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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE 490 LUnguagem, esta e poder! HOUMA UAE 21300066787 Regina Sartort Mauricio portuquese reservados ‘FS EDITORA LTDA, naira Ramalho, 330/340 ~ Tel: 239.677 325 — Sto Patilo — SP — Brasil INvIcE Apresentacio. Capitulo 1 — Linguagem, Poder e Diseriminagio h oducao Referéncias bibliograficas Capitulo 2 — Consideragdes sobre o campo de estudo da eserita. see 2, Algumas contribuigdes recentes para o 1 campo de estudo da escrita, 70 1 2.1 Algumas posigées tedricas. ea72) 2.2 Contribuigoes de psicdlogos e antropdlogos 78 Referéncias bibliogréficas. eeto5) J APRESENTAGAO Capitulo 3 — Da oralidade para a escrita: o pro- ‘i cesso de “redugio” da linguagem, lot No quadro deficitario e deformado da edu- cagao brasileira, ¢ lugar-comum alarmar-se dian- (e da fragilidade do desempenho verbal — sobre- tudo, escrito — do conjunto de seus protagonis. las, nao apenas discentes, Entretanto, raras ve zes esse alarme cvolui claramente para uma ava- Jiagao critica séria e abrangente dos problemas de diferentes ordens manifestados nessa area. Ge ralmente, ele tende a diluir-se nas formulas bem conhecidas do conformismo didatico de wgenicas supostamente motivadoras e criativas. A evitar atitudes desse tipo, ¢ preciso atentar, pelo menos, para uma exigéncia basica: a docao de um pon. to de vista ndo-convencional sobre a linguagem, sua natureza, seus modos de funcionamento, suas eventuais finalidades, suas relagdes com a cultura as implicagdes complexas que ela mantém com a ideologia. F preciso partir de uma concepgio de linguagem que nao a confine a uma coletanea : arbitraria de regras e excecdes, e, tampouco, a um rigido bloco formalizado, imune as variagdes ¢ diferencas existentes nas situagdes concretas em que a linguagen so de significagao. intretanto, especialmente nas discuss6: que vém se travando a proposito de escrila ¢ fabetizagao, hem como sobre suas decorréncias politicas, essa exigéncia tem sido negligenciad: Via de regra, as aparentes propostas tense for- mulado sobre incontaveis chavoes que ocultam uma espécie de preguica mental ou, © que ¢ mais grave, uma espécie de charlatanice intelectual que facilmente descamba para atitudes intens: mente demagégicas. Assim podem ser avaliadas generalidades do tipo “toda linguagem ¢ idealé- gica”, “a linguagem esta a servico do poder”, fabetizar conscientizando”, etc. Os dois textos que ‘compoem este volume apontam em profundida: de para os {atores que permitem conjugar Lin: guage ae Poder, ¢ dispdem os seus pro: blemas basicos de mancira inteiramente original, numa perspectiva cuidadosa, capaz de alertar pa- ra os riscos de atitudes tedricas precipitadas ¢ de técnicas de tiltima hora. Nesse sentido, se a linguagem tem relacaio com o poder, sera preci 0 um exame rigoroso das formas inais sulis pe- jas quais a prépria linguagem instrumenta csse mesmo poder. Da mesma forma, se se considera a alfabetizacdo como um proceso comprometi- do com mecanismos sociais suspeitos sera pre. iso colocar sob suspeita também a nossa propri forma de avaliagao desse processo, enquanto membros de uma civilizagdo grafocéntrica, Profundamente responsavel em suas coloca. des mais radicais, Maurizio Gnerre consegue discutir esas questées, carreando para as su sel , de fato, um proces. 