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Os caminhos da inclusio: breve histdérico Evanir Abenhaim’ O fim do século XX foi marcado por uma inquietagdo mundial em relagao 4 globalizagéo. A interdependéncia entre as nagdes aumentou, nos planos econdmico, cientffico, cultu- ral, politico e ambiental. As relagdes internacionais se expan- diram ampliando a necessidade de maior aproximag3o entre os Ppovos; conseqiientemente aumentou a dificuldade de convivio diante da diversidade. A Unesco (Organizagao das Nagdes Unidas para a Educa- go, a Ciéncia e a Cidadania), percebendo a urgéncia de apro- ximar 0s povos na tentativa de minimizar os conflitos, elegeu a educagao como eixo articulador do desenvolvimento e decidiu assumir como prioridade propiciar discussdes sobre a necessi- dade da universalizagdo da educagdo bdsica e criar uma politi- ca de educagio para a paz. * Psic6loga formada pela UFBA. Especializada em Educasfo Estética, Semi6rica e Cultura pela UFBA. Mestranda em Educagao também pela UFBA. Especialista na Teoria da Modificebllidade CCognitiva Estrutural pelo ICELP-- Israel. Trabalha com pessoas que apresentam funcionamento cogmitivo diferenciado e ¢ Consultora da FundagSo Luis Eduardo Magalhaes para assuntos de Educagio. 40 Evanin ABENHADM Nos paises em desenvolvimento, entre eles o Brasil, a difi- culdade de acesso e permanéncia na educagio bsica e a baixa qualidade da escola atingiram nfveis insuport4veis. Em 1990, como agdo primeira, a Unesco realizou a Confe- réncia Mundial sobre Educagao para Todos, que estabeleceu seis metas mundiais para educagio: * expandir e melhorar a educago e cuidados com a in- fancia, visando em particular as criangas em situagdo de vulnerabilidade; * assegurar para todas as criangas, especialmente meni- nas, criancas em circunstancias dificeis e provenientes de minorias étnicas, o acesso a uma educagio prim4ria universal de boa qualidade; © assegurar que as necessidades bdsicas de aprendizagem dos jovens sejam satisfeitas de modo eqiiitativo, por meio de acesso a programas de aprendizagem apropriado; * atingir, até 2015, 50% de melhoria nos nfveis de alfabe- tizagao de adultos, em particular para mulheres, em conjungao com acesso eqiiitativo 4 educacdo basica e continuada para adultos; * eliminar, até 2005, as disparidades de género na educa- go priméria e secundaria e atingir, até 2015, a igualda- de de género no acesso & educacdo basica de qualidade; * melhorar todos os aspectos relacionados com a quali- dade da educagao, de modo a atingir resultados reco- nhecfveis ¢ mensurdveis para todos, particularmente em alfabetizacdo, aritmética e habilidades (Unesco, 1990). A Conferéncia Mundial sobre Educagio para Todos ge- Tou, em novembro de 1991, a Conferéncia Geral da Unesco, quando se decidiu convocar uma comissao internacional en- carregada de refletir sobre educar e aprender no século XXI. Em margo de 1993, um ano e quatro meses depois, foi oficial- mente criada a Comissao Internacional sobre Educag3o para 0 (Os CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORICO Século XXI, presidida por Jacques Delors. Essa Comissao teve a missdo de estudar ¢ refletir sobre os desafios para a educagdo apresentar sugestdes e recomendagées em forma de relatério, para, a partir dele, serem desenvolvidas as politicas pablicas ¢ as prati- cas educativas, notadamente nos pafses em desenvolvimento. A Comissio Internacional sobre Educagdo para o Século XXI orientou seus trabalhos em seis principios que considera- ram fundamentais para todos que est4o implicados no processo educativo. Esses principios sao: * a educacado é um direito fundamental da pessoa huma- na e possui um valor humano universal; a aprendiza- gem e a educagio sao fins em si mesmos, constituem objetivos a alcangar, tanto pelo individuo como pela socicdade; devem ser desenvolvidos e mantidos ao lon- go de toda a vida; * a educagao formal ¢ néo-formal deve ser util A socie- dade, funcionando como instrumento que favorega a criag&o, 0 progresso e a difusdo do saber e da ciéncia, colocando o conhecimento e 0 ensino ao alcance de todos; * qualquer polftica de educagdo deve se orientar pela