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HOLLYWOOD
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Segundo o historiador francês Robert Darnton (1986), na versão primitiva, o príncipe encantado, que já era
casado, estupra a princesa adormecida. Após ter filhos como resultado desse ato de violação, a princesa só
desperta quando um dos bebês morde seus seios durante a amamentação.
espíritos demoníacos, entendendo-os como signos de uma forma de narrativa
disciplinar, para finalmente confrontá-la internamente.
Para constituir o corpus deste artigo, serão analisados alguns dos
principais filmes de terror com temática de exorcismo, a saber, O Exorcista (1973),
O exorcismo de Emily Rose (2005), O último exorcismo (2010) e o recente e bem-
sucedido Invocação do Mal (2013). Todos esses filmes, de alguma forma, encarnam
os processos ideológicos que legislam sobre os corpos as normas de seu
funcionamento no capitalismo tardio.
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THE POSSESSION of Michael King. Direção: David Jung. Los Angeles, California: Gold Circle Films, 2014. 1 DVD
(83 min.).
condições subjetivas para constituição do ser, e é exatamente por isso que a
subjetividade feminina é entendida de forma tão precária. Diante do
desenvolvimento histórico da civilização, principalmente a partir do surgimento da
propriedade privada e da necessidade de sua perpetuação através das heranças, o
homem se impôs como o sujeito que determina a posição de objeto da mulher.
Ambos os papéis sociais se compreendem subjetivamente através de seus corpos,
mas o corpo feminino é decomposto, em diversos níveis de violência material e
simbólica, até ser submetido aos ditames da dominação masculina e apartado da
sua transcendência egóica, mantendo-se marcadamente como objeto.
Nesse sentido, a personagem feminina é mantida, nas representações
cinematográficas, em sua situação de opressão social na medida em que se efetiva
como não-personagem, como o Outro, como objeto de uma ação intrusiva. Haja
vista que não passa de um invólucro que abriga a verdadeira personalidade
diabólica. Assim, a consciência da mulher possuída conhece somente essa
deterioração subjetiva.
As narrativas de horror sempre permitem que o espectador sinta certa
ansiedade através de uma aura de desconfiança em torno da mulher: qualquer
atividade fora da ordem, um mal-estar ou comportamento irritadiço, isto é, qualquer
perturbação que interfira no sorriso leve, na docilidade infantil ou no ânimo materno
é o prenúncio de que, a qualquer momento, o demônio irá emergir. O interessante é
que somente no instante em que a mulher encarna o Diabo no corpo é que ela pode
ser reconhecida como sujeito, como personagem em si. Isso ocorre simplesmente
porque o demônio é uma entidade masculinizada no imaginário coletivo.
É desta forma que devemos encarar a cena em que a pequena Regan
MacNeil gira a cabeça em 180º e fala com uma voz de um homem de 40 anos, pois
o que isso realmente representa é uma inversão subjetiva no procedimento da
verdade. Esse é, inclusive, o evento que faz a mãe recorrer ao padre Karras. Não se
trata meramente de uma descrente passar a crer que sua filha está possuída pelo
demônio, talvez seja exatamente o oposto: Chris MacNeil procura o padre exorcista
porque o abismo a olha de volta, porque finalmente se depara com o eco dos
desejos e dos impulsos libidinais da filha na voz diabólica. E, nessa experiência, há
um fio de humanidade que resiste.
Em outro filme, há uma cena em que a mãe de Emily Rose, numa
conversa informal com a advogada de defesa, diz que a “sua” Emily era muito mais
feliz antes de entrar para a faculdade, o que parece apontar para a ideia de que,
antes dos ambientes universitários e do conhecimento “afastá-la de Deus”, o
demônio não fazia parte da vida de Emily. Em ambos os casos, afirmar o demônio é
uma forma de negar a filha.
Regan e Emily possuídas representam claramente o que Sigmund Freud
denomina de O Inquietante (Das Unheimliche), não tanto pela aparência horripilante,
e sim pela presença fantasmagórica de um Ser que não poderia ser em plenitude,
mas apenas em certo nível de desbotamento ontológico. Basicamente, a possessão
encarna aquilo que deveria manter-se na ordem do reprimido e volta à tona
(FREUD, 2010, p. 269). Esse objeto infamiliar é já conhecido, e assombra assim
mesmo (ou por isso mesmo) a mãe castradora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
LACAN, J. O seminário, livro 20. Mais, ainda. Trad. M. D. Magno. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1985.
ZIZEK, S. O absoluto frágil. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2015.