

família. Todas as madrinhas, à exceção de Luzia de Aranda, estavam vinculadas por

casamento ou por escravidão a um dos cabeças de casal. A família de Antônio Furtado de

Mendonça e seus genros optou por reiterar laços outros através do compadrio das

mulheres, unindo todas irmãs Silveira a seus sobrinhos, cunhados e irmãs através das

relações de compadrio.

Algumas das escravas desses casais deram seus filhos a batizar por escravos de

um dos outros casais. Assim foi com Aniceto, filho da escrava Maria, congo, de Manuel

Bento da Rocha. Seus padrinhos foram Catarina, mina e Antônio, escravos de Francisco
429

Pires Casado. Configuração muito semelhante à dos compadrios do núcleo livre da família,

como por exemplo, o menino Manuel, filho de Francisco Pires Casado e Mariana Eufrásia

da Silveira, que foi dado a batizar para o casal de tios Manuel Bento da Rocha e Isabel

Francisca da Silveira.

O menino Jacinto, filho de Rosa, angola, escrava de Mateus Inácio, foi batizado

Maria congo, escrava de Francisco Pires Casado e por João Pinto, do qual não se encontrou

nenhuma evidência de pertencimento à família. Assemelha-se ao batismo de outras

crianças no núcleo livre dessas famílias, que tiveram a madrinha colhida entre os seus e o

padrinho buscado fora dos laços de parentesco afim ou consangüíneo. Até certo ponto, os

escravos dessas famílias tinham comportamento semelhante ao núcleo livre na eleição de

seus compadres. Mais um teste, dessa vez subtraindo do gráfico a relação senhor↔escravo.

Tem-se o que segue:

Ilustração 22 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: excluídos os senhores de


escravos pertencentes à família

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
430

Eis que surgem duas malhas subjacentes à primeira grande rede formada por essas

famílias. A primeira delas, à esquerda da ilustração, formada por uma mãe escrava, Maria

angola e sua filha Januária. A segunda e com maior número de componentes conectados

por relações outras, à direita da ilustração. Ambas são compostas majoritariamente por

escravos. A bem da verdade, com exceção de Antônio Pinto, homem livre do qual não se

obteve maiores informações, todos os demais componentes dessas duas sub-malhas são

escravos. E dessa representação gráfica há duas observações importantes a serem feitas.

A primeira, é relativa ao motivo de estarem desvinculadas da malha principal. Os

nodos que as conectam a essa malha são representados, justamente, pelos senhores. Ou

seja, não estabeleceram relação outra com a parcela livre das famílias. Se nas observações

anteriores tudo reforça inserção desses escravos na família, essas duas malhas mostram que

isso ocorria sem uma promiscuidade social em que escravos e senhores compartilhassem

de todos os aspectos de sua vida social. A sub-malha representada à direita do desenho

mostra que, para além das restrições a que estavam sujeitos por sua condição de escravos,

estes tinham uma certa autonomia ou possibilidades de escolhas de padrinhos para além de

uma reiteração da relação senhor/escravo através do compadrio interno à família. Teciam

malha própria, ainda que à sombra da malha senhorial.

Havia a possibilidade da invenção de arranjos parentais fictícios para esses

escravos que não passava necessariamente por pedir a bênção a um padrinho de condição

social superior dentro da família. Podiam eles (ou elas, já que nenhuma dessas crianças têm

pai nominado) reinventar famílias em substituição às que perderam quando foram tirados

de suas terras natais. Rosa angola, Maria congo, Catarina mina, Antônio, Luzia e Inácio de

Aranda e Antônio Pinto, os adultos envolvidos nessas relações, formavam uma família

espiritual bastante ampla. Através do compadrio, no ato do sagrado sacramento do batismo


431

administrado a seus filhos, construíam uma família espiritual para si. Escolheram seus

irmãos e irmãs.

A morte social, a qual James H. Sweet (2003: pp. 31-32) se refere tomando por

base o estudo de Patterson, encontrava também meios de ser revertida numa das

instituições cristãs mais tradicionais e não somente através de ritos que remetessem

exclusivamente à memória da vida que fora interrompida com a retirada dos africanos de

suas vidas sociais anteriores. Apenas a esta segunda se refere Sweet. Ao que tudo indica, a

incorporação desses rituais cristãos em suas vidas pode ter representado a possibilidade de

gerar lastro social que desse alguma razão às suas existências e não apenas a recriação dos

rituais e práticas africanas nas terras americanas. Isso ajuda a explicar um ponto muito

pouco trabalhado na obra de Sweet, que usa o baixo índice de casamentos legitimados e o

alto índice de filhos ditos naturais entre os escravos para concluir por uma rejeição aos

ensinamentos cristãos. Havia muitas crianças escravas de Francisco Pinto Bandeira que

eram legítimas, atestando outras estratégias.

Não havia, como já visto, uma rejeição ao sacramento do batismo, talvez por

formar parentela e por gerar uma laços parentais rituais em substituição aos drasticamente

rompidos com o apresamento e conseqüente cativeiro dos africanos. Há que se considerar,

então, que não havia uma rejeição a priori do catolicismo, mas de certas instituições do

catolicismo. E há de se comparar ainda, os índices de uniões não formais entre a população

livre de diferentes estatutos sociais para a afirmativa de que essa rejeição era

majoritariamente africana. Antes, fica a impressão de tratar-se não de uma rejeição dos

princípios religiosos associados ao matrimônio, mas uma rejeição estratégica, já que o

matrimônio legal gerava impedimentos também matrimoniais para as gerações futuras.

