Você está na página 1de 65

VOL.

29
Nº 110
2004

REVISTA DE

SAUDE

ISSN 0303 - 7657


MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO

FUNDACENTRO
FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO
DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Ministro do Trabalho e Emprego


Ricardo Berzoini

FUNDACENTRO

Presidenta
Rosiver Pavan

Diretor Executivo
Antônio Roberto Lambertucci

Diretora Técnica
Arline Sydneia Abel Arcuri

Diretora de Administração e Finanças


Renata Maria Celeguim

inicio sumario.p65 1 24/08/05, 13:44


Conselho Editorial Indexado por
Expediente Arline Sydneia Abel Arcuri – Bases de dados da Fundacentro especializada em Saúde e
Álvaro César Ruas Segurança no Trabalho;
Eduardo Algranti – OSH-CISILO (Canadian Centre for Occupational Health and
Luiza Maria Nunes Cardoso Safety. Canadá);
Jorge da Rocha Gomes
– AD Saúde Administração de Serviços de Saúde.
Alice A. Malta Chasin
Carlos Minayo Gomes Responsabilidade do Serviço de Biblioteca e Documentação
Leny Sato da Faculdade de Saúde Pública da USP em parceria com
Paulo Pena outras instituições da sub-rede AdSaúde;
José Marçal Jackson Filho – Safety and Health at Work ILO-CIS-BULLETIN (International
Editor Científico Labour Office)
Dorival Barreiros
Tiragem
Editor Responsável 2.000 exemplares
José Carlos Castilha Crozera (Mtb 14.612)
As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteira
Coordenação Editorial
Elisabeth Rossi responsabilidade. A reprodução total ou parcial, com
menção obrigatória da fonte, é permitida somente
Revisão de Texto quando não se destina a fins comerciais.
Karina Penariol Sanches
Solicita-se permuta / Solicita canje
Impressão e Acabamento Impresso em julho de 2005
Santa Clara Editora
A Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional (RBSO) é uma
publicação científica da
Fundacentro que se destina à
divulgação de contribuições
Unidades Descentralizadas
escritas na área de segurança e
saúde do trabalho e/ou das
relações entre segurança e saúde Rio Grande do Sul Bahia
do trabalho e o meio ambiente. Av. Protásio Alves, 3161 – 6º andar – Rua Alceu Amoroso Lima, 142
sala 04 – Petrópolis CEP 41820-770 – Salvador – BA
CEP 90410-003 – Porto Alegre – RS Fone (71) 341-1412 / Fax (71) 341-1446
Fone/Fax (51) 3338-9400 e-mail: crba@fundacentro.gov.br
e-mail: cers@fundacentro.gov.br Pernambuco
Os trabalhos para publicação Rua Djalma Farias, 126 – Torreão
Rio de Janeiro
devem ser endereçados à CEP 52030-190 – Recife – PE
Av. Marechal Floriano, 19 – 5º andar – Centro
Fundacentro, Coordenação Fone/Fax (81) 3241-3643
Editorial da RSBO/Divisão de CEP 20080-003 – Rio de Janeiro – RJ
e-mail: crpe@fundacentro.gov.br
Publicações: Fone (21) 2518-0727
Rua Capote Valente, 710 – Fax (21) 2263-3242 Pará
CEP 05409-002 e-mail: crrj@fundacentro.gov.br Av. João Paulo II, 1867 – Marco
Brasil – São Paulo – SP CEP 66095-490 – Belém – PA
Espírito Santo
Fone: 55 (11) 3066-6378 Fone (91) 276-9100
Rua Cândido Ramos, 30 – Edifício Chamomix –
Fax 55 (11) 3066-6004 Fax (91) 276-0070
e-mail: dpb@fundacentro.gov.br Jardim da Penha
e-mail: cepa@fundacentro.gov.br
CEP 29065-160 – Vitória – ES
Baixada Santista
Fone (27) 3315-0040
Av. Gal. Francisco Glicério, 661 – José Menino
Vendas de Publicações Fax (27) 3314-1867
CEP 11065-405 – Santos – SP
Fone 55 (11) 3066-6315 e-mail: cees@fundacentro.gov.br
Fone/Fax (13) 3251-8848
Fax 55 (11) 3066-6316 Santa Catarina e-mail: erbs@fundacentro.gov.br
Rua Silva Jardim, 213 – Prainha – Centro
Campinas
CEP 88020-200 – Florianópolis – SC
Rua Marcelino Velez, 43 – Botafogo
Fone/Fax (48) 212-0500 CEP 13020-200 – Campinas – SP
e-mail: cesc@fundacentro.gov.br Fone/Fax (19) 3232-5269
Minas Gerais e-mail: ercam@fundacentro.gov.br
Rua Guajajaras, 40 – 13º /14º andares Mato Grosso do Sul
CEP 30180-100 – Belo Horizonte – MG Av. Afonso Pena, 2386 – 6º andar – Centro
Fone (31) 3273-3766 CEP 79002-074 – Campo Grande – MS
Fax (31) 3273-5313 Fone (67) 321-1103
e-mail: crmg@fundacentro.gov.br Fax (67) 321-2486
Distrito Federal e-mail: erms@fundacentro.gov.br
As normas para publicação na Blocos “A-J” – Edifício Boulevard Center – Paraná
RSBO podem ser encontradas 5º andar – salas 502 a 520 Rua da Glória, 175 – Centro Cívico
nas últimas páginas desta edição CEP 70391-900 – Brasília – DF CEP 80030-060 – Curitiba – PR
ou no endereço abaixo: Fone (61) 226-5910 Fone (41) 353-5222
Portal da Fundacentro Fax (61) 223-0810/225-4763 Fax (41) 352-9432
www.fundacentro.gov.br e-mail: crdf@fundacentro.gov.br e-mail: cepr@fundacentro.gov.br

inicio sumario.p65 2 24/08/05, 13:44


EDITORIAL

Este número da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional é composto por seis artigos, dois dos quais
(Ferreira e Cockel et al.) fazem parte da seleção de artigos apresentados no congresso da ABERGO
(2004) que, junto aos textos do número anterior da revista, prestam homenagem à contribuição do
Professor Alain Wisner para o desenvolvimento da Ergonomia no Brasil.

Outros quatro textos, com contribuição importante para o campo da segurança e saúde do trabalhador,
complementam este número: Ramos e Jardim fazem revisão da literatura sobre o tema “lesão cerebral
traumática e acidentes do trabalho”. Araújo e Vasconcelos analisam o estado de biossegurança de sete
laboratórios da Universidade Federal de Pernambuco. Assunção contesta, a partir dos resultados de
estudo ergonômico em supermercado, o mito da postura correta, que não considera a influência das
exigências de produção no comportamento dos trabalhadores e nas suas atividades no trabalho.
Pizzatto et al. descrevem o perfil dos acidentes de trabalho ocorridos em Araçatuba (SP), entre 2000 e
2001.

A Fundacentro espera, com mais esta publicação, cumprir sua missão de produzir e divulgar conheci-
mentos sobre segurança e saúde dos trabalhadores.

Rosiver Pavan
Presidenta da Fundacentro

EDITORIAL

This issue of Revista Brasileira de Saúde Ocupacional contains six original articles, two of them (Ferreira
e Cockel et al.) selected from the papers presented at the last congress of ABERGO (2004) which, in
addition to the texts already published in the last issue, render homage to Professor Alain Wisner for his
great contribution to the development of ergonomics in Brazil.

The other four papers bring important contributions to occupational health and safety:
Ramos e Jardim make a review of the literature on the subject “traumatic cerebral lesion and occupa-
tional accident”. Araújo e Vasconcelos analyze the state of bio-safety in seven laboratories at the
Universidade Federal de Pernambuco. Assunção , based on the results of ergonomics in supermarkets,
refutes the idea of the right posture which does not consider the influence of production constraints
in workers’ behavior and activities. Pizzatto et al. describe the profile of the occupational accidents in
Araçatuba between 2000 and 2001.

With this publication Fundacentro seeks to accomplish its task of divulging scientific information on
occupational health and safety.

Rosiver Pavan
Fundacentro‘s President

inicio sumario.p65 3 24/08/05, 13:44


SUMÁRIO

7 ................... INTERAÇÃO TELEATENDENTE-TELEUSUÁRIO E CUSTO HUMANO DO


TRABALHO EM CENTRAL DE TELEATENDIMENTO
por Mário César Ferreira

O texto revela as conexões entre o custo humano das atividades de uma central pública de
teleatendimento com os indícios de mal-estar dos seus trabalhadores.

17 ................. A TRIAGEM DE LIXO RECICLÁVEL: ANÁLISE ERGONÔMICA DA ATIVIDADE


por Fernanda Flávia Cockell; Angela Maria Carneiro de Carvalho; João Alberto Camarotto; Paulo Eduardo Gomes Bento

O trabalho é uma AET na triagem de uma cooperativa de material reciclável, indicando


necessidades, tanto nas mudanças de procedimentos, como de parcerias para tanto.

27 ................. LESÃO CEREBRAL TRAUMÁTICA E ACIDENTES DE TRABALHO:


ESTUDO DE REVISÃO
por Andréia Ramos; Silvia Rodrigues Jardim

Uma revisão dos resultados de pesquisas publicados nas literaturas nacional e internacional
sobre a associação entre LCT e acidentes de trabalho.

33 ................. BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS: UM ESTUDO DE


CASO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
por Enilma Marques Araújo; Simão Dias Vasconcelos

É uma análise sobre os procedimentos de segurança biológica, individual e coletiva, adotados


nos laboratórios do Departamento de Micologia da UFPE.

41 ................. A CADEIROLOGIA E O MITO DA POSTURA CORRETA


por Ada Ávila Assunção

Este texto confronta a abordagem tradicional da postura correta com os resultados de um estu-
do ergonômico realizado no setor de caixas de um hipermercado.

57 ................. PERFIL DOS ACIDENTES DE TRABALHO OCORRIDOS NO MUNICÍPIO DE


ARAÇATUBA-SP NOS ANOS DE 2000 E 2001
por Eduardo Pizzato; Cléa Adas Saliba Garbin; Magno Amadei

O objetivo do estudo foi descrever o perfil dos acidentes de trabalho ocorridos na cidade de
Araçatuba no período referido, que revelou uma maioria de acidentes classificados como típicos.

inicio sumario.p65 4 24/08/05, 13:44


CONTENTS

INTERACTION CALL CENTRE WORKERS-CALL CENTER USERS ......................................7


AND THE HUMAN COST OF WORK IN A CALL CENTER UNIT
by Mário César Ferreira

A research done in a public unit, revealing a link between human costs


and activities, and the signals of discomfort in the well-being of the workers.

.............................
RECYCLED MATERIALS’ SELECTION: AN ERGONOMIC WORK ANALYSIS 17
by Fernanda Flávia Cockell; Angela Maria Carneiro de Carvalho; João Alberto Camarotto; Paulo Eduardo Gomes Bento

This paper is an Ergonomic Work Analysis in a catcher cooperative. It shows


the needs for changes in the work mode, and also for partnerships to do it.

TRAUMATIC BRAIN INJURY AND WORK-RELATED CASUALTY: A REVIEW ......................... 27


by Andréia Ramos; Silvia Rodrigues Jardim

The research findings in both national and international literature are


reviewed, regarding to TBI and work-related casualties.

BIOSAFETY IN UNIVERSITY LABORATORIES: A CASE STUDY AT THE ................. 33


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
by Enilma Marques Araújo; Simão Dias Vasconcelos

The study analyzes the procedures for individual and collective protection
in the seven laboratories of the Mycology Department at UFPE.

THE MYTH OF CORRECT POSTURE ....................................................................... 41


by Ada Ávila Assunção

The study confronts the traditional approach to workers posture with the
results of ergonomic studies done with supermarket cashiers.

PROFILES OF WORK ACCIDENTS OCCURRED AT ARAÇATUBA MUNICIPALITY ................... 57


BETWEEN YEAR 2000 AND 2001
by Eduardo Pizzato; Cléa Adas Saliba Garbin; Magno Amadei

The study describes the accidents profile in Araçatuba, finding a high prevalence
of accidents classified as typical ones.

inicio sumario.p65 5 24/08/05, 13:44


Interação Teleatendente-Teleusuário
e Custo Humano do Trabalho em
Central de Teleatendimento
Mário César Ferreira
Interaction Call Center Workers-Call
Center Users and the Human Cost of
Work in a Call Center Unit

Universidade de Brasília – UnB,


O texto aborda uma pesquisa realizada em uma central de teleatendimento do setor público.
Instituto de Psicologia, Laboratório de
Ergonomia A análise ergonômica orienta-se para a interação teleatendente-teleusuário, buscando mostrar
as características da organização do trabalho que constrangem as estratégias de media-
ção dos operadores e potencializam a ocorrência de vivências de mal-estar no trabalho. O
referencial teórico-metodológico articula os conceitos de custo humano do trabalho, vivências
de bem-estar e mal-estar e a Análise Ergonômica do Trabalho – AET. Os resultados mostram
as características da Central e principais indicadores críticos, revelando um nexo entre custo
humano do atividade e indícios de vivências de mal-estar dos operadores.

Palavras-chave: central de teleatendimento, custo humano do trabalho, interação,


teleatendente, teleusuário, ergonomia da atividade.

The text shows a research done in a public call center unit. The ergonomic analysis is
oriented toward the interaction call center worker-call center user, aiming to present the
characteristics of the work organization that constraint the strategies of mediation of the
call center workers and that may result in discomfort of well-being at work. The theoretical
and methodological approach deals with the concepts of human cost of work, well-being
and discomfort of well-being, and the Ergonomics Analysis of Work – EAW. The results
show the characteristics of the call center unit and its main critical indicators, revealing a
connection between the human cost of the activity and signals of discomfort of well-being
among the call center workers.

Keywords: call center unit, human cost of life, interaction, call center worker, call center
user, ergonomic of activity.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004 7

capitulo interação teleatendente.p65 7 24/08/05, 13:46


Introdução Quadro teórico de
O objetivo do artigo é mostrar, com base
referência
em pesquisa em Ergonomia da Atividade, o
Globalmente, constata-se que os estudos
surgimento de indícios de vivências de mal-
internacionais têm focado mais as variáveis
estar em teleatendentes que trabalham em
relacionadas à lógica de funcionamento das
centrais de teleatendimento como uma resul-
centrais, aos indicadores diversos de produ-
tante da inter-relação modelo de gestão e
tividade, à gestão rigorosa de desempenho
custo humano do trabalho.
dos teleatendentes, à satisfação e à fide-
Nessa perspectiva, o foco da análise ergo-
lização dos usuários (Chang & Huang,
nômica está centrado na interação teleaten-
2000; Gilmore & Moreland, 2000).
dente-teleusuário, buscando evidenciar as
Nesse sentido, os aspectos relacionados às
características da organização do trabalho condições de trabalho (no sentido amplo,
que reduzem as estratégias de mediação no transcendendo os componentes da platafor-
trabalho e potencializam a ocorrência de vi- ma de trabalho), as exigências das tarefas
vências de mal-estar no trabalho. A impor- em termos de dispêndios dos trabalhadores
tância da temática articula aspectos distintos. e, ainda, as conseqüências sobre o bem-es-
Do ponto de vista mais geral, os serviços tar de teleatendentes permanecem assuntos
de teleatendimento têm crescido no mundo marginais na literatura.
todo. No Brasil, alguns indicadores relativos Os poucos estudos realizados no Brasil têm
a 2002 são eloqüentes: há cerca de 180 mil evidenciado um cenário mais rico referente
postos de teleatendimento; o setor gera apro- às características das centrais, com ênfase
ximadamente 450 mil empregos e movimen- nos fatores relacionados às situações de tra-
ta anualmente por volta de US$ 1,2 bilhão. balho e suas conseqüências sobre os opera-
O “cardápio” de serviços é variado: pesqui- dores. A incidência de Lesões por Esforços
sa; televendas; cobranças; promoções; cons- Repetitivos – LER – entre trabalhadores de
trução de bancos de dados; fidelização de centrais de teleatendimento é examinada na
clientes etc. Do ponto de vista institucional, literatura (Marx, 2000; Lima, 2000). O ca-
em particular para as organizações públicas ráter complexo das atividades de telea-
e privadas, a avaliação científica de contex- tendimento é argumentado por MASCIA E
tos de teleatendimento pode contribuir para SZNELWAR (2000). O ambiente físico, so-
aprimorar os modelos de gestão do traba- bretudo a falta de tratamento acústico, a
lho, agregando qualidade final aos serviços iluminação deficiente, a existência de poeira,
prestados e, em conseqüência, impactando a falta de limpeza, as interfaces compu-
na satisfação de usuários e clientes, tendo tacionais pouco amigáveis e o mobiliário
como pressuposto o bem-estar das pessoas inadequado constituem ingredientes das con-
que trabalham no setor. Finalmente, do pon- dições de trabalho que repercutem na carga
to de vista científico, embora a “neurose das de trabalho, conforme estudo de avaliação
telefonistas” (Le Guillant et al., 1956) seja ergonômica em nove centrais de atendimen-
largamente conhecida há mais de meio sé- to realizado por Santos et al. (2000). Perdas
culo, os serviços de teleatendimento e suas auditivas induzidas por ruído, más condições
implicações humanas no campo da inter-re- de conservação dos equipamentos e mobiliá-
rio inadequado foram constatados também por
lação trabalho-saúde permanecem pouco
Bernadi et al. (2000).
investigados, sobretudo após a avalanche de
Os principais fatores de estresse, configu-
inovações tecnológicas que assolam o mun- rando uma sobrecarga emocional, cognitiva
do do trabalho. Deste modo, a produção de e física entre operadores de telemarketing são
estudos e pesquisas em Ergonomia da Ativi- caracterizados por Glina & Rocha (2003).
dade podem contribuir para a produção de Tais resultados parecem confirmar que a uto-
novos conhecimentos teórico-metodológicos pia flexível, propalada pelos novos modelos
e práticos nesta área. de gestão, ainda é uma realidade distante no

8 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 8 24/08/05, 13:46


contexto de call center (Azevedo & Caldas, gestos, deslocamentos e emprego de
2002). força física;
O referencial teórico da pesquisa articula (b) exigências cognitivas expressam
os conceitos de custo humano do trabalho e o custo cognitivo que é imposto aos
vivências de bem-estar e mal-estar (Ferreira trabalhadores pelas características do
& Mendes, 2003). ambiente de trabalho em termos de
As condições, a organização e as relações dispêndio mental sob a forma de
sociais de trabalho são fios que tecem o aprendizagem necessária, resolução
conceito de contexto de produção de bens e de problemas e tomada de decisão; e
prestação de serviços. Eles expressam os (c) exigências afetivas expressam o
parâmetros básicos que são configuradores custo afetivo que é imposto aos tra-
das fontes do “Custo Humano do Trabalho – balhadores pelas características do
CHT”. As estratégias de mediação indivi- ambiente de trabalho em termos de
duais e coletivas dos trabalhadores assumem dispêndio emocional sob a forma de
contornos mais definidos e finalístico com reações afetivas, sentimentos e estados
base nesses parâmetros. de humor.
O conceito de CHT expressa o que deve
Evidentemente que o CHT mantém estreita
ser despendido pelos trabalhadores (indivi-
relação com a atividade dos trabalhadores,
dual e coletivamente) nas esferas física,
orientando o desenvolvimento das estratégias
cognitiva e afetiva vis-à-vis às contradições
de mediação individuais e coletivas, abran-
existentes nas organizações que obstaculizam
gendo as propriedades humanas do pensar,
(pólo negativo do custo) e desafiam (pólo
do agir e do sentir que, por sua vez, caracte-
positivo do custo) a inteligência dos traba-
rizam e traçam os perfis dos modos de ser e
lhadores (Ferreira & Mendes, 2003). Nessa
viver dos trabalhadores nos contextos de pro-
perspectiva teórica, o CHT se caracteriza por
dução de bens e prestação de serviços.
três propriedades principais:
A perspectiva da pesquisa não foi propria-
mente mensurar o custo humano do traba-
é imposto externamente aos trabalhado- lho das teleatendentes e seus indicadores, mas
res sob a forma de constrangimentos mapear de forma exploratória as exigências
(contraintes) para suas atividades; presentes no serviço de teleatendimento
é gerido por meio das estratégias de que caracterizam o dispêndio do grupo
mediação individuais e coletivas, poden- analisado.
do assumir as formas de confrontações Por último, cabe explicitar o entendimento
positivas ou negativas que, por sua vez, conceitual adotado para a dimensão “vivên-
impactam na dinâmica das vivências de cias de mal-estar no trabalho”. Trata-se de
bem-estar e mal-estar no trabalho; e uma noção que é parte integrante do enfoque
integra três modalidades interdepen- de “vivências de bem-estar e mal-estar” em
dentes de exigências: física, cognitiva e Ergonomia da Atividade (Ferreira & Mendes,
afetiva. 2003).
Nessa perspectiva conceitual, essas vivên-
As exigências que constituem a noção de cias se expressam por meio das representa-
CHT estão assim definidas (Ferreira & Men- ções mentais que os trabalhadores têm do
des, 2003): próprio estado geral (físico, psicológico e
social) em que se encontram em determina-
(a) exigências físicas expressam o cus- dos momentos e contextos. Assim, as repre-
to corporal que é imposto aos traba- sentações de bem-estar consistem em avalia-
lhadores pelas características do am- ções positivas e as representações de mal-
biente de trabalho em termos de dis- estar, por sua vez, consistem em avaliações
pêndios fisiológico e biomecânico, prin- negativas que os trabalhadores expressam
cipalmente sob a forma de posturas, sobre suas condições física, psicológica e

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004 9

capitulo interação teleatendente.p65 9 24/08/05, 13:46


social relativas ao contexto de produção no ticular, dos efeitos que este parece produzir
qual estão inseridos. nestes trabalhadores.
As características principais das vivências
de bem-estar e mal-estar são: Abordagem
metodológica
(a) o conteúdo das representações se refe-
re às conseqüências individuais e cole-
O enfoque metodológico foi a Análise
tivas do CHT;
Ergonômica do Trabalho – AET (Guérin et
(b) elas têm um caráter dinâmico que re-
al., 2001). Os traços característicos do
sulta do confronto entre as exigências
enfoque sustentam-se no paradigma de que
físico-cognitivo-afetivas inerentes ao
a natureza do objeto de investigação (inter-
ambiente de trabalho e as estratégias relação indivíduo-trabalho) subordina o mé-
de mediação individuais e coletivas dos todo, seu instrumental e seus procedimentos.
trabalhadores; O uso desse enfoque é orientado por cinco
(c) as representações de bem-estar e mal- pressupostos:
estar se caracterizam por uma dinâmi- tem como ponto de partida a análise de
ca, metaforicamente, à maneira de um uma situação-problema;
pêndulo que tende a oscilar no eixo do apóia-se na participação efetiva dos
processo saúde-doença. O movimento envolvidos direta ou indiretamente com
pendular depende da eficiência e da a pesquisa;
eficácia das estratégias de mediação. livre acesso a todas informações atinen-
tes à situação-problema;
O “efeito pêndulo” mantém, portanto, es- valoriza a variabilidade intra e interin-
treita relação com as atividades dos traba- dividual do sujeitos, bem como do con-
lhadores nos sentidos de: texto sociotécnico; e
análise da atividade dos trabalhadores
quanto mais eficientes e eficazes forem em situações reais de trabalho.
as estratégias de mediação individuais e
coletivas dos trabalhadores, menor será A AET não se coloca, portanto, como um
o CHT, o que cria as condições para o “receituário” predefinido, uma vez que cada
predomínio de vivências de bem-estar contexto de trabalho é singular e a complexi-
individual e coletivo; dade das situações transforma o diagnóstico
quanto menos eficientes e eficazes forem científico em um verdadeiro quebra-cabeça,
as estratégias de mediação individuais e conforme metáfora apresentada na figura 1
coletivas dos trabalhadores, maior será (Ferreira, 2003).
o CHT, o que cria as condições para o
predomínio de vivências de mal-estar in-
dividual e coletivo.

No caso desta pesquisa, o uso dessa


conceituação se orienta para a identificação
e a caracterização das representações men-
tais que os teleatendentes têm do próprio es-
tado geral (físico, psicológico e social) em
que se encontram como decorrência do con-
texto de produção de serviços no qual eles
estão “imersos”. O acesso a essas represen-
tações se dará por meio da análise das Figura 1 Metáfora do quebra-cabeça ca-
verbalizações das teleatendentes acerca do racterizando os pressupostos da análise
próprio trabalho (Lacoste, 1995) e, em par- ergonômica do trabalho.