tipla preocupacgdo com eqilidade, pertinéncia e exce- léncia; procurar associat, harmoniosamente, esses trés objetivos é uma tarefa crucial para todos os que parti- cipam do planejamento da educagao ou da pratica educativa; * a renovacio da educagio e qualquer reforma corres- pondente devem se basear numa anilise refletida e aprofundada das informagdes de que dispomos, a res- peito de idéias e praticas que deram bons resultados, ¢ na perfeita compreensio das exigéncias préprias de cada situag4o particular; devem ser decididas de comum acordo, mediante pactos apropriados entre as partes interessadas, num processo de médio prazo; 42. Evanar ABENHAIM * sea grande variedade de situagdes econdmicas, sociais e culturais exige, evidentemente, diversas formas de de- senvolvimento da educago, todas devem levar em con- ta os valores e preocupagdes fundamentais sobre os quais jA existe consenso no seio da comunidade internacional eno sistema das NagGes Unidas: direitos humanos, tole- rancia e compreenséo mdtua, democracia, responsabili- dade, universalidade, identidade cultural, busca da paz, preservacao do meio ambiente, partilha do conhecimento, luta contra a pobreza, regulagio demogrdfica, satide; * a responsabilidade pela educagio corresponde a toda a socicdade; todas as pessoas a quem diga respeito e to- dos os parceiros — além das insticuigdes que tém essa missao especffica - devem encontrar o devido lugar no processo educativo (Delors, 2001, p. 274-275). Naquele mesmo perfodo, havia um movimento mundial em favor das pessoas com necessidades educativas especiais. Esse movimento propunha a inclusdo social dessas pessoas € nao estava satisfeito com a tentativa de integragio que vinha acontecendo nas escolas regulares, quando elas eram coloca- das em classes especiais. Analisando mais detalhadamente a proposta de Educagio para Todos e percebendo a necessidade de explicitar o lugar das pessoas com necessidades educativas especiais nessa pro- posta, representantes de 92 governos e 25 organizagées inter- nacionais realizaram a Conferéncia Mundial sobre Necessida- des Educativas Especiais, na cidade de Salamanca, Espanha, de 7 a 10 de junho de 1994. A Declaragao de Salamanca, como ficou sendo nomeada essa Conferéncia, ratificava 0 compromisso com a Educagdo para Todos e apontava para a necessidade de todas as pessoas, inclusive aquelas com necessidades educativas especiais, esta- rem inclufdas no sistema comum de educagao. Essa Declara- ¢4o proclama que: MINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORICO 43 * todas as criancas, de ambos os sexos, tém como direito fundamental a educacio e a elas deve ser dada a opor- tunidade de obter e manter um nivel aceitavel de conhecimentos; * cada crianga tem caracteristicas, interesses, capacida- des e necessidades de aprendizagem que lhes sao préprios; © os sistemas educativos devem ser projetados ¢€ os pro- gramas aplicados de modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes caracterfsticas e necessidades; * as pessoas com necessidades educativas especiais de- vem ter acesso As escolas comuns que deverdo integré- las numa pedagogia centralizada na crianga, capaz de atender a essas necessidades; * as escolas comuns, com essa orientagdo integradora, representam o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatérias, criar comunidades acolhedoras, cons- truir uma sociedade integradora e dar educagio para todos; além disso, proporcionam uma educacio efetiva & maioria das criangas e melhoram a eficiéncia e, cer- tamente, a relagdo custo-beneficio de todo o sistema educativo (Unesco, 1994). Essa mesma declaragéio conclama os governos a: ¢ dar a mais alta prioridade polftica ¢ orgamentdria & melhoria de seus sistemas educativos, para que possam abranger todas as criangas, independentemente de suas diferengas ou dificuldades individuais; * adotar, com forga de lei ou como politica, o principio da educagdo integrada que permita a matricula de to- das as criangas em escolas comuns, a menos que haja razOes convincentes para o contrério; © desenvolver projetos demonstrativos ¢ incentivar inter cambios com pafses com experiéncia em escolas