Aquilo que se percebia para o restante da sociedade visto através da janela aberta

pelas redes de compadrio das famílias de elite – uma inclusão quase que obrigatória em
432

algumas de suas redes de relacionamento – mostra que havia, por mínima que fosse, uma

possibilidade de escape e de constituir redes de relacionamentos, redes parentais e de

compadrio à margem delas. A independência relativa e desenvoltura evidente com que se

deu a construção da malha de sociabilidades dos escravos dessa família, representada na

sub-malha visível à direita da representação, gráfica demonstra que nem tudo passava “por

dentro da casa dos senhores”. Também os setores subalternos e cativos dessas famílias

podiam compor seus parentescos espirituais e suas relações sociais guardando vínculo

mínimo com seus proprietários.

As relações de compadrio uniam as escravarias que eram pertencentes às famílias

de elite, uniam essas famílias também em seus estratos mais baixos, mas prescindiam da

presença senhorial para serem tecidas. Vinculavam-se a seus pares: outros escravos de

famílias de situação semelhante. Mas não contavam com a participação direta dos senhores

na constituição dessas malhas.

A tessitura das malhas do compadrio que viu-se agindo na redução das tensões

existentes entre setores com poder de mando e setores subalternos da sociedade, nessa

representação gráfica, mostra que também poderia agir na coesão, pelos laços fortes e

sagrados do compadrio e todas as obrigações dele recorrentes, dos setores postados na base

da hierarquia social. O número de parentes fictícios que se podiam aglutinar em torno

dessas pessoas dão uma noção de quão grande poderia ser o problema gerado por ataques e

agressões diretas a ele. Dado que a malha se espalha por mais famílias, as animosidades

internas a uma poderiam atingir a casa das outras. A tensão aliviada pelo vínculo espiritual

entre os que pertenciam aos degraus mais baixos da escala social e os que estavam no topo

tinha sua contrapartida na formação de malhas próprias de seu estatuto social, que

poderiam se apresentar como uma força social a ser levada em consideração quando das

decisões e dos atos que a atingissem.


433

Os compadrios entre setores de mesmo estatuto social nessa sociedade queda por

ser estudado, já que dada a imprecisão nos registros das parcelas menos aquinhoadas e da

ausência de elementos que fornecessem a identificação positiva de muitos desses agentes

sociais, no momento não permitiu sua investigação. Há a necessidade de refinamento no

método empregado para cruzamento de registros nominais antes que isso possa ser feito.

Entretanto, esse parece ser terreno fértil para quem se debruçar sobre as relações de poder e

nas tensões sociais que possam surgir em um povoado do período colonial.

O segundo ponto a destacar, que também se refere à fragilidade do vínculo dessas

duas malhas encontrou explicação justamente na menor delas. Quando são vistas Maria

angola e sua filha Januária em separado do restante dessa rede, perguntar o porquê é quase

que ato reflexo. Voltando ao quadro dos compadrios dessas famílias, percebemos que tanto

Januária como o menino Leonardo, filho de Catarina mina, foram batizados em situação de

emergência. Nessa situação, conforme as Constituições Primeiras (Da Vide, 1707, Livro I,

Título XX,§ 71), não deveriam receber padrinhos, a menos que o batismo exorcizado e

nova cerimônia procedida.

Considerando que para fazer a anulação do primeiro batismo necessitaria de

autorização expressa do bispado, não há nenhum registro batismal na Vila do Rio Grande

que o tenha entre as anotações que marginam as atas batismais. Todo o acréscimo de

padrinhos em batismos emergenciais foram feitos em uma situação de informalidade. Isso

não é de espantar. Como já visto para os casos em que os padrinhos eram muito novos, os

costumes da localidade muitas vezes se sobrepunham à normatização expressa nas

Constituições Primeiras.

A falta de outros vínculos nessas duas malhas que se isolam com a ausência dos

laços senhores de escravos nessa representação, ajuda a dar resposta aos casos das crianças

das famílias de elite como o menino Nicolau, filho de Mateus Inácio da Silveira e Maria
434

Antônia da Silveira, nascido nessas famílias ou mesmo de Manuel Marques de Souza,

fil1ho de Antônio Simões e Maria Quitéria, mostrado em capítulo anterior. Ambos foram

batizados em situação de emergência e ambos receberam padrinhos a posteriori. A

situação de isolamento social já em idade tão tenra, visualizados em Leonardo e Januária

não se repetiu para nenhum dos dois. Além de suas famílias biológicas, ambos receberam a

família espiritual. De Manuel Marques de Souza, o governador foi padrinho “adicionado”

após o batismo emergencial, com anuência do pároco, e de Nicolau foi padrinho um de

seus tios. Para Nicolau, haja vista todas as madrinhas dessas crianças serem suas tias

maternas e em mais de um caso não ser nominada madrinha nos registros batismais (vide

quadros em capítulo 4 p. 233) dá a entender a possibilidade de ritos populares ou caseiros

nessa família, que lhes atribuíssem uma madrinha, uma das suas tias, ainda que isso não

fosse registrado e oficializado pela autoridade eclesiástica local. Seriam estas também

formas de elidir os impedimentos de atribuição de padrinhos aos escravos da família

batizados em situação de emergência. Entretanto, não havendo nenhum registro disso, não

pode passar da sugestão dessa possibilidade e um alerta para que sejam buscados em

investigações futuras e ou em outra sorte de documentação indícios desse tipo.

De todo o modo, se o batismo, como foi dito, era o sacramento mais abrangente

da Igreja Católica, do mesma maneira que observam-se através desses casos específicos e

minoritários nos registros dos batismos que o ato completo, assim como o conjunto de

partícipes também completo, registrado em atas não era dado a todos em iguais condições.