10 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 10 24/08/05, 13:46


Todos os participantes da pesquisa (N=40) mente. Destas, cerca de 20% são atendidas
são do gênero feminino e trabalham em dois diretamente pelas teleatendentes e o restante,
turnos, das 8h às 13h30m e das 13h30m às automaticamente pela Unidade de Resposta
19h. Trata-se de uma população de mulhe- Audível – URA; (b) cerca de 99% das cha-
res trabalhadoras jovens, com idade varian- madas são respondidas em tempo real; (c)
do de 20 a 30 anos, havendo predomínio de as consultas que requerem pesquisa são
solteiras, com escolaridade distribuída, prin- respondidas por cartas, enviadas aos
cipalmente entre o Ensino Médio (antigo 2º teleusuários; (d) o tempo médio de duração
grau completo) e curso superior incompleto. das chamadas é de três minutos; (e) cerca de
A maioria possui mais de quatro anos de ex- quinze teleusuários esperam pelo atendimento
periência de trabalho em teleatendimento e ouvindo propaganda institucional (jingles)
há um predomínio das que possuem de um a dos programas do órgão público; (f) o tem-
dois anos de trabalho na central onde se rea- po de espera na telefila é estimado em cinco
lizou a pesquisa. O grupo é portador de um minutos; e (g) todas as ligações são regis-
tempo de vivência no trabalho em teleaten- tradas via digitação. As chamadas feitas de ce-
dimento que serve de base para a análise da lulares são bloqueadas. Isso reduziu em cerca
temática da pesquisa. de 30% o custo financeiro da central, mas tam-
Os instrumentos e os procedimentos foram bém restringiu na mesma proporção uma op-
os habituais na démarche metodológica em ção de acesso aos serviços pelos usuários.
Ergonomia da Atividade: análise documen- A gestão dos serviços da central se depara
tal, entrevista semi-estruturada, observações também com um problema já conhecido no
livres e sistemáticas das situações e atividades contexto de teleatendimento com as caracte-
de trabalho. rísticas desta central (exemplo: informações
com certo grau de complexidade de conteú-
do, diversidade socioeconômica de usuári-
Principais resultados e os): a contradição entre quantidade de cha-
discussão madas versus qualidade do teleatendimento.
Nesse sentido, o tempo de duração do tele-
atendimento não é um parâmetro de quali-
Pode-se depreender que a central foi con-
dade absolutamente confiável na avaliação
cebida como sendo um canal de ligação di-
dos serviços.
reta entre os cidadãos e o órgão público. Os
A análise documental do “Manual de
idealizadores a projetaram como um instru-
Teleatendimento” evidenciou o perfil espe-
mento de comunicação social por meio do rado do desempenho da teleatendente:
qual os cidadãos-usuários pudessem entrar saber escutar, demonstrar segurança na
em contato verbal com o órgão, sem ônus resposta, evitar certos termos e expressões,
financeiro suplementar, para: argumentar com clareza, não conversar com
os colegas, não se alimentar no posto de tra-
efetuar consultas sobre questões diver- balho, mantê-lo organizado e não se ausen-
sas; tar do mesmo. Tais aspectos dão visibilidade
solicitar materiais e informações; aos parâmetros que orientam a conduta das
fazer denúncias; teleatendentes nas situações de atendimento
fazer reclamações; e sob a ótica dos gestores do trabalho.
dar sugestões. No que tange às condições de trabalho,
identificou-se diversos indicadores críticos re-
A análise documental possibilitou situar a lativos a:
importância da central como ferramenta es-
tratégica de atendimento ao público do ór- equipamentos arquitetônicos deteriora-
gão, exercendo um importante papel de comu- dos;
nicação social com a comunidade de usuários. níveis inadequados de ruído e ilumina-
A evolução crescente das ligações se deve, ção; e
sobretudo, aos seguintes aspectos: (a) a cen- mobiliário deficiente dos postos de tra-
tral atende cerca de 20 mil ligações diaria- balho.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004 11

capitulo interação teleatendente.p65 11 24/08/05, 13:46


No conjunto, tais fatores se afastam daqui- por um lado esse resultado parece
lo que estabelece a legislação vigente, bem reduzir o custo cognitivo do trabalho
como o que recomenda os manuais de Ergo- (redução do tratamento de informações,
nomia (Iida, 1990; Grandjean, 1998). Tra- por exemplo), por outro ele fornece in-
ta-se de aspectos que deterioram a qualidade dícios sobre a repetitividade do traba-
do ambiente de trabalho e colocam em risco lho e, em conseqüência, o aumento do
o bem-estar dos trabalhadores. custo afetivo em função do sentimento
Um período de observação livre (1h) negativo de monotonia (Grandjean,
possibilitou a realização de um primeiro re- 1998).
conhecimento das situações reais de telea- que, embora numericamente pouco sig-
tendimento, por meio da escuta autorizada nificativo, observa-se a ocorrência de
de ligações, sobretudo dos aspectos de ligações do tipo trote, denúncia e re-
interação teleatendentes-teleusuários. Nessa clamação que exigem das teleatendentes
ocasião, realizou-se a adaptação de uma estratégias singulares de mediação, cujo
planilha de observação sistemática construída fracasso pode impactar negativamente
e validada em outro estudo semelhante (Freire, no custo humano do trabalho, sobretu-
2002) e revalidada pelos teleatendentes que do na esfera afetiva (por exemplo, a
participaram desta pesquisa. conduta pouco cortês de um reclamante);
Além de levantar os dados relativos às con- quanto ao tipos de assuntos mais solici-
dutas verbais dos teleusuários, buscou-se tam- tados, os resultados mostram a diversi-
bém quantificar outras informações comple- dade de demanda dos teleusuários, per-
mentares que pudessem fornecer pistas sobre mitindo-se supor que tal diversidade de
o custo humano do trabalho em teleaten- informações requer o desenvolvimento
dimento. Assim, foram coletados dados de competências específicas no campo
concernentes: (a) aos tipos de ligações (exem- do diagnóstico, do tratamento e da
plos: denúncias, trotes, reclamações); e (b) à tomada de decisão para responder
eficientemente às demandas dos teleu-
ocorrência de eventos críticos (exemplos:
suários em contexto de forte pressão
queda de ligação, abandono, site fora do ar).
temporal e de desempenho vigiado;
Planejou-se a observação sistemática com
os eventos críticos ocorridos durante o
base nos seguintes critérios: (a) dois turnos
período de observação nas situações de
da jornada de trabalho; (b) três dias interca-
teleatendimento, embora quantitati-
lados de uma mesma semana (segunda, quar-
vamente pouco expressivo, evidenciam
ta e sexta-feira); (c) duração de uma hora,
alguns elementos da complexidade do
nos períodos das 10h às 11h e das 15h às
trabalho que impõe a construção de
16h, para cobrir os dois turnos; (d) escuta
estratégias de mediação específicas para
aleatória dos postos de trabalhos, programa-
reduzir as conseqüências negativas nas
da automaticamente pelo Distribuidor Auto-
dimensões afetiva e cognitiva do custo
mático de Chamadas (DAC). A definição de humano do trabalho. Por exemplo, ex-
tais critérios buscou contemplar elementos plicar para um teleusuário com baixa
básicos de variabilidade (exemplo: turnos) escolaridade (ansioso por uma respos-
para aumentar o grau de confiabilidade dos ta) que o site (fonte da informação) está
dados coletados. fora do ar requer um savoir-faire efi-
Os resultados relativos aos tipos de ligação caz. Este resultado encontra eco na li-
e aos assuntos mais solicitados pelos teleu- teratura, pois, em inúmeras situações
suários mostram: em que os teleatendentes não dispõem
de informações (totais ou parciais), o
quanto ao tipo de ligação, se se sobressem risco de que elas resultem em erros au-
“pedidos de informação (sem script)”, menta e, em conseqüência, há perda
ou sseja, se a maioria absoluta dos de qualidade dos serviços (Mascia &
teleusuários solicitou informações que Sznelwar, 2000).
permitiram às teleatendentes responde-
rem sem ajuda de script (textos prepa- Em relação às condutas verbais dos teleu-
rados para respostas padronizadas). Se suários nas situações de teleatendimento,

12 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 12 24/08/05, 13:46


alguns aspectos merecem ser assinalados: que podem funcionar, principalmente, como
observou-se um nítido predomínio de constrangedores das atividades das teleaten-
teleusuários cuja conduta se caracteriza dentes. A natureza do trabalho de teleatendi-
por ser cortês (agradece no final da li- mento pôde ser melhor visualizada eviden-
gação, utiliza “por favor”, diz obrigado ciando fortes exigências cognitivas e afetivas
ao final da ligação e trata o teleatendente para executar satisfatoriamente a prescrição
com respeito), ou seja, do ponto de vista do trabalho.
quantitativo, parecem indicar pouco Os dados das entrevistas com teleatendentes
esforço operatório para cumprir as (N=40) foram submetidos ao tratamento do
tarefas. Todavia, o caráter repetitivo, já aplicativo Alceste (Reinert, 1990). O trata-
assinalado, parece inexorável; mento do corpus identificou quatro classes
os resultados mostram aspectos que temáticas estruturadoras das verbalizações
podem estar na origem de indícios de das teleatendentes (Figura 2). Tais verbali-
mal-estar que resultam das exigências zações expressam as representações
(cognitivas e afetivas) em lidar com teleu- operativas (Weill-Fassina et al., 1993; Teiger,
suários cuja conduta verbal se caracte- 1993) que fazem parte do contexto de pro-
riza por ser “desconhecedor do servi- dução da central de teleatendimento em ter-
ço”, “não saber o que quer” (apresenta mos de linguagem sobre o trabalho e suas
discurso desordenado, não se lembra das conseqüências (Lacoste, 1995). Trata-se de
informações, não sabe o nome das coi- uma espécie de vision du monde no sentido
sas, não encontra palavras) e ser “pro- atribuído por Max Reinert. Neste caso, uma
lixo” (prolonga a conversa, não é obje- visão do mundo do trabalho e de seus efeitos
tivo e fornece informações irrelevantes). sobre as próprias teleatendentes.
A sensação de fadiga, esgotamento ou,
Em síntese, os resultados obtidos possibilita- como afirmam as atendentes, de estresse pa-
ram um aprofundamento maior na realidade rece predominar nas representações que elas
do serviço de teleatendimento na central com explicitam em relação ao estado geral em fun-
base em dados característicos das situações ção de contextos de trabalho que vivenciam.

Figura 2 Classes Temáticas e Vocabulário Estruturador das


Verbalizações das Teleatendentes.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004 13

capitulo interação teleatendente.p65 13 24/08/05, 13:46


Nesse sentido, o traço negativo que ca- ções sociais de trabalho configura um cená-
racteriza as avaliações que as teleatendentes rio explicativo dos limites impostos às
fazem sobre seus estados físico, psicológico teleatendentes para mediar eficientemente a
e social relativos ao contexto de serviço de complexidade que marca a interação com os
teleatendimento no qual estão inseridas é teleusuários e, ao mesmo tempo, a garantia
revelador de vivências de mal-estar. dos objetivos prescritos e a preservação da
Todavia, esses indícios de vivências de mal- saúde. É nesse cenário em que as vivências
estar das teleatendentes parecem manter cla- de mal-estar das teleatendentes assumem
ras as relações com os resultados obtidos ao inteligibilidade, situação em que o trabalho
longo da pesquisa. Desse modo, os dados se afasta de seu caráter ontológico de cons-
do perfil da central apontaram elementos de
trução da identidade e de fonte de prazer. A
crescimento dos serviços sem a necessária
análise dos resultados lança luz para se com-
correspondência em termos de suporte orga-
nizacional. preender os altos índices de rotatividade nes-
Diversos indicadores críticos foram evi- te setor, cuja abordagem de gestão tem nos
denciados pela vistoria ergonômica, dese- trabalhadores a variável de ajuste.
nhando um cenário nada favorável ao A discussão dos resultados possibilita iden-
predomínio de vivências de bem-estar no tificar que a tensão entre o “velho” e o “novo”
trabalho. Por fim, ao falarem do próprio é um dos traços mais marcantes nos contex-
trabalho, as teleatendentes agregaram um tos de trabalho das centrais de teleaten-
elenco de informações que configurou as dimento. Ao mesmo tempo em que o teleaten-
principais fontes do pólo negativo do custo dimento é um setor que envolve a mais avan-
humano do trabalho, em particular a estrei- çada tecnologia da informação e das teleco-
ta relação entre o conteúdo do trabalho municações, é também um dos ambientes
(significativa exigência cognitiva) e a condu-
onde o estilo de gestão do trabalho pode se
ta verbal dos teleusuários (significativa
dar da maneira mais arcaica e burocráti-
exigência afetiva), bem como o estilo de ges-
tão e as condições de trabalho, combinando ca, remetendo aos modelos industriais e
uma “mistura explosiva”. tayloristas de administração do século pas-
sado. Nesse sentido, o texto “A neurose das
Conclusão telefonistas”, que nasceu dos estudos de Le
Guillant et al. (1956), permanece, sob o ân-
Os resultados mostram que a combinação gulo da organização do trabalho, bastante
de dimensões, condições, organização e rela- atual.

Referências Bibliográficas
AZEVEDO, M. C. & CALDAS, M. P. Seriam customer calls. Managing Service
os Call Centers os Sweatshops do Sé- Quality, Bedford, v. 10, n. 2, pp. 98-
culo XXI? In: Anais Realidade 102, 2000.
Organizacional. PROPAD/UFPE.
ANPAD, 1 CD, 2002. FERREIRA, M. C. & MENDES A. M. Traba-
lho e riscos de adoecimento: O caso dos
BERNADI, A. P., et al. Trabalho por Telefo- auditores-fiscais da Previdência Social
ne Associado ao Uso de Computador brasileira. Brasília: Edições Ler, Pensar,
Agir (LPA), 2003.
(Telework): Estudo de Caso. In: L. I.
Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). O Tra-
FERREIRA, M. C. O Sujeito Forja o Ambiente,
balho Humano com Sistemas Informa-
o Ambiente “Forja” o Sujeito: Inter-Rela-
tizados no Setor de Serviços. São Pau- ção Indivíduo-Ambiente em Ergonomia da
lo: Plêiade, 2000, pp. 209-221. Atividade. In: M. C. Ferreira & S. Dal
Rosso (orgs.), A Regulação Social do
CHANG, Z. Y. & HUANG, L. H. Quality Trabalho. Brasília, UnB: Editora Paralelo
deployment for the management of 15, 2003, pp. 21-45.

14 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 14 24/08/05, 13:46


FREIRE, O. N. “Ser Atendente a Vida Toda Trabalho Humano com Sistemas
é Humanamente Impossível”: Serviço de Informatizados no Setor de Serviços. São
Teleatendimento e Custo Humano do Paulo: Plêiade, 2000, pp. 159-168.
Trabalho. 2002. Dissertação de Mes-
trado em Psicologia, Brasília – DF: Uni- MARX, R. (LER e Organização do Trabalho
versidade de Psicologia. no Setor de Serviços: O Caso de Call
Centers em Atendimento de Serviços Fi-
FRIGERI F. Estudo dos Distúrbios Músculo- nanceiros. In: L. I. Sznelwar & L. N. Zidan
Esqueléticos Relacionados ao Trabalho (orgs.). O Trabalho Humano com Siste-
em um Call Center. 2000. Dissertação mas Informatizados no Setor de Servi-
de Mestrado em Engenharia de Produ- ços. São Paulo: Plêiade, 2000, pp. 81-
ção. Rio de Janeiro: Universidade Fede- 86.
ral do Rio de Janeiro.
MASCIA, F. L. e SZNELWAR, L. I. (2000).
GILMORE, A. & MORELAND, L. How Can Diálogo e Constrangimentos do Script na
Service Quality be Managed? Irish Atividade de Atendimento a Clientes. In:
Marketing Review, Dublin, v. 13, n. 1, L. I. Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). O
2000, pp. 3-11. Trabalho Humano com Sistemas Infor-
matizados no Setor de Serviços. São
GLINA, D. M. R. & ROCHA, L. E. Fatores de Paulo: Plêiade, 2000, pp. 97-104.
Estresse no Trabalho de Operadores de
Centrais de Atendimento Telefônico de um REINERT, M. (1990). Alceste, une méthodo-
Banco em São Paulo. Revista Brasileira logie d’analyse des données textuelles et
de Medicina e Trabalho, Belo Horizon- une application: Aurélia de Gérard de
te, v.1, n.1, pp. 31-39, jul-set.,2003. Nerval. Bulletin de méthodologie
sociologique, n. 26, pp. 24-54.
GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia.
Adaptando o Trabalho ao Homem.
SANTOS, V. et al. Projeto Ergonômico de
4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
Centrais de Teleatendimento. In: L. I.
1998.
Sznelwar & L.N. Zidan (orgs.). O Tra-
balho Humano com Sistemas Infor-
GUÉRIN, F., et al. Compreender o Traba-
matizados no Setor de Serviços. São
lho para Transformá-lo. A Prática da
Ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher, Paulo: Plêiade, 2000, pp. 235-246.
2001.
TEIGER, C. Représentation du travail. Travail
IIDA, I. Ergonomia. Projeto e Produção. São de la représentation. In: A. Weiil-Fassina;
Paulo: Edgard Blücher, 1990. P. Rabardel & D. Dubois (orgs.).
Représentations pour l’action, Toulouse,
LACOSTE, M. Parole, Action, Situação. In: France: Ocatarès Editions, 1993, pp.
Josiane Boutet (org.), Paroles au travail. 311-344.
Paris: L’Harmattan, 1995.
TESSLER, J. S. Macroergonomia em Call
LE GUILLANT, et al. La Névrose des Center de Ambiente Universitário.
Téléphonistes. In:______. (org.) Quelle 2002. Dissertação de Mestrado pro-
psyquiatrie pour notre temps? Travaux fissionalizante em Engenharia. Universi-
et écrits.Toulouse: Éditions Érès, 1956, dade Federal do Rio Grande do Sul, Por-
pp. 379-391. to Alegre.

LIMA, M. E. A. Informatização e Saúde no WEILL-FASINA, A., RABARDEL, P. &


Setor de Telecomunicações. O Problema DUBOIS, D. (orgs.). Représentations
das Lesõs por Esforços Repetitivos. In: L. pour l’action, Toulouse, France: Octarès
I. Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). O Editions, 1993.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004 15

capitulo interação teleatendente.p65 15 24/08/05, 13:46


16 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 16 24/08/05, 13:46


Consultores que colaboraram nas edições de 2004 da RBSO:

Ada Ávila Assunção


Arline Sydneia Abel Arcuri
Ana Cláudia Fiorini
Antônio Carlos Pereira
Ana Isabel Bruzzi Bezerra Paraguay
Ana Maria Tibiriça Bon
Aparecida Mari Iguti
Cláudia Roberta de Castro Moreno
José Marçal Jackson Filho
João Rodolfo Hopp
Leda Leal Ferreira
Leila Gontijo
Luiza Maria Nunes Cardoso
Maria Engrácia de Carvalho Chaves
Maria de Fátima Ferreira Queiroz
Maria de Fátima Menezes Pedroso
Maria da Graça Hoefel
Maria Maeno
Marcos Peros
Sérgio Colacioppo
Thais Helena de Carvalho Barreira

6 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional

inicio sumario.p65 6 24/08/05, 13:44


A Triagem de Lixo Reciclável: Análise
Ergonômica da Atividade

Fernanda Flávia Cockell1


Angela Maria Carneiro de Carvalho, MSc.2
João Alberto Camarotto3
Recycled Materials’ Selection: an
Paulo Eduardo Gomes Bento3 Ergonomic Work Analysis

1
Fisioterapeuta, mestranda em
A análise do setor de triagem de uma cooperativa formada por catadores de material reciclável
Engenharia de Produção pela
UFSCar. é objeto deste estudo. Utilizando a metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho (AET),
2
demonstra-se que, além dos riscos de acidentes e doenças, outras fontes de desconforto são
Administradora, doutoranda em
geradas pela forma de organização adotada. O redirecionamento dos trabalhadores do
Engenharia de Produção pela
UFSCar. antigo aterro sanitário para a cooperativa, na busca da inclusão social com geração de
3
renda, intensificou sinais de sofrimento psíquico, sobrecarga física e mental e, especialmente,
Professores do Departamento de
potencializou problemas financeiros que demandam modificações na organização do traba-
Engenharia de Produção da UFSCar.
lho e parcerias institucionais.

Palavras-chave: análise ergonômica do trabalho, cooperativa, reciclagem, triagem.

The object of this paper is the analysis of a selection sector in a recycled material catcher
cooperative. By using the Ergonomic Work Analysis, the paper shows that besides work-
related risks and diseases other sources of discomfort are generated by the work organization
mode. The guidance of workers from the Municipal Landfill Site to the cooperative
organization in search of social inclusion and income generation activities seemed to
intensify psycho-suffering, mental and physical overload and especially it determined
financial problems. This situation asks for changes in the work organization mode and
requests institutional partnership.

Keywords: ergonomic work analysis, cooperatives, recycling, selection.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004 17

A Triagem de lixo reciclavel.p65 17 24/08/05, 13:45


Introdução Metodologia
A Prefeitura Municipal de São Carlos – SP, A pesquisa utilizou a metodologia da Aná-
através da Secretaria Municipal de Desen- lise Ergonômica do Trabalho (AET) para a
volvimento Sustentável, criou o Programa compreensão das atividades do setor de tria-
Municipal de Redução e Controle de Resí- gem da cooperativa.
duos – FUTURO LIMPO. Seu objetivo maior A AET baseia-se no estudo da atividade de
é a inclusão social com geração de renda de trabalho, levando em consideração a análi-
atores que já trabalhavam na coleta de se e o funcionamento da própria atividade,
materiais recicláveis no aterro sanitário, suas condições e o resultado (Guérin et al.,
organizando-os sob a forma de cooperativa. 2001). O diferencial desta análise é a ob-
Estão envolvidos no Programa: servação do trabalho efetivamente realizado
e não somente a representação de uma situa-
a) A Prefeitura, através da Secretaria Muni- ção geral.
cipal de Desenvolvimento Sustentável e do Segundo Soares et al. (2002), “a AET per-
Núcleo de Fomento à Cidadania; mite explicitar o saber informal (savoir-faire,
b) Duas ONG’s – a APASC (Associação para tacit skills) dos atores em situação, os cri-
Proteção Ambiental de São Carlos) e a térios que orientam suas ações e os objetivos
conflitantes que eventualmente formam seus
RAMUDA;
comportamentos no trabalho” (p. 2). Eviden-
c) A empresa VEGA – responsável pela cole-
cia conhecimentos e dificuldades dos traba-
ta de lixo urbano em São Carlos –, que
lhadores, a variabilidade das situações, as
patrocina dois caminhões de aluguel utili-
regulações individuais e coletivas, permitin-
zados na coleta seletiva;
do entender “o porquê das decisões toma-
d) Empresas parceiras locais;
das” (p. 2).
e) Atualmente, três cooperativas de coletores
Seguindo essa orientação, os instrumentos
criadas pela Prefeitura Municipal de São utilizados para a coleta de dados foram:
Carlos para a coleta de lixo reciclável e
posterior reaproveitamento: a ECOATIVA, Durante os primeiros contatos, obser-
a COOPERVIDA e a mais recente, a CO- vação direta e conversas informais para
LETIVA. conhecer o funcionamento global da
organização;
A pesquisa concentra-se na Cooperativa Aprofundamento da análise, fotos e fil-
ECOATIVA e tem como foco o setor de tria- magem do local e da atividade estudada;
gem. Uma vez que a reciclagem é hoje uma Entrevistas estruturadas e questionário
necessidade ambiental, a atividade de tria- com perguntas abertas;
gem do material advindo da coleta seletiva é Análise dos modos operatórios adotados
de vital importância neste processo. Embora pelos cooperados para avaliar constran-
necessária à promoção da qualidade de vida, gimentos posturais, deslocamentos, dire-
trata-se, paradoxalmente, de uma atividade ção do olhar e “diferentes configurações
de risco para aqueles que a exercem, con- da carga de trabalho em distintos mo-
forme apontam Lima & Romeiro Filho (2002). mentos da atividade”. (Oliveira &
Os autores, que definem triagem como o pro- Echternacht, 2003, p. 1);
cesso de separação minuciosa de materiais Validação e complementação das infor-
para atender à demanda das indústrias, afir- mações. Os resultados das observações
mam que uma triagem eficiente é o ponto de sistemáticas e o pré-diagnóstico, ao
partida para viabilizar a reciclagem. serem autoconfrontados com os coope-
A partir do primeiro encontro, já se deli- rados, permitem apreender o que é
nearam as expectativas dos membros da pertinente para eles, os desvios em re-
organização quanto à finalidade da pesqui- lação ao trabalho previsto, os motivos
sa: uma possível intervenção ergonômica e o que levam cada um a proceder de de-
estudo da viabilização de possíveis correções terminada maneira, as dificuldades
nas condições econômico-sociais dos coope- enfrentadas e as estratégias adotadas
rados. (Lima,1998).

