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angustia e sintoma associacdo foruns do campo lacaniano tum do Campo Lacenians ern $4 Pay : CHP! 04.723.258/0001.77 vo FOL? stylus revista de psicanalise [ stylus] Rio de Janeiro |n.6]p.1-228 abr. 2003 | fome, © 2003, Associacio Féruns do Campo Lacaniano (AFCL) ‘Todos os direitos reservados, nenhuma parte desta revista poder ser reprocuzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissio por escrito Stylus Revista de Psicanilise € uma publicacdo semestral da Assoctacho FORUNS 10 CaMiro LACANTANO Rua Miguel Calmon, 1210 - Centro Médico do Vale sala 110 40.110-100 ~ Vale do Canela - Salvador ~ BA em afcl@campolacaniano.com.br huip://www.campolacaniano.com.br Comtssao pe Grstio Da ACL Diretor: Jaire Gerbase Secretaria: Clarice Gatto Tesoureira: Angela Dias Equire pe Punticacaoe Stu Angela Diniz Costa Delma Goncalves Graca Pamplona (coordenadora) ASSESSORIA DE EDIGKO Clarice Gatto Projero GrArico paulo de andrade e Séxgio Anténio Silva Revisioe EprToRacAO ELETRONICA 214, casa Inacest pa Cara Enfeite indigena brasileiro, de pena de arara Forouros Higuenacolor InspRessio Marques Saraiva FICHAGATALOGRAFCA, [STYLUS ; revista de psicandlise, n. 6, abril de 2003. Rio de Janciro: Associagio Féruns do Campo Lacaniano, Bem ‘Consetito Eorrorta ‘Ana Laura Prates (AFCL) Andyéa Fernandes (AFCL/UFBA) ___ Angela Diniz Casta (AFCL) Angela Mucida (AFCL/Newton Paiva) Angélia Teixeira (EPCL/UEBA) Daniela Scheikman-Chatelard (AFCL/UnB) Edson Saggese (IPUB/UFR]) Eliane Z. Schermann (AFCL/CES-Juiz de Fora) Elisabete Thamer (doutoranda da Sorbone ~ Paris) Gabriel Lombardi (U. Buenos Aires) Gilberto G. Gobbato (AFCL/U. Tuiuti) Helena Bicatho (AFCL/USP) Katia Botelho (AFCL/PUCMinas) Luiz Carls Nogueira (AFCL/USP) Luiz Andrade (AFCL/UFPB) Marie Jean Sauret (U. Toulouse le Mirail) ‘Nina Araiijo Leite (UNICAMP) Paulo Lima (UFBA) Sénia Alberti (AFCL/UERJ) Vera Pollo (AFCL/CES-Juiz de Fora) Trerce 500 exemplares = | Resumos em portugués © em inglés em todos os artigos. | Periodicidade semestrl | ISSN 1676-157x 1. Psicandlise. 2. Psicanalisias - Formagio. 8, Psiquiauria social. 4. Psicanélise lacaniana. | Paicanilise e arte. Psicanilise e literatura. Psicanilise e politica, EDD : 50.195 5 snuim do Campo Laceniana em Sao Paulo FCL -SP CNPL 04.728.258/0001-77 sumario Editorial ensaios clinicos 9 18 29 38, 50 57 66 73 Antonio Quinet: O sintoma: daquele que engana ao que ndo esgana Dominique Fingermann: Sintoma,.. ou angiistia Clarice Gatto: Las meninas ¢ 0 sintoma Eliane Z. Schermann: Angiistia e sintoma: conjunturas ¢ transbordamento do real Sonia Alberti: O sintoma, a toxicomania Gilberto Génova Gobbato: O sujeito e as fungées do pai Daniela Scheinkman-Chatelard: Do objeto transicional & relagio de objeto Didier Castanet: O real do corpo: fendmenos psicossométicos ¢ sintoma — incidéncias dinicas Eduardo Garcia Dupont: O trabatho ¢ 0 amor: dois para- digmas da clinica psicanalitica diregdo do tratamento 91 99 124 129 136, Angela Mucida: Isso que ndo engana sob 0 que engana Lenita Pacheco Lemos Duarte: O mito da "princesa des- pedacada e da aguia do estresse": a angiistia de uma crianga Maria Madalena Kfuri Mendes: Enquanto hé vida, ha vida... € um sujeito Neusa Santos Souza: O que pode wn analista aprender com os pacientes psicéticos? Silvia Grebler Myssior: O que a psicandlise com crianga nos ensina? Stylus ioe Janero 6 abr. 2003 151 Elisabeth da Rocha Miranda: O percurso conceitual de uma anilise na histeria 159 Delma M* Fonseca Goncalves: A dimensiio do Outro na angiistia psicanalise, estilo, arte 167 Anibal Dreyzin: Algo pelo estilo ou encore écornés 175 Silmia Sobreira: Um significante maltratado revisitando os conceitos 183 Maritza Garcia e Fernanda Dias: Que lugar para a hipo- condria? entrevista 199 Silmia Sobreira entrevista Luiz Carlos Nogueira: Antes ¢ depois de meu encontro com Lacan em Paris, julho de 1977 resenhas 215 Jairo Gerbase: Autres écrits, de Jacques Lacan 217 Elisabete Thamer: Die gnadenlose Liebe [O amor in- clemente], de Slavoj Zitek editorial SozNHo, TAO souNHO, Lacan funda a Escola Francesa’ de Psicandlise, A causa analitica, no cerne que articula a relacao do sujeito em que deriva a causa de desejo, impulsiona, empurra € convoca de modo inelutavel a esse ato de fundagio que o mesmo Lacan fez, ele préprio, equivaler ao ato analitico, Ato analitico que marca, recorta € organiza — por que nao dizer re- ordena? — o laco institucional ¢ 0 trabalho entre analistas. Uma meta é entio, determinada: cumprir um trabalho que restaure a lamina cortante da verdade descoberta por Freud, que ele chamou de psicanilise. Restaurar a prdxis original implicou, desde logo, um inovado modo de relacao ao trabalho, de tal sorte que os analistas nao estivessem a priori garantidos, nem do ato analitico, nem dos saberes instituidos, mas, a0 contrario, a eles foi devolvida a dimensio ética, a exigéncia de expor todo empreendimento pessoal & prova da critica interna ¢ externa. A instituigao psicanalitica ganha, assim, um contorno € um estatuto novos: Escola, definida como uma experiéncia, uma experiéncia inaugural jamais dissociada de uma formacao e que se passa para cada um e para o conjunto dos analistas, E no contexto do ato de fundacao, € no texto no qual propée balizas doutrinais para a instituigao que ele inaugura, a Ata de Fundacdo da Escola Freudiana de Paris’, que vemos destacar-se o lugar formador que Lacan confere ao que se escreve € se publica no campo da psicandlise. Podemos mesmo dizer que Lacan anuncia um dever em publicar, 0 “esfor¢o de publi- cacao” que cabera a sua Escola. Segundo sua proposta, a Escola estrutura-se em um tripé constituido por tés segdes, entre as quais a terceira € a Segito de inventario do campo freudiand', justa- mente a qual caber assegurar “em primeiro plano a exposicao © a censura critica de tudo 0 que oferecem nesse campo as publicagdes que nele se pretendem autorizadas™. Os Féruns do Campo Lacaniano tém hoje sua Escola O relancamento de uma experiéncia, experiéncia inaugural: a Escola de Psicanalise do Campo Lacaniano, a qual a Associagao Féruns do Campo Lacaniano da suporte juridico. Resta-nos atualizar os esforcos que vém expor a verificacao 0 estatuto de Giéncia da praxis analitica. Eis 0 propésito de Stylus, que ora entrega ao piiblico seu sexto nimero. Graca Pamplona Stylus Riode Janeiro on. 6 abr, 2003 Francesa de Psicandise, que Lacanabre ate de fundacéo (21 de junho de 1964), emo: ra posterioimente ndo use mas esse denomnacioparasus.es cola, que seré conheads co- imo Escola reuciana de Pais * Lacan. Ata de Fundegdo da Escola Freudiena de Pars (1964, 0.11) + As outras duas sb0 1! Secéo de psicandise purse 2 Se fo de asicandse anicada, “Lacan Ata de Fundacio da Escola Freuciana oe Pars (op.cit,p.19) referéncias bibliogréficas Lacan, Jacques. (1964) Ata de Fundagao da Escola Freudiana de Paris. Documentos para uma Escola. Letra Freudiana. Rio de Janeiro, Anol, n. 0, p.17-20, s/d. Lacan, Jacques. Nota Anexa. Documentos para uma Escola. Letra Freudiana, Rio de Janeiro, Ano I, n. 0, p.21-3,5/d. Angistia e sintoma ensaios clinicos ~ © sintoma: daquele que engana ao que nao esgana AxTowto Quint (O TiTuLo DESTE TRABALHO EXPRESSA 0 percurso de uma and- lise do ponto de vista do destino do sintoma. |. 0 sintoma enganador O sintoma que leva alguém a procurar uma andlise ge- ralmente faz sofrer, causa dor, esgana. Mas a dor a que o sinto- ma se refere (converses, obsessdes, fobias) nao é exatamente a mesma que gerou sua constituicao. Essa causa ¢ inconsciente, € 0 sujeito a recalca por ser traumatica. Em seu lugar, aparecem outras motivages que convergem para o sintoma, forma mais econémica de © sujeito enganar sua dor. A fobia é um exemplo disso. Recordo-me do caso de uma paciente com medo de ele- vador em cuja anilise esse sintoma representava outro medo: © de ser “presa” facil de um Outro que a deseja. Tratava-se de um “medo de cair" associado a lembranga infantil de uma queda junto com o pai. Os dois tinham caido em um barranco na rua em que morava: rua “sem saida’, A articulagao da queda com © pai A expressio “sem saida” € & recordagio de que o pai nao a deixava sair de casa para namorar constitui a cadeia do sinto- ma da qual faz parte 0 gozo incestuoso de ser presa do pai. O sintoma em sua vertente significante ¢ sempre enganador: ele engana a dor, ¢ o sujeito vai em frente aos tropecos, enga- nado, esganado. A neurose come¢a sempre com uma mentira - Proton pseudos, disse Freud’ —, que nada mais é que o deslizamento feud rojetoparsuaps daquilo que foi traumatico para uma outra causalidade, mais colog cite (1895/ aceitavel. Dai todo sintoma ser “engana-dor”, por mais que 1974) pareca um “eleva-dor”. O sintoma que engana se opée a angiis- tia, que, como Lacan indicou, é 0 afeto que nao engana, nao havendo disfarce quando cle surge. Ja 0 sintoma ¢ facticidade, com varias caras ¢ letras, que se desvela enganadora quando desponta o sinal da angtistia. Ele tanto engana a dor quanto é dor que engana, Outro caso, que me foi relatado em supervisio, deixa bem visivel a constituigdo do sintoma a partir da angiistia. Tra- tavase de uma mulher que usava 0 marido como bengala para se proteger da angiistia provocada pela presenca da mie. Mas Stylus Rio de janeito. on. © p.9-17 abr. 2003 ° Lacan, 0 seminirio: RSL (1974-1975: aul de 10 de ezembo de 1974), Lacan nos diz em semindio- 8S: ala de 14.de janero de 1975, “Lacan, Osemindrio: 2S (op. cit aula de 16 de fevereso de 1975) >tacan Radiophone (1970 2001, p. 40) 10 © marido-sintoma nao era suficiente para combater a angiistia Um dia, ela entrou em casa ¢, ao atravessar 0 corredor que a levaria a0 marido, comecou a sentir falta de ar. A partir de entio, a falta de ar se tornou o sintoma que substitufa 0 marido que nao fazia mais sintoma. O sintoma engana-a-dor: faz. crer que o problema é corporal, quando na verdade a dor se refere a mie. O sujeito da crédito ao sintoma, il croit, Por isso se presta ao deciframento. Mas 0 sintoma encanta ~ é encanta-a-dor. O sin- toma que canta, seus males nao espanta. O sintoma enganador €0 “efeito do simbélico no real” - efeito que esgana o sujeito, nao 0 deixa correr da dor. ‘Ao alertar contra o furor sanandi, Freud aconselhava 0 analista a no combater o sintoma, mas sim a acolhé-lo pelo que traz tanto de engano quanto de revela-dor. Tentar suprimi- lo 6 aumentar seu poder de engano, uma vez que a dor ressur- gird em outro lugar. Contra o sintoma nao adianta um maquila- dor, ansiolitico, antidepressivo ou qualquer outro pharmakin. O inconsciente é contador’, cifrando, contando cada da- do, cada lance, cada lance de dados. Esse contador é o sintoma que conta a vida, conta a morte, conta a dor. O problema é que ele conta mal, vai no maximo até a adi¢o, nao chegando & multiplicagao. E por isso que o sujeito reclama que nao da conta € se sente culpado e em divida com suas contas, pois 0 sintoma nunca paga a quantia correta. Se paga a mais, o sintoma déi - é sinto-mal; se paga a menos, a dor da angustia vem em acréscimo ao sintoma ~ € sinto-mais, De uma maneira ou outra esse sintoma esgana. O sintoma-contador conta 0 goz0, € sua cifra real — sua conta de reais - sio os modos pelos quais 0 sujeito goza do inconsciente. Seu crédito est4 no sintoma, o sujeito da crédito a ele, ily aroit sintoma é um contador privado, extremamente parti- cular, mas nem por isso Lacan elimina seus tipos clinicos, ou seja, sua modalizacao em obsessivo € histérico.' Por ser da ordem da linguagem, o sintoma canta a dor. O sintoma canta e a andlise decanta... decanta a dor. A andlise € decantadora, ao contrario das psicoterapias, que sio decora- doras. Mas o analisante sabe que, na andlise, quem conta um conto aumenta um ponto, pois ao ciframento metaforico do sintoma a andlise ope o metabolismo metonimico da associa- cao livre. Cest un sacré déplacement Traduzindo: Eta desloca- mento danado! A operacao de crédito [ Verschiebung] promovida pela andllise descredita o sintoma-enganador de seu gozo. Angistia e sintoma |. 0 sintoma letra E por meio do decrifamento que o sintoma deixa de es- ganar. Ele pode até cair em desuso pelo sujeito, se este foi capaz de enfrentar a dor do traumatismo nele cifrada. O sintoma que aparece na conjungao do real com 0 simbélico no né bor- romeano a trés, como Lacan desenha em A lerceira — ou seja, 0 sintoma cujo gozo é falico -, € 0 mesmo sintoma como quarto né que amarra os trés registros R, S e I no né de quatro? representacso Pes sintoma Figura 1: NO a trés em Aterceira RSI + Figua2:Néa quatro sintoma Stylus Rio de Janefo on 6 © p.9-17 abr, 2003 nN *Retomo aqui dstingdo proposta por Colette Soler entre sintoma autsta eo stoma boxromeano desenvotvida em semindtio que piotetem Salvador em dezembro de 1997, > Lacan, Osemindno: RS. (90. cit; aula de 14 oe Janeiro de 1975), Ch meu texto de introdugdo 20 livo Nama do Outro: a pparanda e seus fendmencs. * Lacan (1970-1/1987, p 7) A meu ver, a resposta é no, Trata-se de duas representa- ‘Ges distintas do sintoma, No seminario “R.S.1.” Lacan comega com o né de trés, percebendo que ha um +1 que permite aos tés clos se manterem juntos - ¢ a propriedade borromeana; porém nada os diferencia, nao se sabe qual é 0 imaginario, 0 simbélico ou o real, Ao longo desse seminario, passa ao nd borromeano de quatro, nomeando 0 quarto elo como sintoma. No seminario seguinte, propée a gratia sinthoma para designar © sintoma-n6 que amarra os trés registros. Nao se trata, portan- to, do mesmo sintoma. Certo, ambos séo da ordem do real — 0 primeiro consiste no real do gozo falico; © segundo no real do n6. Aqui, 0 sinthoma é signo de gozo, ininterpretavel, inanalisa vel. O primeiro é o que designo sintoma enganador, decifravel, analisivel, cujo gozo é autista e se refere aos tipos clinicos (0 obsessivo com seu pensamento, o histérico com seu corpo, 0 fobico com seu objeto de angiistia). O segundo € o sinthoma borromeano que faz laco social, pois abre a possibilidade de parcerias de gozo.* Proponho essa disting4o para pensarmos 0 sintoma antes ¢ depois de uma anilise, pois nao existe sujeito sem sintoma, Apés uma anilise, o sintoma nem engana nem esgana— ele paira, voa, é, tem gana. Na anilise, diz Lacan, trata-se de enlagar, amarrar de outra forma os trés registros.’ O sintoma enganador, na juncao do real e do simbélico, vai de par ou até mesmo em oposicao a inibicdo ¢ a angistia ~ wés modalidades de esganar © sujeito articuladas aos trés registros. O sinthoma como quarto né é aquele que nao esgana. Ele articula e mantém juntos, porém diferenciados, os trés registros Real, Simbélico ¢ Imagi- nario como né borromeano. Essa articulagao € 0 que sustenta a ex-sisténcia de um sujeito. O sinthoma mantém os furos dos trés registros enquanto tais arejando-os, assim como mantém a abertura prépria ao triskel, centro do n6, impedindo que se feche © que os tés registros colabem, se soltem ou estejam em. continuidade, como na paranéia.