6 de lingdistica elementos de natureza po- ropolgica extremamente iv, em fornecer modelos ¢ solucdes para os pro mas levantados, mas sim em fornecer os sub- lagao de qu + tipo de resposta conseqiiente que se queira dar a tais problem tonio Alcir B. Pécora Haguira Osakabe caPtru LINGUAGEM, PODER E DISCRIMINACAO Introdugao 40 refers notativa da linguagem nao é senao uma e: Las; e al cio de comunicar ao ouvinte a posicao que 0 ocupa de fato ou acha que ocupa .. As pessoas falam para serem ra serem respeitadas ¢ tam- a no ambiente em que realizam os atos lingiisticos, O poder da pa- lavra ¢ 0 poder de mobilizar a autoridade num ato lingtiis evidentes em Ao so Lambém os mais ex- re estas tremos: discurso politico, sermSo na igreja, au- la, etc, As proclucdes lingtiisticas deste tipo, e tam- bem de outros tipos, adquirem valor se realize das no contexto social e cultural apropriado. As regras que governam a produgao apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relagoes so- ciais entre o falante ¢ o ouvinte. Todo ser humm no tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é tem que “saber”: a) quando pode falar ¢ quando nao pode, b) que tipo de contet: dos referenciais Ihe so consentides, c) que tipo de variedade lingitistica é opot tuno que seja usa- da, Tudo isto em relacao 20 contexto lingtifstico eextralingiiistico em que o ato verbal é produzi- do, A presenca de tais regras ¢ relevante nao sé para o falante, mas tamhem para o ouvinte, que, com base em (ais regras, pode ter alguma expec- tativa em relagao @ producao lingtistica do fa lante. Esta capacidade de previsao é devida ao fa: to de que nem todos os integrantes de uma so- ciedade tém acesso a todas as variedades ¢ mui- to menos a todos os contetidos referenciais. So mente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma va. riedade “culta” ou “padrao”, considerada geral mente “a lingua”, ¢ associada tipicamente a con- letidos de prestigio. A lingua padrav é um siste ma comunicativo ao aleance de uma parte redu ida dos integrantes de uma comunidade; é um sistema associado a um patriménio cultural apre. sentado como um “corpus” definido de valores, tixados na tradigdo escrita. Uma variedade lingitistica “vale” o que “va- "na sociedade os seus falantes, isto é, vale lem’ como reflexo do pader ¢ da autoridade que eles tem nas relacdes econdmicas ¢ sociais. Esta alir- magio é valida, evidenicmente, em termos “in- ternos”, quando confrontamos variedades de uma ma lingua, ¢ em termos “externos” pelo pres- tigio das linguas no plano internacional, Houve época em que o francés ocupava a posico mais alta na escala de valores internacionais das lin guus, depois foi a vez da ascensao do inglés. O pas- so fundamental na afirmacao de uma variedade sobre as outras é sua associacao a escrita ¢, con seqiientemente, sna transformagao em uma va riedade usada na transmissao de informacies de ordem politica ¢ “cultural”. A diferenciagao po. litica € ura elemento fundamental para favorecer a diferenciacéo lingitistica. As linguas européias comegaram a ser associadas a escrita dentro de restritos ambientes de poder: nas cortes de prin- cipes, bispos, reise imperadores. O uso juridico das variedades linguisticas foi também determi- nante para fixar uma forma escrita. Assim foi que o falar de Tle-de-France passon a sera lingua fran- cesa, a variedade usada pela nobreza da Saxdnia passou a ser a lingua alemé, ete. O caso da historia do galego-portugués é sig. nificativo neste sentido. Os caracteres mais es: pecificos do portugués foram acentuados talvez ja no século XM. Esta tendéncia a reconhecer os caracteres mais especilicos das linguas semelhan- tes pode ser acentuada, como foi no caso do por tugués ¢ do galego, quando a regiao de uso de uma das duas variedades lingiiisticas constitui um centro poderoso, como foi a Galicia, desde 0 século XI. A lingua literdria chamada galego ? portugués que se difundiu na Peninsula Ibérica a partir do século XI er: a expresso, no plano lingitistico, do prestigio de Santiago de Compos icla A associacao entre uma determinada varie dade lingiiistica e a escrita é 0 resultado histori co indireto de oposicdes entre grupos sociais que cram e sio “usuarios” (ndo necessariamente fa- lantes nativos) das dilerentes variedades. Com a emergéncia politica ¢ econdmica de grupos de uma determinada regiao, a’variedade por eles usada chega mais ou menos rapidamente a ser associada de modo estivel com a escrita. Asso- ciara. uma varicdade lingtiistica a comunicagao