18 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de lixo reciclavel.p65 18 24/08/05, 13:45


No trabalho junto à ECOATIVA, a maior define a Política Nacional de Cooperativismo,
parte das verbalizações foi simultânea ao as cooperativas são “sociedades de pessoas,
desenrolar da atividade, embora muito tam- com forma e natureza jurídicas próprias, de
bém tenha sido apreendido nas verbalizações natureza civil, não sujeitas à falência, consti-
consecutivas, utilizando-se registro de obser- tuídas para prestar serviços aos associados...”
vações anteriores e de entrevistas. Esse pro- (artigo 4º).
cedimento baseou-se em GUÉRIN et al. (op. Ao tratar do tema cooperativas, Lasserre
cit.), que lembram que as atividades não po- (1959) comenta que uma atividade econô-
dem ser reduzidas ao observável ou ao me- mica – seja ela qual for – não pode ser oca-
dido. Precisam ser “ressituadas” (p.168) de sião propícia para uns fazerem fortuna e
maneira mais geral, o que só poderá ser adquirirem poder a custa de outros. Deve,
obtido com as verbalizações do operador. sim, ajudar as pessoas a unirem suas forças
Buscou-se não apenas oportunidades de e se associarem em uma obra comum para
contato com os operadores, mas também melhorar suas condições de vida; deve levá-
contatos iniciais com o representante da ONG las a “dividir o pão”, a cooperar, a traba-
RAMUDA, que assessora a cooperativa. Essa lhar juntas. Essa atividade cooperativa não
oportunidade vem de encontro ao que Guérin deve visar a um lucro mais alto possível para
et al. (op.cit.) salientam como os pontos de ser dividido depois, mas sim fortalecer seus
vista diferentes sobre a situação de trabalho: membros fortalecendo suas posições e levan-
a função organizadora e a atividade de tra- do-os a assumir, em contrapartida, respon-
balho, materializadas na relação trabalho sabilidades. Para o autor, para o sucesso da
prescrito/trabalho efetivo. Ao mesmo tempo cooperativa são necessários capacitação, in-
em que se centrava o foco da pesquisa na formações e ensinamentos elementares sobre
triagem, buscava-se obter o conhecimento do seu funcionamento.
contexto “industrial, econômico e social” ne-
cessário para enquadrar a ação ergonômica Aspectos Organizacionais
e levar em conta as especificidades da orga-
nização. Na ECOATIVA há um total de dezoito coo-
O olhar do ergonomista busca, segundo perados que trabalham 8h por dia em duas
Vidal (2001), apreender as questões gerais equipes. A faixa etária média é de 34 anos,
que envolvem o trabalho das pessoas em uma embora haja um cooperado com 19 anos.
perspectiva global. Sendo direcionado – o Com relação ao sexo, há mais mulheres do
que depende de intenção prévia – possibilita- que homens. Todos executam as mesmas ta-
rá o “ver”, ou seja, tratar as questões em um refas, seja na triagem ou na coleta, exceto
determinado recorte – o ponto de vista da aquelas feitas em cima do caminhão, quan-
atividade – a fim de compreender esse ato e do as mulheres são poupadas. Há analfabe-
as representações sociais de quem participa tos, embora a média de escolaridade esteja
da situação de trabalho. em 5,6 anos de estudo.
O objetivo é transformar positivamente o De terça à quinta-feira, uma equipe de nove
trabalho caso a caso, analisando a per- pessoas fica no galpão e a outra, também
tinência e a relevância das representações com nove pessoas, coleta o lixo na rua. Há
existentes e, se for o caso, construir uma re- revezamento entre quem fica e quem sai a
presentação alternativa que atenda melhor à cada semana, embora as duas equipes man-
organização. tenham-se as mesmas. Na segunda-feira, as
duas equipes coletam lixo na rua.
Não há, na Cooperativa, níveis hierárqui-
A Cooperativa: estudo cos ou carteira assinada. O pagamento é
de caso quinzenal e a remuneração, por horas tra-
balhadas. Essa remuneração constitui-se em
A ECOATIVA é responsável pela coleta de uma das maiores reivindicações dos coope-
material reciclável na região central de São rados que afirmam constantemente que ga-
Carlos. nhavam mais no aterro sanitário. Ali, dizem
Ela funciona sob a forma de cooperativa. em conversas informais, mais da metade dos
Segundo a Lei 5764 de 16.12.1971, que cooperados já havia trabalhado.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004 19

A Triagem de lixo reciclavel.p65 19 24/08/05, 13:45


Produção da ECOATIVA pelo sistema “porta a porta”.
Cada cooperado carrega uma sacola de
Os serviços prestados pela ECOATIVA são ráfia, onde o material é colocado para, em
a coleta do material reciclável nas casas, a seguida, ser transferido para bags.
triagem, a prensa, o armazenamento, o trans- O caminhão leva o material até o galpão,
porte e a venda. São triadas cerca de sete onde é pesado para entrar na etapa de tria-
toneladas de lixo por semana. gem, ou seja, na separação dos materiais a
Os produtos finais da cooperativa são os serem reciclados. Essa é a etapa analisada
materiais triados prontos para serem vendi- neste estudo. Em seguida, parte dos materiais
dos e reciclados. São trinta e cinco tipos de triados é prensada e pesada para ser poste-
produtos, dentre os quais se destacam: vidro riormente vendida.
inteiro/caco, embalagens tetra pack, metal,
papelão, papel picado/branco, jornais, re- Análise ergonômica das
vistas, plástico fino/grosso, papel alumínio,
garrafas PET brancas/coloridas, fitas de atividades do setor de
vídeo, cartuchos etc. triagem
Não há coleta de pilhas, isopor, lâmpadas
fluorescentes e baterias, embora os coopera- O setor escolhido como foco, a triagem, é
dos tenham manifestado desejo de saber li- totalmente manual. Os cooperados ficam
dar com esses materiais. distribuídos em torno da mesa de triagem e
trabalham em pé, com a mesa na altura da
O Local cintura. O tempo de triagem de cada bag
varia de 15 a 20 minutos.
A central de triagem da ECOATIVA, deno- As atividades do setor de triagem foram,
minada Central do Ceasa, funciona num para efeito do estudo, caracterizadas por
galpão em espaço cedido pela prefeitura. Sua posto de trabalho em:
estrutura é de ferro, o teto, de amianto e o
chão, cimentado. O local tem boa ventila- Abastecimento
ção, com iluminação natural e sua área ex-
terna é grande o suficiente para estaciona- O abastecimento é realizado por um
mento e manobra de carros e caminhões. Há cooperado, posicionado na ponta da mesa,
uma casa de apoio que serve de depósito e cuja função é abastecê-la com os materiais
local para descanso e refeições. Dentro do coletados quando esta fica vazia. Para tal,
galpão ficam duas prensas, uma balança, arrasta o bag – que está posicionado próxi-
três mesas de triagem, empilhadeiras ma- mo à entrada do galpão e que contém o lixo
nuais, carrinhos, caçambas e bombonas plás-
coletado na rua – até próximo à mesa. Abre
ticas.
então o bag com o auxílio de um instrumen-
As mesas onde o material reciclável é se-
to cortante e vai retirando com a mão parte
lecionado ficam posicionadas mais para o
do lixo que está dentro do bag e colocando
centro do galpão, por ser, segundo os
em cima da mesa. Esse procedimento tem
cooperados, o local menos sujeito a sol e
como objetivo diminuir um pouco o peso do
chuva. À sua volta, os cooperados que efe-
bag, que pesa de 20kg a 30 kg.
tuam a triagem se posicionam de pé e à volta
deles ficam os bags e as bombonas, onde O próximo passo é feito de forma diferente
são armazenados os materiais, sendo cada nas duas equipes observadas. Em uma de-
bag/bombona para um tipo de material. las, o abastecedor, com o auxílio de outro
Os materiais coletados encontram-se dis- cooperado posicionado a seu lado, eleva o
postos dentro do galpão – já selecionados e, bag e vira-o, jogando o material a ser triado
dependendo do tipo, prensados – em bags sobre a mesa; na outra, o abastecedor sobe
ou fardos que ficam ao seu redor. na mesa e, do alto, eleva o bag sozinho e
joga o material em toda a extensão da mesa.
O Processo Neste último caso, a estratégia coletiva ado-
tada pela equipe minimiza o risco de o mate-
A coleta do material reciclável é feita nas rial a ser colocado na bancada cair em cima
casas que se encontram na área de atuação dos cooperados.

20 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de lixo reciclavel.p65 20 24/08/05, 13:45


Triagem As Competências Adquiridas

Na etapa de seleção, os materiais coloca- Verifica-se que na cooperativa não exis-


dos em cima da mesa são selecionados e se- tem tarefas formalmente prescritas. Não há
parados de acordo com o seu tipo. Esses documentos disponíveis para permitir a iden-
materiais são em seguida acondicionados tificação dos aspectos formais do trabalho.
dentro de bags ou bombonas específicas por Os ensinamentos passados aos novos mem-
tipo de material. Freqüentemente, a “boca” bros pela força de trabalho baseiam-se em
do bag se fecha levando o cooperado a pa-
“regras”, que também são reproduzidas de
rar a seleção para arrumá-la. Quando estes
pai para filho ou entre colegas com base em
ficam cheios, são levados para local espe-
experiências vividas, confundindo-se prescrito
cífico de armazenamento à volta do galpão
ou posicionados para serem prensados. para uns com o real vivenciado pelos mais
Constatou-se que, diante dos meios a eles antigos.
fornecidos e dos seus estados internos, cada Os ensinamentos sobre as tarefas na coope-
cooperado desenvolve um modo operatório rativa são passados pelos colegas aos mem-
diferente para dar conta dos resultados espe- bros recém-chegados sem nenhum procedi-
rados. Segundo Guérin et al. (op.cit., p. 54), mento formal, cada qual contribuindo com
para atingir os objetivos, o operador funda- seu saber e experiência. Por vezes são ensina-
menta-se, ao mesmo tempo, “em seqüências mentos que, na família, passam de pais para
de busca de informações e de ações bastante filhos, conforme relata a cooperada: “Tra-
integradas e em um planejamento de conjun- balho com meu pai desde nove anos; nós
to ligado às intenções do operador”. Cada íamos pro lixão em vários lugares. Nunca
situação envolverá saberes mais ou menos ficamos doentes”.
amplos e acrescentará experiência ao opera- A qualidade da produção de materiais
dor. reciclados depende do saber-fazer dos coo-
Pequenos sacos ficam pendurados em perados que é adquirido com a experiência
pregos à volta da mesa para facilitar a colo- e é indispensável para o trabalhador “dar
cação de produtos mais finos – difíceis de conta” das variabilidades presentes na ativi-
serem lançados até o bag – e daqueles com
dade de trabalho (Guérin et al., op. cit.).
valor agregado.
Jamil & Echternacht (2003) observaram
que as competências para o exercício da ati-
Seleção e separação dos vidros/eliminação
do lixo orgânico e material não reciclável vidade são adquiridas tanto por meios “for-
mais como informais, ou pela experiência,
Os vidros vão sendo empurrados até o úl- ou pela convivência com os outros colegas e
timo cooperado, localizado no final da mesa. sempre levando em consideração o valor do
Ele separa vidros e cacos, retira-os da mesa trabalho” (p. 7).
e coloca-os nos bags de armazenamento. Isso Notou-se pela observação – e foi confir-
poderia ser evitado, segundo os cooperados, mado verbalmente pelos cooperados – que
caso a esteira – recebida como doação – fos- os mais novatos, por vezes, têm dúvidas
se implantada. Os bags cheios são transpor- quanto à classificação do material, o que leva
tados no final do dia para a área de arma- à demora, a erros ou à inutilização de possí-
zenamento, que, devido à falta de planeja- veis recicláveis. Isso ocorre com certa fre-
mento, está localizada no outro extremo do qüência. Outras decisões a serem tomadas
galpão. referem-se à necessidade de inferir qual ma-
O cooperado que ocupa este posto é tam- terial deve ser reaproveitado individualmen-
bém responsável por retirar os resíduos que te ou não (revista muito rasgada, com ou
sobram – lixo orgânico e material não sem capa etc.), qual deve ser vendido sepa-
reciclável. É utilizada uma ferramenta que
radamente ou por peso, qual é a capacida-
pode ser qualquer objeto útil encontrado na
de do bag em que cada tipo de material é
triagem, como um pedaço de vassoura ou
colocado ou qual é a hora apropriada para
qualquer escova; esse lixo é colocado em bag
específico, que é retirado quando cheio e trocar um bag já cheio. Conforme expresso
colocado fora do galpão para ser recolhido pelo cooperado: “Eu acho que separar é isso
posteriormente pelo caminhão de lixo. aí; é muita atenção”.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004 21

A Triagem de lixo reciclavel.p65 21 24/08/05, 13:45


Os Riscos Enfrentados no Trabalho o seu relato: “..tem coisa perigosa; até por-
que a gente se corta e tem AIDS, modess,
Verifica-se a ausência de registros de aci- leite podre...”
dentes, dados de saúde ou quaisquer atendi- Para os cooperados, a luva não os prote-
mentos médicos. Segundo os cooperados, não ge contra os cortes, dificulta a separação das
há também material de primeiros socorros no partes dos materiais e é muito quente. Nota-
galpão ou na casa de apoio. se que manuseiam constantemente material
A presença de poeira em dispersão é cons- pérfuro-cortante: pequenos objetos, lâminas,
tatada quando, para início da triagem, os cacos de vidro, facas sem cabo etc., além de
bags com material coletado são esvaziados material sujeito à contaminação: fezes
em cima da mesa e quando o bag vazio é humanas, de animais, dejetos etc. Segundo
jogado no chão. O acúmulo de poeira e a um cooperado: “Tem prego, caco, às vezes
contaminação por “restos” de produtos quí- um arranhão; eu tenho mania de cortar e
micos presentes nos vasilhames coletados não sentir o corte”.
podem causar transtornos respiratórios e aler- Silva et al. (op. cit.) observam que o aban-
gias. dono ou o não uso do EPI significa que o
Não foi observado mau cheiro no galpão, operador reconhece sua influência na exe-
talvez por ser um local ventilado. Há, porém, cução das tarefas. Assim sendo, propõem
que, quando os EPI’s não estiverem sendo
presença de insetos. Cheiros característicos
utilizados, no lugar de rotular o operador de
de material orgânico são sentidos próximo à
“‘inconsciente’, ‘desleixado’, ‘machão’,
mesa de triagem – nada que incomode mui-
‘peão’, ‘não tem jeito’...” (p. 315), devem-
to, já que os restos são retirados constante-
se pesquisar os motivos reais para tal atitu-
mente pelo cooperado posicionado ao final
de, podendo-se chegar à conclusão de que
da mesa e o local em volta da mesa é periodi-
se trata de “desconforto do produto, ina-
camente varrido. Nenhuma proteção é utili- dequação em relação à tarefa, má qualida-
zada contra o odor ou a poeira. de, impedimento da percepção de um outro
Os cooperados têm seu corpo e suas mãos risco, ineficácia em relação à proteção visa-
em contato com o material. Jalecos e luvas da” (p. 315).
são fornecidos pela Prefeitura, embora nem Um ponto crítico no processo de triagem é
todos os utilizem. Segundo o representante a inadequação do espaço entre a mesa e os
da ONG, não adianta dar, por exemplo, lu- bags/bombonas, o que dificulta a circula-
vas, pois “elas ficam jogadas no chão”. Da ção, bem como o manuseio dos materiais e
mesma forma ocorre com os jalecos, nem a limpeza do local, restringindo os movimen-
todos os operadores os utilizam. tos dos cooperados. Outros problemas en-
O estudo da atividade real mostra que tudo contrados, referentes ao espaço físico, são a
que acontece e se faz no trabalho tem uma largura da bancada e a altura dos bags/
explicação; se um operador recusa-se a utili- bombonas no solo que obrigam o coopera-
zar um EPI, cabe à Ergonomia investigar os do a realizar movimentos extremos de om-
motivos para, então, propor modificações. bro e coluna.
Quando questionados sobre o não uso do
equipamento, os que não estavam protegidos Dificuldades Organizacionais
afirmaram que nunca haviam se cortado e
outros afirmaram não ligarem para os cor- Embora a sensibilização da comunidade
tes: “Tem gente que corta a mão, mas não estivesse dentre os objetivos do Programa
liga” (o grifo é nosso). Futuro Limpo – origem da ECOATIVA –, os
Para Silva et al. (1994), desafiar o risco é cooperados reclamam que a população da
“uma maneira inconsciente de camuflar a cidade ainda não aprendeu a separar o lixo,
ansiedade, de controlar, conjurar o próprio apesar de já terem sido feitas três campa-
risco: pois a consciência aguda deste seria nhas de conscientização, com distribuição de
insuportável”. Apesar da maioria negar o ris- folhetos e participação da UFSCar, da Pre-
co de adoecimento e até mesmo o ridiculari- feitura, da RAMUDA e deles próprios. Se-
zar, um cooperado afirmou temer ficar gundo relatam: “Vem gato, vem bicho, vem
doente devido ao manuseio do lixo. Segundo bosta, a gente pega tudo aqui”. Sob outro

22 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de lixo reciclavel.p65 22 24/08/05, 13:45


ponto de vista, o representante da ONG diz Holzmann (2001) refere-se a esta aparen-
que o problema não está na população, mas te contradição ao retratar sua pesquisa nas
sim na coleta, que recolhe lixo orgânico mis- cooperativas Wallig, na qual demonstra o
turado ao lixo reciclável. caráter particular desse trabalho “autônomo”
Paradela & Duarte (2003) observam que prestado pelos associados. A impossibilida-
o trabalho em cooperativas é uma fonte po- de de exercer plena autonomia – como dis-
tencial de conflitos que muitas vezes são difí- punham no caso do aterro sanitário – faz
ceis de admitir, já que podem não encontrar surgir o “trabalhador coletivo” (p. 33) que
canais consistentes de diálogo. Os conflitos requer atividades simultâneas exercidas no
existentes na ECOATIVA são permeados pela mesmo espaço, com cooperação e comple-
baixa escolaridade que, acreditam os coope- mentaridade de tarefas. É o que acontece na
rados, impede-os de arranjar melhores em- ECOATIVA, seja na relação entre os que
pregos com melhores salários. Além do mais, coletam na rua e os que realizam trabalho
caso possuíssem “curso de formação”, po- interno de triagem, seja entre estes e os que
deriam consertar os materiais coletados com prensam ou preparam material para arma-
valor agregado. Aqueles que têm o Ensino zenagem e venda.
Médio (antigo Segundo Grau) participam de
A questão determinante para os trabalha-
atividades administrativas, como negociação
dores, entretanto, é a financeira (“Tem me-
dos materiais triados e contabilização. Segun-
ses que não chega a 300; quando dá bem
do o cooperado: “Tem muitos que não sa-
dá os 300 redondo ou chega a 310,
bem contar; então eu conto”.
320...”). Os cooperados queixam-se com
Paradela & Duarte (op. cit.) apontam para
freqüência da dificuldade financeira enfren-
a dificuldade de melhor aproveitamento de
potencialidades na cooperativa, creditando-a tada, da queda do padrão de vida devido à
ao fato de que possa existir uma carência de queda dos ganhos e do aumento do volume
resposta organizacional adequada a esse tipo de trabalho desde que foram retirados do
de organização. Conforme dito pelo coope- aterro sanitário e tornaram-se cooperados.
rado: “Eu sou meio diretor, aí todo mundo Segundo relatam: “Lá (no aterro), eu ganha-
fica cobrando, foi por votação que me esco- va mais, né?...”; “A gente trabalha demais
lheram”. Os autores citam como aspectos pelo tanto que a gente ganha...”
mais difíceis na gestão das cooperativas: Com a necessidade de retirá-los do aterro
“fluxo de conhecimento, fluxo de decisão, devido à medida judicial, a Prefeitura, ao
comprometimento e empenho desiguais e ca- ajudá-los a se organizar, teve que lidar com
rência de formação gerencial específica” o ônus de ser considerada responsável pela
(p. 3). situação do grupo. Ao mesmo tempo, é con-
A organização do trabalho sob a forma siderada culpada pelas dificuldades enfren-
de cooperativa trouxe dificuldades aos coo- tadas, conforme palavras dos cooperados ao
perados em relação a sua postura, aos seus serem indagados sobre como melhorar sua
deveres e às responsabilidades embutidas na situação financeira: “Pra ser sincera, não con-
condição de associados. Se por um lado são sigo imaginar; mas tinham [o grifo é nosso]
trabalhadores com certa autonomia por não que melhorar nosso salário...”; “Aqui mes-
possuírem vínculo empregatício, por outro mo tá precisando de uma oficininha”; preci-
não podem prescindir do trabalho em equi- sa de alguém para ensinar a lidar com as
pe. Isso leva a conflitos de relacionamento coisas; se tivesse, seria melhor, ganhava
(“A gente escuta muito tititi; mas a gente dei- mais”. Esta última verbalização demonstra a
xa pra lá”; “Não é só jogar e ficar com a preocupação com a relação entre a falta de
mão no bolso; tem que ajudar”; “A prensa é dinheiro e a falta de informação sobre como
mais pesado, mas a gente trabalha sossega- obter maiores ganhos trabalhando na coo-
do, sem zoeira na cabeça”) e a dificuldades
perativa – o que não ocorria no aterro sani-
em lidar com o surgimento de lideranças no
tário.
grupo (“O que mais enche? Repreensão” [fa-
Os cooperados dizem que, se quisessem,
lou com firmeza]; “Se tiver que alguém me
podiam fazer um turno maior no aterro e
chamar atenção, eu prefiro que seja alguém
ganhar mais dinheiro, enquanto na Coope-
maior que eu”). Sentimentos de mágoa são
então constantes. rativa isso não é possível. Esse discurso de

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004 23

A Triagem de lixo reciclavel.p65 23 24/08/05, 13:45


que “no aterro” – leia-se antes da interferên- pessoas chegam ao trabalho com seu capital
cia da Prefeitura – ganhavam mais esteve genético, com marcas de agressões físicas e
presente em vários momentos e pode ser vis- mentais acumuladas, além de trazerem um
to como uma forma de pressão por maiores modo de vida, costumes pessoais e aprendi-
ganhos ou benefícios com maior interfe- zados. Problemas nascem de relações
rência do Estado. Em conversas informais, conflituosas entre a história do indivíduo e a
alguns revelaram que fazem coleta após o da sociedade. Em nossa sociedade, o traba-
expediente para aumentar a renda e um lhar com o lixo remete a um desconforto por
deles afirmou que ainda “vende umas coisi- estarem os cooperados lidando com “restos”,
nhas”, com o mesmo propósito. com material “sujo” e “fétido”. Se o sofrimento
Os conflitos entre os cooperados se agra- não foi expresso diretamente, pode ser cons-
vam com as dificuldades em lidar com lide- tatado a partir da negação do constrangimento
ranças: “Quando tem algum dinheiro que em lidar com o lixo ou pelas verbalizações,
vendeu algum material, eles já querem; mas
por vezes colocadas em outros contextos: “O
não é todos; dá pra contar no dedo”.
que me aborrece é o lixo que vem sujo; “Até
papel de banheiro já vi; cigarro enjoa quan-
Dificuldades de comunicação e decisão
do vem”; “Papel de banheiro é o de menos;
aqui vem coisa pior ainda”.
Os cooperados encontram dificuldades
quanto à separação de alguns tipos de ma-
teriais. Segundo eles, a seleção do papel Proposições/considera-
branco é a mais trabalhosa por envolver “pa-
pel pequeno”, o que dificulta o aproveita- ções finais
mento de todo o material coletado.
Garrafas PET são deixadas com as tampas, O diagnóstico feito durante a análise
embora estas sejam afrouxadas para evitar ergonômica do trabalho no setor da triagem
que a pressão do ar interfira na prensagem. permitiu o levantamento dos problemas e a
Devido ao tamanho das equipes – pequeno elaboração de uma série de sugestões que
–, a seleção deste e de outros materiais não levassem em conta a atividade real desempe-
pode ser feita de maneira mais criteriosa: no nhada pelos cooperados, buscando a trans-
momento, garrafas são deixadas com tam- formação das condições de trabalho.
pas por não haver número suficiente de pes- Algumas dessas soluções são passíveis de
soas para esta separação; entretanto, caso serem implementadas a baixo custo, mas re-
ela fosse efetuada, os ganhos com a venda querem o interesse dos envolvidos. Outras,
separada seriam maiores. Quanto maior a apesar de necessárias e de terem sugestões
distinção de materiais, maior o ganho. Nos detalhadas e confrontadas, não são de
dizeres deles: “Se misturar as cores das gar- implementação viável no momento. Todas,
rafas PET, pagam menos; por isso eles sepa- entretanto, requerem a colaboração de ou-
ram: tem que trabalhar com qualidade, né?” tros pesquisadores, empresas interessadas,
A separação das partes dos materiais ONGs, universidades e pessoas da comuni-
coletados já é prescrita, em algumas regiões dade, uma vez que a cooperativa não possui
do Brasil, em função da demanda dos recursos suficientes e competências para trans-
compradores. Segundo Lima et al. (op. cit.), formá-las em realidade.
atualmente a seleção das garrafas PET não é Entretanto, apesar de terem sido detectados
feita apenas pela diferença de cor, cabendo riscos e dificuldades organizacionais passíveis
ao triador também a separação do rótulo, de melhoria, a situação determinante para os
da tampa e do anel. trabalhadores é a financeira. As sugestões
apresentadas neste estudo buscam transfor-
Os Sofrimentos Vivenciados mar o trabalho dos cooperados, possibilitan-
do o aumento de renda.
Cabe aqui referência ao que Wisner O fato de lidar com lixo gera constrangi-
(1993) chama de “sofrimento psíquico”, re- mentos que incorporam elementos nocivos à
lacionado às atividades mentais no trabalho saúde dos trabalhadores, conforme foi cons-
presentes em modalidades “perigosas” (p. tatado na análise feita. Contudo, a principal
11) de organização. Segundo o autor, as demanda dos cooperados é que, a partir do

24 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24 24/08/05, 13:45


lixo coletado, eles possam ganhar a mesma bras de materiais e transformação de
renda que tinham quando trabalhavam no materiais recicláveis em artesanato. Isso
aterro sanitário. Por isso, o representante da poderá permitir, inclusive, a inserção
ONG RAMUDA acredita que os cooperados produtiva dos filhos dos cooperados;
querem que a prefeitura providencie tudo Divulgação na comunidade de formas
para eles: cesta básica, transporte, subsídio corretas de separação e armazenamento
financeiro etc. do material a ser coletado;
A dificuldade financeira, oriunda da mu- Busca de doações de empresas e da
dança do trabalho autônomo para a forma comunidade;
de cooperativa, poderá ser compensada com Contato com outras cooperativas para
o aumento da quantidade coletada e o maior
possibilitar a troca de vivências e discu-
aproveitamento do lixo coletado. Com base
tir formas de gestão;
nessas considerações, nas experiências de
Alfabetização e capacitação técnica dos
outras cooperativas e em confrontações dos
cooperados.
problemas encontrados, são propostas:
Coleta de novos materiais para aumen- Diante da premente mudança de local – a
to da renda: pilhas, isopor, lâmpadas cooperativa terá que sair do galpão atual para
fluorescentes e baterias; dar lugar a um Hospital que será construído
Cursos técnicos e de artesanato: servi- no terreno da prefeitura –, acredita-se que
ços de eletricidade, restaurações para algumas mudanças poderiam ser imple-
aproveitamento de eletrodomésticos, so- mentadas aproveitando essa oportunidade.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei 5764 de 16/12/71. Define a LIMA, R. M. R & ROMEIRO FILHO, E. Análi-
política nacional de cooperativismo, ins- se Ergonômica do Trabalho do Triador
titui o regime jurídico das sociedades co- em uma Associação de Catadores de
operativas e dá outras providências. Materiais Recicláveis Recife-PE, Abergo,
DOU, Brasília, 16/12/1971, p. 2002.
010354.
LIMA, F. P. A. Fundamentos Teóricos da
GUÉRIN, F., et al. Compreender o Traba- Metodologia e Prática de Análise
lho para Transformá-lo: A Prática da Ergonômica do Trabalho. Texto de di-
Ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher, vulgação interna DEP-UFMG, 1998.
2001.
OLIVEIRA, C. M. & ECHTERNACHT, E. H.
HOLZMANN, L. Operários sem Patrão: O. Exigências Cognitivas em uma Ati-
Gestão Cooperativa e Dilemas da De-
vidade Administrativa Hospitalar e
mocracia. São Carlos: EdUFSCar,
Configuração da Carga de Trabalho.
2001.
Enegep – Ouro Preto: UFOP, 2003.
JAMIL, A. C. C. & ECHTERNACHT, E. H. O.
PARADELA, T. & DUARTE, F. J. C. M. Uma
Análise Preliminar de Situações de Re-
ferência para Futura Implantação dDo Discussão sobre o Projeto
Teletrabalho: O Trabalho de Analistas Organizacional oara Formação de
de Dossiês de Processos Habitacionais uma Pequena Empresa Autogerida
numa Instituição. Enegep, Ouro Preto: Enegep, Ouro Preto: UFOP, 2003.
UFOP, 2003.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CARLOS.
LASSERRE, G. La coopération. Paris: Presses Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Universitaires de France, 1959. Sustentável, Ciência e Tecnologia. Cole-

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004 25

A Triagem de lixo reciclavel.p65 25 24/08/05, 13:45


ta Seletiva no Município de São Carlos riais e Imateriais na Produção de Ser-
– Programa Municipal de Redução e viços? A Relação de Serviço entre Sa-
Controle de Resíduos – Futuro Limpo. ber Atender e Saber-Fazer. Recife-PE:
São Carlos – SP, s/d. Abergo, 2002.

SILVA, C. A. D. et al. Construindo o Proces- VIDAL, M. C. R. Ergonomia na Empresa –


so. In: BUSCHINELLI, J. T. P., ROCHA, Útil, Prática e Aplicada. 1ed. Rio de
L. E., RIGOTTO, R. M. (orgs.) Isto é Tra-
Janeiro: Virtual Científica, 2001a.
balho de Gente? Vida, doença e traba-
lho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1994.
WISNER, A. A Inteligência no Trabalho:
SOARES, R. G., LEAL, L. e LIMA, F. P. A. Por Textos Selecionados de Ergonomia. São
uma Integração de Atividades Mate- Paulo: Fundacentro, 1993.