Às famílias de elite, numa troca de favores ou em negociações com o pároco, não

registradas na documentação, poderia ser facilitada a adição de padrinhos às crianças

batizadas em emergência – e por conseqüência, de compadres a seus pais – não deixando

de cumprir o papel funcional de geração de alianças e cadeias de reciprocidade. Essas,

conforme visto, eram uma das fontes de poder e uma das formas de contenção do mesmo.
435

A despeito da importância do papel religioso e cultural cristão, quais sejam purgar o

pecado dos herdeiros de Adão, atribuir nome cristão para o chamamento no Dia de Juízo,

marcar as ovelhas do Rebanho do Senhor, garantir a possibilidade da salvação da alma e

afastar as crianças do limbo destinado ao paganismo, o utilitarismo e instrumentalização

das relações subjacentes ao ato do batismo falavam mais forte nesse momento. O ato

batismal emergencial e incompleto cumpria todas as funções religiosas, mas não cumpria

todas as funções sociais e políticas. A complementação dessas, na análise que aqui se faz,

dá a perceber que eram possíveis apenas à uma minoria da população riograndina. E não

por acaso, a minoria era a elite social, política e econômica que vinha se formando na

localidade, com utilização de recursos sociais e instituições diversas.

Utilizando outras ferramentas pertencentes aos softwares que produzem

representações gráficas das redes relacionais, procedeu-se novo teste. Primeiramente com o

os adultos pertencentes “núcleo livre” dessas famílias e seus compadres e depois para

todos os adultos, incluindo os escravos. Essa ferramenta, após cálculos feitos pelo próprio

software, atribui “força” ou “peso” aos nodos, considerando o número de relações

estabelecidas em uma rede de relacionamentos. Quanto maior o número de relações

estabelecidas, maior a importância do nodo – que representam os agentes sociais – na

manutenção da rede. Essa ferramenta trouxe algumas surpresas e instigam a que novas

pesquisas para essa e outras realidades coloniais. Aqui lastima-se a inexistência de estudos

semelhantes para que a discussão sobre certos aspectos, tais como a já alertada importância

das mulheres na composição de trama e urdidura do tecido social percebida nos batismos

em que foram madrinhas as mulheres de famílias privilegiadas da Vila do Rio Grande.

Passa-se aos gráfico antes de tornar o texto mais explícito. Abaixo, a configuração da rede

de compadrios composta apenas pelas relações existentes entre adultos livres e a

representação gráfica dessa mesma rede após atribuição de importância aos nodos.
436

Ilustração 23 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres

Ilustração 24 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres com
atribuição de importância aos nodos

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
437

A importância dos nodos, de acordo com o número de relações estabelecidas é

representada no tamanho das circunferências e aglutinadas por cores. Assim, no grau

máximo dessa rede, têm-se seis círculos pretos, no segundo dois círculos vermelhos, no

terceiro dois círculos azuis, em quarto seis círculos verdes e em quinto e último, um círculo

cinza.

Antônio Moreira da Cruz, homem e pertencente à família, é o único representado

no último grau de importância. Isso não é nenhuma surpresa. A primeira surpresa foi que,

de dezessete participantes dessas relações, apenas cinco são mulheres. Três delas situadas

no primeiro grau de importância, uma no segundo e uma no terceiro. Os padrinhos, todos

externos à família, estão no quarto nível de importância, à exceção de Domingos de Lima

Veiga, situado uma posição acima.

Essa visualização deixa mais evidente o que já havia sido observado através dos

dados tabulados para outras famílias da elite riograndina: nas relações de compadrio há um

destacado papel das mulheres, muitas vezes sobrepujando o papel de seus maridos. Esse é

o caso de Joana Margarida da Silveira, que tinha número de relações suficiente para lhe

colocar em dois graus de importância acima de seu marido Moreira da Cruz. Somando-se

ao que foi apresentado no capítulo imediatamente anterior, a forte presença das mulheres

como madrinhas em relações sociais com estratos sociais inferiores ao seu, indica que estas

eram peça fundamental para tecer alianças das quais, dado o caráter assimétrico da relação,

decorriam relações de poder. O fato de serem os casais e famílias aqui apresentadas

chefiadas por homens, não significa que as mulheres estivessem relegadas a um plano

muito inferior ao dos seus maridos. Talvez o fossem nos aspectos relativos a negócios e

outros âmbitos da vida, mas não nos compadrios estabelecidos.

Contrabalançando uma possível fraca presença nesses outros âmbitos, encontram-

se mulheres angariando aliados às suas famílias através da participação nos ritos batismais.
438

Acredita-se que, a partir de tudo o que foi visto até aqui sobre a importância dessas

alianças e relações na vida dessa Vila, possa ser dito que as mulheres eram bem mais que

um vulto diáfano, quase que uma sombra de seus maridos. Considerando o número de

afilhados que as mulheres de boas famílias tinham nessa localidade, a construção das

relações de parentesco fictício passava muito mais pelo setor feminino das famílias do que

pelo setor masculino. Nem por isso, nesse aspecto da vida social e familiar – e que são ao

mesmo tempo aspectos político e econômico – diz-se que os homens eram menos

importantes que as mulheres. O que se divisa para essa situação é que seus papéis, como

não poderia deixar de ser, eram diferentes nessa sociedade, mas complementavam o

conjunto de relações das quais é composta uma família. A família começa a parecer mais

como uma teia interna de relações que não são estáticas e nem sempre são equilibradas. A

família assim composta, incluindo malhas subjacentes de compadrios de escravos e a

importância ampliada das mulheres no tecer dessas redes, ganha, desse modo, não apenas

um maior número de participantes, mas uma dimensão política entre os diversos setores

que a compõe, tornando-se muito mais complexa que a família patriarcal, onde o senhor

tudo pode e aos outros cabe apenas obedecê-lo. As mulheres e os setores subalternos

concorrem com seu poderio em alguns âmbitos da vida, cujo bom funcionamento é

necessário para o bom funcionamento do corpo familiar.