* Condigao necessaria para manter a estrutura do n6 ¢ a abertura da causa do desejo - furo em que Lacan localiza 0 objeto a. O sinthoma como quarto né é, para Freud, 0 complexo de Edipo como realidade psi quica que articula o simbélico das representagées do incons- ciente, o real da pulsao sexual ¢ 0 imaginario do corpo € seu narcisismo. A funcao do sinthoma é ser letra, diz Lacan ainda em “RSL”, Diferentemente do significante, simbélico, a letra é real’ A letra é uma cifra de gozo que se faz escrita. O sintoma-letra nao engana a dor, € tampouco esgana o sujeito. O modelo Angistia ¢ sintoma dessa fun¢ao do sinthoma, diz-nos Lacan, é 0 pai que faz de uma mulher causa de seu desejo. O pai aparece como modelo, para ilustrar a funcao do sinthoma de tornar possiveis parcerias... de gozo. E por isso que uma mulher pode ser o sinthomade um homem. Mais que isso, mostra o laco social de parceria que o sinthoma borromeano efetua. O Pai também é modelo desse sinthoma, uma vez. que tem “funcao suplementar” como Nome- do-Pai, Da mesma forma que podemos nos virar sem 0 Pai com a condicao de utiliza-lo, podemos nos virar sem o sinthoma com a condicao de nos servirmos dele. Dito de outra forma: identi- ficarmo-nos com ele, sabendo dele guardar distancia.” Aléngua, sem a qual nao ha letra, é um conceit que Lacan introduz nos anos 1970." Lalangue, termo mais préximo da “lalago” da infancia, € o que constitui o sintoma como letra, como maneira de gozar do inconsciente. A maneira como alin- gua foi falada e ouvida ser4 sintomatizada pelo sujeito. O sinthoma é feito com o que ficou, os detritos da agua da linguagem que agarraram na peneira e que fazem coalescéncia com o real. Com a letra, chega-se ao “criancamento” das palavras, “la onde elas ainda urinam na perna”, como diz Manoel de Barros. As- sim, o sinthomasletra articula os significantes d’alingua com © goz0. Mas como fazer em uma anilise para que alingua se pre- cipite na letra que faz sinthoma? O préprio Lacan nos da a indicagéo: “domar o sintoma até o ponto em que a linguagem possa dele fazer equivoco, é dai que se ganha o terreno que separa o sintoma [...] do gozo falico". Ao entrar no meio aquatico, Lacan indica que o sintoma no banho da linguagem é como “um peixinho cuja boca voraz 86 se fecha ao ser-Ihe dado sentido para comer”. O sintoma- peixinho é muito sentido e, caso nio seja decifrado, morde a perna € devora o sujeito, como sintoma-piranha ou sintoma- tubarao. E com 0 equivoco que se esvazia 0 gozo falico do sintoma-peixe. E com isso se promove a passagem ao sinthoma como letra, que € 0 que “ha de mais vivo e de mais morto na linguagem”. © real da letra enlaca borromeanamente o real da vida, a morte do simbélico ¢ 0 corpo do imaginario, O sinthoma no fim de analise, feito com.alingua, € menos um peixe que um passaro “usado para pescar 0 azul” (Manoel de Barros). O ensino de Lacan vai da importancia do sentido do sin- toma & desvalorizaco de seu sentido, o qual é desvelado em iltima instancia como sentido de gozo [joui-sens). O sinthoma de Joyce € 0 modelo do inanalisavel. Nao seria esse © sinthoma Stylis Rio de janeiro. on 6 9-17 abr. 2003 "Lacan. le Sérunare UInsu ui salt de Pune béwwe sale & mou (1976: ale de 16 de roveribro de 1976) Vide Conferéncia sobre o sntome en Genebra Lacan. a tercera (1974/ 1988, 0.96) 13 Lacan, Esritos(1966, 648), ao término de uma andlise? Reduzido a um real da letra? Nao mais como peixe ou pedra ou cruz que impede que as coisas funcionem, ¢ tampouco laco que esgana. E sim como passaro que voa no céu do sujeito, fazendo deste um passarinheiro, ou seja, um analista. O analista-passarinheiro é uma funcao ja indicada por Lacan em seu texto sobre a direcao do tratamento: “Ja que se trata de tomar o desejo ao pé da letra, porquanto sao as redes da letra que determina, que sobredeterminam seu lugar de passaro celeste, como nao exigir do passarinheiro que ele seja, antes de tudo, um letrado?”®, O analista-passarinheiro letrado € aquele que proporciona a passagem do sintoma-peixe, voraz de sentido, ao sintoma-passaro, letra das asas do desejo. Pode- mos glosar sobre o sintoma-passaro: hd o sintoma-canarinho, 0 sintoma-papagaio, o sintoma-sabid, assum preto, carcaré, an- dorinha. Sera a anilise igual a hist6ria do patinho feio? Coitado, rejeitado, mal-amado, sem lugar no lago do Outro, de repente vira cisne, signo de gozo: poderoso, glorioso. Nao, a analise € antes © percurso que vai do sintoma-sentido ao sintoma-signo. Do sintoma tipo ao sinthoma inédito, do que engana ao que nio esgana, do sintoma autista ao sintoma borromeano que faz lago social. Um sinthoma-tw-you-you — que indica a parceria do sujeito ¢ é prenhe do novo, da criacio. Eis por que, em meu livro A descoberta do inconstiente, designei-o com uma sacada poética que encontrei em Manoel de Barros: “Tu-vou-vou” = nome de um passaro do Pantanal que o escritor escreve transcriando ¢ trans- literando um “vocé-vocé-vocé”. O sinthoma-twyow-you nao isola © sujeito, nao sendo portanto autista, mas permite a constitui- cao de parceiros... de gozo. Passaro da paisagem criado na passagem, passarinho de passe. A identificagao ao sintoma no fim de andlise de que fala Lacan é da ordem da adocao desse sinthoma-tu-you-you, O su- jeito adota o sinthoma-passaro que voa, paira no horizonte de seu desejo, que tem gana do outro. Mas no se deixa esganar pelo outro, Como diz Mario Quintana: "Aqueles que atravancam meu caminho passarao, eu passarinho”. O sinthoma, quando letra, é menos cisne poderoso que passaro cuja asa pode rengar, mancar. Pois, como diz Manoel de Barros, "O tuiuiu quando alga faz. um barulho torto de quem renga de uma asa”. II 0 gaio saber Em Televisdo, Lacan indica que © gaio saber se opde a tristeza como extravio do desejo, ou seja, ao estado em que o sujeito nao quer saber das coordenadas de sua historia ¢ de Angiistia € sintoma seu desejo. O efeito de uma anilise é © oposto da tristeza - 0 sujeito nao se deixa mais abater por seu sintoma. O que nao significa que ele no reagira com wisteza as perdas que a vida invariavelmente traz. Mas ai trata-se da tristeza como reagao de luto (a ser elaborado € atravessado), ¢ nao como covardia mo- ral, como a definiu Espinosa. O gaio saber é uma relacio ¢ témica que pode ser alegre - Lacan chega a indicar essa alegria na capacidade de rir do analista. Mas trata-se, sobretudo, de uma referéncia muito precisa, literaria ¢ histérica, A poesia dos trovadores dos séculos XI e XII na Europa (em lingua d’Oc, a dos ocitanos) cujo tema é 0 amor cortés, amor contado em jogos de palavras em que o poeta canta sua dama, que sempre Ihe diz nao. O gaio saber [gay scavoir|, lingua dos trovadores, é a disciplina ou arte de lidar com as palavras, jogando com elas, utilizando seus sentidos e simbolismos. Trobar, em lingua d’Oc, significa inventar, descobrir, ¢ também expressar-se por tropos, ou seja, empregar as palavras em sentido diverso do habitual, como na metafora € na metonimia. © gaio saber pode ser um efeito de andlise que indica uma relaco nova e criativa com alingua, um possivel manejo poético, servindo-se dela com suas contradigées, suas antiteses, seu poder de enganacao/desenganacao. E ai que aparece o estilo proprio a cada um. O gaio saber é uma modalidade de savoir y faire com sintoma, um saber lidar com ele que Lacan evoca como fim da andlise. E alcangado quando 0 sujeito nao se encontra mais submetido aos nés de significacao do sintoma que esganam, a nds que enganam, Longe de nutrir 0 sentido, o gaio saber o rasura. E saber d’alingua que faz do passarinheiro trovador. Assim, a andlise pode ser entendida como o percurso que vai do sintoma que trava ao sintoma que se trova. Trovase a dama quando é sintoma. Em uma anilise, tratase de passar do y croireao savoir y faire como 0 sintoma: do crédito ao sintoma a saber 0 que fazer com ele. Persistindo os médicos, consultem os sintomas”, receita Tom Zé. Digo eu: “Persistindo os analistas, consultem os sinto- mas”. A persisténcia da psicandlise depende de nossa acolhida do sintoma, pois nio ha sujeito sem sintoma de qualquer gana que for. Nao levé-lo em conta é cair na concep¢io de transtorno = do padrao e da norma — que orienta as DSM ¢ os CID € desorienta os psiquiatras. Ea conseqiiéncia é conhecida. Como diz Valente, nosso colega, nesse jogo o resultado é CID 10 x Sujeito 0. A letra como sinthoma comporta sempre um artificio, dai © saber lidar com o sintoma ser da ordem da arte como oficio. Stylus Rio de Janeiro on 6 © p.9-17 abr. 2003 “Barros wo sobre nada (1996, 9.63), Barts. O iro das gnordgas (1997, 6 16 Lacan designou o analista de diversas maneiras em relagao 4 letra: letrado, retor (versado em retérica) e até mesmo poeta = dizendo que nao era assaz-poeta. O poeta é 0 trovador do gaio saber, podendo ser dupe da letra, deixando-se enganar por seus artificios. O gaio saber, ligado a funcao da letra, pode ser expresso com Manoel de Barros: “O que nio sei fazer, desmancho em frases"." Pratica da letra, 0 gaio saber se conjuga com a ética do bem-dlizer, pois a andlise é um percurso que vai do semi- dizer do sintoma ao bem-dizer o sintoma. O gaio saber em manoelés arcaico é: “Pegar no espa¢o contigitidades verbais. Essa é uma pratica sem dor. E como estar amanhecendo a pas- saros”"?, referéncias bibliograficas Baraos, Manuel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996. Bannos, Manuel de. Livrodas ignordcas. 4° ed. Rio de Janeiro: Record, 1997. Freun, Sigmund. (1895) Projeto para uma psicologia cientifica. In: Edigao Standard Brasileira das Obras Psicologicas Completas deS. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. Vol. 1 Lacan, Jacques. (1974) La tercera. In: Intervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988. Lacan, Jacques. (1970-1971) Lituraterre. Omicar? Paris, n. 41, 1987, Lacan, Jacques. (1970) Radiophonie. In: Autres éerts. Paris: Seuil, 2001 Lacan, Jacques. Le Séminaire: L'Insu quisaitde l'une bévues'aile d mourre (1976): aula de 16 de novembro de 1976. Inédito. Lacan, Jacques. Exoritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Lacan, Jacques. O semindria: RSI. (1974-1975) aulas de 10 de dezem- bro e 14 de janeiro de 1974 e 16 de fevereiro de 1975. Inédito. Lacan, Jacques. (1974) Televiséo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Quiver, Antonio. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de ‘Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001 ‘Vatente Fito, Newton. CID 10 x Sujeito 0. Satide, loucura ¢ familia: préticas socioinstitucionais emservigo.II Relatorio parcial de pesqui- sa. Rio de Janeiro, UERJ / CNPq, 2003. Angistia e sintoma resumo Este trabalho aborda o conceito de sinto- ma em psicanilise, distinguindo o sinto- ma que leva uma pessoa a procurar um analista do sinthomaque o sujeito constréi na anilise. Este, diferentemente do pri- meiro, nao engana e no esgana. O efeito desse percurso é 0 gaio saber: uma nova maneira de lidar com alingua. abstract This work addresses the concept of symp- tom in psychoanalysis. It discusses the differences between the symptom that causes individuals to seek a psychoanalyst and the “sympthom" that the subject constructs during analysis. The latter differs from the firstin thatit neither de- ceives the subject nor suffocates him. The result of this process is le gai savoir (i.e. joyful knowledge): a new way of dealing with language. Stylus Riode Janeiro. on 6 © 9-17 abr, 2003, Lacan... Ou pre, Comote rendu du séminaire 1971-1979 (9001, 9.548) Vatidade €radugdo do reolosismo vant, usedo oor Lacan no semnario Lnsv que sat, aula de 19 de abril de 1977: "ilfaudraitvoirs our ba dimension de verte comme variable, cest& dire de ce que, en condensant comme gales deux mots, Fappellela vanété avec un petit avalé a varie” sintoma... ou angtistia Downique FINGERMANN Je suis aux prises avec un sentiment gui me révile que je ne puis léprouver et cest & ce moment que je Véprouve avec une force qui en “fait un inexprimable tourment. Et cela n'est rien, car je pourrais le ressentir autre qu'il n'est, effrai resenti comme jowissance, Mais U'borreur est giten lui souore la conscience quiaucun sentiment rest possible, comme du reste nulle pensee et nulle conscience. Et l’horreur pire est gu’en U'appréen- dant, loin de le dissiper comme un fantéme qu'on touche, je Vacerois au-dela de tout mesure... Tous des sentiments rejaillissent hors deux méme et convergent détruits, abolis, vers ce sentiment gui ime pétrit, me fait ef me défait ef me fait douloureusement sentir, dans une totale absence de sentiment, ma réalité sous la forme du néant Sentiment quiil faut bien nommer et que Sappelle Fangoisse Maurice Blanchot 0 tratamento do pior pelo mal A CLINICA PSICANALITICA SUPORTA © REAL impossivel de su- portar. Dizer “a clinica” é uma maneira de dizer “o dispositivo analitico” (“cujo real toca o real”) ou, mais precisamente, 0 psicanalista: o desejo do analista suporta o real impossivel de suportar. Isso significa que © desejo do analista agienta e 44 sustentacao ao inarticulavel, ao inimaginavel, ao impensavel. O sintoma também faz isso. Para cada um, para qualquer um, © sintoma suporta o real impossivel de suportar. Eis um ponto de interse¢ao entre o psicanalista € © sintoma. O disposi- tivo analitico proporciona varios outros, e 0 percurso de uma andlise explora e desenvolve diversas modalidades de encontro entre o psicanalista ¢ a “varidade™ (tanto sua verdade quanto sua variedade) do sintoma. A angiistia, ela é insuportavel. Seu instante indica 0 real impossivel de suportar, O'real impossivel de suportar nao tem remédio, mas tem tratamento: o sintoma é um deles, 0 psicana- lista outro. Ha outros tratamentos. Angistia e sintoma A angiistia nao é um tratamento possivel do real. A angiis- tia nao é tola— nao é dupé'nem do pai. Ela nao se deixa enganar tio facilmente, nem engana, a anguistia escancara: 0 real é impossivel de suportar mesmo, Na maioria das vezes, a angiistia € um momento ruim de passar, mas passa. Quando a angistia perdura, perdura como perda pura, sem o pai, sem ser dupe nem pato(légico), entao o sujeito pode ficar tomado, suspenso nos pontos de suspensao, nas reticéncias do sujeito, no furo do significante, no dizer que “nao ha”. O sujeito pode ficar suspenso, preso, siderado no real, identificado a perda pura. O melancélico nao passa pelo real como impossivel de suportar, 0 melancélico fica na pior. A melancolia parece um instante infinitizado de angiistia em perpétuo slow-motion. Ao ser indagado sobre o que precisava fazer para ligar para fulano, um sujeito tomado em sua melancolia respondeu: — Preciso pegar o telefone! — Sim, mas 0 que ha entre a intencio e o telefone? — Ha “Nao vale a pena, errei, tentei, estraguei, perdi, nao deveria, nao deveria ter sido, nao vou conseguir, nao ha esperanga...”. Entre a intengdo ¢ 0 telefone, ha o real impossivel de suportar, Undetraglich', insuportavel, intoleravel, incompativel, inconciliavel, diz. Freud para localizar 0 que, na experiéncia da existéncia, nao se liga, nao associa, nao representa € constitui trauma original do nascimento do sujeito. E real o inconciliavel do sujeito © sua causa, é irremediavel o trauma do “nao ha relacao sexual”, Cada milimetro do gesto é impedido pela im- possibilidade de relagao (entre qualquer manifestacao do sujeito © o que ele é realmente), cancelado pela vaidade do artificio ~ “E indtil, nao serve para nada", como diz geralmente o melancé- lico. O melancélico nao tem sintoma, ele é angtistia; ele nao faz “letra", ele é “litter” — rasura, lixo, dejeto, o proprio “abje- to", identificado ao objeto que nao ha. do mal ao pior Ossintoma é, entio, um tratamento do real, uma resposta A angiistia, O sintoma trata o pior com 0 mal ~ que se declina com todas as formas possiveis do sinto-mal: mabestar, mal-en- tendido, mal comido, mal dito. Uma anilise ndo comega sem sintoma (0 tratamento do pior pelo mal) ¢ nao termina sem angiistia. Pode-se dizer, por- tanto, que a psicanilise é um tratamento do mal pelo pior. Mas ai nao permanece, nao fica na pior. Stylus Rio de Janeiro n. 6 = p.18-28 abr. 2003 francés, sera: ‘ni dupe, ni du pere’.Reteréncia ao se. mminario les non dupes errente Atese de Lacin, ave localiza co newética como tolo loupe) se dexando abobahar pelo 1, \¢, pela metstora m8 “Freud lettres 8 W.Fliess (7896/1986) * Letra, do francés Jette, que Lacan faz rmer com Fétre, 0 Sei, amarca do ser, cu do & sujet. * Abjeto, do neologsme abjet, sado por Lacan em Télévision (1973/2001, p.525) Sensissve: expressio usads por Lacan no texto Discours a EP (200', p.266). 0 trocadiho trarstormao impasse do sans issue[sem said} no passe do sens-issue, sentido extraido, dedurida, * Lacan, Lituratere (1970. 