26 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de lixo reciclavel.p65 26 24/08/05, 13:45


Lesão Cerebral Traumática e
Acidentes de Trabalho:
Estudo de Revisão
Andréia Ramos1
Sílvia Rodrigues Jardim2
Traumatc Brain Injury and
Work-Related Casualty: a Review

1
Programa Organização do Trabalho
O objetivo do trabalho foi revisar os achados de pesquisas, nas literaturas nacional e inter-
e Saúde Mental – Instituto de
Psiquiatria/Universidade Federal nacional, sobre a associação entre lesão cerebral traumática (LCT) e acidentes de trabalho.
do Rio de Janeiro (OTSAM – IPUB/ Para revisão do assunto utilizou-se como bases de dados o MEDLINE e LILACS do período de
UFRJ). Doutoranda em Psiquiatria –
1991 a 2001. Foram encontrados poucos estudos (n=4) investigando a associação entre
IPUB/UFRJ. Bolsista CNPq – processo
nº 141800/00-3. LCT e acidente de trabalho. Estes apresentavam limitações metodológicas, tais como utiliza-
2
ção de bancos de dados secundários, a caracterização da amostra e os critérios utilizados
Programa Organização do Trabalho
para definir LCT. Percebe-se uma preocupação com os estudos sobre reabilitação e gastos
e Saúde Mental – Instituto de
Psiquiatria/Universidade Federal dos sistemas de saúde com este tipo de lesão – e suas seqüelas –, mas pouca pesquisa
do Rio de Janeiro (OTSAM – IPUB/ envolvendo a discussão da inter-relação da organização do trabalho com a incidência de
UFRJ). Coordenadora em Exercício
LCT.
do OTSAM.

Palavras-chave: lesão cerebral traumática, traumatismo crânio-encefálico, acidente de


trabalho, saúde ocupacional.

The aim of this study was to review the research findings both in nationwide and worldwide
literature as regards the connection between traumatic brain injury (TBI) and work-related
casualty. In order to carry out a review of the issue, database such as the MEDLINE and
LILACS were used between 1991 and 2001. Few studies were found (n=4) which
investigated the relationship between traumatic brain injury and work-related casualty.
These presented methodological limitations such as the use of secondary database and
different criteria to define the TBI. Some concern is observed regarding the studies on
rehabilitation and on the costs for the health system owing to this kind of damage – and its
sequels – but little research comprising the interrelationship between work organization
and TBI incidence is found.

Keywords: traumatic brain injury, head injury, work-related casualty, occupational health.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004 27

capitulo lesão cerebral.p65 27 24/08/05, 13:47


Introdução Os dados epidemiológicos revelam que
adolescentes e adultos jovens, seguidos por
Existem diversas classificações para as le- indivíduos com idade acima de 65 anos, são
sões cerebrais traumáticas. Elas podem ser as populações mais atingidas pelas LCTs
classificadas como penetrantes ou fechadas, (Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).
dependendo da integridade das meninges Os homens apresentam uma freqüência
após o trauma. As lesões fechadas represen- duas ou três vezes maior do que as mulheres
tam a maioria das lesões cranianas. A prin- (Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).
cipal causa das lesões penetrantes são os A condição socioeconômica inferior é ou-
ferimentos por projéteis de armas de fogo, tro fator de risco para LCT. Contudo, o maior
que produzem lesões características e podem fator de risco isolado é o abuso e a de-
ser complicadas por hemorragia e infecção pendência de substâncias psicoativas. Apro-
(Jorge & Robinson, 1998). ximadamente um terço dos pacientes com LCT
As lesões também podem ser classificadas apresenta distúrbio de abuso de substância
como primárias ou secundárias. As primárias anterior ao trauma e mais de 50% estavam
são produzidas por mecanismos diretamente intoxicados no momento da lesão (Miller,
associados ao evento, ou seja, no momento 1994).
do trauma. A conseqüência pode ser uma Acidentes envolvendo veículos motorizados,
lesão focal – como contusão, hemorragia inclusive atropelamentos, são a causa mais
intracerebral ou epidural – ou difusa – lesão freqüente de lesão, particularmente nos pa-
medular, isquemia difusa. As lesões secun-
cientes mais jovens (Machado & Gómez,
dárias são aquelas decorrentes de processos
1994). As quedas são a segunda causa mais
patológicos que começam no momento do
prevalente de lesão craniana, especialmente
dano, mas que se estendem por um perío-
do variável após o episódio traumático entre os pacientes mais velhos (Klauber, Barret-
(Jorge & Robinson, 1998). Connor & Marshall, 1981). Os assaltos, os
Uma terceira classificação é aquela basea- acidentes esportivos e de recreação são ou-
da na extensão e na localização das mudan- tras causas importantes de lesão craniana
ças neuropatológicas. Neste caso, as lesões (Machado & Gómez, 1994). Cerca de 80%
podem ser focais ou difusas. das lesões cerebrais que levam as pessoas a
Embora os critérios classificatórios existam serem hospitalizadas são consideradas leves,
para tentar facilitar o diagnóstico dessas le- 10% são moderadas e 10% são graves
sões, verifica-se que suas utilizações em pes- (Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).
quisas constituem um fator que, normalmen- A relação entre a LCT e uma variedade de
te, confunde mais do que esclarece, geran- distúrbios neuropsiquiátricos tem sido relata-
do problemas de ordem metodológica. Uma da por muitos anos na literatura médica (Jor-
das principais dificuldades encontradas é a ge & Robinson, 1998; Lishman, 1968). No
impossibilidade de se realizar análises com- entanto, poucos estudos têm examinado a
parativas entre pesquisas epidemiológicas prevalência de LCT em acidentes de traba-
sobre lesões cerebrais traumáticas, uma vez lho. Questões como a prevalência de LCT nos
que os diagnósticos selecionados para deter- locais de trabalho, a notificação desse tipo
minar a inclusão da população do estudo de patologia como decorrente de acidente de
não são uniformes (Kraus & Sovenson, trabalho, as variáveis da organização do tra-
1994). Dentre as dificuldades constatadas balho associadas à ocorrência desta patolo-
podemos citar a utilização de diferentes gia, a evolução do quadro clínico e a influên-
referenciais para morbidade e mortalidade, cia da LCT na evolução longitudinal dos
a definição operacional de LCT adotada na danos físicos e comportamentais pós-lesão são
pesquisa (que tipo de lesão está sendo consi- ainda pouco exploradas.
derada: encefálicas, crânio-hencefálicas) e Como já mencionado acima, por ora, in-
a inclusão da população da pesquisa segun-
teressa-nos abordar a relação entre LCT e
do a gravidade da lesão (incluir apenas le-
acidente de trabalho revendo como este tema
sões graves deixando de fora as leves).
é trabalhado atualmente nas literaturas
Mesmo que essas limitações sejam aponta-
das em estudos sobre lesão cerebral traumá- brasileira e internacional. Para a revisão do
tica de uma forma geral, acreditamos que assunto, foram pesquisados os seguintes ban-
possam ser extrapoladas quando se discute cos de dados: MEDLINE e LILACS, no perío-
uma pesquisa envolvendo LCT relacionada do de 1991-2001. Na busca, utilizaram-se
ao trabalho. como palavras-chave: trabalho, trauma

28 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

capitulo lesão cerebral.p65 28 24/08/05, 13:47


cerebral, lesão cerebral, traumatismo crânio- de sistemas de concessão de benefícios. Os
encefálico, acidente de trabalho, ocupacional resultados encontrados evidenciaram que a
em suas possíveis combinações. incapacidade tinha uma relação de depen-
dência com a gravidade da lesão e que as
Lesão cerebral traumáti- LCTs estavam associadas à maior incapaci-
dade ocupacional. A discussão do autor en-
ca e acidente de trabalho: volve a análise de que o tratamento das le-
os dados da literatura sões traumáticas (ocupacionais ou não) e as
políticas e as decisões médico-legais acerca
Dentre a bibliografia pesquisada, foram delas são baseadas em critérios que as defi-
encontrados trinta e quatro artigos que ex- nem como “incapacidades típicas”, de modo
ploravam o tema LCT, porém apenas quatro que se torna necessário uma documentação
discutiram a relação entre LCT e acidente de mais precisa, tanto nos sistemas de benefícios
trabalho. Somente três artigos foram anali- quanto naqueles que se prestam a outros
sados por ser um deles em idioma russo, objetivos (Menard, 1996).
tendo os autores acesso apenas ao resumo Uma documentação mais precisa, segun-
deste. do Menard, deverá incluir uma classificação
Embora os trinta artigos restantes não te- mais detalhada da causa, do tipo e da gravi-
nham sido objeto de nossa análise, conside- dade da lesão e da associação – e persistên-
ramos importante destacar alguns dados que cia desta – da ocupação com a lesão. O es-
nos pareceram significativos para o tema tudo de Menard discutiu a questão dos crité-
abordado neste trabalho. Dezesseis deles rios utilizados para identificar esta patologia
(56,66%) discutiram processos e estratégias nos bancos de dados dos sistemas de benefí-
de reabilitação ao trabalho pós-LCT. Verifi- cios previdenciários.
Alexander et al. (1999) conduziram um
cou-se que tais estudos não tinham como pro-
estudo de comparação entre lesões fatais e
posta caracterizar a causa da LCT, de forma
não fatais graves relacionadas ao trabalho
que não havia dados que a relacionasse com
em trabalhadores do estado de Washington
a ocupação. Eles apontaram para a neces- utilizando como banco de dados o sistema de
sidade de programas específicos de reabi- compensação de gastos com internações
litação ao trabalho, considerando, especi- de trabalhadores apresentando lesões não
ficamente, as dificuldades para o desempe- fatais. As lesões não fatais graves foram ca-
nho das atividades laborativas decorrentes racterizadas como sendo aquelas que resul-
dos déficits cognitivos pós-lesão. tavam em grave incapacidade ou que reque-
Treze (43,34%) dos trinta artigos tiveram riam cuidados médicos intensivos. Um dos
como objeto principal da análise os custos critérios utilizados pelos pesquisadores para
para o sistema de saúde (assistência e previ- caracterizar uma lesão grave foi a presença
dência), público e privado, dos afastamentos de lesão cerebral ou na coluna vertebral,
do trabalho devido a lesões traumáticas. Tam- considerando que esses tipos de lesões pos-
bém nesses estudos foram consideradas LCTs suem um alto potencial para gerar incapaci-
relacionadas ou não à ocupação. dade grave por longo tempo. Os pesquisa-
Considerando os trabalhos selecionados dores incluíram todas as lesões cerebrais clas-
nesta revisão (1991-2001), observa-se que sificadas pela CID-9 – CID 800, 803, 804,
a relação entre LCT e acidente de trabalho 850-854, excluindo concussão sem perda
não é estudada por todos pesquisadores de de consciência – e o diagnóstico de uma le-
forma direta. Ou seja, algumas pesquisas são de coluna vertebral – CID 806, 952 –
investigam essa relação estudando-a dentro (Alexander, Fraklin & Fulton-Kehoe, 1999).
de um contexto mais amplo em que se anali- Um dos resultados encontrados pela pes-
quisa foi o de que, no período de 1991 a
sam outros fatores associados ao evento. É o
1995, quatrocentos trabalhadores foram in-
caso das pesquisas desenvolvidas por Menard
ternados por apresentarem lesão cerebral ou
(1996) e Alexander et al. (1999).
na coluna vertebral.
O estudo realizado por Menard (1996) Embora esse estudo tenha apresentado im-
objetivou determinar quais tipos de lesões portantes dados que diferenciam as lesões
traumáticas ocupacionais estavam associadas fatais das não fatais naquela população –
à incapacidade prolongada. Para obter seus como, por exemplo, o achado de que as le-
dados, o autor recorreu ao banco de dados sões fatais foram mais freqüentes em traba-

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004 29

capitulo lesão cerebral.p65 29 24/08/05, 13:47


lhadores mais velhos –, o fato é que não houve Doenças – CID, versão 9), grupo de código
uma preocupação em se estudar a relação de diagnóstico relacionado (DRG) e o tem-
direta entre LCT e acidente de trabalho. Não po de hospitalização.
sendo essa a proposta principal deste estu- Os autores identificaram trezentos e um
do, não foi possível realizar um cruzamento casos de LCT, com declínio do número de
das variáveis que permitisse caracterizar hospitalizações em 1990. A hipótese para
melhor as LCTs. esta redução, segundo os pesquisadores, é
O único estudo que analisou diretamente de que houve uma drástica diminuição no
esta associação foi o desenvolvido por Heyer número de internações de apenas um dia,
& Franklin, 1994. (Heijer & Franklin, 1990). que foram significativas nos anos anteriores
Nessa pesquisa, o objetivo foi identificar ca- pesquisados.
sos de LCT e descrever a incidência conside- Foram três as principais causas de trauma
rando as variáveis de idade, gênero e classi- cerebral: quedas (48,5%), golpes por obje-
ficação da indústria onde ocorreu. Esse estu- tos (26%), acidentes com veículos motores
do utilizou como banco de dados o sistema (18,3%).
de registro do Departamento de Trabalho e Os sete tipos de indústrias com maior nú-
Indústrias do Estado de Washington (EUA) mero de ocorrência de LCT (seis ou mais)
no período de 01 de janeiro de 1988 a 31 responderam por 1/3 (101/301) de todos os
de dezembro de 1990. Foi considerado casos. As indústrias com alto risco relativo
caso de LCT aquele que, além de causar trau- (RR) foram: atividades de derrubada, corte e
ma na região craniana, havia recebido re- transporte de madeira (36.7), atividades em
gistro de alguma das seguintes situações: evi- telhado (17.1), coleta de lixo (13.5), cons-
dência clínica ou de imagem (exame de ima- trução de estradas e rodovias (12.4), ativi-
gem) de lesão cerebral, um diagnóstico mé- dade de motorista (10.0), atividades em fa-
dico de concussão ou uma descrição clara zendas de gado leiteiro (8.9), carpintaria de
de diminuição e/ou alteração do nível de cons- interiores (8.8) e atividades com estruturas
ciência. de madeiras na construção de edifícios (7.2).
A utilização de diferentes variáveis do ban- A incidência anual de hospitalização por
co de dados foi realizada com o objetivo de trauma cerebral relacionado ao tipo de ocu-
analisar a especificidade de cada uma delas, pação foi de 9,4 casos/100.000 trabalha-
isoladamente e em conjunto. Estas variáveis dores em atividade de horário integral. A re-
foram: (1) dados do departamento: idade, lação homem/mulher foi de 6,3:1. Esta re-
gênero, natureza do código da lesão – Z16.2 lação difere da encontrada em estudos com
(American National Standards Institute) e o população geral, cujos valores são de 2 a 3:1.
código de classificação das indústrias (Wa- Segundo os autores, essa discordância pode
shington Industrial Classification); (2) dados ser explicada pelas diferentes distribuições de
de pagamento dos serviços médicos presta- fatores de riscos ocupacionais e não ocupa-
dos ao trabalhador lesionado: código utili- cionais. Outra explicação seria as diferen-
zado pelo hospital (Código Internacional de ças nas populações subnotificadas.
Os dados dos artigos analisados estão dispostos no Quadro 1.
QUADRO 1
Estudo População do Estudo Desenho de Pesquisa Resultados
Heyer & Franklin, Trabalhadores de Análise de dados de benefícios Foram identificados 301
1994 indústrias concedidos (estudo retrospectivo) casos de LCT no período
(EUA) de 3 anos. Um terço de
todas as lesões estavam
concentradas em 7 tipos
específicos de indústrias

A LCT está associada com


Análise de dados de sistema de maior incapacidade ao
Menard, 1996 Trabalhadores de benefícios (estudo retrospectivo) trabalho
(Canáda) Vancouver

Alexander et al., Trabalhadores hospitali- Análise de dados de compensa- Foram identificados 400
1999 zados com lesão ção com trabalhadores acometi- casos de lesão cerebral ou
(EUA) traumática relacionada dos por lesões traumáticas no de coluna vertebral.
ao trabalho estado de Washington no
período de 1991-1995

30 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

capitulo lesão cerebral.p65 30 24/08/05, 13:47


Discussão e conclusão LCT. Acreditamos que este tipo de questão é
anterior àquela sobre prevenção e reabilita-
ção e, ao examinarmos a produção científi-
Os resultados dos estudos analisados indi-
ca sobre o assunto, fica evidente a necessi-
cam que a ocorrência de LCT como acidente
dade de que tais estudos se desenvolvam.
de trabalho ainda é pouco explorada, en-
Uma discussão mais ampla implica, tam-
quanto associação direta, o que pode ser con- bém, em reconhecer que o problema não se
seqüência das limitações metodológicas dos esgota nos fatos de que existam poucos estu-
poucos estudos até agora realizados. dos sobre o assunto, de que a maioria dos
Todos os estudos analisados foram retros- bancos de dados existentes possui sérias li-
pectivos, utilizando dados secundários. O uso mitações ou ainda de que os órgãos oficiais
exclusivo do desenho retrospectivo – neste não fornecem atenção necessária ao proble-
caso – impõe limites. A utilização de dados ma. Trata-se, sim, de perceber que os traba-
secundários também mostra limitações pela lhadores vítimas de LCT por acidentes de tra-
qualidade freqüentemente comprometida dos balho passam por um longo processo de so-
registros e pela ausência de registros sistemá- frimento, que não é só físico – representado
ticos ao longo do tempo. por seqüelas – mas também psicológico. A
Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito experiência de um corpo com limitações, do
à forma como as populações dos estudos afastamento do trabalho provocado pelo fato
analisados foram definidas. Os estudos in- de não ser mais considerado apto para
cluíram apenas trabalhadores afastados, não exercê-lo, a dificuldade de se reinserir no
havendo informações sobre aqueles em ativi- mercado de trabalho constituem, para uma
dade. As pesquisas envolvendo trabalhado- grande parcela de trabalhadores acometidos
res ativos limitaram-se a discutir processos de por LCT, a nova realidade na qual são inse-
reabilitação e não especificavam se a LCT ti- ridos. É a experiência de se defrontar com o
nha relação com acidente de trabalho. No fato de não ser mais aquele mesmo indiví-
entanto, estes dados referem-se aos trinta arti- duo/trabalhador.
gos que não foram utilizados neste trabalho. Esses trabalhadores constituem uma sub-
Embora a escassez de estudos nesta área população cujas medidas de intervenção nas
possa indicar a existência de número reduzi- condições e na organização do trabalho
do de trabalhadores com LCT ou até a pe- podem modificar os números apresentados
em estudos já realizados. Essa subpopulação
quena importância do problema na popula-
constitui, também, um grupo de risco para a
ção, vale ressaltar que não é essa a realida-
exclusão social, sem condições de reinserção
de quando se constata o número elevado de
no trabalho.
estudos envolvendo os custos de afastamento Essas questões remetem a uma dimensão
do trabalho e as propostas de reabilitação que não é apenas a do individual, do psico-
para o trabalho dos indivíduos com LCT. lógico, mas do social e do coletivo, aquela
No Brasil, os dados sobre o assunto são na qual milhares de trabalhadores estão in-
ainda mais precários, mesmo quando se exa- seridos e submetidos. E se é do campo do
mina o banco de dados de órgãos oficiais. O social, do coletivo, significa que o campo
banco de dados do MPAS mostra claramente da saúde do trabalhador tem um compro-
esta realidade ao limitar seus dados a infor- misso com a produção de conhecimento so-
mações isoladas e pouco detalhadas (Brasil, bre o tema que permita construir um saber
2002). através do qual a relação acidente de traba-
Percebe-se uma preocupação com os estu- lho-lesão cerebral traumática não seja ape-
dos sobre reabilitação e sobre os gastos dos nas uma preocupação em reabilitar quem já
sistemas de saúde com este tipo de lesão – e adoeceu. Ela deve ser antecedida pela dis-
suas seqüelas –, mas há pouca pesquisa en- cussão das possíveis mudanças na organi-
volvendo a discussão da inter-relação da or- zação do trabalho que gera os eventos trau-
ganização do trabalho com a incidência de máticos.

Referências Bibliográficas

ALEXANDER, B. H.; FRANKLIN, G. M.; & related injuries in Washington State.


FULTON-KEHOE, D. Comparison of fatal Am. J. Ind. Medicine 1999; 36: 317-
and severe nonfatal traumatic work- 325.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004 31

capitulo lesão cerebral.p65 31 24/08/05, 13:47


HEYER, N. J.; & FRANKLIN, G. M. Work- LISHMAN, W. A. Brain damage in relation
related traumatic brain injury, in Washington to psychiatric disability after head injury.
State, 1988 through 1990. Am. J. British J of Psychiatry 1968; 114:
Public Health 1990; 84: 1106-1109. 373-410.

JORGE, R.; & ROBINSON, R. Distúrbios do MACHADO, J. M. H.; & GÓMEZ, C. M.


Acidentes de trabalho: uma expressão da
Humor após Lesão Cerebral Traumática.
violência social. Caderno de Saúde
Rumos em Psiquiatria. In: Educação Mé-
Pública 1994; 10 (Sup. 1): 74-87.
dica Contínua. Fascículo II. Rio de Ja-
neiro: EPUC Editora de Publicações Cien- MENARD, M. R. Comparison of disability
tíficas; 1998. pp. 2-16. behavior after different sites and types in
a workers’ compensation population. J.
KLAUBER, M. R.; BARRET-CONNOR, E.; & Occup. Environ. Medicine 1996; 38
MARSHALL, L. F. The epidemiology of head (11): 1161-1170.
injury: a prospective study of an entire
community: San Diego County, California, MILLER, N. S. Alcohol and drug disorders.
1978. Am. J. Epidemiology 1981; In: SILVER, J. M.; YUDOFSKY, S. C.; &
HALES, R. E. Neuropsychiatry of
113: 500-509.
Traumatic Brain Injury. Washington,
KRAUS, J. F.; & SORENSON, S. B. Epide- DC: American Psychiatric Press, 1994, pp.
miology. In: SILVER, J. M.; YUDOFSKY, 471-498.
S. C.; & Hales, R. E. Neuropsychiatry BRASIL. Ministério da Previdência e Assistên-
of Traumatic Brain Injury. Washing- cia Social. Acidentes do Brasil. Trabalho,
ton, DC: American Psychiatric Press; 1994. 1998-2000. Disponível em URL: http://
pp. 3-42. www.mpas.gov.br [2002]

32 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

capitulo lesão cerebral.p65 32 24/08/05, 13:47


Biossegurança em Laboratórios
Universitários: um Estudo de Caso na
Universidade Federal de Pernambuco
Enilma Marques Araujo1
Simão Dias Vasconcelos2
Biosafety in University Laboratories:
a Case Study at the Universidade
Federal de Pernambuco

1
Mestre em Biologia Animal, Depar-
Embora seja uma das responsabilidades de um laboratório de ensino e pesquisa, a promo-
tamento de Zoologia da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). ção da biossegurança como parte integrante da saúde ocupacional tem recebido limitada
2
atenção em universidades brasileiras. Partindo desta necessidade, o presente trabalho anali-
Professor Adjunto, Coordenador do
sou a adoção de procedimentos de proteção individual e coletiva nos sete laboratórios do
Laboratório de Ensino de Zoologia do
Departamento de Zoologia, Centro de Departamento de Micologia da UFPE através da aplicação de questionários junto aos respon-
Ciências Biológicas da Universidade sáveis por cada um dos laboratórios, utilizando os critérios da CTNBio. Foram observadas
Federal de Pernambuco (UFPE).
algumas deficiências nos laboratórios, tais como ausência de extintores de incêndios, de
protocolo de acidentes, chuveiros de emergência e limitada disponibilidade de avisos educativos
para prevenção de acidentes. Por outro lado, detectou-se a preocupação com a correta
armazenagem de produtos químicos e com a instalação elétrica/hidráulica dos laboratórios.
Conclui-se que, de modo geral, a biossegurança é respeitada nos laboratórios analisados.
Entretanto, é necessária uma maior conscientização dos usuários e uma inserção mais
aprofundada do tema biossegurança nos cursos de Ciências Biológicas da UFPE.

Palavras-chave: biossegurança, fungos, laboratórios acadêmicos, riscos, saúde


ocupacional.

Although biosafety is a major responsibility of research and teaching laboratories, its


promotion as a component of occupational health has received limited attention in Brazilian
universities. Due to this necessity, this study aimed to analyze the procedures for individual
and collective protection at the seven laboratories of the Mycology Department at the
UFPE, applying questionnaires based on CTNBio criteria to the laboratory coordinators.
Some flaws were detected, such as the lack of fire extinguishers, accident protocol register,
emergency showers, and scant warning and educational posters for accident prevention
in the labs. On the other hand, the correct storage of chemicals and adequate electrical/
hydraulic facilities were observed. The overall biosafety procedures at the laboratories
analyzed were adequate. However, a deeper user’s awareness and a stronger integration
of biosafety as a daily practice in Biology courses at the UFPE are needed.