escrita implica iniciar um processo de reflexio sobre tal variedade e um processo de “elabora- 40" da mesma. Escrever nunca foi e nunca vai sera mesma coisa que falar: é uma operacao que influi necessariamente nas formas escolhidas ¢ nos contetidos referencias, Nas nagées da Fuuro- pa Ocidental a fixacsio de uma variedade na es- crita precedeu de alzuns séculos a associagdo de tal variedade com a tradigao gramatical greco- latina, Tal associagdo foi um passo fundamental no processo de “legitimagaio” de uma norma. O conceito de “legitimacao" é fundamental para se entender a institui¢ao das normas lingitisticas A legitimagao & “o processo de dar ‘idoncidade’ ou ‘dignidade’ a uma ordem de natureza polit a, para que seja reconhecida ¢ aceita” (Haber- mas, 1976). A partir de uma determinada tradi 40 cultural, foi extraida ¢ definida uma varie. dade lingitistica usada, como jé dissemos, em gru- 8 pos de poder, ¢ tal variedade foi reproposta co- mo algo de central na identidade nacional, en- quanto portadora de uma tradicao e de uma cultura. Assim como o Estado e 0 poder sao apresen- tados como entidades superiores e “neutras”, também 0 cédigo aceito “oficialmente” pelo po- der € apontado como neutro e superior, ¢ todos os cidadaos (ém que produzi-lo e entendé-lo nas relagdes com poder. M. Bakhtin ¢ V. Voléshi- nov em sua obra de 1929 apontavam quatro prin cipios ptientadores de uma tfpica visdo “ofici e conservadora da linguagem dentro da tendén. cia que cle chamava de “objetivismo abstrato” 1. A lingua é um sistema estavel, imutavel, de formas linguisticas submetidas a uma norma for- necida tal qual & consciéncia individual e peremp. toria para esta. 2. As leis da lingua sao essencialmente leis Jingiiisticas especificas, que estabelecem ligacdes entre as signos lingitisticos no interior de um sis- tema fechado. Estas leis s4o objetivas relativa. mente a toda consciéncia subjetiva 3. As ligagdes lingtifsticas especificas nada em a ver com valores ideolégicos (artisticos, cog- nitivos ou outros). Nao se encontra, na base dos {atos lingitisticos, nenhum motor ideolégico. En tre a palavrae seu sentido nao existe vinculo na ural ¢ compreensfvel para a consciéncia, nem vinculo artistico. 4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da lingua, simples relragées ou va: Tiagdes fortuitas ou mesmo deformagoes das for- mas normativas. Mas sao justamente estes atos individuais de tala que explicam a mudanca his- torica das formas da lingua; enquanto tal, a mu danga é, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da lingua e sua historia ndo existe nem vinculo nem ajinidade de motivos. Eles sda estranhos en tre si. (1979: 68). Os cidadaos, apesar de declarados iguais pe- rante a lei, so, na realidade, discriminados ja na base do mesmo cédigo em que a lei é redigida, A maioria dos cidadaos nao tem avesso ao cédi- 20, ou, ds vezes, tem uma possibilidade redurida de acesso, constituida pela escola e pela “norma pedagégica” ali ensinada. Apesar de fazer parte da experiéncia de cada um, o fato de as p screm diserinsinadas pela maneira como falam, fenémeno que se pode verificar no mundo todo. no caso do Brasil ndo é dificil encontrar afirma: gSes de que aqui nao existem dilerengas dialetais Relacionada com este ato est o da distingao que se verifica no interior das relagées de poder en- © a norma reconhecida ¢ a capacidade efetiva de producao linglistica considerada pelo falan- te a mais proxima da norma. Parece que alguns iveis sociais, especialmente dentro da chamada pequena burguesia, tém tendéncia a hipercorre: do no esforge de alcangar a norma reconhecida. Talvez nao seja por acaso que, em geral, o fator da pronuneia & considerado sempre como uma marca de proveniéncia regional, e as vezes social, sendo esta a area da produgao lingiistica mais ficilmente “apagada” pela instrucao. A separacdo entre variedade “culta” ou “pa- drao” ¢ as outras ¢ Zo profunda devido a varios motives; a variedade culta é associada a escrita, como ja dissemos, ¢ ¢ associada a tradicao gra- matical; é inventariada nos diciondrios e é a por- tadora legitima de uma tradicao cultural ¢ de uma identidade nacional. E este 0 resultado his torico de tum processo complexo, a convergéncia de uma elaboragao histrica que vem de longe. 