Para encerrar sem mais delongas esses testes com a representação gráfica das

relações de compadrio das famílias de Antônio Furtado de Mendonça, um último esboço.

Retornando à rede completa e excluindo apenas os batizandos. Nela, apenas a escrava

Catarina mina foi batizada no período em questão, mas comparece na representação gráfica

pois por ser adulta quando de seu batismo, foi também madrinha de uma criança e deu um

filho a batizar. Assim, tem-se:


439

Ilustração 25 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos com atribuição de
importância aos nodos

Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763

De onde é possível dizer, em primeiro lugar, que Antônio Moreira da Cruz não

está mais sozinho na posição de menor número de relações tecidas. Junto com ele

aparecem o misterioso João Pinto, do qual além de seu estatuto de livre nada se sabe e

Maria angola, a escrava que ficava junto com sua filha Januária na pequena malha isolada

à esquerda. Era essa a escrava que não tinha compadres por ter sido sua filha batizada em

situação de emergência. João Pinto por ter batizado apenas o menino Jacinto, filho de Rosa

angola, que por sua vez, não havia nominado o pai da criança na ata de batismo. João Pinto

possuía um afilhado e uma comadre. Antônio Moreira da Cruz está nessa posição

diminuída em comparação aos demais familiares por não ter tido filhos e por não ter sido

dada nenhuma criança para que batizasse. Sua relação, diferente ainda desses outros dois
440

últimos colocados é que Maria tinha a filha e um senhor, o que são duas relações e João

Pinto tinha um afilhado e uma comadre. Antônio Moreira da Cruz, para colocá-lo em

contato com os outros partícipes, tinha apenas sua esposa Joana Margarida.

Três das cinco irmãs, apesar da inclusão dos outros partícipes na representação

gráfica dos relacionamentos, o que poderia elevar em muito o peso dos homens nessa

malha, já que os homens eram os proprietários dos escravos dessas famílias, permanecem

em grau de importância máximo avaliado pelo número de relações tecidas. Joana

Margarida ocupa lugar entre aqueles com o segundo grau de importância e Antônia Maria

em terceiro. Nenhuma delas está situada nos dois graus inferiores. À exceção de Maria

angola, todos os escravos partícipes da rede de compadrios estão em posição superior a de

dois homens livres, sendo um deles Moreira da Cruz, membro da família por casamento.

A maior surpresa reservada por essa última representação gráfica é a posição no

terceiro grau de importância dado o número de relações tecidas nessa rede de compadrios

de Joana angola, escrava de Manuel Fernandes Vieira. Essa escrava está colocada em

mesmo grau de importância de uma das mulheres livres da família, Ana Inácia da Silveira

e compartilha também essa posição com Domingos de Lima Veiga, o mais “popular” dos

padrinhos externos à família e um dos homens mais procurados para padrinho na Vila do

Rio Grande. Isso induz à sugestão de estudos que aprofundem a questão das relações

sociais, matrimoniais e de compadrio dos escravos como um todo, com especial atenção ao

aspecto da possível geração de hierarquias internas ou pertinentes apenas a esse setor da

sociedade. Como já dito, escravos eram todos, mas nem por isso eram iguais. Alguns,

talvez pela idade, talvez por bagagem cultural que não se dissipou na travessia forçada do

Atlântico, podiam desempenhar papéis de liderança entre os cativos das localidades

coloniais.
441

Os resultados dos testes do uso da representação gráfica das relações sociais entre

os partícipes dos atos batismais das famílias dos genros de Antônio Furtado de Mendonça

despertaram a necessidade de ampliá-lo para mais famílias da localidade e de também

testá-lo em outras comunidades. Entretanto, como já foi dito, para que isso seja feito, é

necessário que se aprimore o método e as bases de dados usadas para a identificação dos

sujeitos da história que não deixaram tantas marcas em registros quanto os membros das

famílias de elite. No caso dos genros de Antônio Furtado de Mendonça, o número e a

qualidade dos partícipes permitiu de pronto sua utilização. Muito em função das madrinhas

serem todas elas pertencentes ao núcleo familiar e, mesmo as mulheres escravas, terem a

referência à casa a qual pertenciam.

O mesmo não ocorre para as famílias já comentadas de Antônio Simões,

Francisco Pinto Bandeira, Antônio Gonçalves dos Anjos, Domingos Gomes Ribeiro e

Domingos de Lima Veiga. Justamente onde essa técnica se revelaria mais útil, no esboço

das malhas que envolvem os setores não pertencentes às elites que deram seus filhos a

batizar por essas famílias, é onde as ferramentas que se construíram para a identificação

dos sujeitos apresentam resultados menos satisfatórios, necessitando passar por

reelaborações. Findo este trabalho há que empreender novas pesquisas e testes para as

bases de dados e para as técnicas empregadas para a reduzir a margem de incertezas na

identificação dos sujeitos históricos que deixaram suas marcas nos acervos documentais

sob forma de registros nominais. Deverá ser feito com intuito de aprimoramento e

refinamento do método empregado, de tal forma que o cruzamento das fontes nominativas

e em conjunto as técnicas de representação gráficas possa ser mais frutífero.