Keywords: fungi, opportunistic infections, individual protection, risks, occupational health.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004 33

capitulo biossegurança.p65 33 24/08/05, 13:46


Introdução poder de invasão, resistência a processos de
esterilização, virulência e capacidade
Biossegurança: conceitos e imple- mutagênica, exigem cuidados especiais em
mentação de critérios sua manipulação (Teixeira & Valle, 1996).
Num laboratório de pesquisa de fungos, por
A biossegurança compreende um conjun- exemplo, a exposição pode ocorrer princi-
to de normas que visam prevenir, reduzir ou palmente por inalação de partículas fúngicas,
eliminar riscos inerentes às atividades de pes- por ingestão acidental ou pela inoculação
quisa, produção, ensino, desenvolvimento direta como resultado de acidentes com vi-
tecnológico e prestação de serviços, buscan- draria ou agulhas (Collins, 1983). Usuários
do eficiência sem comprometimento da saúde
de um laboratório de micologia estão sub-
humana, de populações não-alvo e do equi-
líbrio do meio ambiente. Neste contexto, deve metidos a um elevado risco de adquirir infec-
ser compreendida como parte fundamental ções micóticas, as quais correspondem a cer-
da saúde ocupacional, da educação ca de 10% das infecções originadas em
profissionalizante e estimulada nas mais di- laboratórios de pesquisa (Fiocruz, 1998).
versas formas de atividade humana. As micoses podem ser classificadas em su-
No Brasil, a Comissão Técnica Nacional perficiais, cutâneas, subcutâneas, sistêmicas,
de Biossegurança (CTNBio), criada em 1995, e oportunistas (Kobaiashi & Medoff, 2002).
estabelece a política nacional de biosse- Micoses superficiais limitam-se às camadas
gurança através de instruções normativas que externas e “mortas” da pele e na maioria das
devem ser cumpridas em todos os níveis. vezes não sensibilizam imunologicamente o
Entretanto, a ênfase da legislação – e conse-
indivíduo e, quando o fazem, provocam in-
qüente fiscalização – dos aspectos relacio-
nados à biossegurança nos últimos anos pa- fecções leves. Entre os agentes etiológicos
rece ter se concentrado na utilização de or- destacam-se as espécies pertencentes aos
ganismos geneticamente modificados, espe- gêneros Exophiala, Malassezia e Trichos-
cialmente os transgênicos. Com isso, ques- poron. Micoses cutâneas, embora restritas à
tões fundamentais de saúde ocupacional, epiderme, podem desencadear resposta
como a redução de riscos em locais de edu- imunocelular, sensibilizando o hospedeiro. Os
cação/formação de pessoal, recebem relati- principais representantes são espécies dos
vamente menor atenção. Esse aparente des- gêneros Epidermophyton, Microsporum e
cuido assume proporções ainda mais graves Tricophyton. Micoses subcutâneas, provo-
quando ocorre em esferas responsáveis pela cadas por fungos saprófitas associados a uma
formação de recursos humanos especializa-
inoculação traumática, atingem músculos,
dos, tais como instituições de ensino superior.
O cumprimento dos parâmetros de biosse- ossos e tecido conjuntivo. É o caso dos gêne-
gurança é particularmente crítico em labora- ros Cladosporium, Fonsecae e Sporothrix.
tórios de pesquisa e ensino devido à alta Micoses sistêmicas podem atingir qualquer
rotatividade de usuários – professores, pes- tecido ou órgão interno e são provocadas
quisadores, estagiários, alunos de gradua- por fungos inalados, infectando inicialmente
ção e pós-graduação e funcionários de ma- o pulmão. Fungos dos gêneros Blastomyces,
nutenção (Hirata, 2002). As diversas ativi- Coccidioides e Histoplasma estão neste gru-
dades didáticas e experimentais expõem os po capaz de infectar indivíduos com o siste-
usuários a variados riscos associados à ma- ma imunológico competente. Já nas micoses
nipulação de instrumentos perfuro-cortantes, oportunistas, o fungo possui baixa patogeni-
produtos químicos (solventes, tóxicos, abra-
cidade em condições normais e não induz a
sivos, irritantes, inflamáveis, voláteis, cáusti-
cos, entre outros), à exposição a incêndios, doenças, a não ser que o hospedeiro esteja
ruídos, eletricidade, radiação e, especialmen- imunodeprimido. Este grupo inclui espécies
te, a microorganismos patogênicos ao homem dos gêneros Aspergillus, Candida e Mucro
(Hirata, 2002). (Kobaiashi & Medoff, 2002).
A CTNBio classifica os patógenos em qua-
Riscos associados aos laboratórios tro classes de risco e níveis crescentes de
de ensino e pesquisa sobre micror- biossegurança (NB1, NB2, NB3 e NB4) que
ganismos variam quanto ao grau de contenção do or-
ganismo e à complexidade do nível de prote-
As características peculiares dos microor- ção (CTNBio, 1997). A Classe de Risco 1
ganismos, como seu grau de patogenicidade, abrange os fungos fitopatogênicos e os fun-

34 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

capitulo biossegurança.p65 34 24/08/05, 13:46


gos que não causam doença em seres huma- grade curricular. Na licenciatura em Ciênci-
nos ou outros animais. A Classe 2 possui ris- as Biológicas não há qualquer disciplina com
co moderado para o homem e outros ani- este conteúdo na estrutura curricular, sendo
mais e risco limitado para a comunidade. este tema largamente ignorado.
Inclui espécies dos gêneros Aspergillus, A relevância da adoção de procedimentos
Blastomyces, Candida, Cladosporium, adequados de biossegurança em laboratórios
Cryptococcus, Dactylaria, Epidermophyton, de ensino e pesquisa associada à necessida-
Exophiala, Fonsecaea, Microsporum, de da inserção do tema de forma aplicada
Paracoccidoides, Penicillium e Trichophyton. nos cursos de Ciências Biológicas e Ambientais
Já a Classe 3 representa elevado risco para estimula o debate e a pesquisa sobre formas
o homem e os animais, embora ofereça risco de implementação desta prática no cotidiano
limitado à comunidade por existirem medi- acadêmico. Partindo dessa necessidade, o
das de tratamento e prevenção. Os fungos presente trabalho teve duplo objetivo: em pri-
deste grupo são Coccidioides immittis e meiro lugar, buscou-se analisar os procedi-
Histoplasma capsulatum. Na Classe de Ris- mentos de biossegurança adotados nos la-
co 4 estão os patógenos letais ao homem, boratórios de ensino/pesquisa do Centro de
facilmente transmissíveis e sem medidas pre- Ciências Biológicas da UFPE a fim de se de-
ventivas ou de tratamento conhecidas até o tectar a que tipos de risco os profissionais em
momento. Não há fungos classificados pela formação estão submetidos. Ao longo da
CTNBio neste grupo. pesquisa, foi dada ênfase na questão do ris-
co biológico, na proteção individual do usuá-
Inserção da biossegurança no con- rio e nos procedimentos de manipulação e
texto educacional: o caso da Univer- descarte de microorganismos. Em segundo
sidade Federal de Pernambuco lugar, visou envolver os estudantes de gra-
duação no processo de investigação do cum-
Apesar de sua evidente importância, ques- primento das normas de biossegurança em
tões relacionadas à biossegurança ainda são seu cotidiano para que os mesmos assumam
ignoradas em diversos cursos das áreas de uma postura responsável e crítica. Com esta
Saúde e Biologia em todo o país. Por exem- prática buscou-se promover o acesso dos
plo, o Centro de Ciências Biológicas (CCB) graduandos a informações contextualizadas
da Universidade Federal de Pernambuco, atra- e estimular o debate sobre a necessidade da
vés de seus dez departamentos, oferece qua- promoção da saúde ocupacional no ambien-
tro cursos de graduação, nove cursos de te acadêmico.
mestrado e três de doutorado. Uma breve O objetivo não foi meramente detectar fa-
análise do quadro de disciplinas obrigatórias lhas, mas, principalmente, iniciar um processo
e eletivas oferecidas nos cursos de pós-gra- de percepção constante de riscos associados
duação revela a inexistência de disciplinas à prática de laboratório. Como objeto de es-
voltadas especificamente para a discussão de tudo inicial, os estudantes investigaram um
temas relacionados à biossegurança. dos dez departamentos do CCB da UFPE, o
Dos quatro cursos de graduação ofereci- Departamento de Micologia, onde são pesqui-
dos no CCB – os bacharelados em Ciências sados fungos de importância econômica,
Biológicas, Ciências Biomédicas e Ciências agrícola e médica.
Ambientais e a licenciatura em Ciências Bio-
lógicas –, apenas o curso de bacharelado Metodologia
em Ciências Biomédicas oferece regularmente
a disciplina – eletiva – sobre biossegurança A pesquisa foi realizada como atividade
em sua grade curricular. No bacharelado em integrante da disciplina eletiva “Redação e
Ciências Biológicas, tal assunto é pouco ex- Apresentação Científica”, do bacharelado em
plorado em uma disciplina eletiva raramente Ciências Biológicas, a qual estimula a práti-
oferecida. O curso de Ciências Ambientais – ca de projetos de pesquisa em grupo. Um
modalidade do bacharelado em Ciências Bi- grupo de alunos optou pelo tema da biosse-
ológicas – é um curso em fase de implemen- gurança em laboratórios de ensino e pesqui-
tação, iniciado em 2002. Surpreendente- sa do CCB da UFPE, com ênfase na saúde
mente, apesar da preocupação com a ocupacional de seus usuários. Buscou-se ve-
transdisciplinaridade e a atualização do per- rificar o cumprimento das normas de
fil do graduando, tópicos de biossegurança biossegurança e detectar se a universidade
não foram diretamente contemplados na estava cumprindo seu papel (in)formador.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004 35

capitulo biossegurança.p65 35 24/08/05, 13:46


Como modelo, escolhido em parte pelo fato teriais de risco, equipamentos de proteção in-
de infecções causadas por fungos serem um dividual e coletiva, presença de kits de pri-
dos problemas mais freqüentes em laborató- meiros socorros, sinalização das situações de
rios microbiológicos, pela facilidade de aces- risco, entre outros. As respostas foram anali-
so e pelo grande número de usuários, esco- sadas de acordo com os critérios propostos
lheu-se o Departamento de Micologia. Esse pela Comissão Técnica Nacional de Biosse-
departamento conta com as seguintes divi- gurança (1997), por manuais de laborató-
sões: Laboratório de Biologia Molecular, rio de instituições de referência nacional, como
Coleção Didático-Científica (Micoteca), Labo- o da Fiocruz (1998), e por bibliografia espe-
ratório de Controle Biológico, Laboratório de cializada (Hirata & Mancini Filho, 2002). A
Micorrizas, Laboratório de Fitopatologia, La- todos os entrevistados foi comunicada a
boratório de Imunodiagnóstico e Laborató- intenção de divulgar publicamente o resulta-
rio de Micologia Médica. Estes dois últimos do do trabalho e solicitada a permissão para
utilizam as mesmas instalações e têm funções citar os nomes dos laboratórios.
complementares, razão pela qual foram
agrupados em um Laboratório de Micologia
Resultados e discussão
Clínica. Todos os laboratórios são utilizados
A promoção da biossegurança nos
diariamente por professores-pesquisadores,
laboratórios de ensino e pesquisa
técnicos e alunos, em diferentes graus de
acesso.
A partir das respostas dos questionários,
Baseando-se em uma visita prévia para foi possível traçar um perfil das situações de
reconhecimento da realidade de cada labo- risco presentes em cada laboratório. De modo
ratório, foi elaborado um questionário a par- geral, o risco biológico dos fungos pesqui-
tir das sugestões de segurança laboratorial sados no Departamento de Micologia é bai-
do Manual de Biossegurança de Hirata & xo. Com exceção do Laboratório de Micologia
Mancini Filho (2002). Nos meses de janeiro Clínica e da Coleção Didático-Científica
e fevereiro de 2003, os questionários foram (Micoteca), os fungos estudados encontram-
respondidos pelos professores-pesquisadores se nas classes de menor risco. Isso porque
responsáveis por cada laboratório. Embora nos demais laboratórios são pesquisados, por
o enfoque tenha sido a contaminação com exemplo, fitopatógenos e entomopatógenos
microorganismos, também foram abordados que, de modo geral, não são patogênicos ao
tópicos como uso e armazenamento de ma- homem (Tabela 1).

Tabela 1 Perfil dos laboratórios analisados no Departamento de Micologia da UFPE em


janeiro-fevereiro de 2003 e grau de periculosidade dos fungos pesquisados.

Grau de risco do
Principais tipos de fungos fungo mais patogênico
Laboratório estudados ao homem

Fitopatógenos em geral e patógenos 2


Biologia Molecular
humanos de grau leve

Micoteca Todos os tipos de fungos 3

Controle Biológico Fungos entomopatógenos 1

Micorrizas Micorrizas 1

Fungos Fitopatogênicos Fitopatógenos e suas toxinas 2

Micologia Clínica Fungos de importância médica 3

36 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

capitulo biossegurança.p65 36 24/08/05, 13:46


As repostas dos questionários estão sinteti- desde quebra de vasilhames à mistura de
zadas na Tabela 2. Pode-se afirmar que não material inflamável com não inflamável. A
há grandes diferenças na adoção de proce- possível ocorrência de incêndios seria bas-
dimentos de biossegurança entre os labora- tante agravada, já que nenhum dos labora-
tórios, havendo, no entanto, algumas deficiên- tórios possui extintores próprios, havendo
cias – em graus variados – em cada um de- apenas extintores na área comum e, mesmo
les. Os cuidados com a armazenagem de assim, em quantidade e condições inadequa-
substâncias químicas corrosivas, voláteis e in- das para atender às exigências mínimas de
flamáveis e com a instalação hidráulica/elé- segurança em suas instalações. Observou-
trica são adotados pela maioria dos labora- se ainda a ausência de chuveiros de emer-
tórios. Evidentemente, a correta armazena- gência e lava-olhos na maioria dos labora-
gem de líquidos reduz o risco de acidentes, tórios.

Tabela 2 Adoção de práticas de biossegurança nos laboratórios do Departamento de


Micologia da UFPE, de acordo com entrevistas realizadas em janeiro-fevereiro de 2003.
LAB. BIOLOGIA CONTOLE FITO- MICOLOGIA
ITEM MOLECULAR
MICOTECA
BIOLÓGICO
MICORRIZA
PATOLOGIA CLÍNICA

Sim
Não

O uso constante de equipamento de prote- de emergência. Como agravante, apenas os


ção individual, incluindo aventais, máscaras laboratórios de Biologia Molecular e
e luvas, foi registrado em 50% dos laborató- Micologia Clínica disponibilizam cartazes
rios (Tabela 2). Nos demais, segundo os en- educativos para prevenção de acidentes de
trevistados, roupas e aparatos apropriados trabalho (Tabela 2). Por outro lado, a maio-
são utilizados apenas durante o manuseio de ria dos laboratórios mantém informações so-
material biológico ou considerado de risco bre procedimentos e substâncias de risco para
(reagentes voláteis e corrosivos, por exem- mulheres em idade fértil.
plo). Observou-se que uso de máscaras de A ausência de protocolo para registro de
proteção facial é um procedimento pouco fre- acidentes constitui uma grave falha em um
qüente no departamento. laboratório de ensino e pesquisa. Entretanto,
Em nenhum dos laboratórios visitados ha- o fato de não ter sido registrado, segundo os
via estojos de primeiros socorros ou protoco- responsáveis, nenhum tipo de acidente (con-
lo para registro de doenças e/ou acidentes taminação, queimadura, corte, processo alér-
ocorridos. Adicionalmente, com exceção do gico ou outro) entre os usuários dos labora-
Laboratório de Micorrizas, não são disponi- tórios não deve subestimar o risco das ativi-
bilizadas, em locais de fácil acesso, listas com dades desenvolvidas. Infere-se que o treina-
telefones/contatos para atendimento em caso mento dos novos alunos, como estagiários

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004 37

capitulo biossegurança.p65 37 24/08/05, 13:46


de pesquisa e alunos de pós-graduação, é los: em primeiro lugar, registra-se a lastimá-
predominantemente informal e baseado no vel situação das universidades públicas no
exemplo dado pelos pesquisadores mais ex- que se refere aos recursos para manutenção
perientes. Aparentemente, tal treinamento tem dos laboratórios. Com os orçamentos prati-
sido suficiente até o momento para evitar aci- camente congelados há vários anos e a es-
dentes com os usuários. cassez de projetos de financiamento específi-
Apesar das imperfeições detectadas, de cos para capacitação de recursos humanos
modo geral, o Departamento de Micologia em biossegurança, os professores responsá-
obedece aos padrões de biossegurança em veis pelos laboratórios precisam buscar re-
seus laboratórios, acatando a maioria das re- cursos de outras fontes para aquisição de
comendações da CTNBio. No entanto, deve- material e manutenção de equipamentos que
se dar maior ênfase à adoção de equipamen- garantam padrões mínimos de segurança.
tos de proteção individual e coletiva para Como nem sempre isso é possível, a parcimô-
garantir proteção adequada, inclusive con- nia na aquisição de material e equipamento
tra fungos considerados de baixo risco. A de proteção, nos gastos com a manutenção
ausência de condições apropriadas para com- de instalações e equipamentos e ainda com
bate a incêndios – incluindo a localização, o atividades de capacitação acaba por aumen-
número e a validade dos extintores e o treina- tar o risco à saúde dos usuários.
mento periódico de pessoal para lidar com O outro problema resulta do fato de a biosse-
situações de emergência – precisa ser urgen- gurança como prática diária em situações
temente solucionada. Parcerias com os órgãos de pesquisa e ensino ser ainda incipiente no
competentes (por exemplo, o Corpo de Bom- Brasil. A inserção da biossegurança na gra-
beiros local) seriam alternativas de baixo custo de curricular dos cursos de Ciências Biológi-
e enorme repercussão. cas e afins parece ser pouco compreendida
As situações de risco em um laboratório de até mesmo em universidades e órgãos de fo-
ensino e pesquisa de fungos não se limitam,
mento. Os alunos de graduação, por serem
naturalmente, aos microorganismos-alvo.
mais inexperientes e, na maioria das vezes,
Segundo o CDC (1993), diversas espécies
desempenharem atividades de curta duração,
de fungos presentes no ambiente têm causa-
estão particularmente vulneráveis a aciden-
do sérias infecções em hospedeiros imuno-
tes. O aluno deve, pois, ser preparado para
competentes que inalaram ou se inocularam
exercer seu senso crítico e investigativo a fim
acidentalmente por via subcutânea (Fiocruz,
de detectar situações de risco em seu cotidia-
1998). Destacam-se espécies dos gêneros
Cladosporium, Penicillium e Exophiala. Além no acadêmico. Mas será que a grade
desses, há fungos considerados emergentes, curricular, as metodologias de ensino e até a
como patógenos oportunistas, os quais inclu- orientação disponibilizada nos estágios de
em espécies dos gêneros Beauveria, Coprinus, pesquisa promovem esse tipo de olhar?
Fusarium e Rhizoctonia (Torres-Rodriguez, Como destacam Consiglieri e Hirata (2002),
1996; Fiocruz, 1998). Embora o foco deste é necessário que os alunos sejam previamente
trabalho tenha sido o risco associado ao con- conscientizados sobre a quais riscos serão
tato com microorganismos, há, naturalmen- submetidos no laboratório e treinados sobre
te, inúmeros outros elementos de natureza como proceder em casos de acidentes. Os
não-biológica que oferecem risco à saúde do aspectos gerais devem contemplar a orienta-
usuário. Estes incluem desde uso, armaze- ção quanto à indumentária (uso de avental,
namento e descarte inadequados de substân- sapatos baixos e fechados, calças compri-
cias químicas (corantes, ácidos, bases, das), ao emprego correto dos equipamentos
solventes etc.) à manipulação de objetos per- de proteção individual (máscaras, luvas, tou-
furo-cortantes, passando pela probabilidade cas, óculos), aos procedimentos de manipu-
de choques elétricos e exposição a excessivas lação de substâncias e ao comportamento no
temperatura, umidade e radiações – ionizantes laboratório (Consiglieri & Hirata, 2002).
ou não. O risco é inversamente proporcional ao
nível de informação e capacitação do usuário. Considerações finais
Inserção da biossegurança como A promoção da segurança em ambientes
prática dos projetos pedagógicos acadêmicos é de responsabilidade pessoal,
da chefia do laboratório e da instituição.
As imperfeições detectadas nos laboratórios Assim, cada laboratório deve estabelecer
decorrem primordialmente de dois obstácu- medidas preventivas adequadas aos respec-

38 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

capitulo biossegurança.p65 38 24/08/05, 13:46


tivos agentes pesquisados, informando aos vacinas contra agentes de alta virulência, é
usuários o potencial de risco e as respectivas provável que novas situações de risco sejam
medidas de proteção necessárias (McGinnis, rapidamente criadas em laboratório. O
1980). Aos docentes cabe ainda avaliar o acompanhamento dessas situações, de ma-
risco em função do número de alunos e da neira integrada envolvendo biólogos, advo-
qualidade das instalações, pois laboratórios gados, médicos, engenheiros, representantes
superlotados e instalações deficientes tendem do governo e da sociedade civil, entre ou-
a potencializar o risco de acidentes (Consiglieri tros, é essencial para garantir a saúde coletiva
& Hirata, 2002). Laboratórios de ensino e dos cidadãos expostos a situações de perigo.
pesquisa das universidades deveriam, teori- Com o presente trabalho não se pretendeu
camente, funcionar como modelos para o “fiscalizar” laboratórios, mas sim desenvol-
ensino-aprendizagem de normas de proteção ver com os estudantes a prática de projetos
individual, coletiva e ambiental. Por serem de pesquisa que insiram a biossegurança
centros formadores nas mais diversas profis- como componente da formação acadêmica.
sões, a promoção da saúde ocupacional de- A observação da realidade concreta dos la-
veria ser parte integrante do cotidiano das boratórios através da prática de projetos ge-
situações de ensino, especialmente nas aulas rou entre os alunos a necessidade de adqui-
rir conhecimento para criar instrumentos de
práticas.
diagnóstico e ação, promovendo uma postu-
Uma rápida visita aos laboratórios univer-
ra mais crítica em relação as suas próprias
sitários brasileiros revela que a maioria não
atitudes como futuros pesquisadores. Para que
respeita integralmente as normas de biosse-
a questão da biossegurança seja abordada
gurança. Felizmente, observa-se que tal situ-
de forma integrada, é fundamental que seus
ação tem melhorado significativamente nos princípios sejam incorporados à prática de
últimos anos, estimulada por organizações laboratório, desde o início da vida acadêmi-
como a Associação Nacional de Biosse- ca do estudante.
gurança (ANBio). No âmbito da Universida-
de Federal de Pernambuco, destaca-se o cur- Agradecimentos
so anual de capacitação de agentes de
biossegurança promovido pelo Departamen- Os autores agradecem às doutoras Cristina
to de Antibióticos do Centro de Ciências Bi- Souza Motta, Elza Luna Lima, Leonor Costa
ológicas, que, com apoio do Ministério da Maia, Neiva Tinti Oliveira, Oliane Magalhães
Ciência e Tecnologia/CNPq, vem formando e Severina Torres Barros pelo conhecimento
agentes multiplicadores entre estudantes, pro- socializado durante a pesquisa e aos profes-
fessores, pesquisadores e representantes de sores Sidney Bastos, Oliane Magalhães e
organizações públicas, particulares e não- Glícia Calazans, todos da Universidade Fe-
governamentais. Com a expansão das linhas deral de Pernambuco, pela leitura crítica do
de pesquisa biológica, incluindo a provável manuscrito. Sinceros agradecimentos à Tatiana
utilização em maior escala de organismos Cristina Azevedo Freitas e Ng Haig They pela
geneticamente modificados e a busca por valiosa participação na coleta de dados.

Referências Bibliográficas

COLLINS, C. H. Laboratory-acquired CTNBio – Comissão Técnica Nacional de


infections. London: Butteworth & Co. Biossegurança. Instrução Normativa
Ltd., 1983, 456 p. Nº 7, publicada no Diário Oficial da União
de 09/06/1997, pp. 11827-11833.
CONSIGLIERI, V. O.; & HANATA, R. D. C.
Biossegurança em laboratórios de ensino FIOCRUZ. Procedimentos para a ma-
e da área de Saúde. In. HIRATA, M. H.; & nipulação de microorganismos
MANCINI FILHO, J. Manual de patogênicos e/ou recombinantes
Biossegurança, São Paulo: Manole, na FIOCRUZ. Rio de Janeiro: Editora da
2002, pp. 47-55. Fiocruz, 1998, 166 p.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004 39

capitulo biossegurança.p65 39 24/08/05, 13:46


HIRATA, M. H.; O laboratório de ensino e McGINNIS, M. R. Laboratory Handbook
pesquisa e seus riscos. In: HIRATA, M. H.; of Medical Mycology. New York:
& MANCINI FILHO, J. Manual de Academic Press, 1980, 498 p.
Biossegurança. São Paulo: Manole,
TEIXEIRA, P.; & VALLE, S. Biossegurança:
2002, pp. 1-19.
uma abordagem multidisciplinar.
HIRATA, M. H.; & MANCINI FILHO, J. Ma- Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 1996,
nual de Biossegurança. São Paulo: 362 p.
Manole, 2002, 423 p. TEIXEIRA, P.; & VALLE, S. Riscos Biológicos
em Laboratório. In: VALLE, S.; & TELLES,
KOBAIASHI, G. S.; & MEDOFF, G. Introdução
J. L. (orgs.) Bioética e Biorrisco. Rio de
aos fungos e as micoses. In: SHAECHTER,
Janeiro: Interciência, 2003, pp. 205-215.
M; ENGLEBERG, N. C.; & EISENGLEIN,
B. I. (eds.) Microbiologia: mecanis- TORRES-RODRIGUEZ, J. M. Nuevos hongos
mos de doenças infecciosas. 3 ed. patógenos oportunistas emergentes. Re-
São Paulo: Guanabara Koogan, 2002, pp. vista Iberoamericana de Mico-
373-379 logia, 12: 30-45, 1996.

40 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

capitulo biossegurança.p65 40 24/08/05, 13:46


A Cadeirologia e o Mito da
Postura Correta

Ada Ávila Assunção1


The Mith of Correct Posture

1
Professora do Departamento de
O artigo contesta a abordagem tradicional sobre as posturas adotadas pelos trabalhadores
Medicina Preventiva e Social da
Faculdade de Medicina da Universi- durante a realização de suas tarefas, a qual procura identificar e prescrever a postura
dade Federal de Minas Gerais. correta sem considerar a ação humana durante o cumprimento dos objetivos da produção.
Mestre e Doutora em Ergonomia pelo
Descrevendo os resultados de um estudo ergonômico realizado no setor de caixas de um
Laboratório de Ergonomia Fisiológica
e Cognitiva da École Pratique des hipermercado, apontam-se os limites da análise que desconsidera a dinâmica do arranjo das
Hautes Études (Paris – França) partes do corpo em situação real de trabalho. Ao final, são apresentadas as vantagens e as
desvantagens das posturas sentada e em pé.

Palavras-chave: saúde do trabalhador, ergonomia, postura, em pé, sentado.

This study confronts the traditional approach to postures adopted by workers during the
performance of their tasks, which attempts to identify and prescribe the correct posture
without considering human action during the fulfillment of production aims. Describing the
results of an ergonomic study of supermarket cashiers, the author illustrates the limitations
of an analysis that ignores the dynamics of the arrangement of the parts of the body in real
work situations. In the end, the advantages and disadvantages of seated and standing
postures are given.