1971/9001, 0.11), “Lacan Le Semnaire-les non bpes event 1974-1975 (Inédto, aula de 19 de feverera de 1974): ‘nous Inventors untruc pour combler untrou dans le reel. Lb oUt nya pas de rapport senve, lat troumatisme’, "Freud, Nowveles contéren- ces sure psychanalyse: An goisse et ave instinctuelle (1939/1971, 9.174) 20 O ensino de Lacan indica 0 caminho do fim, a diregio da saida, como o “sens-issue”, “o melhor que se possa esperar de uma anilise no seu fim’*, caminho da letra que nao hesitou em chamar varias vezes de bon-heur [boa hora]. Um passante, no dispositivo do passe, pode contar como passou varias vezes — idas ¢ voltas — de sintoma a anguistia € retornou, até que, enfim, conseguiu optar por ficar por ai — no melhor que se possa esperar de uma anilise no fim -, em algo que faca letra, que faga as vezes de um ponto de ser. 0 troumatismo? do nascimento Se uma anilise ndo comega sem sintoma, como comeca a vida do sujeito? Com sintoma ou angiistia? A vida do sujeito comeca com 0 desejo do Outro — nao tem jeito. Desde o inicio, esse desejo se apresenta como enigma, incégnita, embate trau- matico com a alteridade. O Outro ama ou deixa, devora ou abandona, isso é real, A anguistia do nascimento é um mito 20 qual Freud recorre para descrever © fenémeno fisiolégico da angiistia, mas que pode servir também para dizer desse mo- mento “zero” do sujeito ~ como efeito de real, em que a derre- licdo, a Hilflésigkeit, suspende o sujeito no desejo enigmatico ¢ improvavel do Outro. Em um de seus primeiros matemas, Lacan escreveu esse inicio pela angistia: Nomedopai _Desejo dame Des ie x Na metéfora paterna, o “X” designa a incégnita do sujeito suspensa no capricho do Outro. O Nome do Pai é “letter” en- quanto ele rasura o desejo da mae, mas é também significante que substitui, metaforiza e desloca essa suspensao incerta ao desejo materno, identifica 0 sujeito a partir dessa rasura e, pela primeira vez, inaugura a dimensio sintomatica. Sintoma ¢ an- guistia, portanto, estdo inseridos ¢ articulados nas origens edi- pianas do sujeito. E interessante ler, nas Novas conferéncias de Freud, a se- guinte observacdo: “Em nossa opiniao, o investimento do objeto materno tinha sido transformado em angiistia e, depois ligado ao substituto que é o pai, tinha se manifestado pelo sintoma”” Em sua “praxis da teoria” oriunda da clinica, Freud nunca cessou de explorar as relacdes reciprocas entre 0 fendmeno da Angistia e sintoma angiistia ea formacao dos sintomas. A angiistia é essencialmente um fendmeno de tensio, suspensio, questo, uma situagao psi- quica de espera, sem articulagao nem ligago, em ruptura € radical disjuncao com tudo que ha. Vejamos como ele descreveu © fendmeno: “apari¢io no psiquismo de um estado de tensio ressentido como um desprazer ¢ do qual nao se pode libertar com uma descarga [...] impossivel de descartar segundo o prin- cipio do prazer”. O sintoma, por sua vez, é da ordem da resposta, da solu- 0, da articulacao, da ligacao psiquica, da metafora que subs- titui um representante ao gozo pulsional. Diz Freud: Existe uma rela¢io muito importante entre a producdo da angistia ¢ a formacao dos sintomas. Observe-se af uma acdo reciproca ~ os dois fe- némenos podendo substituir-se mutualmente, a produgao inicial de angustia é barrada pela formacio do sintoma. {...] Parece que a produ- cao da angistia precede a formacao do sintoma, como se 0s sintomas tivessem sido criados para impedir a aparigao do estado ansioso." a psicandlise nao protege da angistia Essa simetria negativa entre a producao de angistia ea formacao de sintoma explicita a constatacao clinica que, embora evidente, nao deixa de espantar os analistas, apesar do aviso de Freud: “A formagao de sintoma [...] protege do acesso de an- giistia. E o inverso que constatamos quando se tenta intervir na formacio do sintoma”.” Portanto, se a operacao analitica € a operacao do sinto- ma", essa via nao sera praticavel sem o manejo da angistia surgida ao tocarmos na consisténcia do sintoma com o trabalho da transferéncia, que o pac em questio. Quando alguém resolve procurar um psicanalista, na maioria das vezes seus sintomas perderam a fungao de preserva-lo da angistia. E como sintoma, no entanto, que comeca a experiéncia de uma anilise. O “sin toma analitico” consiste na inclusao do analista como comple- mento do sintoma, para permitir, em seguida, que se opera sobre ele, no sem angiistia, Operar o sintoma é abrir “seu involucro formal", a resposta a que ele da consisténcia, para saber qual era a questio que o sujeito pretendeu responder com esse artificio. Fazer questao do sintoma, transforma-lo em questio do sujeito pela operacao do sujeito suposto saber & des- cobrir aquilo que 0 invélucro formal encobria: uma variedade de formas remetendo ao mesmo molde. Nessa descoberta, des- Stylus Rio de Janeiro. 6 p.18-28 abr. 2003 Ibid p.119 "bid Lacan, Du suet entin en ‘question (1966, p:234) “ Lacan, De nos antecedents (1966, p66) 2 1acan. O semindrio: Deum Outro a0.cutro 1968-1969 (Inédito:aulade 14 de msio de 1969), Palava antiga do francés que designs forms used para molder um chapeéu de felto.e Lacan utize para falar do obo a. “Blanchot. Thomas /obscur (1999, .114) "Wid p32. * ia. p.102, a 9107 Lacan, Position de Finconscient (1966, .844). 22 cobertura, des-velamento, constréi-se, revela-se, evidencia-se 0 axioma, 0 “enforme™”, o molde fantasmatico de todas as formas do sintoma. © fantasma, por pior que seja Esse molde fantasmatico articula de maneira peculiar 0 sujeito com 0 objeto ($0 a). O fantasma instituio sujeito, ancora, amarra sua deriva a partir de uma interpretacao do desejo do Outro que se fixa em uma matriz significativa valida para todas as manifestacdes sintomaticas do sujeito. O fantasma, por pior que seja, é confortavel, porque da forma e contorno a incognita do desejo do Outro. Em Thomas Vobscur, Maurice Blanchot oferece varias so- lucées fantasmaticas que realizam o “nao sou" do “cogito blan- chotiano”: “Eu penso, logo nao sou”, explicitado e romanceado nessa obra. O “no sou” se realiza nas “formas monstruosas do sem forma”, como, por exemplo, o aparecimento fantastico, “obsceno ¢ feroz” - das proprias palavras do livro que Thomas Ié — de ratos medonhos que o devoram para logo em seguida serem comidos por ele". Ou ainda o personage Anne, “cuja morte era uma astiicia para dar corpo ao nada": [..] no amago deles mesmos havia algo como um ideal funesto, um vazio do qual eles sofriam a tentacao, que eles ressentiam como uma pes soa de uma realidade t4o completa e tao impor- tante que lhes era necessario preferi-la mais que qualquer outra, até mesmo ao preco de sua exis- téncia, Entdo se abriam as portas da agonia € eles se precipitavam no seu erro. Eles se dimi- nuiam, esforcavam-se para se reduzira nada para corresponder a esse modelo de nada que tomavam por modelo de vida." Essas astiicias, essas formas do “eu nao sou”, formatam a “separacao do sujeito”, moldam-se ¢ modelam-se a partir da angistia inicial ¢ da consisténcia imaginaria que se da a falta do Outro nesse tempo da causagdo do sujeito em que “reside a torcao por meio da qual a separacio representa 0 retorno da alienagao”®., do sintoma 4 angistia O analista, incluido como complemento do sintoma, per- mite, em um primeiro tempo, que a resposta do sintoma ¢ a astiicia que ele encobre sejam questionadas, perlaboradas, cons- trufdas. O que se constréi, ¢ como as diversas solugdes do sujeito Angistia e sintoma enganam a dor de existir, com as formas dadas ao objeto obtu- ram a dor da sua falta essencial. Se constréi como as solugdes sintomaticas tratam a questdo do desejo do Outro, das maneiras mais variadas: varidade do sintoma que remete verdadeiramente a algumas formas especificas do objeto do desejo: + objeto fébico, que prende o desejo como impedido e pre- venido; + objeto fantasmatico, nas formas que encenam (pantomima) © desejo como impossivel ou insatisfeito (Anne e Thomas); + objeto fetiche que curto-circuita © desejo. No palco da transferéncia, montam-se essas cenas de versées do sintoma que, porum bom tempo, afastam a angiistia. E na transferéncia, contudo, que o analista passa ao ato ¢ trata © mal pelo pior, o sintoma pela angistia. O desejo do analista entra em funcao para esvaziar as significagdes fantasmaticas do sintoma e devolve-lo a sua verda- deira funcao de separacdo. O desejo do analista causa e provoca a angistia para “extrair da angdstia a certeza™, concluir que “no era nada — nada mesmo”. A operacao do analista, seu ato, consiste em fazer equivocar o sentido fixado, preso nessas formas dadas ao “nao sou”. Ao des-cobrir as respostas, no entanto, volta-se 4 questo ¢ & angistia. Onde a transferéncia encena — mostra ~ 0s diversos mo- delos de impasse do sujeito e de seu desejo alienado, 0 desejo de analista presentifica a alteridade radical € corta todo sentido possivel - “demonstrando as aporias’® dos jogos neuréticos. O analista, incluido pela transferéncia no lugar de complemento do sintoma que confirme o sentido do sintoma, nao opera desde esse lugar, mas desde a funcdo “desejo de analista” — funcio real em que, dentro do dispositivo, “um real toca o real” ¢ dai infirma o sentido do sintoma. Depois de uma anilise, o sintoma fica sem sentido. O desejo do analista demonstra as aporias do sentido, produz 0 absens, a auséncia de sentido [sens-issue], esvazia 0 sentido, produz o vazamento do sentido, ¢ nao sua fuga infin tizada’, E 0 equivoco da interpretacao (“presto para interprestar © que perdura de perda pura”) que opera o esvaziamento do sentido obturador. O equivoco denuncia a fixacao de sentido que a neurose de transferéncia escancarava, produz o vacilo que estremece a instituicao do sujeito e faz emergir a angistia que as significacdes fantasmaticas de todas as formas sintomaticas recobrem. O equivoco da interpretacao faz perder o sentido da equivocacao da transferéncia. A fungao desejo do analista Stylus Riode Janeiro m6 p.18-28 abr. 2003 * Soler. Artigas cnicos. Angistis na cura 1991, 9.64) * Lacan. Discous a FP (op cit, » 966), Lacan, [Etourd (19 9001, p.452) *tacan Introduction [ection allemand un premer volume des ents (1973/8001, 583) "Lacan, Télévision (1973/ 2007, »548) 23 "Soler. Vanantes ds desttuigéo subjetwa (2002, pi. Soler identification au symptéme. . ou pire (1999, p33). * Lacan, Le Séminare:.. Ou pire (1971-1972)(2000, p.10) Lacan Noteitaienne (2001, 7.309) ® Gorog U'angosse du clinicien par homme lore cconcerné (2000-2001, p18). 24 faz objecdo ao amor de transferéncia que preserva da angiustia € evidencia 0 sem sentido do desejo do Outro. O desejo do Outro nao é sua demanda, nem é de nenhum outro particular, mas simplesmente a falha radical no saber do Outro, falha sem complemento possivel. Ha falha... ha um objeto causador dessa falha. Ha falha: nao ha propor¢ao dos sexos possivel. O desejo do analista faz emergir a angiistia, a angustia nao engana a respeito desse objeto que divide o sujeito. A an- glistia é passagem forcada no caminho da destitui¢ao do sujeito, “a angiistia é o afeto da destituicdo subjetiva™, diz Colette Soler. Portanto, 0 percurso de uma anélise parte do sintoma - tratamento do real — para produzir a angiistia, evidéncia do real, mas isso nao € o fim da partida. a reviravolta do sintoma A angiistia nao é o fim da partida, Meu titulo anunciava um pouco mais que uma simples travessia do sintoma a angtstia: “Sintoma... ou angiistia’. Esse antincio ostenta alusdes evidentes ao titulo do seminario de Lacan ... Ou pire, e também a um texto de Colette Soler chamado Identificacao ao sintoma... ou pior®”. O seminario de Lacan demonstra que tudo que se utiliza para completar as reticéncias, substituir, obstruir a falta radical de relacdo, ¢ pior. Tudo o que, na melhor das intengdes, recobre essa impossibilidade “leva de volta ao pior”. “Nao ha relacao sexual [...] ao sair disso, vocés enunciardo, dirao nada a nao ser 0 pior™. O titulo do texto de Soler é explicito, ¢ parte desta premissa: “Quando Lacan diz que identificar-se ao sintoma € 0 que pode ser feito de melhor, ele deixa claro que ha outras possibilidades... piores”, Vou partir desses argumentos para precisar dois pontos em relacio a saida da analise ¢ ao retorno do sintoma: 1. Ainda que a angistia seja passagem necessaria de uma andllise — passagem, momento crucial, momento de passe =, ela nao constituiu o fim da analise (do mesmo modo que a angiistia é passagem da organizacio psiquica, € nao um fim). Em Nota italiana” Lacan adverte que, para que o desejo do analista funcione, nao basta a destitui¢ao subjetiva, é necessdrio entusiasmo. Com efeito, se a an- gtistia nao for apenas um instante, mas um estado per- manente, ela constitui uma relacao de sideragdo a um desejo do Outro consistente e paralisador das operagdes possiveis do sujeito a partir do objeto @ (na melancolia, mas também na obsessao, na sindrome do panico, com a angt.stia transformada em sintoma). F Gorog” adverte Angistia € sintoma que © que constitui a angdstia é um mecanismo que faz aparecer no lugar que ocupa o @, objeto do desejo, algu- ma coisa, ¢ que a estrutura da angtistia é a mesma que a do fantasma. “Ficar na pior” - instalar-se na anguistia — consiste em transformar 0 objeto do desejo em “alguma coisa” e obturar seu efeito causador. 2 A angiistia, quando esvazia o objeto de consisténcia ¢ © sintoma de sentido, deve ser uma passagem necessaria de sintoma a sintoma. A angiistia é a alavanca que faz bascular de um sintoma que completa, complementa a falta de proporgao sexual, a um sintoma que suplementa, um mais Um, um a mais (sem dois), sintoma de supléncia, ¢ nao de obturacao, “Nossa escrita S,, ela nao faz o Um, mas 0 indica como podendo nao conter nada, ser um saco vazio"", diz Lacan no seminario Le sinthome. O sinto- ma coma letra nao preenche, esvazia. O manejo da angtistia pelo desejo do analista permite que a separacao nao seja uma volta da alienacao, e que o sintoma, no fim, chegue a esse ponto de rabroussement®, de reviravolta, transtorno, em que ele volta em efeitos de criagao, nos giros que, no fim das contas, fazem passar do discurso do mestre ao discurso do analista, O sintoma, assim, pode ser antidepressivo, mas nao tran- quilizador. Bem mais, cle desperta, desanestesia ¢ desassossega. Ele passa e repassa pelo ponto de angtistia em que o desejo do Outro nao faz sentido. “Sin ~a falha original - (...] €a vantagem de meu sinthome de comecar por ai: a necessidade que nao cessa a falha”* Ele passa e repassa pelo pior da estrutura sem nunca se perder ai, contorna, pinta, borda, ainda um pouco... ainda sempre. Como diz Beckett, “é preciso continuar ainda um pou- co, é preciso continuar ainda muito tempo... é preciso continuar ainda sempre”. Porque, na vida, é necessrio dar um jeito, se débrouiller, se virar com o real. Beckett sabe relatar isso: “Sim, na minha vida, ja que precisamos dar esse nome a isso, houve trés coisas: a impossibilidade de falar, a impossibilidade de calar © a solidao fisica. Nisso tudo tive de dar um jeito”. Indo direto ao que se pode esperar de uma psicandlise em seu fim, “o escritor”, diz Blanchot, “se encontra nessa situa ¢40, mais € mais cémica, de nao ter nada o que dizer, de nao ter nenhuma maneira de escrevé-lo, mas de ser constrangido por uma necessidade extrema de sempre escrevé-lo”, O sintoma, diz Lacan, é 0 que no cessa de se inscrever, Ginica maneira de suprir verdadeiramente “o que nao cessa de Stylus Rio de Janeiro. 6 p.1828 abr. 2003 Lacan, le Séninare: te sinthome (1975-1976) 1997. au de 18 de novenbro de 1975) 600, Lacan. Lacan. fe Sémmavre le snthome (1975-1976) op. Blanchot ® Lacan, le Séminaire... Ov pite (1971-1978){op. cit, p12) * Lacan, O seminiro: insu uesaitae fune dévue c'est iamoure(op. cit) Lacan, O semindron RSI (1974-1975) "Cest ge que veut dire le noeudboorraméen, quele vou du synboique est inviolable” * (oid “Leréel cest ke sens blanc par quoi le coros ait semblant dont se fonde tout discous’ nio se escrever”: “Il faut Vécrire & tout prix le non rapport” ("é necessario escrevé-la a qualquer preco, a nao-relagao"). O sintoma nio cessa de inscrever nao a propor¢ao sexual, mas a nao-propor¢ao sexual. O sintoma, para além da angiistia, é um dizer de verdade. Se a angtistia nao engana e des-cobre 0 objeto, o sintoma equivo- ca, € por isso é verdadeiro — sempre meio dizer, opera com o ‘objeto e faz vacilar o sentido, produzindo a mesma escroqueria que, na poesia, “faz com que um sentido seja ausente™ com o artificio da escritura que restitui a estrutura do né borromeano, ou seja, realiza, torna real que 0 furo do simbélico seja inviola- vel.” O equivoco promove a ruptura do semblant - que Lacan escreve sens-blané®. E isso que faz letra, faz ser, parecer, cingindo © furo do sentido o mais proximo do ser. referéncias bibliograficas Becker, Samuel. L'innomable, Paris: Minuit, 1992. Beckerr, Samuel. Malone meurt. Paris: Minuit, 1970. Becketr, Samuel. Oh! Les beaux jours. Paris: Minuit, 1986. Biancuor, Maurice. L Espace litérraire, Paris: Gallimard, 1995. Brancuor, Maurice. Thomas Uobscur ~ L'Imaginaire. Paris: Gallimard, 1999. Biancuor, Maurice, Le Livre d venir Paris: Gallimard, 1998. Freup, Sigmund. Lettres a W Flies. 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O sintoma, para além da certeza da angiistia que des-cobre o objeto, € um di- zer de verdade, e seu equivoco faz vacilar osentido. £ assim que o sintoma retorna com efeitos de criacao e nao cessa de ins- crever a ndo-proporgio sexual. abstract The symptom is a cure for the real, an answer for anguish, Anguish isa question about the being, which is molded from a supposed desire of the Other. A symptom. treats the worst with the evil, which is de- clined with all forms of sin and tone. A psy- choanalysis doesn’t begin without the symptom but doesn’t end without an- guish. However, anguish is not the game over point. From beyond the certainty of anguish the symptom returns as a state- ment of truth, since itis discovered as an equivocal meaning, unique possibility to never stop to inscribe the sexual non: lation, and then be able to have creative effects. Angistia e sintoma Las meninas e 0 sintoma* Cuarice Gatto Uma filha é para seu pai um tesouro a vigiar, ¢ 0 cuidado dela tira-the 0 sono para que ndo suceda gue passe aflor da sua idade sem se casar, ¢, quando enfim estiver com seu marido, the nda seja odiosa. Eclesifstico *Tabalto apresentado no Col6quiohtemacional do Campo lacaiano. Odisséia Lacanana: Lacan no Sécul, | Rio de Janeiro, $001, Una versio deste trabalho fo apresentada no Encontro Interacional do Campo Freudiano, X, Barcelona, 1998, Figure 1: Les meninas, ce Velézquez Figura 2: Vénus e sevespelto, de Veldzquez (Este TRwWALHO TEVE INicIO EM 1996, por ocasiio do IX En- contro Internacional do Campo Freudiano em Buenos Aires... Lembro-me do embaraco que me causou o titulo do livro or- ganizado por Fernando Marias, Otras meninas', que encontrei na Livraria do Museu de Belas Artes. Porque em portugués dizemos outras (com u), € oiras pertence ao modo de falar das criancas. Eis ai por onde tudo comecou: por um equivoco “amo- roso”... 