442

IV. De volta ao começo

Retornando ao tema com o qual foi aberto este capítulo, crê-se aqui que tomar

como ponto de partida para seu estudo a concepção própria da época, a idéia de que era um

corpo social, o menor corpo social que incluía as relações básicas existentes na sociedade é

bastante profícua para a análise. Assim, o que se manifesta como o corpo familiar

funcionando como um organismo vivo ao tecer suas relações, econômicas, políticas,

religiosas, enfim, exercendo economia do lar de Aristóteles não é secionado onde a

continuidade existe. Se raras foram as vezes que um proprietário de escravos apadrinhou o

filho de um de seus cativos, não foram poucas as vezes que seus filhos, cunhados, a esposa

ou outros parentes e amigos próximos o fizeram. Se existiram índios e índias de quaisquer

etnias afilhados e compadres dessas famílias, como tais devem ser tratados: como família

espiritual ou fictícia dos partícipes dessa relação.

Como já dito, o pertencimento a uma família não reduz a distância dos seus

membros na escala hierárquica. Um escravo pertencente a ela, inserido nela e mesmo

aparentado na família fictícia, segue sendo um escravo. O mesmo deveria acontecer com as

moças ditas minuano, aos pardos e forros que viviam sob as cumeeiras de uma mesma

propriedade. Para estarem inseridos nelas, compartilhavam um mínimo de experiências e

valores que eram percebidos desde fora delas. As vezes ocorre de forma mais sutil, ao

elegerem compadres à sombra da malha de compadrios dos senhores dessas casas ou ainda

serem escolhidos para padrinhos dos subalternos de outras famílias de estatuto social

semelhante a aquela que estavam inseridos. Há contudo, na medida do possível, que se

tentar divisar os limites para essa inclusão. Quais os critérios que cada família estabelecia

para que pessoas pudessem se dizer e serem ditas como membros delas. Por vezes é visível

por portarem o sobrenome do seu senhor, ou receberem o prenome da mulher ou do


443

marido, de um dos filhos. Ainda assim, viu-se uma relativa autonomia dos setores

subalternos das famílias que puderam tecer malha própria de parentesco espiritual, ainda

que subjacente à malha do setor livre. Elemento que servia para amenizar certas tensões, os

compadrios poderiam gerar outras forças solidárias comuns a apenas certos setores sociais.

Ainda que não se tenha conseguido perceber claramente os critérios de inclusão

de pessoas nas casas ou famílias percebeu-se que o parentesco consangüíneo e afim ou

político não eram os únicos a aglutinar essas pessoas. Tem-se a convicção que nela

estavam incluídas pessoas de diferentes estatutos sociais. Com diferentes funções. Todas

necessárias, algumas substituíveis outras imprescindíveis para o bom funcionamento. Mas

um todas com um papel nesse organismo vivo que era a família na qual existiam várias das

tantas relações existentes na própria sociedade. Coexistia e interagia com outros

organismos semelhantes ou com funções distintas, mas que faziam parte de um mesmo

grande corpo social. Sustenta-se assim a idéia da existência de uma família de tipo

corporativo, na falta de termo melhor para defini-la.

Essa família corporativa necessitava, assim como o corpo necessita, de uma

cabeça a guiá-la. Em geral era o homem mais velho e pai dos demais. Mas esta chefia

podia ser exercida pela mulher na ausência prolongada do marido ou quando de seu

falecimento. Mas se para a liderança, a “cabeça”, deste corpo estão os senhores, para os

“braços” e “pernas” deste corpo estão aqueles que executam justamente as tarefas braçais:

os escravos e mais serviçais destes senhores. Posto isso, parece resultar claro que um dos

componentes deste corpo, seja ele qual for, distanciado do mesmo, não existe como tal. A

existência de indivíduos não é favorecida nessa sociedade, ao passo que sua organização

em grupos – sejam eles familiares, de ofício, de armas, de origem, de famílias espirituais –

lhes dá a sua existência como membros de uma coletividade. Mesmo o pater familias na

acepção completa do termo e posição de chefia do corpo social familiar, só existe na


444

relação com seus filhos, esposa e escravos e mais gente que compunham a sua família

“completa”. Afinal, se “a mão separada do corpo não é mão senão pelo nome”, com a

cabeça, o pater familias, não poderia passar diferente.

Abreviações usadas nesse capítulo:

ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande


LBat – Livro de Batismo
RAE – Real Academia Española
RG – Rio Grande

Fontes e referências bibliográficas usadas nesse capítulo:

Fontes primárias manuscritas:


ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livros 1o, 2o, 3o e 4o de Batismos da Vila do
Rio Grande. 1738-1763.

Fontes primárias publicadas:


A ARISTÓTELES. Política. s/l: El Aleph, 2000. www.elaleph.com

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2005.


BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino - 1712. . Rio de Janeiro: UERJ, 2000
DA VIDE, Sebastião Monteiro. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra: Colégio das
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OROZCO, Sebastián de Covarrubias. Tesoro de la Lengua Castellana, o Española, compuesto por el
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REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de Autoridades. Madrid: Real Academia Espanola, 1726-
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Livros, artigos, teses e disserrações:


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Considerações Finais

O que aqui se apresentou, é resultado de muitas experimentações. As primeiras

considerações são feitas, portanto, acerca dos métodos e das ferramentas empregadas.