Keywords: worker health, ergonomics, posture, standing, seated.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 41

capitulo a cadeirologia.p65 41 24/08/05, 13:45


Introdução pal por onde as mercadorias são traslada-
das, como se verá mais adiante.
Freqüentemente, os estudos dos postos de
Para tratar uma demanda, o trabalhador
trabalho recomendam uma cadeira e uma
mobiliza as informações sobre as caracterís-
estratégia de formação que visam conscien-
ticas do serviço solicitado que estão estoca-
tizar o trabalhador a respeito da postura mais
das em sua memória, avalia o humor do cli-
correta a ser adotada. Os achados de litera-
ente, prepara uma estratégia para abordá-
tura e as situações analisadas nos estudos
lo, adota uma certa postura, ou seja, arran-
citados ao longo deste artigo permitem criti-
ja os seus segmentos corporais no contexto
car o referido modelo de intervenção, que
de um dado ambiente térmico, sonoro e lu-
prescreve cadeiras e posturas corretas como minoso. Uma abordagem reduzida da situa-
única alternativa de solução para os proble- ção do trabalho contentar-se-ia em avaliar
mas identificados. as dimensões antropométricas, desconsi-
Será apresentado um modelo de análise derando o uso que o funcionário faz do seu
que tenta compreender as razões que levam mobiliário.
os trabalhadores a adotar posturas estereoti- Laville (1968) mostrou que na indústria
padas mesmo conhecendo as necessidades microeletrônica a rigidez das posturas aumen-
de seu corpo ou conscientes dos efeitos do ta com as dificuldades surgidas ao longo do
comportamento postural adotado. desenvolvimento da atividade, bem como são
A abordagem da cadeira, aqui denomina- associadas à velocidade imposta pela estei-
da cadeirologia, reduz o conceito de postu- ra. Na situação estudada pelo autor, a ne-
ra ao desconsiderar a dinâmica do aparelho cessidade de tratar sinais durante a realiza-
músculo-esquelético e ao desprezar as ou- ção das tarefas conduz à seguinte postura: o
tras funções do organismo implicadas na fi- tronco aproxima-se da bancada para permi-
siologia postural, como a função visual, a tir uma boa distância olho-objeto, cujo foco
mecânica circulatória, a posição dos órgãos visual depende da imobilização cervical, ex-
internos, o sistema neurológico. plicando, assim, a hipercontração dos mús-
Sustentando-se em um modelo reducionista culos da região. São exemplos que ilustram
de ser humano, ou seja, o homem-máquina, a importância em se considerar o conjunto
a cadeirologia elabora recomendações para das exigências da tarefa e não apenas a con-
concepção do mobiliário incompatíveis com tração muscular, como se ela fosse um resul-
as possibilidades do corpo humano. A incom- tado direto do comportamento estressado do
patibilidade gera conflitos entre os aparatos trabalhador, independentemente da flutuação
oferecidos pelo mobiliário e a utilização real dos fatores de produção em um ambiente
que o trabalhador faz deles. Não é incomum organizacional rígido.
verificar os funcionários de um banco, por O estudo de Assunção & Lima (2000) em
exemplo, dispensarem a oferta de conforto uma fábrica de jóias ilustra o caráter multi-
de um certo aparato do posto de trabalho, fatorial da determinação da postura. Além
finamente detalhado, mas que não possui de repetitivas, as tarefas realizadas solicitam
qualquer serventia prática. É emblemático o habilidade e destreza manual, movimentos
caso de um bancário que não utiliza o en- firmes e precisos. Para além da repetição, a
costo para o dorso para evitar o distan- precisão dos movimentos realizados na re-
ciamento do guichê e, assim, manter a vigi- gião distal dos membros superiores impõe
lância ao seu entorno e à gaveta que com- uma carga estática à musculatura da região
porta o numerário. Afinal, o risco de assalto proximal e solicita, assim, o conjunto do apa-
é um dos principais problemas vivenciados relho músculo-esquelético dos membros su-
nas agências bancárias. periores. Nota-se a exigência de responsabi-
Sob a mesma lógica, o funcionário de uma lidade e atenção no desenrolar das ativida-
grande cadeia de hipermercado não conse- des de trabalho, o que conduz a um aumen-
gue utilizar o assento em seu exíguo espaço to da contração muscular estática, a qual,
de trabalho. A gerência opta por retirar os por sua vez, pode contribuir para a sobre-
assentos e a trabalhadora não discorda, pois carga muscular global. Ou seja, os resulta-
não poderia assentar-se e, ao mesmo tempo, dos obtidos mostram que o trabalho, apesar
manipular o teclado colocado em uma su- de repetitivo, não é essencialmente manual.
perfície acima do plano de trabalho princi- Ele também exige concentração, atenção e

42 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 42 24/08/05, 13:45


responsabilidade, e todas essas exigências A voz do ser humano não é um microfone,
estão certamente determinando as posturas, os seus ouvidos não são amplificadores, os
principalmente as estáticas. seus olhos não são holofotes, as suas articu-
Além disso, as tarefas são realizadas sob lações não são polias, (Laville, 1977). O tra-
pressão temporal e os erros são temidos, pois balhador muda de postura para solicitar a
acarretam desperdícios de matéria-prima. A musculatura que estava em repouso, selecio-
pressão temporal e o medo de errar podem na as imagens que são importantes para de-
aumentar a atividade muscular (Bongers et cidir, privilegia os ruídos indicadores do fun-
al., 2002). cionamento da máquina... O ser humano não
Os resultados acima e a análise da situa- pode ser comparado a uma máquina. A
ção do caixa de hipermercado, que será apre- máquina não tem uma idéia do mundo que a
sentada neste artigo, reforçam os pressupos- rodeia. O ser humano tem uma idéia e modi-
tos da Ergonomia sobre a multideterminação fica esta idéia à medida que o mundo se trans-
da postura adotada e o caráter global dos forma pela sua ação. Não seria esta carac-
gestos humanos. Os dois pressupostos são terística a força do processo civilizatório hu-
apresentados a seguir. mano?
Os conhecimentos sobre as características
Qual modelo de ser hu- psicofisiológicas do ser humano em situação
real de trabalho permitem afirmar que existe
mano orienta as análises uma importante variabilidade inter e intra-
da Ergonomia? individual e que em toda atividade profissio-
nal existe uma atividade mental. Além disso,
Quando se pretende estudar os aspectos a regulação individual e coletiva exerce um
humanos e técnicos ligados à realização do papel importante na realização da produção.
trabalho, a Ergonomia propõe-se a avaliar No setor da alimentação coletiva, uma dis-
as competências para realizar a tarefa e a tribuição informal dos trabalhadores nos
sua variabilidade. As pesquisas mostram que, postos do restaurante visa estabelecer um
conhecendo as exigências do trabalho, os “compromisso” entre os objetivos da produ-
traços da atividade do operador poderão ser ção, as exigências das tarefas com forte
estudados e certos elementos da situação componente físico e as deficiências mús-
poderão ser rearranjados para se obter o culo-esqueléticas de um grupo de cozinhei-
conforto para um trabalhador em particular. ras. A margem de liberdade existente permi-
A atividade visual, por exemplo, varia em te que os objetivos da produção sejam atingi-
função da claridade e da curva de adapta- dos e que os indivíduos que estejam sofrendo
ção do olho ao escuro. Tais características de dores e da diminuição da força muscular
não são absolutamente idênticas em todos os possam continuar trabalhando (Assunção,
indivíduos. As diferenças podem ter origens 1998; 2003).
diversas: constitucionais, culturais, de forma- As regras e as normas de produção coe-
ção etc. Entretanto, os indivíduos contornam rentes com os objetivos de rentabilidade eco-
as dificuldades. Os daltônicos, por exemplo, nômica assentam-se numa noção artificial de
às vezes, descobrem tarde que portam defi- um trabalhador jovem, do sexo masculino,
ciência, pois orientam-se menos pelas cores em boa saúde, com os receptores sensoriais
do que pelos traços das luzes, ou seja, eles intactos e resistentes aos riscos presentes,
mobilizam as outras habilidades que atenuam imutáveis ao longo do tempo e opacos às
os efeitos das deficiências. agressões presentes nos ambientes nocivos
A Ergonomia leva em conta a ação do in- (Wisner & Marcelin, 1971). Nem sempre as
divíduo mobilizada pela inteligência e pela normas de produção consideram o saber-
experiência, descartando o modelo mecâni- fazer construído ao longo do tempo em que
co do ser humano em situação de trabalho. o trabalhador depara-se com as situações
Para a Ergonomia, o funcionamento do ho- reais de trabalho. Desconsiderando a varia-
mem em situação de trabalho não pode ser bilidade humana, tais normas são incoeren-
comparado a um modelo mecânico do tipo tes e desumanizam o trabalho (Lima, 2001).
transformação de energia ou a um modelo Quando os projetistas das situações de tra-
informatizado de tratamento de dados. balho tentam reduzir o papel do trabalha-

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 43

capitulo a cadeirologia.p65 43 24/08/05, 13:45


dor, considerando-o análogo aos sistemas téc- conduz à hipótese de que as exigências
nicos, quando eles uniformizam as exigências biomecânicas provocam reações severas no
de trabalho, normatizam os procedimentos, organismo e, assim, de maneira geral, elas
estabelecem regras rígidas de tempo, não são superiores às capacidades funcionais in-
podem prever o conflito provável, explícito ou dividuais.
não, entre as características dos trabalhado- As pressões exercidas sobre os tecidos mo-
res e o sistema de produção (Abrahão, 2000). les podem provocar reações dos tecidos en-
No plano cognitivo, a Psicologia traz co- volvidos. Geralmente, e de maneira bem re-
nhecimentos sobre certos mecanismos de fun- sumida, as reações são: a) mecânicas e fisio-
cionamento do indivíduo; por exemplo, como lógicas – variações do comprimento, do vo-
ele leva em conta as novas informações para lume, rupturas; b) fisiopatológicas – mudan-
modificar as suas representações mentais, ça na concentração iônica das células dos
quais são as propriedades dessas represen- músculos, evolução das características do
tações, como elas se constituem (Wisner, potencial de ação do músculo, insuficiência
1987). Em relação ao conteúdo cognitivo crônica do líquido sinovial, rupturas das fi-
da tarefa, o principal aspecto a ser conside- bras de colágeno do tecido do tendão, hiper-
rado é a tomada de decisões. No entanto, é
trofia do epineuro, perturbando o potencial
conveniente abordar as dificuldades em per-
de ação nas fibras nervosas, com conseqüen-
ceber os sinais quando o trabalhador está
tes alterações motoras e sensitivas (Assunção,
cansado ou em situações de desconforto lu-
s/d).
minoso ou térmico que perturbam a identifi-
Os conhecimentos da disciplina citada são
cação e o reconhecimento da informação.
úteis e indispensáveis para abordar as postu-
O sofrimento de fadiga psíquica pode es-
ras no trabalho e orientar a concepção dos
tar presente nos casos em que, por exemplo,
a falta de sono provocada pelos horários postos, mas são insuficientes. Algumas análi-
extremos do trabalho gera uma sobrecarga ses focalizadas na Biomecânica desconsideram
e pode explicar as alterações de humor ou o caráter dinâmico do corpo e deixam mar-
deixar o indivíduo mais susceptível (estando gens para construir o mito da postura correta.
mais cansado) aos riscos biomecânicos exis- O esqueleto humano pode ser comparado
tentes no ambiente de trabalho. a um conjunto de três peças empilhadas umas
Assim, de que adiantaria a implantação sobre as outras: a cabeça, o tórax e a bacia.
de uma cadeira de dimensões adequadas se As formas e as dimensões das peças são di-
a tensão provocada pelos desajustes da ferentes entre si. Mesmo assim, elas conse-
organização do ambiente de trabalho pro- guem se manter empilhadas na posição verti-
voca hipercontração da musculatura dorsal cal graças a um minucioso e intenso trabalho
e cervical? do conjunto do corpo.
A Biomecânica é a disciplina que estuda as Para se obter um arranjo estável das três
forças estáticas e dinâmicas que agem sobre peças, é necessário colocar o centro de gra-
o corpo e que pode contribuir fortemente para vidade de uma peça sobre o centro de gravi-
a concepção dos espaços de trabalho. No dade de sua vizinha de baixo, o que solicita
entanto, articular à avaliação biomecânica a um perfeito alinhamento vertical dos centros
análise das outras dimensões humanas já ci- de gravidade para evitar uma tensão sobre o
tadas pode contribuir para evitar uma abor- invólucro do conjunto, que é formado pelos
dagem reduzida do trabalhador, a qual expli- tecidos moles que compõem o aparelho mús-
ca, em muitos casos, entre outros fatores, o culo-esquelético.
insucesso do mobiliário implantado. O alinhamento é obtido por meio de meca-
nismos finos, pois, como lembra Bienfait
Qual Biomecânica? A di- (1993), “cada gesto é feito de um conjunto
de ações que se complementam para atingir
nâmica do corpo e o mito o objetivo final”. Uma tensão inicial provoca
da postura correta uma sucessão de tensões isoladas. Todos os
gestos humanos são globais e recrutam, nos
O aumento de Lesões por Esforços dizeres do autor, o conjunto do sistema
Repetitivos no mundo todo (EASHW, 2000) locomotor.

44 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 44 24/08/05, 13:45


De maneira bastante didática, Bienfait ou deformidade progressiva, independente-
explicita as duas grandes funções do sistema mente da atitude (ereta, deitada, agachada,
locomotor: a deambulação e a preensão. A encurvada) nas quais essas estruturas estão
primeira é uma função ascendente que parte trabalhando ou repousando (Kendall, 1995).
da cintura pélvica e dos membros inferiores; A postura saudável seria o estado de equi-
a segunda é uma função descendente que líbrio muscular e esquelético no qual os mús-
parte da cintura escapular e dos membros culos funcionam mais eficientemente e posi-
superiores. Os conhecimentos da fisioterapia ções ideais são proporcionadas para aco-
são ainda mais elucidativos e podem contri- modar os órgãos torácicos e abdominais.
buir para o entendimento do ser humano em A postura estereotipada é uma relação
situação de trabalho quando afirmam que, defeituosa entre as várias partes do corpo.
em cada função, os movimentos das duas cin- Por exemplo, os punhos hiperfletidos ou
turas são ligados por dois sistemas cruzados. hiperextendidos podem levar à compres-
Ou seja, na deambulação, a cintura esca- são dos nervos periféricos aí localizados
pular equilibra a cintura pélvica, que projeta (Claudon, 1995). Das definições propostas,
o membro inferior. Na preensão, ocorre o denota-se que, certamente, determinadas
inverso, pois a cintura pélvica serve de ponto posturas devem ser evitadas pelo risco que
de apoio para os movimentos do tronco e da elas podem trazer para o equilíbrio do corpo.
cintura escapular, que dirigem o membro Porém, os conhecimentos mencionados não
superior. autorizam a culpar o trabalhador que, em
A noção de dois sistemas cruzados que se tese, assumiria a postura estereotipada por
equilibram entre si esclarece sobre o caráter não ter consciência da postura saudável.
dinâmico do gestual humano, que, por sua Os efeitos são estudados pelos estudos
vez, fragiliza os argumentos que sustentam a epidemiológicos que nos últimos vinte anos
prescrição de uma postura ideal supostamente buscaram identificar os fatores de riscos para
fixa no tempo e no espaço. Ora, mórbido o adoecimento músculo-esquelético em po-
seria o corpo congelado. Então, como pres- pulações de trabalhadores. Alguns resulta-
crever a postura correta? dos são elucidativos.
Em estudo de laboratório, Hagberg (1981)
Qual é a melhor postura? provocou tendinite aguda em mulheres que
realizavam elevações repetidas dos ombros
Postura é o arranjo relativo das partes do durante uma hora de observação. Outros
corpo. A postura é o principal elemento da autores sugerem que as associações entre
atividade do ser humano, ou seja, não se tra- tendinite e trabalho com os braços elevados
ta apenas de manter-se em pé ou sentado, podem ser relacionadas com a repetitividade
mas de “agir” dando um suporte à tomada das extremidades dos membros superiores
de informações e à ação motora no meio de enquanto os ombros e os braços permane-
trabalho. Vista dessa forma, a postura é um cem sob força muscular estática a fim de
meio para localizar as informações exterio- garantir a estabilidade dos membros supe-
res e preparar os segmentos corporais e os riores suspensos e sem apoio (Winkel &
músculos a fim de agir no ambiente. Trata- Westgaard, 1992).
se, assim, de organizar o espaço em referên- Entre trabalhadores de uma linha de mon-
cia ao seu corpo para localizar-se, deslocar- tagem expostos a elevações repetitivas dos
se e agir numa perspectiva dinâmica. braços e obrigados a sustentá-los durante
A postura é um meio de expressão e comu- longos períodos da jornada de trabalho, foi
nicação, é um sinal da condição sociocultural comum a descoberta de dor à palpação do
do indivíduo e, assim, meio de expressão da músculo trapézio entre aqueles que se quei-
condição no grupo. Se não, como explicar xavam de dores nos ombros. Em outro estu-
os braços cerrados e presos para trás dos do transversal, as mulheres que executavam
trabalhadores humildes que, por vezes, abai- flexões repetitivas dos ombros apresentaram
xam as suas cabeças para ouvir a sua hie- dor e sensibilidade temporária à palpação
rarquia? Por fim, e não menos importante, do ombro. Nesse estudo, a exposição con-
uma das funções da postura é proteger as sistia em flexões repetitivas dos ombros num
estruturas de suporte do corpo contra lesão ângulo que variava de 0 a 90 graus e a

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 45

capitulo a cadeirologia.p65 45 24/08/05, 13:45


uma cadência de 15 flexões por minuto (Bjelle, Realizaram-se entrevistas abertas, registros
1981). das verbalizações espontâneas dos trabalhado-
Os resultados de uma pesquisa evidenciam res durante as observações, levantamento das
que os estudantes avaliados contraíram uma opiniões dos usuários, estudo do volume da
tendinite temporária quando submetidos a produção, observações abertas e observa-
flexões repetidas dos ombros. Pode-se lem- ções sistemáticas com a ajuda de cronôme-
brar também da exposição dos fatores de tro e câmera de vídeo. Durante as observa-
hipersolicitação das estruturas músculo-es- ções diretas, foram realizadas entrevistas
queléticas em casos de atividades esportivas. simultâneas, tendo como objetivo esclarecer
Os nadadores de competição que executam pontos específicos.
movimentos repetitivos dos braços acima da As observações do trabalho tiveram o ob-
cabeça apresentam a síndrome dolorosa do jetivo de analisar as diferentes zonas de tra-
ombro. Dez por cento dos lançadores já apre- balho das recepcionistas, tais como: leitora
sentaram um episódio de tendinite. Numa pes- ótica, teclado, impressora de cheques e de
quisa que entrevistou 2496 nadadores, 15% tickets de cartão de crédito, caixa anti-rou-
declarou apresentar uma incapacidade im- bo, gaveta para o numerário, retira-metais,
portante do ombro como conseqüência de armazenamento de sacos para embalagem
uma síndrome dolorosa. etc. Estudou-se a utilização do espaço de tra-
Enfim, a postura é responsável pela manu- balho disponível. Procedeu-se a uma análise
tenção dos segmentos corporais no espaço, dos gestos efetuados e das posturas adotadas,
fundamental para se lutar contra a gravida- contextualizando-os. Avaliaram-se as habili-
de e depende das características biome- dades mobilizadas durante o relacionamen-
cânicas do corpo humano, das informações to com o público e, finalmente, as estratégias
internas e extereoceptivas (musculares, arti- para cumprimento dos objetivos globais do
culares, labirínticas, visuais, auditivas), das trabalho.
estruturas nervosas de integração e de co- Foram escolhidos dias diferentes para as
mando dos músculos antigravidade e das ati- filmagens, respeitando-se, ao máximo possí-
vidades desses músculos. vel, as variações de fluxo de clientes no
A análise da postura adotada no trabalho hipermercado. Dessa forma, foram filmadas
implica identificar os seus determinantes, várias situações. Importante é lembrar a re-
como afirma Lima (2000): “a postura assu- cusa, aceita de pronto pelos pesquisadores,
mida por um trabalhador nunca é somente o de algumas recepcionistas em serem filma-
resultado de idiossincrasias pessoais, mas é das sob a alegação de um certo nervosismo
determinada pela inter-relação complexa dos em tais situações.
múltiplos fatores constituintes da situação de Neste artigo, serão apresentados os resul-
trabalho”. Para tal, recomenda-se avaliar o tados de 45 minutos de observação regis-
espaço onde o corpo está agindo, os equipa- trados pela filmadora, entre 19h e 19h45,
mentos, os instrumentos e os objetos manipu- num dia considerado de grande movimento
lados, a variabilidade do estado do trabalha- (sexta-feira), e os resultados das observações
dor: ele está cansado, mais velho, é novato, realizadas durante o atendimento de dois
ela está grávida? Esses aspectos não são abor- clientes por uma segunda recepcionista, num
dados pela cadeirologia. horário de menor movimento (12h30 a
13h30 de um sábado).
Métodos e procedimentos As entrevistas foram realizadas nos mo-
mentos de ausência de clientes, principalmente
no início da manhã. No entanto, durante as
A partir da demanda inicial que colocou o
observações diretas, foram realizadas entre-
problema da melhor postura de trabalho —
vistas simultâneas para esclarecimento de
em pé ou sentado —, os resultados das aná-
pontos específicos levantados durante as ob-
lises realizadas serviram de base para escla-
servações.
recer e propor as medidas de melhoria dos
Foram criadas as seguintes variáveis para
postos de caixa em um hipermercado. Alguns
a observação direta: escanear, escanear e
aspectos foram aprofundados com o objetivo
multiplicar, digitar o código da etiqueta, acio-
de melhor compreender o contexto em que se
nar e limpar a esteira, preparar o saco plás-
insere o trabalho, ou seja, a tecnologia e a
tico e entregá-lo ao cliente, ensacar. As va-
organização.

46 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 46 24/08/05, 13:45


riáveis correspondem às operações da fase muito intensa leva o trabalhador a adotar uma
de tratamento do artigo. Na outra fase do postura mais adaptada ao esforço que é
trabalho da recepcionista no atendimento a prioritário na ação e, assim, o conforto
cada cliente, fase comercial, as variáveis postural previsto pode ser alterado para se
observadas foram: verificar documentos do atingir os objetivos da ação. As torções e as
cliente, imprimir cheque e recibo, entregar flexões do corpo são influenciadas pela in-
os documentos ao cliente. compatibilidade entre as dimensões dos ele-
O programa Kronos ajudou no tratamento mentos do trabalho e as dimensões do traba-
dos dados. Assim, as operações foram deco- lhador.
dificadas em um protocolo de observação que Observou-se, por exemplo, uma recepcio-
objetivou também identificar os períodos de nista registrar as mercadorias na posição
posturas em pé e sentada em relação com as sentada, mas apoiando os quadris sobre os
operações realizadas. O programa Kronos, bordos da cadeira, sem poder apoiar o dor-
que foi alimentado com dados extraídos da so, já que teria de alcançar o teclado.
crônica da atividade após a escolha das va- No entanto, em algumas situações em que
riáveis citadas de acordo com as hipóteses o ciclo fundamental se modifica, a postura o
elaboradas durante as observações abertas, acompanha. São momentos caracterizados
possibilitou reconstituir a organização tem- pelo tipo de mercadoria a ser registrado ou
poral da atividade e apresentá-la em forma então pelo momento da evolução da esteira.
de gráficos. Esse tratamento de dados permi- Desta forma, na maioria das situações, a
te, igualmente, colocar em evidência a se- postura é o resultado das exigências visuais
qüência das operações, bem como a sua e cognitivas, bem como do mobiliário. Por
variabilidade. exemplo: se o plano de trabalho é mais largo
Por meio da análise das filmagens, foi rea- do que o comprimento do tronco, como é o
lizado um estudo detalhado dos gestos e caso da esteira por onde os produtos são
movimentos adotados pelos trabalhadores, registrados, e se o trabalhador procura, de
relacionando-os com as operações anterior- acordo com os objetivos preestabelecidos,
mente avaliadas. vigiar o carrinho de compras do cliente, ele
se colocará nas pontas dos pés, curvando o
Resultados: o caso da tronco sobre a esteira para garantir a
visualização do conteúdo do carrinho.
caixa de hipermercado
As mercadorias registradas têm forma e
peso diferentes. Manipulá-las implica solici-
A análise das operações e dos movimentos
tar diferentes grupos musculares. Observou-
que as acompanham colocam em evidência
se, por exemplo, que a recepcionista sempre
o caráter repetitivo da tarefa, pois a traba-
se levanta, se estiver sentada, quando ela vai
lhadora executa a mesma operação, adotan-
registrar uma mercadoria pesada. De ma-
do a mesma postura. Porém, ela varia 25%
neira geral, os artigos registrados serão de-
no caso da recepcionista 1 e 3% para a re-
positados na segunda esteira, aguardando o
cepcionista 2, de acordo com a quantidade
ensacamento. Observam-se estratégias para
de produtos semelhantes a serem digitados,
ensacar em seguida ao registro, nos casos
com o volume e o peso, e com o desenrolar
de artigos pesados — caixa de cervejas em
da jornada de trabalho.
lata, pacote de cinco quilos de arroz —, já
A amplitude dos movimentos da recepcio-
que o produto é erguido para ser passado
nista varia de acordo com o tamanho, o peso
sobre a leitora, aproveitando-se para ganhar
e a posição do produto sobre a esteira: pega
o artigo com a mão esquerda, transfere o tempo ensacando-o imediatamente.
artigo de mão, passa o artigo com a mão Alguns artigos como roupas, revistas, CDs,
direita na leitora, com a mão esquerda vai ovos, por exemplo, também são ensacados
pegar outro artigo, enquanto a mão direita imediatamente após o registro. Na maioria
deposita o artigo registrado na esteira dois. das vezes, a recepcionista preocupa-se em
De acordo com o sentido ou a direção do fazer uma triagem dos produtos a serem
esforço — empurrar ou puxar a mercado- ensacados. Outra estratégia é ajuntar arti-
ria, por exemplo — e com a sua freqüência, gos gelados ou congelados para acelerar e
a exigência física varia muito. Uma carga garantir as boas condições de transporte.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 47

capitulo a cadeirologia.p65 47 24/08/05, 13:45


A recepcionista controla o número de sa- lido, não é suficiente para a certeza de que o
cos de embalagem fornecidos, retirando e produto foi registrado. É imperativo contro-
fornecendo paulatinamente ao cliente. A dis- lar se aparece, a quantidade de vezes em
tribuição dos sacos plásticos é custosa do que aparece e se não há erro entre o valor
ponto de vista postural, obrigando a flexão impresso e o valor real. Pode-se afirmar que
anterior do tronco. Nem sempre os sacos são o trabalho de caixa de hipermercado não é
facilmente manipuláveis: acontece de não um trabalho manual. Ao contrário, existe uma
estarem perfeitamente perfurados ou de es- forte solicitação das funções mentais.
tarem colocados um no outro. O teclado é situado acima do scanner, lo-
O ensacamento do produto multiplica o calização que implica a adoção de uma pos-
número de fontes de informações a serem tura de flexão do tronco para frente para
consideradas pela recepcionista. Assim, ela permitir o seu alcance. Nem sempre a dis-
deverá olhar o carrinho que está sendo es- tância de 53 cm fica na zona de alcance da
vaziado e os pacotes que estão sendo depo- recepcionista, dificultando ou mesmo impos-
sitados sobre a esteira e, ainda, a evacuação sibilitando a adoção da postura sentada, de-
dos produtos registrados para evitar aglome- pendendo das dimensões dos segmentos cor-
ração. porais superiores da recepcionista. As Figu-
Nota-se que é freqüente a manipulação do ras 1 e 2 mostram que a recepcionista as-
teclado, pois nem sempre existem as etique- senta-se na fase de relação comercial (verifi-
tas, ou pode acontecer de estarem ilegíveis. ca documento, imprime recibo, entrega do-
A localização do teclado obriga o trabalho cumento), quando não está escaneando, pois
do membro superior direito em extensão sem nesse momento não precisa ver o visor nem
apoio possível do cotovelo. tocar o teclado ou solicitar a musculatura do
As recepcionistas adotam a estratégia de dorso para ajudar no levantamento do peso.
ler atentamente o valor que aparece na tela Contudo, ocorre de a recepcionista não se
do scanner. Elas dizem, a este propósito, que assentar nem na fase comercial, como ilus-
o erro tem que ser controlado e que o sinal tra a Figura 3. Que outros fatores estariam
sonoro, emitido a cada vez que o artigo é determinando a postura em pé ou sentada?