4 onde a relagao genital proibida se mistura a excitagao libidinal, atualizando o que regressa. Despertando o passado e © presente ao mesmo tempo, vindo significar no futuro o citime que invadiu meu corpo... Ou, no dizer que se segue, a partir dessa articulagdo do simbGlico com o real, por meio do equi voco significante com a letra, algo se inscreve, causa desejo € 0 trabalho da Durcharbeiten se faz.) Stylus Rio de Janeiro n.6 —p.29-37 abr, 2003, "Maras, tras meninas( 1995) 29 "eid Lopes-Rey. Velizquez, the complete werks(1997), “Lacan. Oseminéria: objeto a psicandise (1965-1966) Uinedit: Auls de 95 de maio de 1966), “Foucault. As alavras eas coisas (1966/1981, 9:19:31). *Qunet. Oespeho eo quadro (1995, p.71-83) Lacan, Osemindrio- vro 1M: Os quatro conceitos fundamentsis da psicandlise (1964}(1989, 0.184), *Lacan, Osemnério: Oobjeto 2 psicantise (1965-1968) (op cit: aula de 95 de maio de 1966) *Qunet. Qunet Oespetto e oquacto (op cit, 9.17). ® Lacan. O semindrio -ivro 8: A Tansterérci (1960-1961) (1998, .172), Lacan, Osemindno:A Identicaréo (1961-1962) Aneto: ua de 91 de margo de 1969) Aotalr sobre as enifanias, ‘foro Romano de San’Ama trazum conceto préxmo de expenénes que Lacan atbul a fcioo ciante do enigma da Esfinge:‘otermo significa o rebto de uma experérca que a ptinciio se mostra smples erotner, mas que acaba por mostra toda aforga de uma inustadarevelacdo. Ea percepgéo de una eaidade atordoente, quando os objetos 30 A arte ilusionista ¢ barroca do grande colorista Diego Ro- driguez de Silva Velazquez (1599-1660)* no século XVI = dita impressionista por Manet duzentos anos depois — encerra a repe- ticdo que antecipa um estilo. Comparando Las meninas com Vé- nus ¢ seu espetho', encontramos em Velazquez uma leitura mo- demissima do espelho. Ao apresentar a diluigao da imagem es- pecular, seu espelho desvia nosso olhar para uma imagem real. Em 0 objeto da psicandlisé, Lacan havia feito uma leitura surpreendente a partir desse quadro e do ensaio de Michel Foucault em As palavras e as coisas, conforme observou Antonio Quinet em seu artigo O espelho eo quadro®. O “meu problema”, dizia Lacan, era estabelecer uma distingao definitiva entre a funcéo da perspectiva (que organiza 0 espaco) ¢ a da moldura (que cerne 0 espaco em um de dentro e um de fora) — ambas a partir do quadro ¢ do espelho ~ para pensar uma “teoria do desejo” quando da entrada do préprio sujeito no duplo campo do escépico € do invocante’, e a implicacao do analista nessa empreitada. Além das interrogacées sobre a importancia em demarcar essas diferencas cruciais, Lacan também se perguntava sobre 0 “fim” da anilise ¢ “como se transfere essa dialética do objeto a, se € a esse objeto a que é dado o fim € 0 encontro onde o sujeito deve se reconhecer. Quem deveria fornecer? Ele ou nds?” Ai, parece-me que Lacan se serve de Velazquez para to- mar Las meninas como paradigma de uma interrogacao sobre a posigéo do analista: ora como espelho porque “mostra 0 que nao se pode ver” estabelecendo uma zona real de visibilidade, ora como quadro quando apresenta duplamente “o que falta 4 imagem”: seja criando uma zona imaginaria de invisibilidade entre o quadro € 0 pitblico (0 planc-sujeito? e sua relacao com a fantasia fundamental’), seja no que deixa ver uma outra zona, simbolicamente marcada pelas diversas fendas que possui um. quadro, como dizia Lacan, e por ele denominadas de ponto ao infinito (0 né do sujeito na articulagao entre demanda e desejo, conforme ja havia trabalhado no seminario sobre A identifica- aio"). No primeiro ponto, tomarei o esquema freudiano da pulsao esedpica para demarcar o efeito epifanico” que produz essa. cena original criada por Velazquez. No segundo ponto, a cor ¢ a luminosidade servirdo para apresentar uma outra cena do quadro, aproximando-a da interpretacio (memoravel) de Velazquez da mulher como sintoma ¢ o cerne do trabalho ana- litico — suporte de uma construcao fantasistica. Angistia e sintoma Ein anderer Schauplatz"* No seminario O ato psicanalitico, Lacan escreve: Quando o analista se interroga sobre um caso, quando faz sua anamnese, quando o prepara, quando comega a dele se aproximar e, uma vez que ele entre com a andllise, que ele procure no caso, na historia do sujeito, da mesma maneira que Velazquez esta no quadro das Meninas, ele estava jé, o analista, em tal momento e em tal ponto da histéria do sujeito. A vantagem disso é que ele saberia o que é a transferéncia. O centro, © pivé da transferéncia, isso nao passa absolutamente por sua pessoa. Ha algo que ja esti 14. Isso Ihe daria uma maneira completa- mente diferente de abordar a diversidade dos casos. Talvez, a partir desse momento, ele che- gasse a encontrar uma nova classificagéo clinica que nio a da psiquiatria classica, que ele jamais péde tocar nem abalar até agora, e por uma boa Tazo: porque jamais pode fazer outracoisa além de seguita.!* Dizer que 0 analista esta na histéria do sujeito “da mesma maneira que Velazquez esta no quadro das Meninas” nos permi- te assinalar duas maneiras diferentes de se estar na hist6ria do sujeito: ora como sujeito suposto pintor, aquele que supostamente assina a cena do quadro, ora como o pintor no ato de pintar. Lacan utiliza as leis da perspectiva - tomada da Geometria — para usi-las como suporte da montagem pulsional, e assim apro- ximar a presenca de Velazquez no quadro com a do psicanalista na histéria do sujeito. A pulsio - der “Trieb” - funciona para Freud “como uma nocio de fronteira entre psiquico e somatico, como re- presentante psiquico oriundo das excitacdes que chegam a psi- que pelo interior do corpo, ¢ como uma ‘exigéncia de trabalho’ [Arbeitsanforderung] que é infligida ao psiquico em conseqiién- cia de sua conexao com 0 corpéreo"”. Quando Freud escreve 08 destinos da pulsao — a inversdo'® no contrério, a volta contra a propria pessoa, o recalque e a sublimacao-, wiiliza as duas primeiras para construir (em vez de analisar) um arcabougo teérico capaz de demarcar para 0 proprio conpo as conseqiiéncias psiquicas da economia libidinal ~ “essa energia imensuravel das pulsdes””. “A realidade perceptiva e a realidade perspectiva se opoem, assim como a visio € 0 olhar™*, As leis da visdo sao aquelas do Stylus Rio de Janeiro =n 6 p.29-37 abr. 2003, mais simples, 05 gestos bana easstuacéesmas coticanas comportamfumnséosiotera consciéncia dosfigurantes,€8 gendiosdade do éxtse pouc0 temavercomo elemento rossico em que se nsreve o personage’, Sat Anna Anise esraturace romances rasieros(1979, 199) * Freud, De Traumdeutung (190071994, p.72, 519) Literaimente ‘uma outa cena’ “Lacan, Osemndrio: Oato aicanltico (1967-1968) (Inéaito: aula de 27 de marco de 1968, 0.279) “Freud Tiebeund Tnebschicksale (1915/1998, pas) ° Verkertng Freud Suggestonund Lindo (192071994, p85) Lacen chamaa atengo paras referéncas uizadas por Freud, “elas tem ess forma de Imateralsmo racial cujo suportenéo é, como se dz, 0 biokbgco, miso corpo Lacan le sémnaire Proiemes ‘auciax pour psychanayse (1964-1965) Inédto: alec 3 cde maio de 1965). Afi, 0 conceito de pukéo em ae 0 sujeto é desinaco tua una localzacio orgéc, oa, anal ele. esaistaz aesigencis de estarma longe do fa quanto mais 6 fa (Lacan. Ecrts 1966,p.817) "*orge.anahste dans Ihstore et dans la structure du suet comme Velizque2 os les Ménines(1988, 0.14) 31 * ibd, 9.14 Foucault. Microfisica do poder(1979/1989, p.145). " tacan Proposcio de 9 de cutvoro de 1967 sobre 0 picaalsta dh Escola (1968, 19). As telas de Pablo Picasso estéo exnostas no Museu Passo em Barcetona Aqui preteitraduzr 8 nogéo de fanasme usada por Lacan por fantasia, porém essanogiomereceria un ccomentéio mas extenso ns lingus portuguese 32 espelho, as do olhar se suportam pela construgdo perspectiva do quadro, tal qual uma tela entre o sujeito e 0 mundo, como nos faz ver Magritte ao pintar uma janela no quadro ¢ através da qual nosso “olhar mergulha no espaco”, criando-o. O espetho de Velizquer.— tanto em Venus e sew espetho (1644- 1648) quanto em Las meninas (1656-1657) ~ dilui a imagem especular desenhando um espectro de imagens “reais” que fun- cionam como taco significante. E assim que Lacan vai dizer que “o rei earainha representados no espelho sao uma presenca simbélica e do simbélico, um representante do espelho, € nao uma representacdo de um espelho ou de um modelo". Na verdade, 0 esuaziamento da imagem produzido pela apresentacao dos semblantes embagados em ambos os quadros abre a possi- bilidade de uma série de interrogacdes: embacado pelo tempo? Pela distancia? Por que pintou um suposto casal real? Que quer dizer? Conjugando nossa visio ao olhar insatisfeito pela falta de nitidez, ele nos leva a encontrar uma outra imagem - ein anderer Schauplatz =, capaz de ser via de miragem para a nossa Jficgdo! A ousadia de Velazquez esta em abandonar a estética do século XVII, cuja alusao corrente entre o reflexo do espelho, © brilho solar e o lugar soberano ocupado pelo rei estabelecia a personificac&o das qualidades a serem respeitadas. Pois “o corpo do rei nao era uma metéfora, mas sim uma realidade politica: sua presenca fisica era necessdria ao funcionamento da monar- quia”, como observa Foucault. Em seu espelho, porém, Ve- lazquez nos oferece o segredo do desejo... como veremos. Nesse ponto, Veldzquez entra na historia do sujeito como wm significante qualquer". Pois essa presenca do simbélico marcada pela inconsisténcia da imagem especular pela via do equivoco significante com a imagem (e a imagem ai, freudianamente, funciona como significante) € pura epifania. Dai encontrarmos diversas cenas desse quadro “assinadas” por tantos autores quan- tas forem as exigéncias pulsionais de trabalho. Por exemplo, Picasso® em 1957 ¢ suas 49 verses de Las meninas, Lacan em diversos momentos de seu ensino ¢ Foucault, no polémico ensaio Las meninas, em 1966, abrindo uma reflexio extremamente instigante sobre @ arqueologia das ciéncias humanas. O quadro, nos diz. Lacan, funciona como © representante da representacao, pois “latente a imagem especular ha a fungao do olhar”. O olhar, sendo diverso da visio ¢ se suportando da construgao perspectiva, da “asas ao desejo” na contingéncia de significacao [ Bedeutung] . Nessa perspectiva, o quadro tem a mais estreita relacdo com a fantasia ($0 a). Como o quadro, a fanta- sia® € uma tela que esconde e indica o real. Era o que nos dizia Angistia e sintoma Freud na carta a Fliess de 2 de maio de 1897: “as fantasias servem, simultaneamente, a tendéncia a aperfeicoar as lem- brangas ¢ a tendéncia a sublimé-las. Sao fabricadas por meio de coisas ouvidas ¢ das usadas posteriormente, assim combi- nando coisas experimentadas € ouvidas, acontecimentos passa- dos (a historia dos pais e antepassados) € coisas que foram vistas pela propria pessoa”. No seminario A légica da fantasia, Lacan “distingue um um imperfeito, que ele escreve “1”, de um “um” perfeito, que ele escreve “I”. E de sua diferenga — entre uma relacao fra- cassada e uma relacao que, por ser miticamente consumada, aparece como a razio matematica desse fracasso - ele deduz a escritura I > 1, cuja conseqiténcia légica seria que a esse 1 imperfeito falta alguma coisa (1 - a, escreve), 0 objeto do fantasma (fantasia)®, Nesse mesmo semindrio, Lacan® destaca que essa légica que a fantasia tem imprime uma significagao de verdade, a qual ocupa o lugar de um axioma, isto é, de uma proposicao significante, articulada, colocada como verdadeira de saida e sobre a qual tomam apoio as outras proposicées. Sera nessa logica que algo da sexualidade sera subjetivado ¢ a pergunta sobre sua origem traumatica poder4 encontrar “um” destino... Las meninas e 0 sintoma ou o desejo de Velazquez? O que pinta, entio, Velazquez. Digamos que ele pinta uma alegoria dos dois objetos sexuais [Sexualobjekte] originarios do serfalante — sich selbst [si mesmo] ¢ das pflegende Weib [a mulher que cuida] - tal qual assinalava Freud em Para a introdugao do narcisismo, caracteri- zando 0 narcisismo primario como a expressio dominante na “escolha de objeto’ [Objektwahl] sexual”. Essa alegoria, propi- ciada no quadro pela dimensio do olhar da tela em seu inte- rior, situa Veldzquez na histéria do sujeito. Vemos entao si presentificar uma seqiéncia de olhares ao infinito que nao se encadeiam entre si, mas remetem sem cessar ao tempo anterior de uma historia (pulsional), ¢ de “onde a partir de uma certa data, historicamente situavel, 0 sujeito, nomeadamente o pintor, se fez presente no quadro..."*, como revela Lacan (8 0 D). Ja na tela vemos desdobrar-se diante de nés a fungdo da moldura que cerne 0 espaco em um de dentro e um de fora, ¢ 0 Witz” do pintor a nos pregar uma peca, quando em seu gesto acena para a auséncia de significante que represente a mulher, seu gozo, de onde emerge o significante de A barrado™, S(A). Assinalando com sua arte 0 que “cessa de se escrever”™", Stylus Rio de Janeiro on 6 = p.2%-37 abr. 2003 "feud. A corresponaténcia completa de Sgmund freud para Wielm Flies, 1887- 1904(1986, 9.241) *Caligans,Hicetese sobre 0 fantasma, na cura psicanalitica (1986, p.5). Ese autor francés que escieve em portugésoptoupor edu fantesme por fates. "Lacan. 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Crtiave dels facuité de uger esthetique de Kant(1981) "Ct Lacan, Le séminaire: le sinthome (1975-1976)(1991, aua de 16 de novembro de 1976), Enisso que os perceives sintome jamais encontran, pois, quando esto ro regme darazao, quema oss no € nem parceiro, nem sintora.. Mas no seria e380 razdo da causa de deseo? © Lacan, Ainsténcis 03 lea ‘ev arazio do inconsciente desde Freud (1957/1998) a4 Velazquez abre a possibilidade de acesso a um além, que Lacan, desde A ética da psicandlise, chamava o real. O que resta, em realidade, é esse “quadro vivo", essa “ce- na estranha”, que ocupou tantos criticos de arte, como lembrou Lacan e certamente como ele disse, por “inscrever, ao mesmo tempo, o lugar de objeto ae a relago com a divisio do sujeito™®. Desse jeito, Velazquez nos lembra um dizer de Freud: “é de todo modo duvidoso que se tone possivel, sobre a base da elaboragao do material psicolégico, se obter a separacio ¢ a classificagao das pulses”, Pois af havera “uma mistura muito ampla e varivel, nas suas propor¢ées..."". Haver verdadeiramente cisiio do ser {falante, © campo do analisavel se perde cedendo lugar ao campo ficcional, as construcdes subjetivas propriamente ditas ($0 a). “A pulsdo escépica | Schautrieb|", nos diz Freud, “é mesmo auto-erética no comeco de sua atividade; ela tem porém um objeto, mas ela o encontra no préprio corpo. Somente mais tarde ela sera conduzida (pela via da comparacio) a trocar 0 objeto com um analogo do corpo alheio [fremd]”.** O olhar, diz Freud, precede o ser othado.* Asim, a0 compararmos Vénus ¢ seu espelho com Las meni- nas, encontramos em Velézquez um pintor que pinta como um poeta, que evoca o “movimento” ora como um contemporaneo da ciéncia moderna, ora como o mais feliz de todos os ritmistas... No primeiro quadro é a beleza que esta em jogo, o belo corpo da forma 4 mulher que se espalha no primeiro plano da tela; no segundo, porém, a a¢4o que o move é a do sublime, a sublime agao (sublimagao”) de pintar os signos inapreensiveis do que cau- sa 0 desejo, cuja “auséncia de forma" (Kant) tende a provocar “o esvaziamento da dialética”, imprimindo 4 imaginacao uma mudanga de parceiro (e por que nao de sintomd), pois na aco do sublime os signos se deslocam do entendimento a razéo... E 0 poeta — como disse certa vex Lacan — que se enderera a essa razéo. nisso que a psicanalise se aproxima da arte!”, em que a instancia da lewa € a razio do inconsciente desde Freud”, como interpretou Lacan. As quatro “meninas” — as duas pajens, a infanta Margarita © a ana — no segundo plano do quadro podem muito bem significar momentos na construcio de uma fantasia... Por meio da luminosidadee do jogo de cores memoravelmente distribuidas nessa cena magnifica, cis ai o desejo de Velazquez ¢ por onde © olhar, tornando-se objeto invocante, nos faz veras inquietacées provocadas pela interrupeao dos movimentos retratados na tela. Angistia € sintoma referéncias bibliogrAficas BIRMANK, Joel. Desamparo, horror e sublimacao. Uma leitura das formacées ilusdrias e sublimatérias no discurso freudiano. In: Estilo e Modernidade em Psicandlise Rio de Janeiro: 34, 1997. Catuicanis, Contardo. Hipétese sobre o fantasma na cura psicanalitica Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. Foucautt, Michel. 