integradoras; 44 Evanir ABENHAIM * criar mecanismos, descentralizados e participativos, de planejamentos, supervisao e avaliago do ensino de crian- gas e adultos com necessidades educativas especiais; * promover e facilitar a participagdo de pais, comunida- des ¢ organizagdes de pessoas com deficiéncia no pla- nejamento e no processo de tomada de decisdes para atender a alunos e alunas com necessidades especiais; * despender maiores esforgos na pronta identificagéo ¢ nas estratégias de intervencao, assim como nos aspec- tos profissionais; * assegurar que num contexto de mudanga sistematica, os programas de formacio do professorado, tanto inicial como continua, estejam voltados para atender as ne- cessidades educativas especiais nas escolas integradoras (Unesco, 1994). Apesar de todo esforgo pela inclusio, ainda percebemos que permanece o discurso da integragdo, que nao é o mesmo da incluso. Na integragao o sujeito tem que se preparar para estar com os outros, existem caracterfsticas estabelecidas e 0 sujeito é avaliado, podendo ser ou nao aceito no grupo. Nesse modelo, o psicélogo tem muita utilidade porque € um dos pro- fissionais mais habilitados para “medir cientificamente” 0 ser humano. Na inclusio, 0 sujeito € visto como potencialidade ¢ h4 um esforco social para ajudé-lo a desenvolver seu potencial. Em 1996, erés anos depois de ter sido criada, a Comissio Internacional sobre Educag4o para o Século XXI, presidida por Jacques Delors e composta por representantes dos cinco conti- nentes, divulgou finalmente seu relatério, que depois se trans- formou no livro Educagdo: um tesouro a descobrir. Essa publicag’o, cujo objetivo era ser a referéncia mundi- al para os governos definirem as polfticas pablicas em educagéo € os agentes financiadores, principalmente o Banco Mundial, desenvolverem suas propostas de ajuda financeira aos pafses em desenvolvimento, propGe: (Os CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORICO 45 Para poder dar resposta ao conjunto das suas missdes, a educagdo deve organizar-se em torno de quatro aprendi- zagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serio de algum modo para cada indivfduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensdo; aprender a fazer, para poder agir sobre 0 meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as trés precedentes. E claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas miltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta (Delors, 2001, p- 89-90), Em 25 de abril de 2000, quatro anos apés a publicagao do Relatério e dez anos apés a Conferéncia Mundial sobre Educagao para Todos, foi elaborada, em Dakar, a Declara- ¢40 das ONGs, com a presenca de cerca de 300 entidades, quando foi avaliado o resultado da Conferéncia Mundial sobre Educacgao para Todos. Concluiram que, apesar de re- conhecerem a relevancia da proposta de educag4o para to- dos, os objetivos nao tinham sido alcangados: muitos milhdes de criangas estavam fora da escola e 880 milhdes de adultos ainda eram anaifabetos. As ONGs, ao mesmo tempo em que se comprometiam a trabalhar e cooperar para alcangar a meta de Educagao de qua- lidade para Todos, exigiam maior compromisso dos governos e das agéncias internacionais pata que os objetivos da Conferén- cia Mundial sobre Educagao para Todos fossem alcangados ¢ que ficasse assegurado que a proposta de educagao para todos estava voltada para a questo da qualidade e da inclusdo “de todos os grupos marginalizados e exclufdos, como os portadores de deficiéncias, as minorias étnicas, as pessoas internamente deslocadas e os refugiados” (Unesco, 2000). 