Figura 1 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)


pela recepcionista 1, observada durante 45 minutos.

Período considerado de muito movimento.

sentado

48 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 48 24/08/05, 13:45


Figura 2 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)
pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 1.

Período considerado de pouco movimento.

Figura 3 Seqüência das operações realizadas e postura adotada (sentada ou em pé)


pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 2.

Período considerado de pouco movimento.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 49

capitulo a cadeirologia.p65 49 24/08/05, 13:45


A recepcionista é obrigada a contar as uni- dos materiais e do espaço de trabalho. Al-
dades para, em seguida, registrar (digitando guns desses fatores interagem entre si, deter-
ou escaneando, se o produto permitir) e, na minando imprevistos que serão regulados
seqüência, digitar a cifra correspondente ao pelos funcionários. Os esforços físicos a se-
número de produtos desejados pelo cliente. rem exercidos compreendem tanto os esfor-
O modo operatório depende da qualidade ços que contribuem para a transformação
da etiqueta, já que alguns produtos acondi- do produto — ação sobre os instrumentos,
cionados em caixa de papelão não são lidos sobre os artigos, sobre os elementos a serem
imediatamente, talvez pela qualidade do pa- sustentados pelo corpo — quanto os esfor-
pel. O mesmo acontece com revistas ou ca- ços decorrentes das posturas adotadas.
dernos. Nesses casos, a recepcionista gira o Há conflitos: cliente que duvida da soma,
produto várias vezes, tentando fazer a boa cliente que reclama do produto que passou e
apresentação da etiqueta para a leitora. Os que ele diz não ter colocado no carrinho,
produtos frios apresentam, muitas vezes, cliente que não aceita o engano cometido
umidificação das etiquetas, o que impossibi- pelos outros setores ao etiquetar ou pesar o
lita a leitura ótica, obrigando a recepcionista produto, cliente que não aceita a negativa
a digitar o código. do cartão do crédito... Essas são situações
A dimensão da esteira pode induzir as ati- que geram um clima tenso e as recepcionis-
tudes do cliente, levando este a entregar o tas, na medida do possível, tentam admi-
produto diretamente à recepcionista ou en- nistrá-lo ou então chamam o coordenador
tão a empilhar vários produtos na tentativa de caixa.
de esvaziar o seu carrinho com a esperança de Pode ocorrer de o coordenador levar a
terminar logo. Isso pode trazer perturbações, mercadoria até as prateleiras para verificar
como o fato de o produto cair ou então de a o verdadeiro preço, pois acontece de as etique-
recepcionista ser obrigada a ser mais atenta tas terem um valor diferente do apontado pela
para evitar que um produto seja dissimulado leitora ótica e visualizado no monitor pelo clien-
entre os outros. te.
A terceira esteira, situada no plano inferior A operadora movimenta constantemente a
às outras duas, nem sempre é utilizada. Ocor- cabeça, dirigindo o olhar para diversos pon-
re freqüentemente uma aglomeração de pro- tos, tentando selecionar as informações im-
dutos, levando a recepcionista a interromper portantes que vão orientar a sua ação. As-
o registro para ajudar ou esperar o cliente a sim, para ela, é importante avaliar a situa-
esvaziar a segunda esteira. Essas atitudes são ção do carrinho, verificar se ainda há espa-
acompanhadas de uma extrema atenção ço na esteira, estar atenta às semelhanças e
para seguir o fluxo do cliente que deposita e às diferenças entre os produtos aparentemen-
do acompanhante que ensaca. No caso de o te idênticos, observar em detalhes as proprie-
cliente não estar acompanhado, a recepcio- dades das mercadorias e o comportamento
nista observa o estado da segunda esteira e do cliente.
pode ser levada a interromper o registro para Desse modo, percebe-se que o trabalho das
proceder ao ensacamento. recepcionistas, apesar da existência de pe-
quenos ciclos que se repetem, no caso do re-
Em momentos de menor fluxo de clientes,
gistro de artigos pelas características descri-
as recepcionistas, quase de maneira sistemá-
tas, requer uma intensa atividade mental (As-
tica, embalam os produtos, cumprindo, as-
sunção & Souza, 1999; Assunção, 2002).
sim, a meta de bem servir o cliente. Entretan-
to, em períodos mais acelerados, esta con-
duta é limitada. Discussão
As recepcionistas possuem estratégias de
ajuntar produtos semelhantes, sendo que Os conhecimentos sobre a postura senta-
nestes casos passa apenas o primeiro sobre do-em pé são extraídos da fisiologia e da
a leitora, registra o número de vezes para, a biomecânica. Estar de pé significa que todo
seguir, comandar a operação de multiplicar. o peso do corpo é suportado pelo pé e que
A atividade real do trabalho das recepcio- as pessoas vão trabalhar contra a lei da gra-
nistas sofre influências da política comercial, vidade. Vários músculos do dorso e das per-
das características dos clientes, do ambiente, nas são solicitados para manter a postura

50 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 50 24/08/05, 13:45


em pé. O sistema cardiovascular trabalha No caso das recepcionistas do checkout,
igualmente contra a gravidade para fazer o deve-se sublinhar que a solicitação muscular
sangue retornar dos membros inferiores em é importante, pois, em se tratando de um tra-
direção ao coração e, assim, favorecer a troca balho manual, rápido e de precisão, como
de nutrientes entre os tecidos. Se houver, mostram os resultados apresentados, há di-
como no caso das recepcionistas do caixa de minuição dos pontos de apoio necessários
hipermercado, uma postura estática, esta para manter a estabilidade do corpo. A
provocará uma diminuição das trocas nutri- cadeirologia negaria os fatores mencionados
cionais dos discos intervertebrais responsá- ao concentrar-se exclusivamente na procura
vel pelos distúrbios osteomusculares que mo- de uma cadeira perfeita e na prescrição de
tivaram a demanda do estudo.
uma postura ideal.

Em pé, sentado ou sen- Em pé


tado-em pé?
A partir da posição ereta, o movimento
Os resultados de uma revisão da literatura voluntário da coluna em qualquer direção é
realizada por Messing (1998) e citada por iniciado pela contração concêntrica dos mús-
Vézina & Lajoie (1996) mostram que vários culos responsáveis por essa ação.
estudos epidemiológicos sugerem que os anos Existe uma contração muscular isométrica
de trabalho passados em postura em pé imó- quando o músculo não muda de comprimento
vel poderiam causar problemas de circula- durante a contração muscular: por exemplo,
ção e problemas no aparelho músculo- quando ele se mantém em uma postura ou quan-
esquelético. Ryan (1989) realizou um estudo
do a carga a ser deslocada é mais elevada
numa população de 513 trabalhadores de
que a força de tensão que o indivíduo desen-
sete supermercados. Os resultados mostra-
volve. Uma contração é isotônica quando a
ram que os caixas permanecem 89,8% do
tensão que ela provoca é constante e o mús-
tempo em pé, enquanto que os trabalhado-
res do depósito permaneciam 44,9% nesta culo encurta. O organismo humano acomo-
mesma posição, e que há uma relação entre da-se mal à contração muscular isométrica
o tempo passado em pé e o número de pro- prolongada, resultando em fadiga muscular.
blemas nas pernas e nas costas. Se as situações de trabalho exigem uma rigi-
Diniz & Ferreira Jr. (1993-1994) mostra- dez máxima, os problemas acentuam-se.
ram elevada prevalência de sintomas múscu- Além da solicitação muscular, a postura
lo-esqueléticos em 79 operadores de checkout ortostática solicita a ação dos discos interver-
em mercados de São Paulo que responde- tebrais. As pressões no disco intervertebral
ram a questionários anônimos: 77% deles são mais elevadas nessa posição do que na
referiram-se à dor em pelo menos uma re- posição deitada, mas usualmente menores do
gião corporal durante a última semana de que na sentada. Quando em pé, as pessoas
trabalho. devem realizar esforços para compensar a
De acordo com Vézina & Lajoie (1998), força da gravidade. Isso é possível pela pres-
as conseqüências do trabalho estático em pé são dos discos intervertebrais, que mantêm
são as seguintes: aparecimento de varizes os corpos separados, retesando os ligamen-
devido à pressão hidrostática nas veias das tos longos e evitando o achatamento da co-
pernas, desenvolvimento de edema nos mem- luna. No entanto, como apresentado anteri-
bros inferiores devido à diminuição da circu- ormente, pressões contínuas sobre o disco
lação linfática, sintomas de dor nos membros podem provocar degeneração do mesmo.
inferiores e na região lombar, sendo que o A posição em pé com o peso do corpo sen-
quadro doloroso nesta região é relacionado
do suportado principalmente por uma das
com o maior risco de ferimentos durante a
pernas, estando a outra relaxada, aumenta
manutenção de cargas.
a atividade eletromiográfica ao nível da quinta
Uma fadiga generalizada é possivelmente
relacionada à carga cardiovascular e tam- vértebra lombar no lado da perna que su-
bém ao trabalho muscular mais importante porta o peso (Dolan et al. 1988).
na postura em pé do que no caso da postura A posição em pé ideal não é usualmente
sentada. mantida por longos períodos, pois as pessoas

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 51

capitulo a cadeirologia.p65 51 24/08/05, 13:45


recorrem ao uso assimétrico das extremida- sobre a parte posterior das coxas. A pressão
des inferiores, usando alternadamente a per- intradiscal é aumentada se comparada com
na direita e a esquerda como o principal a postura em pé, mas se o trabalhador pu-
apoio. Quando o peso do corpo apóia-se em der variar a postura serão garantidas as tro-
um só membro inferior, a pelve eleva-se do cas nutricionais necessárias aos discos.
lado oposto e uma concavidade lateral lom- De qualquer maneira, em relação à posi-
bar surge nesse mesmo lado. A fim de com- ção de pé, o trabalho cardiovascular é me-
pensar a referida inclinação lombar, a re- nos importante na situação de trabalho sen-
gião toráxica forma uma concavidade do lado tado. Nesta situação, a freqüência cardíaca
oposto e a cervical, por sua vez, fica cônca- e a pressão sangüínea são menos elevadas,
va no mesmo lado do apoio. o equilíbrio e a estabilidade são mais fáceis e
É importante lembrar que o indivíduo, para a solicitação músculo-esquelética é menos
se manter de pé, tem de se movimentar sobre importante.
a sua base de sustentação. As curvaturas não A posição sentada confortável para a maio-
estão corretamente alinhadas devido à pos- ria das pessoas é aquela que mantém as ar-
tura adotada — no caixa do hipermercado, ticulações intervertebrais em algum ponto da
por exemplo, a flexão anterior da coluna para amplitude média, permitindo liberdade de
melhor visualizar as informações registradas movimento e tendo os músculos anteriores e
pela leitora ótica. Nesse caso, uma atividade posteriores balanceados. Nesta posição, a
bem maior sobre as áreas musculares é en- tensão entre as superfícies das articulações
tão requerida para manter a postura ereta. apofisárias é menor do que na posição em
Nota-se, assim, uma contradição entre os pé e fica concentrada nas porções mediana
objetivos do conforto postural e as exigências e superior das articulações (Dunlop et al.
das tarefas. 1984). Contudo, da mesma forma que para
Na posição em pé, a cintura pélvica é in- a posição de pé, mesmo uma posição senta-
clinada para a frente devido à tensão nos da confortável não pode ser mantida por
músculos anteriores da coxa. Essa inclinação, períodos prolongados por razões explicitadas
juntamente com a compressão exercida pelo mais adiante, sendo importante, assim, que
peso do corpo sobre a coluna lombar, acen- o design do assento possibilite as mudanças
tua a lordose nesse nível, que pode ser ainda na postura.
mais acentuada por fatores como gravidez, Desvios da amplitude média por períodos
obesidade e uso de sapatos de salto alto. prolongados conduzem à sobrecarga nas
articulações e nas estruturas ligamentares.
Numa coluna normal, a posição sentada com
Sentado uma postura encurvada pode levar ao
hiperestiramento dos ligamentos interver-
É verdade que a postura sentada pode tra- tebrais e das fibras anulares posteriores, au-
zer vários prejuízos para a saúde se o posto mentando consideravelmente a pressão
de trabalho não for bem concebido. A pos- intradiscal, provocando, mais tarde, degene-
tura sentada e imóvel, de acordo com a qua- ração dos componentes do disco.
lidade do apoio, pode provocar fadiga mus- Como dito anteriormente, a pressão intra-
cular lombar e compressão da massa mus- discal é geralmente mais elevada na posição
cular das coxas, que gera dores nos mem- sentada sem apoio do que na posição em pé,
bros inferiores. O organismo adapta-se mal o que ocorre, em grande parte, devido ao
às perturbações provocadas pela posição músculo psoas maior, que possui uma ação
sentada. vigorosa como estabilizador da coluna lom-
Da mesma forma que na postura em pé, bar nessa posição ao mesmo tempo em que
há diferentes maneiras de estar sentado. De exerce um considerável efeito compressivo
acordo com os estudos disponíveis, os efeitos sobre a coluna. As alterações na lordose lom-
não desejados podem ser evitados se o ar- bar são acompanhadas de aumento ou dimi-
ranjo físico considera as necessidades reais nuição na pressão intradiscal, a depender da
para a operação realizada durante a posi- inclinação do assento ou do encosto e da al-
ção sentada (Abrahão & Assunção, 2002). tura do suporte lombar, da cadeira e da mesa.
O ajuste da altura da cadeira pode influen- Em uma cadeira bem projetada, a pressão
ciar o retorno venoso se houver compressão intradiscal pode ser inferior àquela observa-

52 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 52 24/08/05, 13:45


da na posição em pé (Oliver & Middleditch, tarefas. O corpo, conhecendo as respostas
1998). No entanto, as vantagens de um bom musculares a diferentes posições nas quais
projeto de cadeira não autorizam uma análi- uma carga pode ser transportada, elabora,
se que desconsidere todos os outros determi- em nível subconsciente, estratégias para re-
nantes da postura. O ser humano, em situa- pousar (e depois solicitar) grupos muscula-
ção de trabalho, coloca todo o seu corpo e a res quando eles começam a sofrer fadiga.
sua inteligência no projeto de sua ação para Por isso é impossível manter uma mesma pos-
alcançar os objetivos pretendidos. A cadei- tura prolongadamente, mesmo que seja aque-
rologia nega a inteligência da postura. la considerada correta pela cadeirologia.
A postura sentada nem sempre é nociva. A manutenção de uma atitude determina-
Os estudos cinematográficos mostram que se da durante um período prolongado pode
não há pressão temporal e se as exigências provocar diferentes tipos de problemas. O
gestuais, posturais e visuais não são fortes, a que permite a adoção de uma postura espe-
imobilidade total desaparece, pois é possível cífica é a atividade muscular dinâmica defi-
ao indivíduo melhorar a circulação sangüí- nindo os movimentos que permitem passar
nea, solicitar diferentes músculos e outros de uma postura a outra. Uma posição este-
órgãos de maneira alternativa. reotipada é também a manifestação de uma
Os resultados da análise ergonômica colo- má adaptação do trabalho ao indivíduo: or-
cam em evidência que a postura adotada pelo ganização da tarefa, dimensionamento do
trabalhador é multideterminada e não fruto posto de trabalho, iluminação, cadência.
de uma casualidade ou de idiossincrasias Uma postura pode ser, ao mesmo tempo,
pessoais, nos termos utilizados por Lima um problema particular e um sintoma de uma
(2000). Ou seja, ela é a maneira inteligente desordem mais profunda da organização do
de a recepcionista organizar os seus segmen- trabalho. Ou seja, a postura adotada não é
tos corporais para controlar a mercadoria, produto do inteiro arbítrio do indivíduo, ela
evitar o erro, ser cortês com o cliente e acele- é determinada pelas características do con-
rar o atendimento. texto de trabalho, aí incluídas as dimensões
Diferentes posições implicam diferentes res- do mobiliário e dos equipamentos, pressão
postas musculares que são desejadas pelo temporal, estado de saúde do trabalhador.
trabalhador ao executar a sua tarefa. A dis- A organização da postura participa na rea-
tribuição das tensões na coluna depende da lização da tarefa e permite facilitar a sua
posição da carga transportada. Por exem- execução e ganhar tempo. As tarefas solici-
plo, se uma carga é transportada no alto do tam a mobilização das capacidades múscu-
dorso (trabalhadores que transportam saco lo-esqueléticas, sensoriais, cognitivas e afe-
de cimento sobre os ombros), o tronco com- tivas. As diversas dimensões do corpo huma-
pensa inclinando-se para a frente, de modo no são envolvidas durante a atividade de tra-
que o músculo eretor da coluna seja mais balho. Os resultados da análise ergonômica
solicitado do que seria no caso da posição do trabalho permitem compreender aquilo
em pé sem transporte de carga. Se a carga é que uma análise superficial nomeia de pos-
transportada abaixo do nível dos ombros, tura incorreta, que seria produto da escolha
será o músculo psoas maior que vai sofrer individual e, assim, passível de mudança por
maior contração, indicando que a carga está meio de treinamento. Ou seja, a abordagem das
causando uma extensão da coluna vertebral posturas adotadas no trabalho pode se be-
(Oliver & Middleditch, 1998). neficiar da análise ergonômica da atividade.
Quando o centro de gravidade é desloca-
do para os lados, como é o caso quando se
mantém um peso em uma das mãos, o eretor Agradecimentos
da coluna contralateral contrai-se para evi-
tar inclinação lateral indesejada. A autora agradece a leitura atenta e os
Essa dinâmica corporal é reproduzida pe- comentários valiosos feitos por Dr. Carlos
las recepcionistas durante a realização de suas Alberto Diniz.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 53

capitulo a cadeirologia.p65 53 24/08/05, 13:45


Referências Bibliográficas

ABRAHÃO, J. I.; ASSUNÇÃO, A. A. A con- BONGERS, P. M.; KREMER, A. M.; & ter
cepção de postos de trabalho infor- LAAK, J. Are psychosocial factors, risk
matizados visando à prevenção de proble- factors for symptoms and signs of the
mas posturais. Ver. Saúde Col. UEFS, shoulder, elbow, or hand/wrist?: A review
1(1):38-45, 2002. of the epidemiological literature. American
ABRAHÃO, J. I. Reestruturação produtiva e Journal of Industrial Medicine
variabilidade do trabalho. Psico. Teo. 41:315-342, 2002.
Pesq. 16(1):49-54, 2000.
CLAUDON, L.; & CNOCKAERT, J. C.
ASSUNÇÃO, A. A. De la déficience à la Biomécanique des tissus mous. Modèles
gestion collective du travail: les troubles biomécaniques d’analyse des contraintes
musculo-squelettiques dans la restauration au poste de travail dans le contexte des
collective.1998 Thèse de Doctorat troubles musculosquelettiques. Doc. Méd.
d’Ergonomie. Paris: École Pratique des du Trav. 58:140-148,1994.
Hautes Études.
DINIZ, C. A.; & FERREIRA Jr., M. Prevalência
___________. Doenças osteoarticulares de de sintomas músculo-esqueléticos em ope-
origem profissional. In: PEDROSO, E. R. P radores de checkout em mercados. Rev.
& ROCHA, M. O. C. (orgs.) Clínica Mé- Bras. de Saúde Ocup. 25: 75-91,
dica. 2 ed. São Paulo.; Atheneu [no pre- 1993/1994.
lo].
DOLAN, P.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,
___________. Gesto repetitivo, trabalho va-
W. C. Commonly adopted postures and
riável. In: SALIM, C. A.; & CARVALHO, L.
F. (orgs.). Saúde e Segurança no their effect on the lumbar spine. Spine,
Trabalho: contextos e vertentes. Belo Ho- 13(2):197, 1988.
rizonte: PRODAT/FUNDACENTRO, pp.
DUNLOP, R. B.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,
77-92, 2002.
W. C. Disc space narrowing and the
___________. O saber prático construído lumbar facet joints. J. Bone J. Surg.
pela experiência compensa as deficiências (Br.), 66-B, 706, 1984.
provocadas pelas condições inadequadas
de trabalho. Trabalho e Educação, European Agency for Safety and Health at
12(1):35-49, 2003. Work. Repetitive strain injuries in the
Member States of the European Union: the
___________. O trabalho no caixa de um resultats of information request. Luxembourg:
hipermercado: estudo ergonômico. Rela- Office for Official Publications of the
tório de pesquisa. UFMG, Laboratório de European Communities, 2000.
Ergonomia, 129 p., 1999.
HAGBERG, M. Work load and fatigue in
ASSUNÇÃO, A. A.; & LIMA, F. P. A. Condi- repetitive arm elevations. Ergonomics,
ções ergonômicas em uma fábrica de jóias.
24:543-555, 1981.
Relatório de pesquisa. UFMG, Laboratório
de Ergonomia, 2000. KENDALL, F. P.; MCCREARY, E. K.; &
BIENFAIT, M. Os desequilíbrios estáti- Provance, P. G. Músculos: provas e
cos. São Paulo: Summus editorial, 1993, funções. São Paulo: Manole, 1995, 453 p.
149 p.
LAVILLE, A. Cadence de travail et posture.
BJELLE, A.; HAGBERG, M.; MICHAELSON, Le Travail Humain, 31(1-2):73-94,
G. Occupational and individual factors in 1968.
acute shoulder-neck disorders among in-
dustrial worker. Br. J. Ind. Med. 38:356- ___________. Ergonomia. São Paulo: Pe-
363,1981. dagógica e Universitária, USP, 1977.

54 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 54 24/08/05, 13:45


LEONARD S. A. The role of exercise and Montréal: Formations CSST-IRSST, UQAM,
posture in preventing low back injury. 1998.
AAOHN Journal, 38(7):318-322,
VÉZINA, N.; & LAJOIE, N. Le siège assis-
1990.
debout: une solution de rechange à la
LIMA, F. P. A. A ergonomia como instrumen- posture debout statique. Obje. Prev.
to de segurança e melhoria das condições 19(4):38-41, 1996.
de trabalho. Anais do I Seminário de WINKEL, J.; & WESTGAARD, R. Occupational
Segurança do Trabalho e Ergonomia and individual risk factors for shoulder-
Florestal - ERGOFLOR. Belo Horizonte, neck complaints. Part II. The scientific basis
junho de 2000. (literature review) for the guide. Int. J.
Ind. Ergonomics, 10:85-104, 1992
OLIVER, J.; & MIDDLEDITCH, A. Anatomia
funcional da coluna vertebral. Rio WISNER, A. Componentes cognitivos e psí-
de Janeiro: Revinter, 1998, 325 p. quicos da carga de trabalho. In: _____
Por dentro do trabalho: ergonomia,
RYAN, G. A. The prevalence of musculoskeletal método e técnicas. São Paulo: FTD/Oboré,
symptoms in supermarket workers. 1987.
Ergonomics, 32(4):359-371, 1989.
WISNER A.; & MARCELIN J. A quel homme
VÉZINA, N.; LABERGE, M.; & LAJOIE, A. le travail doit-il être adapté. Rapport n. 22.
Debout, assis ou assis-debout? CNAM, Paris, 13 p. 1971.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 55

capitulo a cadeirologia.p65 55 24/08/05, 13:45


56 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 56 24/08/05, 13:45


Perfil dos Acidentes de Trabalho
Ocorridos no Município de Araçatuba-
SP nos anos de 2000 e 2001
Eduardo Pizzatto1
Cléa Adas Saliba Garbin2
Magno Amadei3
Profiles of Work Accidents Occurred
at Araçatuba Municipality Between
year 2000 and 2001
1
Doutorando do Programa de Pós-
O objetivo do presente estudo consiste em descrever o perfil dos acidentes de trabalho ocor-
Graduação em Odontologia Preventi-
va e Social da Faculdade de Odonto- ridos no município de Araçatuba-SP nos anos de 2000 e 2001. Para tanto, foram analisa-
logia de Araçatuba-SP – UNESP. das as Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) emitidas no referido período e as
3 informações pertinentes transcritas em formulário específico elaborado através do programa
Professora Assistente Doutora da
Faculdade de Odontologia de estatístico Epi-Info versão 6.04, utilizado para tabulação e análise dos dados obtidos. Foram
Araçatuba-SP – UNESP. analisadas 772 CATs, das quais 656 correspondiam à ocorrência de acidentes típicos, 92 a
2 acidentes de trajeto e 24 a doenças ocupacionais. A média de idade dos acidentados foi de
Médico do Trabalho; Coordenador
do Centro de Referência em Saúde do 32,42 anos (d.p. 10,88) e o tempo médio trabalhado até o momento do acidente foi de
Trabalhador do Município de 4,15 horas (d.p. 2,73). Quanto ao gênero, 632 acidentes (81,9%) ocorreram com traba-
Araçatuba-SP.
lhadores do sexo masculino e 140 (18,1%) com trabalhadores do sexo feminino. O presente
estudo revela um amplo predomínio de acidentes de trabalho classificados como típicos,
além de uma maior prevalência em trabalhadores do sexo masculino.

Palavras-chave: acidentes de trabalho; saúde ocupacional; notificação de acidentes de


trabalho.