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Angistia € sintoma resumo Esse artigo retoma o problema posto por Lacan no semindrio O objeto da psicandlise entre a fungio da perspectiva (que organiza o espaco para 0 sujeito) € a da moldura (que cerne 0 espaco em um de dentro e um de fora) — ambas a partir do quadro e do espelho em Velazquez ~ para pensar uma “teoria do desejo” quando da entrada do préprio sujeito no duplo campo do escépico € do invocante ¢ a implicagéo do analista nessa empreitada. abstract ‘That article retakes the problem put by Lacan in the seminar The object of the psychoanalysis between the function of the perspective (that organizes the space for the subject) and the one of the frame (that sifts the space from within in and one of out) — both starting from the picture and of the mirror in Velézquez — to think a “theory of the desire” when of the own subject's entrance in the double field of the escopic and of the invonker and the analyst’s implication in that taskwork Stylus Rio de Janeiro on 6 © p.29-37 abr, 2003, 37 38 angustia e sintoma conjunturas ¢ transbordamento do real ELIane Z. SCHERMANN © QUE A EXPERIENCIA DA PSICANALISE pOe a descoberto, para além da palavra convocada pela associacio livre, é a estrutura da linguagem, Nem tudo, no entanto, nela se inscreve. O sujeito, como efeito da linguagem, nao é apenas resultado daquilo que herdou como repetic¢ao dos mitos familiares. O sujeito, para a psicandlise, € uma lembranca apagada, um significante faltoso, um vazio de representacao no qual se manifesta o desejo sus- tentado pela deriva do gozo na pulsio. Sempre em defasagem com relagao Aquilo que diz ou quer dizer, o sujeito tende a se representar sempre em outro lugar, no Outro, reservat6rio dos significantes. Para além da significacao e do advento do ser, todavia, ha um significante do nao-senso, irredutivel, trau- matico, ao qual © sujeito esta assujeitado, comemorando sua perda. Ele é efeito do que “inventou” no lugar vazio de signifi- cago. Qual a relagao dessa “inven¢ao” com a angiistia? O estado de suspensao em que se encontra o sujeito conota a angiistia como um indice ¢ uma orientagao na diregao de um tatamento. E dever do analista, utilizando-se da interpretacao, do ato, per- mitir ao sujeito em analise inserir-se em um tempo que o ante- cede para se delinear em um futuro anterior que o precipita da causa do desejo em um efeito a advir. Aqui podemos nos indagar: que destino para a angiistia, se esta se prende a um tempo de suspensio? Nao percamos de vista que a angiistia visa 4 disjuncdo entre desejo ¢ gozo, assim como a ética do desejo acentua a ética do gozo visando a fornecer um destino & deriva pulsional. Consideremos também ser preciso um tempo de concluir para que 0 objeto-parceiro libidinal do desejo, 0 objeto a para sem- pre perdido, correlato ao que se depositou ¢ se extrain dos intersticios da linguagem, produza seus efeitos. Nesse sentido, podemos dizer que 0 sujeito pode ir da angiistia, estado de suspensio, 4 certeza do ser, efeito do ato. Conotado pela subtracao de goz0, 0 objeto aé a expressio légica do que advém do real pulsional. Em seu lugar, ha um. furo que causa o desejo e cujo vetor vai da satisfagio verbal ao Angistia e sintoma vazio do objeto ¢ deste satisfacdo verbal. Nos tracos, 0 vazio do objeto é transformado em simulacros ¢ palavras. Esse oco estrutural ¢ a expresso do que escapa ao sentido e a significa- cao. A metaforizagao do vazio inerente a abertura no real é possibilitada pela letra da alingua — a. Tributaria do traco sim- bélico, a letra é a marca de entrada de um sujeito no mundo como eco do real Por um lado, a letra é barreira A angiistia, fixando-a no significante. Por outro, ao fixa-la, a esvazia do horror do desam- paro do Outro e do desconhecido, Isso porque, ao designar 0 sujeito em um “tu és” (tu és = fuer, homofonia permitida pela lingua francesa), mata a Coisa gozosa, instalando 0 sujeito como falta-a-ser ¢ falta-a-gozar. a angustia em Freud e a fobia A afirmacio freudiana de que o recalque é efeito da an- giistia traz conseqiiéncias para os fins de anlise. Vamos consi- derar essa abordagem freudiana correlata ao que Lacan destaca na vertente real da privagio pulsional. O que no pode ser dito €, por isso, emerge como angistia problematiza o que é do Ambito do real, A partir do ensino de Lacan sobre 0 campo dos gozos, podemos delinear diferentes abordagens para os fins de andlise que se @presentam nas conjunturas do real pul- sional em relagao tanto A angistia quanto ao sintoma. Freud diz: “Nao era o recalque que criava a angiistia; a angiistia ja existia antes; era a angiistia que causava o recalque” Mais adiante, constata “que o perigo instintual interno se reve- laria fator determinante e preparacao para uma situacdo de perigo externo, real". Dessa forma, Freud mostra que um es- tado de alerta se instala no eu para advertir sobre a proximida- de de um perigo. De que perigo Freud esta falando? Do enig- ma do desejo do Outro? Do real que resiste ¢ ameaca irrom- per de um para além da castragio? Freud afirma serem as fobias as primeiras neuroses infan- tis ¢ 0 paradigma da “fabricacio” do sintoma no qual o sujeito quer se representar no campo do Outro, Freud considera as fobias estados nos quais claramente considera como uma geracao inicial de angistia é substituida pela formacao subseqiiente de um sintoma. Enfim, esta definida por Freud a intima relagao entre angiistia sintoma. E 0 significante fobico é aquele que advém em supléncia 4 falta do Outro, ao Outro real. A fobia infantil seria uma primeira tentativa de ordenagao do mundo, assim como a expresso das tentativas de localizacao do sujeito suspenso pela angiistia em um significante de gozo. Se, Stylus Rio de janeiro. on. 6 p.38-49 abr. 2003, Freud. Angista e vids instintual (1939/1974, p 108), * Ibid, p:109 39 Lacan. La tercera (1974/ 1988, 7.89), 40 segundo Freud, © que o neurético mais teme é sua propria libido, definida por Lacan como “apeténcia de pura perda”, essa apeténcia exige do sujeito vincular 0 vazio de objeto ao simbélico. Relativa também ao real como impossivel de dizer, a.um real que nada deve ao simbélico, a libido faz com que 0 sujeito sempre retorne a um lugar vazio da ex-sisténcia, E o que permitiré a Lacan dizer, em La tercera‘, que o mais temido pelo sujeito é ser reduzido ao corpo, ja que este pode voltar a um estado de “cadaverizacio” [corpse]. Para responder a pergunta “Onde esta meu ser?”, o signi- ficante fobico se torna a expressio de uma supléncia que meta- foriza 0 enigma e a falta do desejo do Outro. Em resposta a0 Che vuoi, o pequeno Hans erige o “cavalo” como significante multifacetado para metabolizar o que irrompe na abertura do enigmatico desejo do Outro. Dessa forma, o significante fbico crigido no “cavalo” funciona mais ou menos como uma cortina em relagio ao terreno inexplorado do Outro. A fabricacao do significante fobico equivale 4 metéfora, ou seja, & substituicao de um significante por outro & medida que 0 gozo é ai metabolizado. E 0 que nos ensina o Edipo. Nesse sentido, o significante fobico, porum lado, éum elemento do saber inconsciente que tenta representar 0 sujeito, locali- zando-o no campo do Outro; por outro, é fabricado para que a fobia seja uma possivel interpretacao do gozo pulsional pelo campo do Outro. Ao gozo do Outro, gozo impossivel de ser dito em pala- vras, que, no entanto, ressoa no corpo, podemos aproximar a “mordida” que, para o pequeno Hans, interpreta a extra¢4o do objeto ¢ cuja proximidade ameaga 0 sujeito. Como diz Co- lette Soler em seu seminario de 2000/2001, sobre a angustia: na mordida, a “pulsao oral” da presenca e auséncia do Outro equivale ao atarraxar e ao desatarraxar da torneira da banheira. A fobia se torna o caminho mais curto que vai da angiistia A constituigao do sintoma. Em O semindrio — livro 10: A anguistia, Lacan mostra a angistia despertada pelo enigma do desejo do Outro que convoca, no sujeito, 0 vocabulario da pulsio para responder ao Che vuoi? Lacan utiliza a metafora do louva-deus para exemplificd-lo. Enquanto 0 desejo do Outro é articulavel, ha algo que nao se articula, que desperta no sujeito a falta instaurada no campo do Outro. Mais ainda: a falta que do Outro se subtrai eclode no real pulsional, O que denominamos Outro real se escreve, primeiramemte, na vertente de significado do Outro, para depois ser depurado ¢ decantado em traco ¢ letra da pulsao, traco em que irrompe o gozo fixado pela letra. Angistia e sintoma Lembremos a frase de Lacan extraida de seu seminario sobre a angiistia € que convoca 0 sujeito ao campo do Outro real, ou seja, convoca-o a responder a castracao: “a castragao é, afinal de contas, apenas 0 momento da interpretacao da castra- cdo”, Ha um significante ao qual 0 sujeito é convocado para suprir a incompletude do Outro em sua vertente de real. Trata- se do significante do gozo convocado para interpretar o enigma do desejo do Outro, Ao mesmo tempo em que esse significante delimita uma fronteira, como se vé claramente no significante fObico, interpreta o Outro real, ou seja, interpreta o desejo em termos de gozo pulsional. Referindo-se ao campo do Outro, Lacan fala de “saber” (S,) € destaca 0 gozo pulsional no campo do sujeito, que o conota em sua divisio. Sera que podemos falar em “saber sem sujeito” a partir da articulacao entre dois campos - 0 que se abre no Outro real € 0 que é do Ambito do gozo pulsional? Da mesma forma, sera que podemos considerar o sintoma uma substituicdo metaforiea do traco simbélico, que se escreve pela insisténcia da marca da repeti¢ao de um vazio correlato a “substancia gozosa"? Ao definir 0 trago undrie como “o trago que comemora a irrupcao de goz0™, Lacan escreve nele 0 goz0 subtraido do universo simbélico, gozo sem imagem expresso no objeto a. O traco simbélico, correlato ao sinthome € “ao modo de gozar do inconsciente na medida em que este 0 deter- mina”, circunscreve a marca do “saber sem sujeito™, saber que escapa 4 articulagao simbélica mas dela nio prescinde: Podemos considerar essa letra a aquela que instaura um ponto de basta A deriva da pulsio? Sera ela que, correlata aS, (ou ao um-a-menos significante), por sua vez correlato a um-a-mais de goz0, abre a série da cadeia significante, a do saber inconsciente, que chamamos “enxame” ou “em-chame"? Para exemplificar, tomemos algumas reflexes sobre os ‘altimos ensinamentos de Lacan. Ao considerarmos, com Lacan, © ato na vertente significante — em O ato psicanalitico, 0 ato é sempre significant -, poder o vazio da ex-sisténcia, que irrom- pe para ser extraido do ato, ter como efeito uma metaforizacao? Esta no ser outra sendo a do gozo a deriva, apenas balizado pelo que restou da travessia da fantasia. Sera que podemos aproximar o sentido da existéncia, aqui correlato ao j’ouis sense € ndo A significacdo, A emergéncia de um §,? Esse §,, significante de gozo, pode ser considerado um trago de gozo correlato ao Um-amenos, que, por um lado, fixa 0 gozo na letra, mas, por outro, pode ser a marca de abertura de uma nova cadeia, “en- xame’, Sera que podemos considerar, a partir dos anos 1970, 0 Stylus Rio de janeiro. on 6 p.38-49 abr. 2003, “Lacan, O seminério-jivro 17: Oavesso oe psicandise (1969-1970) 1999, p 73) Lacan. O semindrio- 5 (1974-1975) (ned: ad de 18 de fevereiro de 1975) * Lacan, Note talienne (2007) 4l Lacan, Subversdo co syeto « dlética do desejo noi. Conscientefreuciano (1960/ 1998, p.838). * Lacan, O semindrio iro 17- O avesso da psicandtise (op.cit) * tod, p.105 a Um-a-menos, ou seja, 0 significante da falta no Outro, aquele que poder passar a ser referido ao escrito metaférico do que se depurou e esvaziou da letra? Sera que podemos considerar essa letra, por um lado, fixacdo de gozo, mas, por outro, re- mincia, perda e memorial de gozo, assim correlatos ao que Lacan destaca em Nota aos italianos como “saber no real”, “saber sem sujeito”? a angistia e a fantasia Quando podemos falar em neurose? A neurose acentua a demanda em relacio ao Outro em detrimento do desejo. Exemplo disso ¢ quando, no encontro com a falta do Outro, a anglistia convoca 0 neurético a erigir a estratégia de recobrir a falta do Outro com a demanda ao/do Outro. E 0 que Lacan afirma ao dizer que “a demanda do Outro toma fungao de objeto em sua fantasia’, ou ainda que “a fantasia (do neurético) se reduz pulsio”, A fantasia delineia o caminho que vai do Outro real ao objeto ¢ articula dois vazios - aquele relativo ao simbélico ou falta do significante do gozo € aquele relativo falta de objeto em que todo gozo se apéia, lugar no qual conce- bemos 0 objeto logicamente construfdo, 0 objeto a. Nesse sen- tido, podemos dizer que “a angiistia nao é sem objeto”. O neurético teme a castracéo do Outro porque fantasia que 0 Outro o quer como objeto, ou seja, 0 Outro quer sua perda, Indo um pouco além, podemos considerar a perda equi- valente ao objeto que é um nada, correlato ao objeto perdido desde sempre freudiano, Dessa forma, as demandas de amor sio construidas como demandas intransitivas - amar é dar 0 que nio se tem, 0 que nio ha -, demandas de nada, enfim. A de- manda, tomada como objeto, poe em jogo a pulsio. Lembre- ‘mos 0 matema da pulsio tomado no grafo do desejo, em Lacan: 5a D. Entre outros aspectos, destacamos, por exemplo, a redu- cdo das identificagses ideais ao trago simbélico que determina © sujeito em seu goz0 em perda, assim como também esperamos de um fim de analise a reducao da fantasia a pulsio. Para Lacan, a fantasia neurética surge em resposta ao buraco aberto no real do sexo ¢ reflete o instante em que a crianga percebe que ha falta no Outro. Nesse momento, como 4 dissemos, as fobias infantis sio fabricadas. A medida que o desejo do Outro se evidencia como enigma, a fobia se torna a placa giratéria edificadora do significante que protegera o su- jjeito de imergir na bocarra aberta da mae’. Diz Lacan: “Sobre essa falta de pénis da mae é onde se revela a natureza do falo™. Angiistia e sintoma a angistia e a destituicéo subjetiva No fim de uma anilise, espera-se do sujeito que se signi- ficou pela metafora paterna no significante falico, no falovelado portador de determinado valor libidinal para o Outro, que sofra uma destituigao para que venha, apenas, a adquirir corpo como “falta-a-gozar”, Essa é outra forma de dizer que, no fim, espera-se que, da angtistia, o objeto @ funcione como articulador do que resta do buraco aberto do Outro real. Dizemos que a angiistia nao é sem objeto porque, de objeto-dejeto do Outro, um sujeito pode se desprender e permitir que 0 objeto na letra funcione como puro articulador de desejo. A angiistia é um afeto de destitui¢ao subjetiva necessario aos momentos de virada de uma anilise. No entanto, também pode ser expressao de uma destitui¢ao subjetiva selvagem — pas- sagem ao ato, ato falho etc. Podemos afirmar que é uma des- tituicdo selvagem pela intrusio de uma dimensio gozosa, sob a forma seja de perda (objeto a), seja de Outro gozo, gozo femi- nino exclufdo do universo das palavras. Ambas as formas sio possiveis. Embora a anguistia possa ser considerada um momento de destituicdo subjetiva selvagem, correlato ao instante de ver, também pode ser abordada como via aberta a destitui¢ao sub- Jjetiva para além da castragao. Consideremos que tanto da an- guistia quanto do sintoma possa advir algo em supléncia para que, da vertente de gozo indizivel, algo insistente advenha para se tornar um dizer. Por ser a angiistia estrutural, homens ¢ mulheres encon- tam, freudianamente falando, um impasse irredutivel na an- glistia de castracao. Lacan vai um pouco além. Freud trabalha aangistia predominantemente relacionada ao desejo do Outro, Estar aprisionado ao campo do Outro, ao enigma do desejo do Outro, impede que o desejo possa ser relativo a falta-a-ser. En- quanto Freud define o limite ¢ 0 fim de um proceso analitico na angiistia de castra¢4o como falta-a-ter (0 falo), Lacan extrai © real pulsional para abordar a falta-a-gozar. Sua melhor ex- pressao € encontrada na vertente feminina da légica da sexua- ao, do irrepresentavel do sexual que equivale ao objeto ae que, ao se subtrair do gozo do universo das palavras, abre um universo “a-mais” de gozo. No periodo final de seu ensino, Lacan encontra outra resposta que nio a vertente falica, relativa libido, para a deriva da pulsao. Ele desenvolve a nogao de gor0 do Outro, gozo que ressoa no corpo, mas que esta excluido do universo das palavras. Lacan, enfim, aproxima 0 Outro gozo, gozo d’A mulher, goz0 Stylus Rio de Janeiro 6 p.3849 abr. 2003, 43 44 radicalmente fora do universo das palavras, a0 gozo do Outro. Ele se pergunta como inserir no corpo do Outro esse gozo excluido do universo das palavras, jé que 0 Outro nao responde a tudo. Uma mulher busca encontrar no corpo do Outro uma minima localizagao do gozo que lhe é peculiar € do qual, tam- bém ela, pouco pode dizer. Freud tinha raz4o ao dizer que o caracteristicamente fe- minino est mais proximo da angiistia (embora também se in- dague como as mulheres podem sentir a anguistia, se jé sofreram uma auséncia simbélica radical, ou seja, uma privagao, e quando uma parte ja est desde sempre na castracao). E a partir desse pulsional 4 deriva, caracteristicamente feminino, que advém o apelo ao significante que falta, $ (A). Ao afirmar estarem as mulheres mais proximas do real, Lacan nos leva a destacar a relacdo quase direta da angustia com o real, e com a vertente d’A mulher nas f6rmulas da sexuagao. a angistia, da vertente simbdlico-imaginaria 4 imaginario-real Em novembro de 1974, em La tercera, Lacan define a angiistia como “o afeto inerente a todo acontecimento de real”. Até o seminario sobre a angiistia, sua visada era a articulagao simb6lico-imaginaria. A partir dos anos 1970, uma nova abor- dagem recoloca a angiistia re-situando-a no eixo imaginario- real, Quando define o imaginario como uma das trés consis- téncias do objeto @(R.S.1) € 0 conota particularmente no corpo como invélucro desse objeto a, Lacan também afirma o horror do neurético de ser reduzido apenas ao corpo (La tercera). A que corpo esta se referindo? A um pedaco de corpo? Quantas mu- Iheres chegam 4 andlise dizendo sobre seu sofrimento e horror de serem apenas “uma xoxota” para um homem, Ao corpo “cadaverizado”, “deslibidinizado”? Lacan chama de corpse (ca- diver] 0 organismo no mortificado pelo significante. O corpo precisa ser mortificado pelo significante para sofrer a apeténcia do desejo. Enfim, é 0 significante que o transforma em corpo. No corpo, 0 gozo adquire substancia de gozo. E 0 objeto a como subtracao de gozo que vai relancar a apeténcia do desejo. Para Lacan, a angistia emerge quando “pode faltar a falta...”