1. Uma perspectiva histéri Associar a uma determinada variedade lin gllistica 0 poder da escrita foi nos tltimos sécu- os da Idade Média uma operacao que respondeu a exigéncias politicas ¢ culturais. Eram grandes as diferencas entre as variedades lingiiisticas cor. rentes €o latim, modelo de lingua e de poder, na Europa da Tdade Média. As variedades lingiiisti cas associadas com a escrita passaram por um claro processo de “adequacao” lexical ¢ sintat ca, no qual © modelo era sempre o latim, Nas obras de Rei Alfonso X, que ‘‘traduzia” no sécu lo XII do latim para o castelhano, encontramos constantemente termos emprestados do latim introduzidos na variedadé usada com uma expli- cagio anexa: tirano, que quiere decir rey cruel. Co- locar uma variedade oral nos moldes da lingua eserita (tendo em vista a complexidade do latim) [oi operacao complexa, principalmente na sinta. xe. Na drea das conjuncdes ¢ da subordinacao, de expressées "elc., 0 proceso demorado. Nos textos mais an igos as ambi- idades que muitas vezes encontramos sao de vidas exatamente ao fato de que umas constru- escrita estavam ainda em boragaoe definicgo. As I arieda- s de complesidade comparavel 4 d modelo a que visavam, A segunda eta f estabelecid a tradicao gramatical greco. matical até ‘go da idade moderna era as- sociada somente com as duas linguas O pens: apontou o ca: magaio Des. nos primérdios desta tradicao da especulacao lingtistica se co- loca Pi a visio quase que iitica de um ori rio escolhedor de nomes que atribttia os no- 1e8 apropriados aos objetos. Tal visdo estava ain rocesso de elaboracao nos molde conccituais dentro dos quais foi col erecia mitos de orige! losotica, Somente e: bérica, na se; especulacao mo comego da expanséo colonial da metade do século XV, e com aesiruturagao definitiva dos poderes centr, estados europeus, os moldes da gramatica gt latina (segundo a tradicao de sisten Dionisio de Tracia) foram utilizados para val as variedades lingitisticas ese das com os poderes centrais e: ide uma dade lingiiistica era, no caso da Pspanha e de Pottugal do fim do século XVI, uma du ‘40 de poder: em termos internos, em relagao as outras variedades lingitisticas usadas na épo ca que eram quase que automaticamente reduri. dasa em termos externos, em rel iguas dos povos que ficavam na area d uéncia colonial. Na introdugao da primeira gramatica de uma lingua diferente das dua: suas clissicas, a da lingua castelhana, de Ante. de Nebrija (1492), enco: justifica tivas da existéncia da mesma granmatica. Tais jus tificativas sao colocadas em termos de utilidade da sistematizagav gramatical para a ngua entre os poves “barbarus”. No contexto da istas coloniais e da concor- rencia entre Espanha ¢ Portugal ¢ facilmente ex plicdvel o fato de que comecasse a ser elaborada a lingua portuguesa uma construggo ideo. logica para clevé-la e para ordené-la nos moldes i io de Oliveira, na introdugao da sua gramatica de 1536, mencionaya a expansao da lingua portuguesa entre os povos das terras B considerou 0 pap ‘gua portuguesa na expansao colonial. O que én cevidenciar que nem Nebr nem Jodo de Barros peteebe- jizada”. A lingua era um instrumento cl s relacdes externas era reconhecido; porém, nfo mene mento de poder interno, apesar de dicios também nesta direcao, noua dominagao juntas cresceram, floresceram ¢, n”. Joao de Barros, quase giienta anos di articulada: a ling wor da nossa Li difusao da apresentava uma visa ‘costumes, mas de difusio, pois Quer dizer, a ‘a perpeluar a pre- m quando a dominacao processo que tem como jaco de mitos de ori- matica das linguas