Começa-se, então, pela construção de uma base de dados para uso com o cruzamento de

fontes nominais. Esta base de utilidade inconteste, foi sendo modificada ao longo do

trabalho de pesquisa, re-adequada com acréscimo de campos que se mostraram necessários

e eliminação dos obsoletos. Houve a necessidade da geração de uma segunda e uma

terceira bases associadas a ela, para comportar sortes de dados extraídos de um único tipo

de documentação e, portanto, contendo dados específicos a ela de modo mais completo

mas que poderiam ser acrescentados de modo sucinto na ficha de entrada. Com toda a

certeza, a configuração atual ainda não é inteiramente adequada para responder novas

questões que surgiram. Mais modificações já estão previstas, talvez mesmo com alteração

na metodologia de composição das fichas nominais e nas tabelas de dados.

Ao longo da pesquisa também verificou-se que, como alertaram autores que

trabalham com essa metodologia, que é muito mais fácil coletar e registrar os dados de

pessoas pertencentes às elites do que para as pessoas comuns. As pessoas e as famílias com

posição de destaque nessa sociedade têm registradas as suas atividades e seus eventos

vitais de maneira muito mais completa do que o resto da população. Por mais que seus
447

nomes variem ao longo do tempo, por mais que mudem o local de moradia ou que tenham

ingresso em outros corpos sociais, sociedades, atividades várias, sempre são registrados

dados complementares que auxiliam na identificação positiva dessas pessoas. A gente

comum, os soldados de baixa patente, os camponeses, os peões, os índios, os escravos, os

pardos, os forros, esses possuem registros sumários além de variações grandes na escrita

do nome, na designação do local de origem, na filiação, no nome dos cônjuges. Isso,

quando aparecem esses dados complementares em vez de ficarem restritos a um “João,

pardo” ou uma “Maria”, simplesmente. Não havendo nenhuma sorte de dados

complementares que dessem uma “âncora” a essas pessoas, fosse a um grupo de

atividades, de origem, de inclusão em alguma família, fica impossível a associação a outro

“João, pardo” e a outra “Maria” que, por ventura, surjam na documentação.

De um lado, mostra a limitação do emprego do método para a conexão desses

registros batismais a outros, por mais que haja empenho e esforço do pesquisador, uma

parcela considerável da população jamais terá suas histórias de vida e suas trajetórias

investigadas de maneira minuciosa. Entretanto, também deixou claro que uma parte desses

setores sem muita expressividade, que por alegada falta de fontes jamais foi explorada de

modo intensivo ficando suas existências expressas em alguns parcos números frios,

ganharam vida e substância em suas relações sociais. Não sendo a análise quantitativa e a

análise qualitativa excludentes, a associação de ambos deverá, na maior parte das vezes,

resultar benéfica.

Quando no desenvolvimento da pesquisa viu-se que a presença de homônimos e a

inconstância na designação dos agentes sociais eram freqüentes, houve a necessidade de

considerar o nome próprio das pessoas como um objeto de estudo, problematizá-lo e tentar

entendê-lo. Como conclusão, chegou-se a certeza de serem os nomes – prenomes e

sobrenomes – construções dos sujeitos históricos. Compunham parte do patrimônio que


448

pertencia às famílias e que poderia ser negado ou legado a quem merecesse ou não o seu

uso. Pouco se avançou no sentido de encontrar uma lógica quase que cartesiana na

transmissão destes nomes. Mas avançou-se na medida em que se percebeu que a lógica que

existe não é a semelhante à que hoje vigora. Essa lógica pertencia aos que viveram o

século XVIII e que usavam esse bem construído para reiterar posições sociais, rememorar

ancestrais de destaque. Também viu-se que a mobilidade espacial e social por vezes ficava

registrada nas alterações do nome: a incorporação de um sobrenome ou o abandono de um

nome marcado por infortúnios em detrimento de um novo, sem mácula, sem “currículo”.

Espera-se, com isso, despertar maior interesse por estudos onomásticos que venham a dar

elementos de comparação dessas práticas para distintos locais da Colônia e do Império

Português, para que a discussão sobre essa estratégia construída para a geração de

pertencimentos a grupos sociais e familiares possa ser aprofundado.

A adoção de prenomes e sobrenomes era um dos indicadores visíveis de inclusão

em grupos sociais e principalmente familiares, de onde os que compartilhavam esse

mesmo bem familiar eram partes integrantes das famílias. Com isso, pensa-se ter chegado

a um tipo de família bem mais abrangente do que excludente, haja vista agregados, índios e

escravos muitas vezes compartilharem os sobrenomes da família senhorial, apontando

diretamente para a sua inclusão naquela família hierarquizada ou casa no sentido que

alguns dicionários da época a definiam.

Ao mesmo tempo, as definições dos dicionários e mesmo as definições filosóficas

do que seriam a família, cotejadas com o direito vigente à época, indicam seu

funcionamento como um corpo social, no qual era necessário partes com funções distintas

para que o todo pudesse operar de modo harmônico. Disso, novamente, decorre a

necessidade de inclusão de pessoas situadas nos estratos subalternos da sociedade e com

vínculos nessas famílias.


449

Recuperou-se a noção de que família não é uma “coisa” em si, mas é um conjunto

de relações. Segundo Aristóteles, três eram as básicas e necessárias para a sua existência:

marido e mulher, pais e filhos e senhor e escravo. A igualdade entre os sujeitos seria

nociva à sociedade e, não poderia deixar de ser diferente, também nociva à família. A

manutenção de distintos estatutos sociais internos à família vem a mostrar que mesmo as

famílias consideradas de elite tinham entre seus membros pessoas que não partilhavam do

topo da hierarquia social da localidade. Ao mesmo tempo, isso vem a mostrar também que

as famílias de elite eram como que uma “fatia dessa sociedade”, possuindo representação

em muitos estratos sociais e, por conseqüência, estavam relacionados com eles de

múltiplas maneiras. Um capitão ou um juiz de órfãos poderia ter como membro de sua

família ritual ou pela abrangência que assumia esse conceito, um camponês seu agregado,

compadre ou afilhado.