46 Evantr ABENHAIM A Capula Mundial de Educagdo também se reuniu em Dakar, de 26 2 28 de abril de 2000, quando mais uma vez, 0 resultado da Conferéncia Mundial foi avaliado. Consideraram que houve progresso significativo em muitos paises, mas consi- deraram inaceitavel que: no ano 2000, mais de 113 milhdes de criangas continuem sem acesso ao ensino primério, que 880 milhdes de adultos sejam analfabetos, que a discriminagio de género continue a permear os sistemas educacionais e que a qualidade da aprendizagem e da aquisigao de valores ¢ habilidade humanas estejam longe das aspiragdes e necessidades de individuos e sociedade, que jovens e adultos nado tenham acesso as habilidades e conhe- cimentos necess4rios para um emprego proveitoso e para participarem plenamente em suas sociedades. Sem um progresso acelerado na diregio de uma educago para todos, as metas nacionais e internacionais acordadas para a redugao da pobreza no sero alcancadas e sero ampliadas as desigualdades entre nagées e dentro da sociedade (Unesco, 2000). Nesse mesmo documento est4 colocada a proposta da ela- boragao dos Planos Nacionais de Educag4o para Todos sob a lideranga dos governos com a participag4o direta e sistematica da sociedade civil nacional. Em marco de 2001, os Ministros da Educagao da América Latina e do Caribe reuniram-se, a pedido da Unesco, na cida- de de Cochabamba, para desenvolver estratégias que dessem conta de melhorar a qualidade e a eficiéncia da educago. Reconheceram que alguns paises fizeram progressos, princi- palmente no ntimero de criangas matriculadas no sistema esco- lar. No entanto, afirmaram que a regido nao alcangou os objeti- vos propostos. Levantaram ainda o ndmero de criangas que nado s3o matriculadas nas escolas, as altas taxas de repeténcia e eva- so escolar ¢ a falta de qualidade dos servigos educacionais. (OS CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORICO 47 Acribufram & situagao socioeconédmica da regiéo a respon- sabilidade pela redugdo das possibilidades educacionais, afir- mando haver 220 milhdes de pessoas vivendo na pobreza. Declararam a preocupagdo por nao terem sido alcanga- dos os objetivos e exigiram que os.sistemas educacionais apres- sassem o ritmo da sua transformagdo, para que néo se atrasas- sem em relagdo as mudangas que ocorriam em outras esferas da sociedade e pudessem dar um salto qualitativo, conside- rando que sem a educagdo nao € possivel o desenvolvimento humano. Nessa mesma declaragio foi colocada a necessidade da criagéo de um novo tipo de escola, “mais flexfvel e alramente senstvel aos desafios, e que tenha uma efetiva autonomia peda- gégica e administrativa [...] na qual estudantes e professores possam aprender a usar a tecnologia a servico dos seus respecti- vos processos de aprendizado” (Unesco, 2001). Impéem a necessidade de os sistemas educacionais abri- tem oportunidades de aprendizado para cada crianga, jovem e adulto, cultivando uma diversidade de capacitagdes, vocagées e estilos, e dando énfase especial as necessidades especiais de aprendizado [...] garantit que as diferengas individuais, socioeconémicas, étnicas, lingiifsticas e de género nao se transformem em desigualdade de oportunidade ou qualquer outra forma de discriminagao (Unesco, 2001). Treze anos j4 passaram, tantas reunides e conferéncias, tantas propostas apresentadas, tanto “investimento”... mas o que realmente aconteceu!? Houve um aumento significativo no nimero de pessoas matriculadas nas escolas, porém, aumentou também a evasio escolar e a repeténcia. As medidas tomadas, no Brasil, para tentar minimizar esses problemas, o Programa Bolsa Escola e o 48 Evanir ABENHAIM Programa de Erradicagéo do Trabalho Infantil néo consegui- ram os resultados esperados. Todos as avaliagées oficiais do desempenho dos alunos apresentaram resultados abaixo do considerado satisfatério. Melhorou o acesso 3 educagao, porém a qualidade ainda esté muito aquém do esperado e a permanéncia no sistema de ensino ainda no est4 garantida. Aumentou o namero de pessoas alfabetizadas, mas ao mes- mo tempo, houve aumento do desemprego e da pobreza. Nos paises em desenvolvimento, a renda est4 cada vez mais concentrada. Foi elaborado o Plano Nacional de Educag&o que tem como eixo a inclusdo, a Escola de Qualidade para Todos, porém per- manece a proposta da escola especial e das classes especiais. O Plano Nacional de Educagao prope a incluséo mas, em momento algum assume a necessidade de romper com 0 mode- lo de educagiio classificatria e de pensar na educacio inclusi- va, de comegar a construgo da escola para a diversidade hu- mana. Como incluir se no consideramos a diversidade? Ser& que h& realmente um interesse, por parte da Unesco, em realizar