. Podemos perguntar: qual a relacao entre a angiistia © objeto que, por conotar a falta, ameaga faltar? A que objeto estamos nos referindo: falo, objeto a, objeto da demanda? Qual a relacdo entre angiistia ¢ recalque? Enquanto dizemos que a angistia no é sem objeto, 0 recalque ¢ relativo ao significante do gozo. Podemos acrescentar, com Lacan em O semindrio — livro 17: O avesso da psicandlise, que 0 waco simbélico, chamado de Angéstia e sintoma taco undrio, é um taco memorial de perda de gozo em que ressoa 0 goz0 conotado em perda. Consideremos que a angistia irrompe quando 0 gozo no é perda, ou seja, quando 0 gozo se fixa na letra. Se, nos anos 1960, Lacan situa a angiistia primeiramente no eixo do desejo correlato ao simbélico, anos 1970 avanca e a situa fora do simbélico, como transbordamento do real para fora do eixo do imaginario. E 0 que ele desenvolve no né bor- romeano, em seu texto La tercera, destacando 0 objeto ano cixo central dos tés registros. Da mesma forma, situa a angustia fora do simbélico, co- mo também situa 0 gozo Outro, gozo d’A mulher, fora do universo das palavras, Ele nao situa mais a angiistia em relacao ao objeto, ou em relacdo ao Outro simbélico, mas sim como “acontecimento de real”. Enfim, na mesma época em que diz que “a angiistia é um acontecimento de real”, também diz que “o sintoma vem do real”, passando a considerar na letra ao efeito da operacao da linguagem sobre o real. Quando falamos de subtracao de vida do falante, quando destacamos a perda de gozo, quando nos referimos a castracao, até mesmo quando abordamos a descontinuidade significante, ai encontramos seus efeitos. Enfim, destacamos 0 objeto a no centro de toda conotagao de gozo e de seus restos. E com a letra @ que conotamos o efeito da linguagem no real. Se, por um lado, destacamos a estreita relagdo entre a angisstia, que nao é outra senao a de castragao, correlata ao Edipo, por outro ha algo que vai além do Edipo e articula no objeto a o modo de gozo peculiar a cada sujeito”. Enfim, toda modalidade de gozo se apdia no objeto a. Este € condicao de qualquer gozo, ou seja, de uma falta-a-gozar. No entanto, ao abordarmos a angiistia no eixo imaginario-real, destacamos primordialmente arelagao da anguistia com o corpo, ja que Lacan destaca 0 corpo como eminentemente da ordem da consisténcia imaginaria — “o imaginario, ou seja, 0 corpo consiste antes de se dissolver". Nessa vertente, aproximamos © gozo do Outro ao que ressoa do real pulsional no corpo pela redugio das demandas a pulsio. Por meio do traco que repete ¢ reescreve o vazio simbélico no menos-Um indicando um gozo a mais, mas de valéncia ne- gativa e em perda, gozo esse correlato a expresso lacaniana “A mulher nao existe”, um sujeito alcanca subtrair-se do gozo do Outro para inscrever ¢ relancar os tragos da alingua, seus resquicios de linguagem, em um universo simbélico articulavel. Stylus Rio de Janeiro n..6 © p.38-49 abr. 2003, *Eoque permite @ Colette Sole, no seminiro de 1000/ 2001, sobre a gist, bor dar oobjetoeparicpando ds tes consisténcias: mag néria(o 28 magnaranete i corporadoe trebabado nas eran, a fora de ore de, analdade et.) smbéica (quando objeto perdido frevdano equivde, em Lacan, 20-9, corteleto a0 flo sub taidoe eczido do siniico para serabordedo em eauive Fenca a0 tra¢0 undo), esinds a consisténcia rea (auandoo go2o est no corpo em ue 0 ozo condcionado peo a¢ comet 8 su subtracdo are relagara apeténcia de dese) Lacan, O seminsro: 81(op cit ala de 18 de fevereiro de 1975) 46 retomando 4 relagao da anglistia eo sintoma, pela vertente do real Lembremos a frase de Lacan em La tercera: “Penso, logo gozo-sou”, Nesse Ingar em que inserimos o real impossivel de dizer, também é esperado que o sintoma se torne a escrita de um trago em ato. Do tracado gramatical do circuito pulsional no corpo, da gramatica que se escreve nas bordas do corpo pelas demandas, o sintoma passa a escrever 0 corte ¢ o tragado pulsional, abrindo uma distancia entre corpo e falo. De um corpo narcisicamente erigido em imagem, 0 corpo passa a ser abordado como um “vaso” cheio de furos. O vaso é a imagem que Lacan utiliza para falar do corpo simbélico-imaginario. E do corpo que aparece no real apenas como mal-entendido pas- samos a abordar o que nele ressoa de gozo pulsional. Enfim, é do corpo que gozamos! Esperamos que o sintoma de um fim de andlise apenas seja o signo de uma marca da pulsio desprendida ¢ separada daqueles sintomas que o significaram no desejo do Outro. Isso porque o sujeito fantasiou estar fixado como objeto de goz0 do Outro, no furo aberto pelo enigma do desejo do Outro. O sin- toma de um fim de anilise, correlato ao resto de gozo, gozo que se articula sem se fixar (sem se fixar permanentemente, como faz. 0 neurético balizado pela fantasia), pode, portanto, funcionar apoiado pela “substancia de gozo”, ou seja, sustentado pela letra a, com a qual o sujeito sabe agora lidar no lugar de causa de desejo. Poderemos conceber o sinthomeem sua vertente pulsional como a reescrita inventiva dos tracos de gozo que se depositaram dos acontecimentos de uma vida? Estaremos confirmando no sinthome, como supléncia, a antiga relacao destacada por Freud entre sintoma e anguistia? @ angistia ¢ um pai ‘Tomemos entio a questio sobre a supléncia soba vertente do que é um pai, o que também permite articular 0 goz0 ao traco simbélico, ao traco undrio como memorial de gozo ¢, conseqiientemente, ao sinthome. Lacan avanga de O semindrio — livro 4: A relagéio de objeto até conceber, em O semindrio — livre 17: O avesso da psicandlise, a funcao do pai real. O pai terrorifico, castrador € superegdico, é correlato a uma voz que reprova, erigida pelo neurético para dar conta do desejo do Outro. O neurético a erige para dar conta daquele gozo que supde no Outro consistente. Essa voz é, finalmente, a partir dos anos 1970, concebida como j'ouis-sense — equivoco permitido pela Angistia e sintoma lingua francesa € que se refere a um resto de voz de Um pai, aquele que apenas indica a repeti¢ao de um conjunto vazio “nada melhor que um conjunto vazio para sugerir 0 Um"? Sendo resto de voz, podemos conoté-la como “menos-Um". Esse resto de voz que reprova ou exige satisfagio diz respeito ao que resta do pai superegdico como insisténcia de gozo. Do paicomo Outro consistente espera-se que reste apenas a letra de gozo para funcionar na vertente de articulador do desejo. O pai agora é reduzido ao traco do “saber sem sujeito”, tornando-se, assim, corolario de um nome de gozo para apaz guar a anguistia. Um pai fornece em supléncia um nome para apaziguar 0 que ameaga emergir como desamparo do Outro, agora real. Um pai é necessariamente erigido pelo neurético como um pai idealizado para que possa exercer sua fungio de agente da castracao e de articulador estrutural do gozo no desejo. E ele quem vai lancar os S, que conotam o sujeito em sua falta-a- gozar. O pai passa, entdo, a ser apenas uma supléncia. “Podemos prescindir do pai sob a condi¢ao de dele se servir”. Também Um pai — 0 menos Um ~ é correlato ao zero que se repete sem significagao € sem sentido. Ele € pura repeticdo que convoca 0 sujeito a apeténcia do desejo. Do nao-senso do menos-Um, o mais-de-gozo pode advir relancando a apeténcia do desejo ¢ das necessidades vitais do corpo. O pai real se torna correlato ao que se extrai do sintoma como significado do Outro ~ relativo ao primeiro momento do ensino de Lacan. Ou seja, é relativo ao que se extrai da ordem da pulsio — para passar a funcionar como sinthome informando © que resta de pulsio para inscrevé-la no traco, sem cair no sentido ou no balizamento do gozo do Outro. E o entendemos em Lacan por gay savoir. O Edipo ~ ja que nao ha neurose sem Edipo - é 0 que permite metaforizar esse vazio central — em que se apéia a letra a (como a vemos no né borromeano). No Edipo se articula ‘© modo de gozar de cada um com o significante que 0 determi- na. Na repeticao desse vazio que faz Um, o Edipo define o pai como Um-a-menos, permitindo ao pai receber tantos nomes quantas metiforas possam ser feitas sobre um-a-mais de ozo. Assim, um dos nomes do pai é A mulher, o que permite aborda- lo o pai como supléncia e “invengao”. Stylus Riode Janeiro. 6 p.38-49 abr. 2003, "Lacan. O seminirio:S. (1974-1975) 0p. cit: au de 11 de marco de 1975). 47 48 feferéncias bibliograficas Freun, Sigmund. (1926) Inibicdes, sintomas e angiistia. In: Edipdo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. Fetup, Sigmund. (1932) Angistia e vida instintual. Novas conferén- cias introdutérias sobre psicanilise. In: Edigdo Standard Brasileira das Obras Psicoligicas Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, Lacan, Jacques. (1960) Subversio do sujeito € dialética do desejo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998. Lacan, Jacques. O semindrio — livro 17: O avesso da psicandlise (1969- 1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1992. Lacan, Jacques. (1973) Note italienne, In: Autres ecrits. Paris: Seuil, 2001 Lacan, Jacques. (1974) La tercera. In: Intervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988. Lacan, Jacques. O semindrio: RS.I. (1974-1975) aulasde 18 de fevereiro € 11 de marco de 1975. Inédito. Angistia e sintoma resumo Aproximamos a angtistia a0 eixo real-ima- gindrio, em cujo furo destacamos 0 objeto a, Também mantivemos sua relacdo com o sinthome, definido por Lacan no tltimo perfodo de seu ensino como “o modo co- mo cada um goza do inconsciente na me- dida em que este o determina”. Enfim, destacamos que é no corpo que gozamos, quando transbordamos real no imagina- rio e, maisainda, gozamos com as palavras € 0s dizeres quando transbordamos o real no simbélico. abstract We approximated the anguish to the real- imaginary axis in whose hole we deta- ched the object a. We also maintained its relationship with the sinthome, defined byLacan in the last period of his teaching as: “the way as each one enjoys the un- conscious as this determine it”. Finally, we detached that itis in the body that we enjoy, when we overflow the real in the imaginary, and even more, we enjoy with the words and the sayings when we over- flow the real in the symbolic. Stylus Riode Janeito nn 6 p.38-49 abr, 2003 id: aula de 18 de fevereio de 1975. 49 od Bittencourt. Algunas comsideragées sobre @ neurosee a psicose nas tenicomanas (1993), * Biman Feitigo e feticeito no ppacto com a disbo(1986/ 1999)e Dionisos desencantados (1993). >Santago, Toxcomaniae penersio (1993), “Grossi Nogueia O socale 8 nos formas co sintoma: es toxicomanias (1998). Sbitencourt.Algumas consderagbes Sobre 8 newose ea psicose nas toxicomanias (9p. cit) "Ver, para sso, tambémo texto, anda inédto, de Abert Inem # Corpas, Fendmeno, estrutur, stoma edhoga 0 sintoma, a toxicomania Sonta ALBERTI EM ALGUMAS CONSIDERAGOES Sobre a neurose € a psicose nas toxicomanias', Ligia Bittencourt se refere ao lugar do objeto droga no ambito das estruturas clinicas incluidas no titulo de seu trabalho. Bittencourt nio concebe a abordagem do tema fora da pratica clinica, mas somente a partir dela, na transfe- réncia, ¢ é por isso que comeca chamando a aten¢ao para a importancia das entrevistas preliminares no deciframento da estrutura clinica dos sujeitos usuarios de drogas, 0 que sera fundamental para 0 processo de anilise. Na realidade, nio é mais possivel hoje abordar a clinica da toxicomania fora de uma referéncia norteadora da discussao estrutural, ou seja, da verificacao da relacio com a neurose, a psicose ¢ a perversio, da relaco com a castra¢4o. Quanto a isso, varios autores, como Birman, Santiago’, Grossi e Nogueira‘ e Bittencourt’, ja deixa- ram suas observacées’. O importante é ater-se ao discurso do sujeito, poder escuté-lo, e nao estabelecer a regra de que todo toxicémano € perverso. Ser toxicdmano, por si s6, nao diz nada do sujeito. Para nosso trabalho ¢ nossa hipétese aqui, a observagao de Bittencourt é fundamental: conforme sua experiéncia clinica, aadicao 4s drogas configura uma sitwagdo de desaparigio do sujeito do desejo, quando este se vé diante do mal-estar. Quando algo se constitui como intoleravel e nao pode ser simbolizado, o recurso as drogas surge como saida. Se, na toxicomania, o sujeito fica em suspenso, por nao poder ou querer lidar com o mal-estar, isso nao significa que ela seja escolhida pelos mesmos motivos € nas mesmas condigdes por todos 0 sujeitos que se utilizam de drogas. Pode-se concluir, entéo, que 0 que norteia 0 uso de drogas esta relacionado a estrutura clinica dada na singularidade de cada sujeito. A autora justifica esse ponto de vista, absoluta- mente convincente, demonstrando como a droga pode entrar na economia libidinal em qualquer estrutura. O exame de casos clinicos se beneficia de suas articulacdes, que defendem e sinte- tizam, de forma clara, a toxicomania como fenémeno nao as- sociado particularmente a nenhuma das trés estruturas clinicas € que, por isso, nao pode ser fundado sobre um mito comum. Ela, no entanto, é bastante taxativa: a funcao da toxico- mania ver na contramao do sintoma, Na realidade, a fungao Angistia e sintoma da toxicomania seria evitar os sintomas dos sujeitos, agindo como mascara para esses sintomas e, obscurecendo, por exemplo, a definicao do diagnéstico estrutural, fato também observado por outros autores. Segundo Bittencourt, o dispositivo da toxico- mania opera “como modo de resposta permanente que se subs- titui a exigéncia de uma elaboracao psiquica e apazigua o sujeito diante de um intoleravel”. Assim, a toxicomania parece ser uma das maneiras encontradas pelo sujeito para responder aos “impasses que renovam ¢ relancam 0 laco do sujeito a castra- do” sem, entretanto, recorrer ao trabalho de simbolizacao. Diante do mal-estar, o sujeito recorreria A droga como resposta nao simbolizada. E nesse Ambito que podemos retomar a observacio de Freud segundo a qual a toxicomania é a propria narcose da neurose’, ou aquela de Fernando Grossi, quando diz: “Ao invés de haver 0 caminho da formagao do sintoma que faria um lago, vamos chamar, simbélico, através, por exemplo, de uma fobia — como no caso Hans -, 0 sujeito faz 0 curto circuito da droga”. Em ambas as referéncias, ressurge a vertente da toxi- comania na contramao do sintoma. Assim, seria possivel supor a clinica das toxicomanias concernindo exclusivamente a questo do gozo sem qualquer relacéo com as formacées do incons- ciente!!. Mas se olhamos mais de perto os textos de Grossi ¢ Freud, também € possivel dizer exatamente 0 contrario. A frase na qual Freud observa que a toxicomania é a propria narcose da neurose diz, textualmente: “Talvez aquele que ndo sofre de neu- rose tampouco necessite de uma intoxicagao que a narcotise"?, Ou seja, no fundo, a intoxicacao necessariamente imprescinde da neurose, a escamoteia porque o sujeito sofre com a neurose, uma vez que essa ndo é a forma mais eficaz de lidar com a castracao. Entio toxicomania e neurose, na realidade, andam juntas! O mesmo pode ser deduzido a partir da observacao de Fer- nando Grossi, que leva em conta fato de que é possivel consi- derar “as drogas como uma tentativa de equilibrio, uma busca de estabilizacao para alguns sujeitos”", mesmo que precaria em funcao de sua importante associacao com a pulsao de morte. Freud e Grossi, além disso, permitem supor uma relacao possivel da droga com o pai. Freud, ao associar toxicomania € religido, e Grossi, ao associa-la com o ideal. Tanto religiéo quan- to ideal podem equivaler a toxicomania, a estimulacao ea droga como meios de obtengio de prazer, o que fica claro na equiva- léncia observada por Freud, em 1927, entre a intoxicacao e 0 Shlus Riode janeiro 6 p.60-56 abr. 2003 tencout,Algumas cconsideracdes sobre a neurose ea psicose nas toxicomanias (op. cit, p83) * bia * Freud. DerFetichismus (1997/1979, p.189) ® Grossi Noguera. O social «35 novas formas do sntoma, as toxicomanias (0p. cit) Vigand, Saige mente psiquiats e psicanalise 1997) "Freud, De Fetichismus (op. ct, p:182, gifo meu) 9 Grossi Pscéticos e adolescentes: por que se ‘rogam tanto? (2000, p. 38) “Freud, Der Fetichismus (op. cit, p.182), * Pasian, De la monotona ala diversicid (1994, p 69). “Melman. Alcootimo, binenércia,toxicomana: uma ‘uta forma de saber (1992, 135), Referéncia que se enconta em testo inédto de CaraLdce nem “radugdo emonenagem 3s comemoracBes do centensio de nosso poeta Caos, Drumondde Anctace. “Lacan La troisiéme (1974/ Ineo). Lacan, Félévision (19748). 