ro- a, escreveu que “este periodo da nos pode caracterizar-se pelo seguinte: preocuy ‘ina com a portugues: tico da superioridade da face das outras, pr sua concorrente temiv A lini borado que posta sobre a diversidade, Dua de Led, a Origem da I 6) escrevi E por a muita semelhanca que a nossa lingua tem com ella (a latina) e que he a maior que haa lingua tem com & tal que em m palavras & periodos podemos Juntamente latinos & portugueses”. F tal semelhanca, NI lidade, ao produto que sejao ando de s de Leao se refere, na rea- ingistico do trabalho litera. tio € gramatical, a lingua “construida” durante séculos de elaboragao continua para ser utiliza da como lingua do poder politico e cultural. Por isto cle aponta a “bom uso” lingdistico da corte calerta contra as poss ias negativas de proveniéncia plebeia Adistai ficada na gra- matica c a realidade da variac&o devia ser enor- me jé na época em que a assaciagao entre uma variedade ca 5 tical, depois, foram realizadas. M. Bakhtin-V. Vo- loshinov aponta as relagoes entre a sistematiza 0 formalista ¢ a producao cul iniciadores de novas corre uea epoca de © que entdo comeca a malizaso; € 0 trabalho dos herd: 's dominades pela palavra all sarou de séonun No Brasil, ainda nao conhecemos (cientifi 08 fatores das classes mais cultas, de mo- do que a norma presente nas gram: conjunto de ¢ ria set, segundo os gramatico: escreyia em 1960, p. 73, citado por Castilho, 1973: “a réalidade nua e crua é que, malgrado o ndime- ro ponderaivel de estudos gramaticais, nao sabe- amos efetivamente o que € ¢ como é a lingua por- tuguesa, sobretuo no Brasil, e assistimos recidos ao divorcio crescente entre a1 matical ca: projeto que visa a reconhecer as caracti da norma culta do Brasil esta sendo desenvolvi do atualmente (Castitho, 1973). Em relagao a es- te desconhecimento d: tica do pais, podem ser lembradas as tendéncias inides sobre como a a ser defendida c cultivada, Talvez tenha sido José de Alencar v intelectual mais conhecido que de- fendeu nos scus escritos, implicita e explicitamen le, a idéia de Alencar séo iadas por uma perspectiva nativista segundo a qual a lingua “brasileira” de- veria se adequar a “simplicidade” de pensame toe da expressao do indio e do sertancjo. Como escreveu Silvio Elia (1978, pp. 113-135} 0 evolucdo fatal ¢ indigenas ‘Ainda uma ver.o interes um mito de origem para ingua, e para este fim a ” imagem do adio — construida na Europa pelo Romantismo — era nao, viva 1a, € associada a um ado, 2. Uma perspectiva lingitistica timados”, dos uma e variagdes dos contextos pode passar desp da, Entender nao € reconhecer um sentido ris © sentido de uma forma no contexto no qual cla aparece. Os dicionarios sio instrumentos centrais no processo chamado de Estandardizagdo que constitui um dos aspec- 0s lingitisticos do processv mais amplo da "le gitimacao”. Os dicionarios esto geralmente em relagao complexa e talvez.“‘dialética” com a lite: ratura aceita e em geral com o que é considera do 0 “corpus” escrito de u na medida em que nao s6 sancionam a aceitacao de itens le- xicais jé produzidos na lingua, mas tambesn cons- tituem a base de futuras aveitagées. Os diciond- rivs fornecem definicdes “ex cathedra” do con ulo referencial de inimeras palavras altamente relevantes na sociedade. Gramaticas e dicionarios podem ser, como no caso de varias linguas euro: Péias, produzidos por academias nacionais de le- tas ou da lingua. Tais academias podem ter ti do ou manter até o presente uma complexa fun- sdode intermediavias entre o poder politico ¢ eco- némico, de um lado, ¢ 0 conjunto de valores € ideologias a serem associados ou jé associados jodem interferir ao a obras literarias el” da lingua e a yramatica “oficial”. Quando em 1779 foi fun dada em Lisboa a Academia Real das Ciéncias, ram indicados como objetivos a elaboragao de um. dicionario © de uma gramatica oficiais. O podler das palavras € enorme, especialmen- te o poder de algunas