Os critérios de inclusão nessas famílias parecem muito mais de acordos de

aceitação da hierarquia e do mando com deveres e direitos recíprocos do que regras

formais tais como haver nascido de um de seus membros. Isso faz com que sejam mais

compreensíveis as variações que se percebem na configuração das famílias. Cada uma

tinha a abrangência que a situação social dos seus membros postos em relação permitia. A

continuidade das relações das famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos, Antônia de

Morais Garcês e Domingos Gomes Ribeiro mostram quão incorporadora pode ser essa

instituição, a ponto de alguns dos escravos do defunto Antônio Gonçalves dos Anjos e de

propriedade da viúva Antônia de Morais Garcês serem ditos escravos de Domingos Gomes

Ribeiro, o novo cônjuge de Dona Antônia. Mais do que a propriedade legal dessa

escravaria, o que é evidenciado estarem sob o mando de um outro chefe de família e a ela

pertencerem. Ou seja, a família amplia-se sem que se tenha a priori, a extensão da mesma.

Mostrou-se com exemplos que dependiam das regras de aceitação inerentes a cada uma
450

delas, sempre situadas dentro de um universo limitado de possibilidades, ditado pelas

regras sociais próprias do tempo e do local.

Com o auxílio da metodologia da análise de redes sociais mostrou-se também

quão peculiares podem ser os vínculos entre os partícipes de uma mesma família. A

representação gráfica dos casais de genros de Antônio Furtado de Mendonça uma certeza

ficou: por vezes um subalterno poderia estar muito mais inserido, através da quantidade e

qualidade de relações que teceu nesse ambiente social do que um membro “legalmente”

participante dele. O genro preterido às relações de compadrio e nas sociedades é um dos

familiares dessa casa apenas por seu casamento, ao passo que algumas das escravas eram

simultaneamente mães, madrinhas, afilhadas e comadres de outros partícipes.

Com as representações gráficas experimentadas para as relações dessas famílias,

evidenciou-se de forma visual aquilo que fora percebido nos números coletados que

compõe os quadros dos compadrios das famílias: as mulheres tinham relações sociais,

familiares e religiosas muito expressivas e por conseqüência, seu papel dentro das famílias

e nessa sociedade era muito mais notável do que as tarefas domésticas e de criação dos

filhos que lhes podiam ser designadas.

De algum modo, a criação do tecido social passava pela participação das mulheres

muito mais pelas mulheres do que por seus maridos. Sem possuir cargos públicos, sem

exercerem ofícios régios, contratos de cobranças de taxas, sem terem função militar, a

essas mulheres recorriam um grande número de pessoas a oferecerem-lhes filhos para

batizar e por conseqüência o ingresso em suas redes de parentesco fictício. A elas era

devido o respeito e a deferência sem que houvesse motivo outro senão a busca voluntária

por integrar seus grupos de afinidades familiares ou religiosas. A captação de apoiadores às

famílias de elite passava, portanto, pela atuação dessas mulheres nos batismos e no bom

cumprimento do que delas pudesse se esperar como boas madrinhas. A reiteração ao longo
451

do tempo desses convites ao compadrio denotam que elas sabiam como responder a essas

expectativas.

Se nos modelos pensados para a família colonial cabe à mulher casada a

subordinação ao poder de seu marido, a quantidade de relações captadas por ela e que eram

patrimônio familiar faz com que essa subordinação também tenha uma possibilidade de

barganha, haja vista nenhum marido em sã consciência desejar perder, em nome da própria

família, tão hábeis angariadoras de simpatizantes e apoiadores. Ainda que não se tenha

avançado no sentido de um estudo de gênero, aponta-se aqui novo caminho para repensar o

papel da mulher nessa sociedade colonial. Ao que tudo indica há que se relativizar em

muito a inferioridade social feminina. Novamente, a partir desse experimento, há o

chamamento a mais interessados para que se aventurem por esses caminhos, criando massa

crítica suficiente para que os saudáveis diálogo e debate entre investigadores possa ocorrer.

Através das relações de compadrio também foi possível concluir que uma das

fontes de poder nessa localidade de instabilidade social e política, muito por estar sujeita a

guerras e invasões, eram justamente as relações tecidas na pia batismal. A autoridade

delegada sobre amplos setores sociais, já que percebeu-se, através dos compadrios

buscados pelos imigrantes dos Açores, a existência de padrinhos favoritos não era feita

apenas por processos “legais” de delegação de poder, tais como eleger um notável para

cargo na Câmara. Antes, era mais visível nessa sociedade a entrega de um bem maior que o

direito de estabelecer preços e taxas ou permitir e proibir certas práticas. A conquista de

apoiadores e de protetores era feita mediante a entrega de um dos filhos como filho

espiritual ao padrinho em questão. Convidava-se uma pessoa a ingressar na família de

modo ritual e com apoio nas crenças do catolicismo. Entregava-se um filho – ou seja o

futuro de uma família – à proteção de um padrinho. Com isso tornavam-se também

protegidos e credores de bem de igual importância. A impossibilidade de igualar o bem


452

ofertado pelas famílias de posição social mais baixa cativava homens e mulheres situados

em posições sociais mais elevadas.

Percebeu-se que o simples fato de ter nascido em uma família com estatuto

superior nessa sociedade não era suficiente para que isso continuasse até o fim da vida.