52 fendmeno que aconteceu nos Estados Unidos na época da lei seca, quando se substituiu a droga pelo temor a Deus'*, Ora, se é possivel implicar a droga em equivaléncias — co- mo Freud o faz na passagem citada -, entao é possivel pensar a droga no Ambito do sintoma. Para introduzir esse hipétese, servir-me-ei de uma refe- réncia encontrada por Clara’ Liicia Inem: em 1994, um autor de nome Paskvan observava que 0 toxicémano pode ser “um objetor ao gozo universalizado da civilizagdo”. Essa observaco se associa 4 de Melman, segundo o qual o toxicémano pode usar a droga para se subtrair ao gozo do Outro: “Ele nao goza da droga, mas do fato de desligar-se do gozo do Outro”, Se tomamos emprestado de Lacan 0 conceito de sintoma tal que desenvolvido em A terceira, “o sentido do sintoma é o real, o real enquanto pedra que se pée no caminho” para im- pedir que as coisas funcionem no sentido em que sejam satisfa- torias para os mestres"*, entao o toxicémano que usa droga para se subtrair ao gozo do Outro pode fazer dela sintoma, gozando como o escravo de que Lacan fala na seqiiéncia de seu texto. Identifiquei trés acepcdes do conceito de sintoma em Lacan: compromisso, no sentido freudiano do termo, sustentado na fantasia; cruz (ou pedra no caminho) que impede que as coisas funcionem para o mestre de forma satisfatoria; e quarto clo, no n6 que nem sempre é borromeano. Apesar de nao ter aqui o espaco necessario para desenvolver a questo da toxico- mania nessas trés acepges, gostaria de aproveitar o ensejo para avangar um pouco nessa articulagao. Se © mestre do discurso do capitalista promove 0 “nada se perde, tudo se transforma”, uma vez que é préprio desse discurso desmentir a castracao, o sujeito histérico pode muito bem utilizar a droga para se recusar ao trabalho, ao estudo, a produgio, se isso puder ser validado como tentativa de furar 0 Outro, pelo discurso do analista. Como dizia Lacan em Televisao", 0 tnico discurso a poder fazer frente ao discurso do capitalista é 0 discurso do analista, 0 que se dirige ao sujeito no lugar do outro. Entio, no discurso do analista, pelo fato de o analista receber um sujeito, e nio um toxicémano, ou seja, pelo fato de atribuir a seu paciente o estatuto de sujeito inde- pendentemente das identificacées que o distingam no Outro — algo como “ele é toxicémano!” -, ele podera promover um giro de discurso. Eis 0 que chamei de validar a tentativa do sujeito de furar 0 Outro. Ao fazé-lo, 0 discurso do analista per- mite ao sujeito agenciar um discurso em que 0 uso da droga Angistia e sintoma revela a verdade singular ¢ recalcada que o mestre tanto desco- nhece quanto desvaloriza. Com o discurso do analista, é possivel promover a saida do discurso do capitalista, a instalacdo de um outro discurso em que o sujeito nao é mais engano de agente (como o é naquele discurso), mas agente propriamente dito, como sempre foi no discurso da histérica Urge, portanto, retomar a histeria ¢ suas vicissitudes na clinica. Identificada hoje como distirbio ou sindrome da dis- sociacao ou somatoforme, na tentativa de circunscrever a grande gama fenomenolégica da histeria, ela perde, fundamentalmen- te, sua funcao discursiva. O discurso da histeria é 0 tinico que assegura ao sujeito a possibilidade da diivida e do questiona- mento, 0 que, paradoxalmente, fundou inclusive 0 sujeito da cigncial Se, para o discurso da ciéncia, a histeria é reduzida a uma fenomenologia, submetida ao método quimico de trata- mento sem que se leve em conta qualquer causalidade psiquica oriunda do inconsciente, o proprio discurso da ciéncia aniquila seu sujeito. Nao foi 4 toa que Lacan observou que ele o foraclui. Mas © sujeito histérico nao deixa de existir por causa disso, como também observou Lacan, 0 inconsciente insiste! Feliz- mente! E, como ensinou Freud, 0 que nao pode ser dito por causa da censura surge como forma¢ao de compromisso: no sintoma, O discurso da ciéncia foraclui o sujeito € o discurso do capitalista foraclui a castragao. Dai decorrem novas questées que podem interessar ao aprofundamento do estudo das toxi- comanias, em particular em sua articulac4o com a neurose. Pois nao ha diivida de que a toxicomania é um fendmeno, con- seqiiéncia de toda essa foraclusio, mas é possivel que, em de- corréncia da insisténcia do inconsciente, ele proprio se torne 0 portador do sintoma de que, ainda assim, ai ex-siste um sujeito, Por exemplo: se uma das versdes atuais da histeria é o “depri- mido”, que neste inicio de século recorre as drogas buscando © ideal de uma felicidade prometida — cuja inacessibilidade pretende ser negada pela droga no discurso capitalista (fora- clusao da castracao) -, talvez seja possivel pensar a toxicomania como um outro invélucro formal do sintoma na neurose”. Em 1998, Grossi e Nogueira jé levantavam a questo sobre um in- vélucro formal, estimulado pela alianga entre medicina e psi cofarmacologia, que pode causar uma relacao bastante com- plexa até mesmo para o discurso histérico: 0 mestre doutor no lugar do outro é questionado pelo sujeito histérico, que se utiliza para isso das préprias drogas que o mestre doutor the receitara € que ja nao fazem o efeito esperado por aquele ou propagan- Stylus Rio de Janeiro 6 p.80-66 abr, 2003, "Albert, nem & Corpas. Fendmeno, estutua, stoma ¢ ‘droga (op. cit 53 Lacan, le savoir dt psyche. nalyste(1971-1979/nedtto), 54 deado pelo laboratério que as produziu. Essa é a hipétese que levantamos e que também encontra ecos nas observagées con- sensuais das mais recentes pesquisas de farmacologistas, segundo as quais ha risco de benzodiazepinicos provocarem graves sin- tomas ¢ fendmenos de dependéncia, de forma que a propria alianga da medicina com essa ciéncia dos psicofarmacos, que nao deixa de se fazer sob fundo do interesse dos laboratérios de medicamentos, quer dizer, sob base do discurso capitalista, cria novas formas de sintoma. Se nossa hipétese puder se verificar, no entanto, talvez 0 destino nao seja tao negro. Sabemos o quanto a histeria se insurge, antes de mais nada, contra o pior mestre, aquele que se assenta na mortificagao do sujeito, pelo simples fato de que nao ha sujeito no mundo mais adepto a fazer valer 0 desejo do que 0 sujeito histérico. Assim, sera necessario também verificar as vers6es desse possivel invélucro formal do sintoma em suas relagdes com o que faz obje¢ao a alianga do mestre doutor com 0 discurso do capitalismo, ou seja, retomar as versoes do sintoma e suas fungdes na relagdo com o desejo, desde que o discurso do analista possa sustenté-lo, pois, como j dizia Lacan em 1974, 0 discurso que mais instrumentos tem para resistir a0 discurso do capitalista é 0 discurso do analista, 0 Gnico a consi- derar 0 outro um sujeito. Para tentar verificar essa hipétese, seria importante veri- ficar a toxicomania nas duas outras acepcées do sintoma: como efeito do simbélico no real, articulado ao gozo falico e, portan- to, a fantasia, e como quarto né, Em fungao da conceituacao da primeira acepedo, sabemos que, necessariamente, 0 sujeito em questao € neurético. Se,além de neurético, ele é histérico ou histeriza — como dito, o sujeito histérico é o mais adepto a fazer valer 0 desejo, porque se sustenta em sua verdade agalmatica -, ¢ histeriza quando entra em relag4o com o discurso do analista, entdo 0 sintoma como sentido do real se ancora na propria verdade do discurso: tH Sy — poemblamte —p gor ‘ou Se verdade mais de gozar ¥ Nas conferéncias conhecidas sob o titulo O saber do psica- nalista', Lacan diz. que no nivel da verdade ha dois vetores que divergem: o que exprime que 0 gozo que se encontra no fim do ramo direito é, com certeza, um gozo falico, mesmo se nao Angistia e sintoma pode ser dito gozo sexual. Para que ai se mantenha o ser falante, “é preciso que ele tenha esse pélo que é correlativo do pélo do goz0 por obstacularizar a relacio sexual, €0 pélo que cu designo como semblante”®, A verdade, aqui, tem a mesma fungao que "i (aus de 3 ce feverero © sentido do sintoma em 1974, ja que produz dois vetores (ou de 1972) seja, dois sentidos) por meio dos quais o semblante descompleta a propria significagao falica do gozo. Nao seria possivel pensar © uso da droga nessa fungao? referéncias bibliogréficas Atserti, Sonia. Adolescéncia e droga: um caso. In: Benres, Lenita & Gomes, Ronaldo Fabiao (org.). brilho da infelicidade Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1998, p. 125-34. Auuertt, Sonia; Ivem, Clara Lucia & Coreas, Flavia dos Santos. Fenémeno, estrutura e sintoma na toxicomania, Revista Latino- americana de Psicopatologia Fundamental. (No prelo) Birnan, Joel. (1986) Feitigo ¢ feiticeiro no pacto com o diabo. In: Mat-estarna atuatidade Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 1999. 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Ao fazé-lo, é pos- sivel repensar a fungao subjetiva na for macio do sintoma do toxicémano, tal co- mo ela é identificado pelo discurso do psicanalista. abstract It’s from the standpoint of a structural clinic sustained by some authors, that this text examines the hypothesis of a possible relationship between drug adiction and the psychoanalytic concept of the symptom. To do so, it underlines the importance of hysteria, hysterisation and the hysterical discours, as sustained by Lacan. Our purpose is to introduce a dialectic development of drug adiction’s phenomenology, stating it as a product of two forclusions: the one of the scientific discours and the one of the capitalist discours. Doing so, one can articulate the importance of the psychoanalyst to identify subject's function in the construction of the symptom, even in drug adiction. Angiistia e sintoma © sujeito e as fungdes do pai Giterro Genova GospaTo |, introdugdo Duas Questées FUNDAMENTAIS para Freud permanecem enigmas do principio ao fim de sua obra, a saber: o que quer uma mulher € 0 que é um pai. Certamente essas questoes se articulam em um ponto, lugar que as torna enigmiticas, isto é, insolivel, impenetravel, mas passiveis, no entanto, de serem sondadas pelos bordos. Nosso interesse concentra-se particu- larmente na investigacao desse enigma que constitui o pai. Rea- lizaremos as cercanias das fungées do pai - Imaginaria, Simbé- lica e Real, triade constitutiva da realidade psiquica — em seu elo com 0 conceito lacaniano de sujeito. Duas hipéteses sustentam o norte dessa investigacao: 1) nao existe sujeito sem fun¢ao paterna; 2) o pai é um vetor cujo sentido é do corpo para a Psyché. Percorrer as bordas dessas hipéteses pressupde clareza no entendimento conceitual tanto de sujeito quanto das fungées do pai, referenciais indispensaveis para 0 desenvolvimento dessa empreitada. Revisitar tais con- ceitos impée-se, portanto, lembrando que tal tarefa s6 encontra sentido em seu percurso moebiano, em que os pontos de saida € chegada so os mesmos: a clinica psicanalitica. Il. 0 sujeito Lacan extrai do texto freudiano o conceito de sujeito, entenda-se sujeito do inconsciente (faz-se aqui um pleonasmo), aquele que se abonou do inconsciente. E no principio foi 0 verbo, linguagem falada que subverteu 0 homem introduzindo- © no infinito da dimensao do desejo para sempre insatisfeito. Foi 0 verbo que primeiro nomeou o homem, € foi 0 mesmo verbo que, impossibilitando tudo nomear, dew-the a angistia como sinal que vetoriza esse impossivel. E 0 verbo fez 0 humano “consciente" do impossivel inscrito nas origens, seja do universo, da vida, da morte, seja, sobretudo, de si mesmo, dai a pergunta que nao cala: quem sou eu? A pergunta é por si mesma o teste- munho de uma acdo especifica do verbo, manipulacao singular dos significantes que faz do “eu” um dividido indefinidamente, fendido para sempre. E nessa fenda indelével ¢ irredutivel que se aloja 0 sujeito do inconsciente como sendo a propria falta, a Stylus Rio de Janeiro 6 p.57-65 abe. 2003, Freud. Moisés eo rmanotesm (193911934 19381/1975, 0.136) propria impossibilidade de responder a pergunta “Quem sou eu?”. Ao sujeito, resta apenas o reconhecimento da nao-resposta, do no saber que constitui sua verdade. A fenda € efeito da incorporagao do verbo, sem o qual nao ha esquecimento primordial possivel, capaz de fazer existir © sujeito esquecido de sua divisio, a qual nunca o esquece. A fantasia indica-nos a existéncia do sujeito esquecido de sua falta, uma vez que é, a0 mesmo tempo, a revelacdo do nada que tenta encobrir. Nesse sentido, diz-se que a fantasia comporta 0 desejo, visto que oferece ao nada do sujeito fendido um suposto ‘objeto que o leva acreditar na satisfacao do desejo. Trata-se, entretanto, de uma crenga, e para que ela continue como tal o objeto deve ser mantido sempre no infinito horizonte. Aproxi- macao do objeto é sinal de perigo, satisfacao do desejo, isto é, sua morte. Para manter o sujeito desejante, rechaca-se 0 objeto para o infinito do infinito do horizonte, no transfinito. Nao cabe A fantasia, portanto, sua realizacao. Nese cenario ficticio construido pelo sujeito, alguns ob- jetos de seu mundo sao eleitos para serem marcados do valor do objeto que ele supde a satisfacio do desejo. Trata-se de ob- jetos com os quais 0 sujeito mantém o jogo do pega ¢ solta: no pega esta embutida a possibilidade da perda, e quando ele o solta, o deixa ir € porque o fio de Ariadne est preso no dedinho. Brincadeira do pega ¢ solta que mantém o desejo sempre com um resto de fome, testemunho da divisio do sujeito. IIL a fungao do pai "Mater certissima, pater semper incertus" Em Moisés ¢ 0 monoteismo', tratando do tempo fundamen- tal do desenvolvimento do humano, momento em que a ordem social matiarcal foi substituida pela patriarcal, Freud afirma: Mas esse afastamento da mie para o pai aponta, além disso, para uma vitoria da intelectualidade sobre a sensualidade — isto é, para um avanco i que a maternidade é provada pela evidéncia dos sentidos, ao passo que a pa- ternidade é uma hipétese, baseada numa infe- réncia e numa premissa. Tomar partido, dessa maneira, por um processo de pensamento, de preferéncia a uma percepgao sens6ria, provou ser um passo momentoso. Em algum lugar entre os dois acontecimentos que mencionei (entre o desenvolvimento da Anglistia € sintoma fala € 0 fim do matriarcado), ocorreu outro que apresenta a maxima afinidade com o que esta- ‘mos investigando na historia da religido. Os se- res humanos viram-se obrigados, em geral, a re- conhecer as forcas intelectuais (geistige), isto &, forcas que nao podem ser apreendidas pelos sentidos (particularmente pela vista), mas que ndo obstante produzem efeitos indubitaveis ¢, na verdade, extremamente poderosos. Se nos apoiarmos na prova da linguagem, foi o movi- mento do ar que proporcionou o protétipo da intelectualidade (Geistighel), pois o intelecto (Geist) deriva seu nome de um sopro de vento — animus, spiritus, eo nome hebraico ruach (Féle- go). Isso conduziu também a descoberta da mente [ Seele, alma] como principio intelectual (geistigen) nos seres humanos individuais. O texto freudiano, em consonancia com a dualidade platd- nica entre o sensivel ¢ 0 inteligivel, ¢ indubitivel quando indica 0 matriarcado, 0 que chamaremos a via da mae, como um possivel viés orientador da fala ¢, portanto, do pensamento do homem. Freud, contudo, entende que na via materna o valor da fala/ pensamento comporta o peso da marca de sua alienagao ao sens6rio — mater certissima. O pensamento dirigido pela via da mae articula-se com a carne, com os 6rgios sensoriais que determinam uma percepeao sensivel direta, certa, ordenadora do mundo das representagées do sujeito. A certeza ea concretude da via materna comecam a perder folego ¢, em algum momento da histria do homem, os sentidos, certissima, cedem lugar & abstracao. Avia materna nao recobre toda fala/pensamento, havia um além sem garantias, incertus, contudo produtivo. Freud chama intelectualidade esse para além dos sentidos (percep- 40), conquistada pela passagem ao patriarcado, a via do pai. Intelectualidade aqui se articula etimologicamente com 0 con- ceito de psiquismo (psyché, espiritualidade, alma, mente). Psi- quisnio portador de outra realidade em que o dito nao é 0 que © sujeito quis dizer. Para além da certeza do dito, existe um esquecido do sujeito que nao apenas ¢ fundamental, como tam- bém fundamenta o inconsciente. Este nao se situa em nenhuma profundeza psiquica, mas antes se articula na prépria superfi- cialidade do dito enunciado pelo sujeito, em que a enunciacao emerge nas entrelinhas. ‘A via paterna, intelectualidade/espiritualidade, funda- mentada e estruturada pelos predicativos da incerteza, divida, Stylus Rio de janeiro. 