palavras, talvez poucas cen- tenas, que encerram em cada cultura, mais no- ladamente nas sociedades complexas como as nossas, 0 conjunto de crencas ¢ valores aceitos © codificados pelas classes dominantes. Se pen: sarmos em palavras cote progressu, por exemn- plo, podemos constatar que exprimem certos con- etidos ideologicos cuja origem te identificavel. Progresso é uma palavra cultur dental do séeulo XX como democracia, ditadu 14, etc, Na variedade padrao, entdo, sao introdu: zidos © ples de manipular, jé que as for Uo associados ficam imob sim, quase que uma comunicacdo entre rupos, res da populacio, Todos nés sabemos qua de ser entendido ds noticias politicas de um Jor nal Nacional por individuos de be cacdo. A linguagem usada e 0 quadro de referén da. niciados nao nguagem padrao mas, n nos contetidos a elas associados. Assim, também, se a televisio e o radio aleangam uma a comunicagao d jase in formacées fica restrita a grupos relativamente re- duzidos entre os que tém acesso aos instrumen: tos de tais comunicacdes. Nas sociedades co énecessario um aparato politicos relativai acesso qualque! produego das mensagens de nivel sécio- relevantes e produzir mensagens eSté ligado, em primeiro gut, & competéncia nos codigos lingitisticos te n vel alto. Para reduzir ou ampliar a faixa dos even: is recep| 10 as nossas, -onhecimentos s6cio- le ser suficiente para dirigit encai im mais complexa a um grupo mais restrito uma mensags xada de dentro de um discurso de nivel get 9 mais acessivel. Em um recente trabalho (Lemle, J., 1977) no qual foi estudada a com M,, Naro A. sxidade sin- 21 tética na fala de suijeitos de classe social baixas (mobralenses) do Rio de Janeiro, lemos nas con- clusdes (p. 145): 1) Em termos cle competéneia lingtiistica de que fads poe pelo dominio da lingua falada, o adults alfabet F maiores dificuldades em tomar. se um leitor de variedades da lingua escrita equivalen. tes em complexidade a das historias em quadriuho, fotonovelas ¢ (boa parte de) a literatura nacional 2) Na leitura dos joruais, encontears uma poreemtagem pequena de sentencas de complexidade maior do que aquelas que estio dentre dos seus limiares superiores de uso, Isto simplesmmente em termos de complexi dade sintitica, mas quantos seriam os atures le xicais e de contetido que, além das construcées sintaticas, poderiam dificultar a comunicacao? Como ja notamos, o problema é, por um la- do, de compreenséo de mensagens ¢ conteiilos ©, por outro lado, de produc de mensagens. A comegar do nivel mais elementar de relagées com © poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear 0 acesso ao poder. Para redigir um documento qualquer de algum valor juridico é realmente necessario néo somen- teconhecer a lingua e saber redigir frases inteli giveis, mas conbecer também toda uma fraseo- logia complexa e arcaizante que é de praxe. Se nao énecessério redigir, é necessario pelo menos entender tal fraseologia por tras do complexo sis. tema de clichés e frases feitas Este aspecto especifico da linguagem usada nos documentos juridicos é semelhante ao fend. [Eitan RSI eno linguistice das linguagens especiais, cons- itaidas cm geral de iéxicos efetivamente espe- ciais usados nas estruturas gramaticais e sintd tieas das variedades lingtiisticas utilizadas na co. munidade. A fungao central de todas as linguas Hens especiais ¢ social: elas tém um real valor co. municativo mas excluem da comunicagao as pes- soas da comuuidade lingtistica externa av gru po que usa a linguagem especial e, por outro la do, tém a funcao de reafirmar a identiciade dos integrantes do grupo reduzido que tem acesso a linguagem especial. A funcao de comunicacao se- creta (defesa do ambiente externo) ¢ de conse! vacao dé-nogdes e tecnologias das quais o grupo mais restrito é portador é estritamente associa. da a fungao central das linguagens especiais, Existem linguagens especiais (no sentido de le. xicos especiais) reservadas