Havia a necessidade de reiterar essa posição e uma das formas de fazê-lo era deixando-se

cativar e caindo em dívida moral, ética e religiosa com os subalternos nessa sociedade. São

relações tensas e que da atuação dos dois setores representados nela podia depender a paz

social. Essa relações tensas também revelam que para além das “revoltas populares” ou

qualquer outro tipo de beligerância clara e explicita, os setores subalternos tinham um

poder de barganha muito forte nas relações com a elite. Eram seus credores e se não

fossem de tempos em temos satisfeitos com dádivas menores, poderiam não repetir os

convites, deixando o padrinho bem situado sem uma base de apoio que desse sustento às

suas ações em seu próprio meio, no qual disputava recursos sociais, políticos e econômicos

com seus pares. Manter a popularidade em meio ao setores subalternos era chave para o

equilíbrio entre os membros da elite. Ao mesmo tempo, requeria reiteradas ações para que

essa popularidade se mantivesse.

Com isso, esses laços, internos ou externos às famílias, ganham dimensão para

além do parentesco espiritual e para os deveres correlatos ao batismo. Assumem portanto,

dimensões políticas e denotam estratégias, também políticas, pensadas e postas em

execução para lá de um par de anos. Os “todo-poderosos” chefes de famílias pertencentes à

elite não podiam tanto assim. Tinham de regular suas ações para não perder suas bases

sociais que davam sustento à sua própria posição social. O estudo das relações internas e

externas à família ganham com isso uma nova possibilidade de investigação.

A partir daí, detectar a existência dessas relações não apenas através do

compadrio, mas com a utilização de outros vínculos entre as pessoas, tais como o
453

pertencimento a irmandades, a grupos de ofício, aos corpos militares, às associações com

fins beneficentes, etc. podem levar à descoberta de outras fontes de poder político e de

espaços de negociação entre membros de um mesmo grupo social ou de grupos sociais

distintos.

De todo o mais que poderia ser dito aqui, abrevia-se para destacar apenas mais um

ponto e que perece por demais importante para o estudo dessas situações de fronteira,

muito mais as que não estavam ainda formalmente definidas. Ante as incertezas do

amanhã, no qual podiam ser perdidos bens e posses, patrimônio mais duradouro e que

maior “liquidez” existia nessa sociedade eram as relações construídas entre os membros

dela. Estas relações não demandavam recipientes próprios ou meios de transportes para se

realocarem. Elas estavam presentes nos tempos de paz, nas fugas, nas migrações, na

prosperidade e eram a riqueza de quem se via na miséria. Contar com um familiar, com um

compadre, com um padrinho podia ser o único recurso e única fortuna perene para as

famílias que tiveram que deixar tudo para trás. Algumas por mais de uma vez.

Parece claro, ao se acompanhar por uma geração a criação de laços de parentesco

ritual ou fictício à pia batismal de certas famílias que o investimento nessas relações, com

tudo que pudesse acarretar, inclusive dispêndios em auxílios com alimentação, pequenos

presentes, vestimentas e outros que pudessem estar obrigados, esses podiam ser

investimentos na ampliação futura das redes de compadrio e, portanto, no aumento de uma

sorte de bens que, sem passar pelo mercado, forneciam aos seus detentores prestígio,

poder, acesso a cargos e terras.

Com os compadrios tecidos entre setores sociais de estatutos sociais diferentes –

por vezes muito distantes na escala social – acredita-se ter percebido, com auxílio da

antropologia social e de estudos específicos acerca da dádiva, um locus da gênese – ou

epifania, como quer Godelier – do poder nessa sociedade, bem distinta das sociedades por
454

ele estudada por apresentar auto grau de complexidade em suas instituições tais como o

Estado e a Igreja. Tendo claro que, como foi dito no parágrafo anterior, nem todos os bens

passavam pelo mercado, havendo por um lado, um baixo grau de monetarização nessa

porção das terras coloniais ao período analisado e, por outro, certos aspectos da vida nas

quais se realizavam trocas com bens cujo valor é impossível de atribuir em moeda ou

outros bens, viu-se que os convites ao compadrio, a aceitação do mesmo e a possibilidade

de recíproca na oferta de afilhados são exemplos de bens que podem ser retidos para o

engrandecimento de quem os recebeu. O poder delegado quando dessa troca, não a “coisa

poder”, que uns têm e outros não, mas a relação que entre uns e outros de posições sociais

e econômicas diferenciadas mantêm vem a reviver algo que tinha perdido muito de sua

dimensão dinâmica. Ao menos uma parte do poder das elites coloniais emanava dessa sorte

de relações que, como visto, necessitava de constante reiteração e de satisfação de ao

menos parte das demandas dos setores situados nos patamares mais baixos da sociedade

para continuar existindo como tal. Com isso politizam-se relações que podiam ser vistas

apenas como relações de opressão e coerção nas quais aos escravos, aos forros, aos pobres,

enfim aos despossuídos só cabia aceitar ou reagir com fugas ou revoltas. Tornam mais

complexas as percepções do viver nessa sociedade e demonstram serem mais tensas e sutis

os mecanismos de reiteração das posições sociais. Tornam-se maiores as possibilidades de

arranjos dessas relações e de arquitetar estratégias para além do prato de comida do dia

seguinte. Recobram-se a agência e os agentes sociais que quedavam quase que imóveis.

Assim, encerra-se esse: apontando algumas áreas de pesquisa para a história de

situações de fronteira do período colonial que demandam investigação. Algo foi feito aqui

nesse sentido e, como pode ser percebido ao final de cada um dos capítulos apresentados,

muito ainda há por fazer, muito ainda há por investigar acerca das sociedades das

fronteiras da Colônia.
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