6 p.57-65 abr, 2003, 60 nao garantia, opera como verdadeiro motor de reflexdo: 0 pai faz pensar. Nao basta falar, é preciso refletir. O pai como reflexdo é um pensar que fundamenta nossa segunda hipétese: 0 pai é um vetor cujo sentido € do corpo a Psyché. Esse vetor sustenta as fungées do pai na Psyché, estruturada segundo Lacan pelas categorias do Imaginario, Simbélico ¢ Real. O pai como vetor é uma construcdo: ai onde a via materna explica, responde, 0 paiadvém como uma hipétese, uma conjectura. Talvez tenhamos aqui um axioma freudiano: 0 pai é sempre conjectural. O pai em si mesmo nao explica nada, mas é necessario para qualquer tentativa de explicagao, uma vez que coloca em cena o equivoco, 0 mal-entendido. A linguagem falada, articulada em uma ordem de dis- curso, comporta incertezas que abrem portas para o desliza- mento das infinitas significacées na cadeia significante. A isso chamamos reflexées, as quais sempre fracassam no encontro com a certeza ¢ a garantia, O insucesso desse encontro relanga a maquina pensante, ¢ sua forca motora. A passagem do ma- triarcado ao patriarcado, do sensivel ao intelectual, consiste, portanto, no solo arado para a psicandlise. Refletir é condi¢io fundamental para o desenvolvimento de qualquer anilise, trata~ se de reflexdes/pensamentos que descolem do corpo, via ma- terna, e ganhem o para além, a abstrac’o, via do pai. Unica saida para a emergéncia de um novo sentido ¢ a produgao de infinitas significacoes. Tal € 0 esperado do método ¢ da técnica psicanaliticos. Diante dessa indicagio freudiana, afirmamos que a via do pai é singular em inwroduzir o analisando no inconsciente, vale dizer, revelar a seu “eu” a dimensio do sujeito. Franqueado, portanto, © passe do imaginario ao simbélico: retifica¢ao sub- jetiva. O vetor do pai introduz o sujeito na singularidade do saber da psicandlise, situando esse saber no lugar da verdade, prioridade do desejo em detrimento do gozo. Defrontamo-nos com a primeira tarefa do psicanalista, que consiste, na direcao da andlise, em colocar o sujeito na via paterna, biissola que vetoriza o inconsciente realizando a passa- gem da destituicéo do “eu” (via materna) para a institui¢ao do sujeito (via paterna). Para que o sujeito advenha, é necessario © pensar constituido pela diivida, pelo equivoco, pelo mal-en- tendido, capaz de gerar produgao significante a partir dos pontos de falha. Ora, sabemos que essa primeira tarefa de instituicao subjetiva € condig&o necessaria para a entrada em anilise, de onde podemos concluir que nao ha entrada em andlise fora da via paterna. Introduzir o sujeito na funcao paterna significa Angiistia e sintoma colocé-lo dentro de uma nova rela¢ao com a fala, esta é o lugar da reflexdo que se relanga incessantemente, em que o sujeito toma a fala por sua conta ¢ risco. A destituigio do “eu” ¢ a instituicao do sujeito, retificagao subjetiva, instituem um terceiro, © Outro, que antecede o falante e o determina. Encontramos aqui todo o frescor da criatividade do texto freudiano quando afirma que o pai (intelectualidade, espiri- tualidade, reflexao) ¢ uma premissa necessaria para abordar 0 inconsciente, portanto um pressuposto necessario para a propria psicandlise. De onde a conseqiténcia imediata de que nao ha psicandlise, nao ha acesso ao inconsciente, nao existe suj nio ha abertura ao desejo, fora da via paterna. IV. a via Imagindria, Simbélica e Real das funcées do pai Lacan reafirma que o pai simbélico é o pai morto. O mito freudiano do pai originario — Urvater-, pai mitico de Totem tabu, constitui o cenario no qual a morte do pai da horda pelos filhos, sedentos de gozo, ndo somente reforga a interdicao do g020, pois n3o ha recuperacao de gozo com o parricidio, como também origina a “nostalgia do pai", o Urvater, ea culpa que acompanha 0 ato derradeiro. O pai originario é um pai que nio tem pai, um pai que nunca foi filho, portanto desconhece a lei € © desejo. Nao castrado, s6 conhece a lei do goz0 € 0 desejo de gozo. A “nostalgia do pai” é em si a manifestagdo da transmissio da castragio de gozo dos filhos, tratase do marco mitico da entrada na cultura Existe um traco do Urvaterque serve tanto para a identi- ficagao de cada filho quanto para a idealizacao, ideal do eu que permite laco social entre os filhos na constituigao das comu- nidades e das massas sociais. A “nostalgia do pai" como criagao dos filhos responde, talvez, a uma necessidade de protecao diante do real, pois, com a criag4o do Urvater, 0s filhos possuem agora um pai nao castrado, todo poder, a quem recorrer. Por meio da morte do pai, 0s filhos 0 salvam da castra¢ao € criam a lei primordial que funda o desejo. O pai morto, fungao simbélica do pai, ao interditar 0 gozo abre as comportas do desejo. A funcao simbélica do pai introduz.a falta, € com ela os impasses do sexual, para os humanos filhos. O pai morto preservado da castracio, na sua vertente de pai todo gozo, pai impossivel, pai Real, constitui-se como objeto de pura perda que vem no lugar da falta. Castrados de goz0, 0s filhos neuréticos desejantes recorrem a fantasia constituida pela articulacao do pai todo gozo, pai Real, objeto a, € 0 sujeito, Ideal do pai, como resposta aos impasses do sexual. Stylus Rio de faneito 6 p.S7-65 abr, 2003 61 62 Vale observar que 0 pai nao é um mito. Como ja dissemos, © pai é antes de tudo o vetor que sustenta a capacidade de um pensamento abstrato, o qual se produz.a partir da falha, do nada. Portanto a capacidade de refletir (via paterna) em sua ambiva- lencia origina o proprio mito, o pai mitico, assim como 0 desvela, Lembramos, outrossim, que voluntariamente mantemos a terminologia freudiana. Com Freud, toda a questao consiste em saber a partir de quando o humano saiu da pré-historia € ingressou na histéria ou, em outras palavras, a partir de que momento ocorreu a interiorizagio do simbélico, Talvez possa- ‘mos situar nessa interiorizagao do simbélico o préprio da fun¢ao simbélica do pai, como originario da neurose. Existiria, por- tanto, um divisor de aguas entre o real que permanece na rea- lidade ¢ 0 real que é interiorizado pela funcdo simbélica do pai. Esse limite determinaria as estruturas neurdticas e psicoticas. O neurético seria aquele que responderia ao real da realidade com © pai, isto é, com a interiorizacio do pai. O psicético, na linguagem freudiana, nao conseguiria internalizar a angiistia do encontro com 0 real, isto é, nao conseguiria abstrair, refletir, aangistia do real, deixando-a no real. O psicético, com a falta da interiorizagao da fungao simbélica do pai, responde com o préprio real no seu lugar de origem, isto é, fora da via paterna, sempre congelado na realidade. Oneurético fala em nome-do-pai que constitui sua histéria € 0 institui como sujeito desejante 4 medida que instaura a questéo “O que quer esse Outro em mim?”. O psicético fala em nome do real, das certezas sens6rias do real (via materna) de sua pré-historia, A auséncia da interiorizagao da fungao paterna faz com que nao haja questao que se coloque ao Outro, pois no ha Outro “dentro” do psicético. O neurético é, portanto, aquele que, instrumentalizado pelo significante Nome-do-Pai, faz apelo ao pai mesmo diante da caréncia do pai real (realida- de), enquanto o psicético esta impossibilitado estruturalmente de apelar ao pai. O Nome-do-Pai é a manifestagio do pai como fungio significante no discurso, ou seja, nao basta falar, é preciso que os significantes estejam ordenados pelo significante Nome-do- Pai em dada ordem discursiva (metafora paterna). Para que 0 sujeito acredite no inconsciente, é preciso antes crer na via do pai, dando-se conta de que o pai est sendo reinventado a cada produgao de uma nova significagao, tinica forma de se abordar © desejo. Mais que isso, a reinvencao incessante do pai é a maneira de sustentar 0 desejo, ja que o pai nao responde nada, 0 desejo mantém-se insatisfeito e o sujeito vivo neurético criador. Angistia e sintoma O pai originario, pai todo gozo, criacdo dos filhos, nao se furta de deixar sua marca de pai ideal sobre o ambivalente pai edipico, portador do amor e do édio, do qual geralmente © paireal (genitor) se encarrega pagando o preco de sua propria pessoa, Tal posi¢ao do pai real s6 tera valor de autoridade se uma mulher reconhecé-la e transmiti-la por meio do discurso, consolidando assim o exercicio da fungao paterna no campo/ realidade social. Sabemos que o exercicio da fungao paterna pelo pai real, pai social, pai de familia, nao garante 0 exercicio da fungio paterna no campo/realidade psiquica. A imagem social do pai pode esvair-se, com a condi¢ao de que a fungao do pai no simbélico esteja presente. Vimos que a auséncia do pai na realidade psiquica, foraclusio do significante Nome-do- Pai, torna impossivel © apelo ao pai: estrutura psicdtica. Um psicotico nomeado pai (paternidade) se confronta coma eficacia da fungao paterna em sua estrutura, cuja auséncia pode leva-lo ao apelo externo, apelo do pai no real, ¢ com isso desencadear a psicose. A saida para o psicético é a supléncia, mesmo que seja por um delirio. Se ha fungao simbélica do pai, isso indica ac4o normativa dos cenarios do complexo de Edipo e da castra¢ao, nos quais encontramos a reprodugao da indicagao da castracao pela fun- cdo paterna: existe um menos-de-gozar relacionado com o in- terdito do qual o pai deve se encarregar. Encarregar-se significa que cabe & funcdo paterna indicar 0 objeto a, objeto mais-de- gozar, como suplemento a perda de gozo, desde sempre e para sempre interditado a0 humano. O pai real mais uma ver pode responsabilizar-se por essa tarefa, funcao simbélica, que consiste em fazer da falta uma pura perda. Mais que isso, © pai real, como dira Lacan, s6 sera digno do respeito ¢ do amor se situar a mae como mulher no lugar desse objeto a mais-de-gozar. Essa posi¢do nao é simétrica no complexo de Edipo, uma vez que nao existe reciprocidade em relacéo 4 mulher. Isso significa que o complexo de Edipo situa-se do lado da sexuacao hhomem. Lacan, contudo, indica um para além do Edipo, uma outra sexuacio. A fungao simbélica do pai ao mesmo tempo indica a falta e faz dela uma pura perda, dando-lhe um objeto com valor mais-de-gozar. Revela, portanto, 0 objeto a como agente da castragao de gozo, como aquilo que falta. A isso que falta, ¢ que tem valor de mais-de-gozar, a teoria lacaniana designou pai Real ou Real do pai. E na relagao da fantasia do sujeito com a fantasia do Outro, isto é, na posi¢o do sujeito em relagéo ao goz0, que podemos situar o pai Real do lado mulher das formulas da sexuagao. O pai Real esta do lado “nao Stylus Riode Janeiro on. 6 p.S7-65 abr. 2003 63 64 todo falo” da mulher. Assim, sea fungao simbélica do pai assenta- se do lado do falo, a fungdo Real do pai acomoda-se do lado da feminilidade Freud confessa nunca ter conseguido ultrapassar, em suas anilises, o rochedo da castracao, isto é, a reivindicacao viril de ambos os sexos, 0 que significa nao ter franqueado o Edipo: a fungao simbélica do pai faz impasse. Uma andlise ndo se realiza fora do vetor do pai. Sabemos, entretanto, que o pai como funcao simbélica, falo, significante, conduz ao impasse do ter para ser. E preciso operar uma nova passagem, conduzir a direcao da analise no sentido que vai do pai simbélico ao pai Real, ou, dito de outra maneira, é preciso que o analisando, utilizando a fungao paterna, reconheca 0 quanto vale como gozo. A proposta de Lacan para franquear o impasse freudiano com a funcao paterna consiste em um tratamento possivel no nivel do gozo e, portanto, via fantasia Franquear a fun¢ao simbélica do pai significa que pode- mos passar do pai a condicao de nos servirmos dele para en- contrar uma solucao possivel para o pai Real, isto é, uma solugao para a posicao do sujeito em relacao ao gozo € a conseqiente destituicao subjetiva que marca a via do fim de uma andlise. referéncias bibliogrdficas Freup, Sigmund. (1913) Totem e tabu. In: Edigdo Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. Vol. XIII. FRevp, Sigmund. (1937) Analise termindvel e interminavel. In:Edigio Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. Vol. XXII. Frevp, Sigmund. (1939[1934-1938]) Moisés ¢ 0 monoteismo. In: Edigio Standard Brasiletra das Obras Psicoldgicas Completas deS. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Vol. XXIIL Lacan, Jacques. Le séminaire — Livre Il: Les psychoses (1955-1956). Paris: Seuil, 1981 Lacan, Jacques. Le séminaire— Livre V: Les formations de Uinascient (1957- 1958). Paris: Seuil, 1998. Lacay, Jacques. Le séminaire— Livre XVIE: Lewvers de la psychanabse (1969- 1970). Paris: Seuil, 1991. Lacan, Jacques Lesininaire~ Live XX: Encore (1972-1973) Pais: Seu, 1975. Angistia e sintoma resumo Nossa proposta consiste em tragar um caminho possivel para a abordagem da rela¢ao do sujeito com as fun¢des do pai, partindo de duas hipéteses norteadoras: 1) nao existe sujeito sem funcao do pai e 2) opai é um vetor cujo sentido é do corpo paraa Psyché. Nesse percurso, uma grossa pincelada na via imaginaria, simbélica e real das fungdes do pai indica-nos o norte na dire¢ao da anilise e sua via de conclusio. abstract Our proposal consists of tracing a possible way for the boarding of the relation of the citizen with the functions of the father, breaking itself of wo hypotheses: 1) It does not exist subject without function of father and 2) the father is a vector whose felt he is of the body for the Pyyché. In this passage a thick flick in the imaginary, symbolic and real way of the functions of the father, indicates them the north in the direction of the analysis and its conclusion way. Stylus Rio de Janeiro n. 6 © p.S7-65 abr. 2003 Testo apresentado ro Col6qaoIntemacional Lacan no Século 2001 Odiséia Lacaniana, fio de Janeiro, abil de 2001 * Lacan, O semnéro ~livo 4 A relagéo de objeto (1956- 1957)(1995) 66 do objeto transicional a relacao de objeto! DANIELA SCHERNKMAN-CHATELARD Gosrania, Nessa ocasiio do centendrio de nascimento de Jacques Lacan, de refletir a relacao da psicanilise com a pedia- tria ¢, mais particularmente, a relacio mae-bebé no que diz respeito a relagio de objeto. Na Franga, nos anos 1956-57, Jacques Lacan, em O semi rio ~ livro 4: A relacao de objet, estudou os trés niveis da falta de objeto na constituicao do sujeito humano: a falta simbélica, sob a forma de castragao de um objeto imaginario de que 0 sujeito foi privado; a falta imaginaria, sob a forma de frustracao de um objeto real; ¢ a falta real, sob a forma de privagao de um objeto simbélico. Ja entre os anos de 1949 ¢ 1951, na Inglaterra, Donald Winnicott escrevia os artigos O traumatismo do nascimento € suas angiistias € Objeto transicional ¢ fendmenos transicionais, claborando um. percurso de sua carreira que vai Da pediatria a psicandlise. Sabemos a importancia dada por Lacan 4 descoberta do objeto transicional de Winnicott na claboracao ¢ invencao do conceito do objeto a, 0 objeto causa de desejo, como podemos ver em Comptes Rendus de VActe Psychanabytique. esse objeto que recebemos das maos da crianga a partir do qual, diz Lacan, formulamos 0 objeto a. Partindo do texto inaugural de Freud Entwurf einer Psy- chologie [Projeto para uma psicologia cientifica], com 0 termo das Ding, e seguindo os passos da literatura psicanalitica de Freud a Lacan, deparamo-nos com uma ruptura, uma novidade trazida por esse iiltimo com a inven¢io do objeto a. Isto é um objeto que nao se apresenta em continuidade com o objeto freudiano, mas que surge no seio do pensamento psicanalitico operando um corte, uma ruptura quanto a natureza desse obs- curo objeto do desejo. Podemos formulé-lo em diferentes cate- gorias: objeto de satisfac4o primeira que se confunde com o objeto perdido; objeto do amor primordial que é a mae; os diversos objetos da pulsio ditos parciais; objeto causa do desejo; objeto que é uma mulher para um homem; objeto a que se reduz 0 ser do sujeito; objeto em sua face de falta — 0 objeto que contorna 0 vazio, 0 furo pulsional; objeto que se encontra no limite, na fronteira entre demanda e desejo. Objeto, enfim, situado em um /opos, um lugar, um espaco em relacio ao sujeito. O grande texto do pensamento freudiano, Projeto para uma psicologia cientifica, coloca no centro da experiéncia de satis- Angistia e sintoma

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