The aim of this study consists in describing the profile of the work accidents occurred at
Araçatuba-SP municipality between year 2000 and 2001. For this, Communications of
Work Accidents (CAT) emitted during this period were analyzed, as well as the pertinent
information transcribed in specific formulary that was designed by a statistic software Epi-
Info version 6.04, used for the organization and the analysis of the data. Seven hundreds
and seventy two CAT were analyzed, from which 656 corresponded to the occurrence of
typical accidents, 92 to path accidents and 24 to occupational diseases. The average of
the age of the victims was 32.42 years (SD = 10.88) and the average of working time
until the moment of the accidents was 4.15 hours (SD = 2.73). With regard to the gender,
632 accidents (81.9%) occurred with male workers, and 140 (18.1%) with female workers.
The present study shows a high prevalence of work accidents classified as typical, in
addition to a higher prevalence among male workers.

Keywords: work accidents; occupational health; occupational accidents registry.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004 57

capitulo perfil dos acidentes.p65 57 24/08/05, 13:48


Introdução ração de políticas de saúde locais que previ-
nam sua ocorrência e reduzam sua gravidade.
Este início de novo século está sendo ca-
racterizado pela sedimentação de novas re- Materiais e métodos
gras regulamentadoras do mercado, em que
a produtividade assume papel relevante. No- O presente trabalho caracteriza-se como
vas formas de produção, viabilizadas pelos sendo um estudo transversal descritivo (Triviños,
avanços tecnológicos e por inovações no 1987) no qual foram analisadas as Comu-
modo de organizar e gerir o trabalho, que nicações de Acidentes de Trabalho (CATs)
têm uma abrangência global, vêm introdu- emitidas nos anos de 2000 e 2001 no muni-
zindo mudanças radicais na vida e nas rela- cípio de Araçatuba-SP. Trata-se de um muni-
ções das pessoas e dos países e, por conse- cípio localizado no oeste do estado de São
qüência, no viver e adoecer das pessoas. Este Paulo com uma área de 1.167 km2 e popu-
processo de reestruturação produtiva tem lação de, aproximadamente, 170 mil habi-
modificado substancialmente o perfil do tra- tantes (IBGE, 2000).
balho e dos trabalhadores, seus determinantes A CAT é um documento de emissão obri-
de saúde-doença, seu quadro epidemio- gatória para trabalhadores cobertos pelo se-
lógico, assim como as práticas de saúde vol- guro acidentário da Previdência Social. Ape-
tadas para o trabalhador. sar desta obrigatoriedade, a sub-notificação,
Os acidentes de trabalho figuram neste con- particularmente em casos de acidentes de
texto como um subproduto do sistema de pro- menor gravidade, constitui um problema ain-
dução moderno, acometendo muitos traba- da não solucionado e que acarreta vieses nos
lhadores no Brasil e no mundo, rompendo o sistemas de informação epidemiológica a res-
equilíbrio saúde-produtividade, acarretando peito da ocorrência/prevalência de aciden-
prejuízos para o próprio trabalhador, para tes de trabalho (Almeida et al., 1993; Bara-
a empresa e para a nação como um todo. ta et al., 2000; Binder et al., 2001).
Do ponto de vista legal, acidente de traba- As CATs contêm informações referentes à
lho “é aquele que ocorre pelo exercício do identificação do trabalhador acidentado,
trabalho a serviço da empresa, provocando como idade, gênero, estado civil, bem como
lesão corporal ou perturbação funcional que horário de ocorrência do acidente, tempo tra-
cause morte, perda ou redução, permanente balhado até o momento do acidente, ramo
ou temporária, da capacidade de trabalho” de atividade da empresa, ocupação do aci-
(Brasil, 1997). dentado, agente causador, natureza e locali-
Devido à elevada prevalência e gravidade zação da lesão, período estimado de afasta-
dos acidentes de trabalho (Brasil, 2002), es- mento e local do primeiro atendimento.
tes devem ser tratados como um problema As informações supra-relatadas foram
de saúde pública, uma vez que suas reper- transcritas em formulário específico elabora-
cussões não se limitam somente ao processo do no programa estatístico Epi-Info versão
produtivo, indo muito além, afetando a socie- 6.04, utilizado para análise estatística dos
dade como um todo. dados obtidos (Dean, 1990).
Assim, considera-se que compete ao setor Vale ressaltar que todas as fases deste es-
de saúde proporcionar condições a um pla- tudo foram submetidas à aprovação do Co-
nejamento e à implementação de ações arti- mitê de Ética em Pesquisa, conforme resolu-
culadas com os demais setores da sociedade ção 196/96 (Processo FOA 2002/00866).
em prol da prevenção e conseqüente redu-
ção do número de acidentes de trabalho e Resultados
sua gravidade.
O objetivo deste estudo consiste em descre- Foram registrados 772 acidentes de traba-
ver o perfil dos acidentes de trabalho ocorri- lho no período estudado, sendo que 345
dos no município de Araçatuba-SP, nos anos acidentes (44,69%) ocorreram no ano de
de 2000 e 2001, e captados pelo sistema de 2000 e 427 acidentes (55,31%), no ano de
registro do Instituto Nacional do Seguro So- 2001. Nesse mesmo período foram regis-
cial (INSS), visando contribuir para a elabo- trados dois óbitos decorrentes de acidentes

58 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

capitulo perfil dos acidentes.p65 58 24/08/05, 13:48


de trabalho, o que pode não ser estatistica- doenças ocupacionais. Quanto ao setor pro-
mente significante, contudo, tratando-se de dutivo, 86 (11,1%) dos acidentes ocorreram
vidas humanas, este fato é altamente relevante. com trabalhadores do setor primário, 306
A média de idade dos trabalhadores aci- (39,6%) com trabalhadores do setor secun-
dentados ficou em 32,42 anos (d.p. 10,88). dário e 380 (49,2%) com trabalhadores do
Quanto ao gênero, 632 acidentes de traba-
setor terciário.
lho (81,9%) ocorreram com trabalhadores
O tempo médio trabalhado até o momento
do sexo masculino e 140 (18,1%) com tra-
balhadores do sexo feminino. do acidente ficou em 4,15 horas (d.p. 2,73).
Dos acidentes de trabalho ocorridos nos A respeito desta variável, pode-se observar
anos de 2000 e 2001, 656 (85,0%) carac- uma ocorrência maior nas primeiras horas
terizam-se como acidentes típicos, 92 (11,9%) de cada turno de trabalho, como mostra o
como acidentes de trajeto e 24 (3,1%) como Gráfico 1.

Gráfico 1 Freqüência de acidentes de trabalho de acordo com o número de horas


trabalhadas.

Na maioria dos casos de acidentes de tra- A Tabela 2 mostra a distribuição dos aci-
balho (50,4%), o tempo estimado de afasta- dentados segundo a localização da lesão.
mento do trabalhador de suas funções foi in- Cabe ressaltar que dos 374 acidentes de tra-
ferior a sete dias, em somente 19,6% dos aci-
balho que acometeram os membros superio-
dentes ocorridos, o período estimado de afas-
res, 243 (64,97%) atingiram dedos e mãos.
tamento foi superior a 15 dias.

Tabela 2 Distribuição dos acidentes de trabalho segundo a localização da lesão.

Localização da lesão Acidentados Freqüência (%)


Membros superiores 374 48,44
Membros inferiores 179 23,20
Sistemas e aparelhos 89 11,53
Cabeça 72 9,32
Tronco 39 5,05
Pescoço 5 0,65
Múltiplas localizações 14 1,81
Total 772 100,00

A Tabela 3 distribui os acidentes de traba- var um predomínio de acidentes de trabalho


lho segundo os fatores envolvidos na ocor- envolvendo objetos perfurocortantes (24,5%)
rência imediata dos mesmos. Pode-se obser- e queda do trabalhador (22,4%).

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004 59

capitulo perfil dos acidentes.p65 59 24/08/05, 13:48


Tabela 3 Distribuição dos acidentes de trabalho segundo fatores relacionados ao
processo causal.

Fatores do processo causal Acidentes Freqüência (%)


Objeto perfurocortante 190 24,6
Queda 173 22,4
Prensa 92 11,9
Corpo estranho 82 10,7
Colisão 54 7,0
Queda de objeto 52 6,7
Esforço físico excessivo 44 5,7
Queimaduras 33 4,2
Choque com objeto 27 3,5
Atropelamento 13 1,7
Agressão 12 1,6
Total 772 100,0

Discussão setor secundário, ao passo que, em nosso


estudo, o setor produtivo que apresentou
Os resultados obtidos revelam um perfil maior prevalência de acidentes de trabalho
de acidentados composto por trabalhadores foi o setor terciário. Tal fato pode estar asso-
jovens, resultado este semelhante ao encon- ciado ao predomínio de diferentes atividades
trado por Almeida et al. (1993), em estudo econômicas nas populações-alvo dos estudos.
realizado no município de Botucatu-SP, e Com relação ao tempo trabalhado e ao
Souza et al. (2002), em pesquisa realizada momento do acidente, observa-se uma ten-
no município de Lages-SC. dência decrescente, exceção feita às 6ª e 8ª
Outro resultado encontrado em nosso es- horas, resultados semelhantes aos descritos
tudo que se assemelha ao demais trabalhos por Almeida et al., em 1993, e por Souza et
publicados (Santos et al., 1990; Almeida al., em 2002.
et al., 1993; Barata et al., 2000; Binder et al., Avaliando a distribuição dos acidentes de
2001) é um amplo predomínio – superior a trabalho segundo a localização da lesão,
80% – de acidentes típicos, comparando-se observa-se que aproximadamente metade das
com acidentes de trajeto e doenças ocorrências ocasionou lesão em membros
ocupacionais. Contudo, estes últimos não superiores e, destas, 2/3 atingiram a extremi-
devem ser, em hipótese alguma, excluídos dade dos referidos membros – mãos e dedos.
dos programas de atenção em saúde do tra- Estes números justificam a adoção de medi-
balhador. das preventivas que visem à diminuição des-
O predomínio de ocorrência de acidentes tes agravos.
com trabalhadores do gênero masculino Especial atenção deve ser destinada aos dois
encontrado em nosso estudo também fora principais fatores relacionados ao processo
constatado por outros autores (Santos et al., causal dos acidentes de trabalho pesquisados:
1990; Almeida et al., 1993). Tal fenômeno objetos perfurocortantes e quedas de traba-
pode ser explicado pela natureza da ocupa- lhadores. Estratégias devem ser elaboradas e
ção do gênero masculino, que apresenta um implantadas observando essas variáveis, vi-
risco maior, aliada ao fato de um maior sando a uma redução na ocorrência de aci-
número de trabalhadores formais pertence- dentes de trabalho que envolvam esses fatores.
rem a este gênero. Em recente estudo realizado pela Comis-
Analisando os setores da economia, Binder são Técnica de Segurança de Acidentes de
et al. (2001) encontraram um predomínio Trabalho e Enfermidades Profissionais da
de acidentes de trabalho relacionados ao Associação Internacional de Seguridade So-

60 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

capitulo perfil dos acidentes.p65 60 24/08/05, 13:48


cial (Schubert, 2001), a insuficiência, escas- Conclusões
sez ou falta de medidas e ações preventivas
nesta área foram o resultado apontado por
Em face aos resultados obtidos e com base
mais de 50% dos países pesquisados, demons-
na revista da literatura, parece-nos pertinen-
trando a real necessidade de planejamento e
te concluir que:
implantação de programas preventivos na
área da saúde do trabalhador, inclusive vi- - Houve amplo predomínio de ocorrência
sando a uma redução na ocorrência de aci- de acidentes típicos em comparação com aci-
dentes de trabalho. dentes de trajeto e doenças ocupacionais;
Ainda a respeito dos programas e das es- - Em relação ao gênero do acidentado, a
tratégias desenvolvidos na área da saúde do prevalência é 4,5 vezes maior no gênero
trabalhador, de modo especial àqueles que masculino que no feminino;
intencionam uma redução no número e nas - A média de idade dos trabalhadores aci-
seqüelas dos acidentes de trabalho, conside- dentados foi de 32,42 anos;
ramos que devem ser desenvolvidos através - O pico de ocorrência de acidentes de tra-
de uma abordagem transdisciplinar e multipro- balho foi na primeira hora trabalhada;
fissional, pautadas na promoção, na prote- - Os membros superiores foram as regiões
ção, na recuperação e na reabilitação da mais afetadas em virtude da ocorrência de
saúde dos trabalhadores, premissas contidas acidentes de trabalho;
na conceituação de saúde do trabalhador ela- - Programas que visem a uma redução do
borada pelo Ministério do Trabalho (Brasil,
número dos acidentes de trabalho e à mini-
2001).
mização de suas seqüelas devem destinar
Alguns pontos devem ser levados em con-
atenção especial aos fatores desencadeantes
sideração ao se efetuar a interpretação dos
resultados, entre eles, a já mencionada subno- mais prevalentes, neste caso, acidentes en-
tificação que acomete os sistemas de registro volvendo objetos perfurocortantes e quedas
e, em segundo lugar, como ressaltaram dos trabalhadores.
Sampaio et al. (1998), há de se levar em
consideração que os dados coletados refe- Agradecimento
rem-se somente aos trabalhadores assalaria-
dos. Portanto, desconhece-se o que ocorre, À Fundação para o Desenvolvimento da
em termos de acidentes de trabalho, ao gru- UNESP – FUNDUNESP – pelo auxílio dispo-
po de trabalhadores autônomos ou informais. nibilizado à realização deste estudo.

Referências Bibliográficas
ALMEIDA, I. M.; BINDER, M. C. P.; & 1999, em Botucatu, São Paulo. Cader-
TOLOSA, D. E. R. Acidentes de trabalho nos de Saúde Pública, v. 17, n. 4, 915-
no município de Botucatu-SP, 1990. Re- 924, 2001.
vista Brasileira de Saúde
Ocupacional, v. 21, n. 80, 29-43, 1993. BRASIL. Ministério da Previdência Social. Os
números de acidentes do trabalho no Bra-
BARATA, R. C. B.; RIBEIRO, M. C. S. A.; & sil – 1996/98. Disponível on line: <http:/
MORAES, J. C. Acidentes de trabalho re- /www.mpas.gov.br/ 12_05.htm> Aces-
feridos por trabalhadores moradores em so em: 17/06/2002.
área urbana no interior do estado de São
Paulo em 1994. Informe Epidemio- ________. Ministério da Previdência Social.
lógico do SUS, v. 9, n. 3, 199-210, Regulamento dos benefícios da previdên-
2000. cia social: Decreto 2.172/97. Brasília,
1997.
BINDER, M. C. P.; WLUDARSKI; S. L.; &
ALMEIDA, I. M. Estudo da evolução dos ________. Ministério da Saúde. Programa
acidentes de trabalho registrados pela Pre- de Saúde do Trabalhador – Apresentação.
vidência Social no período de 1995 a Brasília, 2001.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004 61

capitulo perfil dos acidentes.p65 61 24/08/05, 13:48


DEAN, A. G. et al. Epi Info, Version 5: a SCHUBERT, B. Problemas actuales del
word processing, database, and statistics seguro obligatorio de accidentes
program for epidemiology on micro- a escala mundial: una encuesta de
computers. Centers for Disease Control. la AISS. Suécia, 2001. 18p.
Atlanta, Georgia, USA, 1990.
SOUZA, V.; BLANK, V. L. G.; & CALVO, M.
SAMPAIO, R. F. et al. Acidentes de trabalho C. M. Cenários típicos de lesões decor-
em Barcelona (Espanha), no período de
rentes de acidentes de trabalho na indús-
1992-1993. Revista de Saúde Pú-
tria madeireira. Revista de Saúde
blica, v. 32, n. 4, 345-351, 1998.
Pública, v. 36, n. 6, 702-708, 2002.
SANTOS, U. P. et al. Sistema de vigilância
epidemiológica para acidentes de trabalho: TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesqui-
experiência na zona norte do município de sa em ciências sociais: a pesquisa
São Paulo (Brasil). Revista de Saúde qualitativa em educação. São Pau-
Pública, v. 24, n. 4, 286-293, 1990. lo: Atlas, 1987. 175p.

62 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

capitulo perfil dos acidentes.p65 62 24/08/05, 13:48


1 Instrução aos autores revisões gramaticais no texto encaminhado bem como se preocu- Normas Gerais
par com a obtenção de autorização de direitos autorais com
1.1 Objetivo e política editorial para Publicação
relação ao uso de figuras, tabelas, métodos, etc. junto a outros
autores ou editores, quando for o caso. de Artigos
A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) é uma publi-
cação científica da Fundacentro que se destina à divulgação de O texto deverá ser elaborado empregando-se fonte Times New
contribuições escritas na área de segurança e saúde do trabalho Roman, tamanho 12, em folha de papel branco, com margens
e/ou das relações entre segurança e saúde do trabalho e o meio laterais de 3 cm e espaço simples e devem conter:
ambiente.
3.1 Página de rosto
As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteira responsabi-
lidade. a) Título na língua principal (português ou espanhol) e em
inglês.
A publicação de artigos que trazem resultados de pesquisas
envolvendo seres humanos está condicionada ao cumprimento b) Nome e sobrenome de cada autor.
de princípios éticos e ao atendimento das legislações pertinentes a
esse tipo de pesquisa no país em que foi realizada. c) Instituição a que cada autor está filiado, acompanhado do
respectivo endereço.
A reprodução total ou parcial dos artigos publicados é permitida
mediante menção obrigatória da fonte e desde que não se destine d) Nome, endereço, telefone e endereço eletrônico do autor
a fins comerciais. responsável para troca de correspondência.

1.2 Normas de publicação e) Se foi subvencionado, indicar o tipo de auxílio, o nome da


agência financiadora e o respectivo número do processo.
1.2.1 Modalidades de contribuições
f) Se foi baseado em tese, indicar título, ano e instituição onde foi
Serão aceitas contribuições escritas para as seguintes modalida- apresentada.
des:
g) Se foi apresentado em reunião científica, indicar o nome do
a) Artigo: contribuição destinada a divulgar resultados de pes- evento, local e data da realização.
quisa de natureza empírica, experimental ou conceitual (até 56.000
caracteres, incluindo espaços, mas excluindo tabelas, figuras e h) Local e data do envio do artigo.
referências).
i) Nome da modalidade da contribuição à qual está sendo
b) Revisão: avaliação crítica sistematizada da literatura sobre proposto.
determinado assunto (até 56.000 caracteres, incluindo os espa-
ços). 3.2 Corpo do texto

c) Resenha: relato de livro relacionado ao campo temático da a) Título na língua principal (português ou espanhol) e em inglês
revista, publicado nos últimos dois anos (até 11.200 caracteres, b) Resumo: Os manuscritos para as seções artigos, revisões e
incluindo os espaços). opiniões devem ter resumo na língua principal (português ou
d) Carta: texto que visa discutir artigo recente publicado na espanhol) e em inglês, com um máximo de 14 linhas.
revista (até 5.600 caracteres, incluindo espaços). c) Palavras–chave: Mínimo de 3 e máximo de 5 palavras-chave
e) Nota: relato de resultados parciais ou preliminares de pesqui- descritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na língua
sas relacionadas com a área temática da revista (até 5. 600 principal (português ou espanhol) e em inglês.
caracteres, incluindo os espaços). d) O desenvolvimento do texto deve atender às formas convenci-
f) Opinião: parecer pessoal ou de um grupo sobre tópico onais de redação de artigos científicos.
específico em saúde e segurança do trabalho. e) Referências bibliográficas: as referências bibliográficas citadas
g) Tradução: versão para o português de artigo ou revisão, de ao longo do texto devem trazer o sobrenome do autor e ano da
relevada importância, já publicado em outro idioma que não o publicação, como em Algranti (1998). No caso de citações com
espanhol, com a devida anuência do(s) autor(es) ou de quem mais de três autores, somente o sobrenome do primeiro autor
detêm seus direitos autorais. deverá aparecer, como em Silva et al. (2000).

2 Processo de julgamento das contribuições A exatidão das referências constantes da listagem e a correta
citação no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do tra-
Os trabalhos que atenderem às normas de publicação e respeita- balho. As referências citadas deverão ser listadas ao final do
rem a política editorial da RBSO serão avaliados pelo Editor artigo em ordem alfabética e organizadas de acordo com a
Científico que considerará o mérito da contribuição. Aprovados norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
nesta fase, os mesmos serão encaminhados aos consultores. NBR 6023, versão de 2000. Os exemplos apresentados abaixo
têm um caráter apenas de orientação e foram elaborados com
Cada trabalho será enviado para dois consultores de reconheci-
base nessa norma:
da competência na temática abordada.
ARTIGOS DE PERIÓDICOS
Com base nos pareceres emitidos pelos consultores, o Editor
Científico e/ou Conselho Editorial decidirá se é necessário que os BAKER, L.; KRUEGER, A. B. Medical cost in workers compensation
autores efetuem alterações no trabalho para a publicação ou se insurance. Journal of Health Economics. New York, n. 14,
a mesma será recusada, caso em que será emitida a devida 531-549. 1995.
justificativa.
LIVRO
O anonimato será garantido durante todo o processo de julga-
mento. WALDVOGEL, B. C. Acidentes do trabalho: os casos
fatais a questão da identificação e da mensuração.
A redação da revista não se obriga a devolver os originais dos Belo Horizonte: Segrac. 2002. 192 p., 24cm (Coleção PRODAT
trabalhos que não forem publicados.
Estudos e Análises, v.1, n. 1, março 2002) ISBN 85-88669-02-01.
3 Preparo dos trabalhos
CAPÍTULO DE LIVRO
Serão aceitas contribuições em português ou espanhol.
NORWOOD, S. Chemical cartridge respirators and gas masks.
É de responsabilidade do(s) autor(es) promover(em) as devidas In: CRAIG, E.C.; BIRKNER, L. R.; BROSSEAU, L. Respiratory

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 63-64, 2004 63

paginas finais.p65 63 24/08/05, 13:50


Normas Gerais protection a manual and guideline. 2 ed. Ohio: American DECRETOS
para Publicação Industrial Hygiene Association, 1991, cap. 8.
SÃO PAULO (Estado) Decreto n. 48.822, de 20 de janeiro de
de Artigos TESE 1988. Dispõe sobre a desativação de unidades administrativas de
órgãos da administração direta e das autarquias de Estado e dá
BORGES, L. H. Sociabilidade, sofrimento psíquico e providências correlatas. Lex- Coletânea de Legislação e Jurispru-
lesões por esforços repetitivos entre caixas bancári- dência. São Paulo. V. 63, n. 3, pp. 217-220, 1998.
os. 1999. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde). Instituto de
f) Tabelas e quadros
Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Devem ser apresentadas em folhas separadas, numeradas conse-
RESUMO DE TRABALHO DE CONGRESSO
cutivamente com algarismos arábicos, na ordem em que forem
ALVES FILHO, J. P. Receituário agronômico: a construção de um citadas no texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve que
instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvér- permita sua contextualização. Tabelas consideradas adicionais
pelo editor não serão publicadas, mas poderão ser colocadas à
sia. In: SEMANA DA PESQUISA DA FUNDACENTRO, 4, São
disposição dos leitores pelos respectivos autores mediante nota
Paulo. Anais... São Paulo: Fundacentro, 2000. p. 53.
explicativa em formato de arquivo eletrônico separado do texto.
RELATÓRIO Quadros são identificados como tabelas seguindo uma única
FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA E numeração em todo o texto.
MEDICINA DO TRABALHO. Relatório de Gestão 1995-2002. g) Figuras
São Paulo, 2003. 97p.
As figuras (gráficos, fotos, esquemas, etc.) deverão ser enviadas
RELATÓRIO TÉCNICO em impressão de alta qualidade, em preto-e-branco e/ou diferen-
tes tons de cinza e/ou hachuras e no formato de arquivo eletrôni-
ARCURI, A. S. A.; NETO KULCSAR, F. Relatório Técnico da co separado do texto, com resolução da imagem não inferior a
avaliação qualitativa dos laboratórios do Departamento de 300 dpi.
Morfologia do Instituto de Biociências da UNESP. São Paulo.
Fundacentro. 1995. 11p., 9 anexos. h) Agradecimentos (opcional)

ARTIGO E/OU MATERIA DE JORNAL Contribuições de pessoas que prestaram colaboração intelectual
ao trabalho, com assessoria científica, revisão crítica da pesquisa,
LEAL, L.. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do coleta de dados, entre outras, mas que não preenchem os requi-
Brasil, p. 3, 25 abr. 1999. sitos para participar da autoria, devem constar dos “agradeci-
mentos”, desde que haja permissão expressa dos nomeados. Tam-
CD ROM bém podem constar desta parte agradecimentos a instituições pelo
apoio econômico, material ou outro. Os agradecimentos devem
ASH, M.; ASH, I. Fillers, extenders and diluents electronic vir após a relação das referências bibliográficas.
handbook. New York. Synapse Information Resources. 1998.
4 Envio dos trabalhos
FITA DE VÍDEO
Os trabalhos devem ser endereçados à Coordenação Editorial da
Cenas da indústria de galvanoplastia. São Paulo: Fundacentro. Revista, em 3 vias e em disquete ou CD com arquivo extensão doc.
1997. Fita cassete VHS/NTSC. 20 min., col. no formato word.
DOCUMENTO EM MEIO ELETRÔNICO Os trabalhos deverão vir acompanhados da declaração de res-
ponsabilidade e de cessão de direitos autorais conforme modelo
BIRDS from Amapá: banco de dados. Disponível em < http:// que se encontra no Portal da Fundacentro: www.fundacentro.gov.br
www.bdt.org> Acesso em 28 nov. 1998. – normas RSBO.
LEGISLAÇÃO 5 Endereço para envio
BRASIL. Lei n. 9.887, de 7 de dezembro de 1999. Altera a FUNDACENTRO
legislação tributária federal. Diário Oficial da República Federa- Sra. Elisabeth Rossi
Coordenação Editorial da RBSO / Divisão de Publicações
tiva do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1999.
Rua Capote Valente, 710
CONSTITUIÇÃO FEDERAL 05409 002 – São Paulo – Capital
NOTA: eventuais esclarecimentos poderão ser feitos via e-mail:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federa- dpb@fundacentro.gov.br pelo fone: (11) 3066.6378 ou fax
tiva do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. (11) 3066.6004.

Rua Capote Valente, 710


São Paulo—SP
05409-002
Tel.: 3066.6000

Sobre a RSBO: Composta em Futura / impressão em papel Cartão Supremo 250 g/m2(capa) e Offset 90 g/m2 (miolo), no formato 21x28 cm pela Santa
Clara Editora. Tiragem: 2.000 exemplares. Equipe de realização: coordenação editorial: Elisabeth Rossi; revisão de textos: Karina Penariol Sanches;
foto da capa: Francisco Kulcsar Neto; diagramação da capa: Santa Clara Editora

64 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 63-64, 2004

paginas finais.p65 64 24/08/05, 13:50

Você também pode gostar