alguma coisa, ou h4 apenas o interesse em manter um controle sobre a educagao nos paises em desenvolvimento? Apesar de o BIRD afirmar que teconhece as especificidades de cada pats, sua proposta para melhorar 0 acesso, a eqiiidade e a qualidade dos sistemas escolares é um tinico pacote para to- dos os paises em desenvolvimento. Seré que a proposta de educagio para todos numa escola que exige que todos aprendam as mesmas coisas, a0 mesmo tempo e de uma tnica maneira possibilita a incluso? Onde ficam as diferengas? Quem dé conta da diversidade humana? Quando propomos a escola para todos pensando apenas na identidade, na igualdade, exclufmos a todos pela diferenga. J& percebemos que nao so as metas determinadas a dis- tancia nem o financiamento da nossa educag4o pelo BIRD que OS CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORICO 49 nos garantirao a construgao da escola de qualidade para todos. A educagao de cada povo, de cada regiao, transcende essas regras e é construfda a partir da possibilidade de cada um par- ticipar do processo educativo, favorecendo a socializagéo do saber, as relagdes sociais, a incorporagdo de valores, as decisdes sobre qualidade de vida e a conscientizagao sobre a preserva- ¢do da vida no planeta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional (LDB) coloca a escola como um lugar de destaque para a educagao e afirma que o seu objetivo é o pleno desenvolvimento do edu- cando, seu preparo para o exercicio da cidadania e sua qualifi- cagiio para o trabalho. Parece que esqueceram de conccituar desenvolvimento, cidadania e trabalho. No Brasil, o movimento pela inclusio tomou dois cami- nhos: um chamado de inclusao social e outro, de inclusao es- colar. O movimento de inclusao social trata das minorias ¢ se ocupa principalmente dos afro-descendentes ¢ estd bastante focado nas cotas. O movimento de inclusio escolar se ocupa das pessoas com necessidades educativas especiais e propde al- terag6es curriculares para a inclusdo. E muito dificil aceitar essa diviséo porque ambos os gru- pos tém fortemente marcadas questées sociais impeditivas do desenvolvimento humano e sua participagdo efetiva na sociedade. Considero importante tomar a diversidade humana como foco. Hoje, a maioria das escolas est4 muito distante do que pretendemos que ela seja; limita-se, quando muito, a transmi- tir um saber nao se sabe bem a servigo de que ou de quem esta. Isso exclui, impossibilita, impede, elimina e destréi. Exclui todo aquele que nao corresponde a um modelo pre- viamente elaborado. Impossibilita o caminhar junto da diversi- dade. Impede, em alguns, o desenvolvimento. Elimina muitas possibilidades de troca. Destr6i os sonhos de muitos. 50 EvaNin ABENHAIM Na maioria das escolas ainda temos © aluno que ouve, cala, decora e esquece. Vai 4 escola muito mais pela imposigao social do que pelo que ela pode oferecer. O professor € a Gnica voz, a voz do boneco do ventriloquo que tem num Unico livro didati- co adotado pela escola o roteiro para sua fala. Nao é novidade apontar para a crise que vivemos na edu- cacio, atribui-la a formagao do professor e buscar como solugao um programa de formagdo continuada, atribuindo apenas ao professor a responsabilidade pelo bom desempenho dos alunos. A formag4o continuada é importantissima, mas ela nao pode ser pensada fora de um contexto pessoal-cultural- histéri- co-polftico-social-econémico. A questdo mais importante nao € a formagdo do professor, mas 0 modelo de sociedade e de escola que adotamos. A forma- 40 do professor est4 respondendo ac modelo educacional. Sao tantas e to importantes teorias, mas, geralmente, elas tém servido apenas para facilitar a entrada de mais alguns na “forma”. Nessa escola, onde o foco é 0 contetido e nao a aprendiza- gem, nao hé lugar para a diferenca. O que hé é a adagdo de um modelo de homem ideal, ao qual todos devem corresponder, e um sistema de avaliagio capaz de dizer quem est4 préximo e quem est4 distante desse modelo. A exclusao est4 imposta como o resultado desse sistema. Considero importante 0 foco que o relatério Delors coloca no aprender. Aprender est4 relacionado a um processo que im- plica em desenvolvimento pessoal e social no qual a contribui- cao de cada um é fundamental para 0 resultado de todos; ouvir diversas vozes € fundamental para ampliar a possibilidade de falar e compreender a prépria voz. A diversidade humana é a principal fonte do saber. A di- visdo entre escola especial e escola regular € mais uma tentati- va de homogeneizar, o que é impossfvel diante da diversidade humana. O resultado disso é uma separag4o, marcada pela pre- OS CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE 1H1STORICO- 51 senca de alguém que sabe, é eficiente, perfeito ¢, portanto, normal, e alguém que ndo sabe, que é deficiente, imperfeito, ou seja, anormal. Essa diviséo tao clara quanto destrutiva se reproduz na sociedade impossibilitando a participagdo dessas pessoas escondidas ¢ asfixiadas pelos rétulos. Para pensar em inclusdo é fundamental romper com 0 con- ceito de normal como igual e adotar que normal é a diversida- de. Somos seres tinicos e, portanto, incompardveis. Ninguém é perfeito, todos temos deficiéncias. Esse é um dos nossos pontos comuns, mas temos também mais potencial internalizado do que somos capazes de demonstrat. Todos somos um vir a ser. A escola inclusiva é aquela capaz de trabalhar com a di- versidade humana com qualidade. A inclusao dé muito trabalho, cla nado permite que o pro- fessor, no primeiro dia de aula, j4 saiba como sero todas as suas aulas naquele ano, quais os assuntos que ele vai ensinar, quais os exerc{cios que ele vai passar, quais as provas que cle vai fazer sem dar nenhuma importancia ao que est4 acontecendo com seus alunos. Nao é possfvel aceitar a idéia de que acontega o que acontecer o contetido tem que ser dado. Por mais que tente trabalhar com as diferengas, nossa es- cola jamais conseguir4 porque na verdade nao inclui ninguém. A escola inclusiva nao é aquela que simplesmente coloca para dentro as pessoas com necessidades educativas especiais e depois nao sabe o que fazer com eles. Ela nos mostra que a “ver- dade” que sustenta nossa escola — pensar que todos os que ela “aceita” séo iguais, que precisam aprender as mesmas coisas, da mesma maneira e ao mesmo tempo — é um grande engodo. A escola que temos hoje exclui até quem ela imagina in- cluir. B isso 0 que nos mostra o ndmero de alunos em recupera- ao, a repeténcia, a violéncia e a evasio. °° professor sempre usa como argumento para nao incluir que cle nao est4 capacitado, que ele precisa ser preparado. Mas como poderemos preparar para a diversidade humana? 52 EVANIR ABENHAIM Teremos que atender as necessidades 4 medida que elas surjam, a partir da necessidade de cada sala, de cada escola. Nao sabemos antecipadamente quais as dificuldades que te- remos que superar. Se pensarmos que alguém poderé se capa- citar, por exemplo, para trabalhar com a crianga portadora de sindrome de Down, nao estamos pensando em inclusdo, por- que estamos partindo do principio que toda pessoa com sindrome de Down 6€ igual e, portanto, deve ser assistida da mesma maneira. A inclusio impde um olhar para cada um como um ser em desenvolvimento, que precisa de caminhos para desenvolver seu potencial. Podemos concluir, entio, que a inclusio € um movimen- to que pretende aproximar a todos, sem que ninguém fique de fora. Todos nés a queremos e temos uma responsabilidade muito grande, porque ela depende de cada um de nés para existir. Se alguém pensar que nao tem nada a ver com isso porque nao trabalha em escola, estar deixando de fazer sua parte. Cada vez que aprendemos a aprender e a conviver com. nossas diferengas estamos dando um passo para a conquista da paz no nosso planeta. Ser& que a solugdo € 0 movimento contrario? Em vez de “incluir” os alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular, transformar o ensino regular em educagao espe- cial? Quem se propde a atender as necessidades educativas de cada pessoa? A educagao inclusiva requer radicalidade. Em que nés, psicélogos, podemos contribuir para a inclusio? (OS CAMINHOS DA INCLUSAO: BREVE HISTORIOO- 53 Referéncias bibliogrdficas ALVES, Nilda & GARCIA, Regina Leite (Orgs.). O sentido da escola. 28 ed. 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