nao tanto a determi nados ambientes sociais quanto a ocasides deter- minadas (jogos, atividades esportivas, ete.) Tipicas linguagens especiais sao as girias de malandros ¢ semethantes, das quais existem mut tos léxicos compilados desde 0 século pussadlo em Portugal eno Brasil. Na realidade, entre tais lin- guagens ¢ jargées profissionais, dos fisivos, por exemplo, é dificil apontar uma discriminanie em termos lingiiisticos e de fungao social. Os jargoes profissionais podem ser as vezes muito conser- vadores e As vezes mais inovadores. f comum que uma lingua especial faga uso de léxico provenien- tede alguma lingua estrangeira ou externa a lin. gua da comunidade e também de Iéxico elabora- do pelos integrantes do grupo restrito e as vezes constantemente renovado, para poder manter a fungao central da linguagem especial, de definir © grupo em relacao ao ambiente lingiiistico em que vive. Para as girias ¢ os jargées é também relevan te considerar o universo conceitual ¢ referencial em relagao 20 qual existem. E claro que nao é su- ficiente “conhecer”’ o Iéxico para entender uma mensagem em giria ou em jargao. E necessario ser dealguma forma “interno” aos contetidos re- ferenciais para entender algo das mensagens, Neste aspecto, as yirias e os jargoes podem ser comparados aos usos mais especilicus da varie. dade‘padrao de uina lingua associados com as co- municacées, mais relevantes em termos de poder: comunicacées juridicas, econémicas, politicas, etc., quase que impenetravcis as grandes massas, nao s6 pela variedade lingiistica usada para transmiti-las, mas também pela complexidade e especificidade dos contetidos dos referenciais transmitidos. Os dois aspectos nao sao indepen dentes; as variedades padrdes sao como sao, tam bém porque foram desde varios séculos 0 cédi- #0 em que certos tipas de informages foram co. dificadas © muitas informacoes puderam ser (ransmitidas e elaboradas, a partir do fato de que existia uma variedade lingtistica adequada 3. Gramatica normativa e discriminacao Por que nas tiltimas décadas a discussao eo Questionamento da natureza e da propria existen: cia de uma norma lingtiistica veio a ser tema Lo freqitente para os lingaistas e os educadores? Talvez exista uma contradicao de base entre leologia democratica e a ideologia que ¢ impli cita na existéncia de uma norma lingiiistica. Se ndo os principios democraticos nenhuma dis- riminacdo dos individuos tem razao de ser, com base em critérios de raga, religiao, credo politi co. A dnica brecha deixada aberta para a discri tninagdo é aquela que se baseia nos critérios da linguagem ¢ da educagao. Como existe uma con tradicao de base entre a idéia fundamental da de- mocracia, do valor intrinsecamente igual dos se- res huntanos, e a realidade na qual os individuos 1 um valor social diferente, a lingua, na sua versio de variedade normativa, vem a ser um ins- trumento central para reduzir tal conflito, Dai a sua posicao problematica e incmoda de media- dora entre democracia ¢ propriedade. Em lingiiistica a posi¢go antinormativa foi estabelecida como uma visdo abstrata segundo 2 qual todos os dialetos tém um valor intrinseco igual em termos estritamente lingiiisticos. Este credo, que tem suas raizes na tendéncia que M. Bakhtin-V. Voloshinov (1929) chamou de “obje- tivismo abstrato”, aprofundou a distncia entre os lingtiistas ¢ os professores de lingua. Os lin- guistas, como conseqiiéncia desta posigao abstra- ta que assumiram, ficaram quase que por um aca so teérico, eu diria, av lado dos credos democra ticos, contra a visao, generalizada e enraizada na sociedad, da desigualdade entre lingua padrao, doum lado, ¢ os falares ou “dialetos” do outro. A gramatica normativa escrita ¢ um resto de 6pocas em que as organizacoes dos Estados eram explicitamente ou declaradamente autoritarias e centralizadas. Nas democracias, as pessoas que tem que to: mar decisdes para a coletividade tem o poder de tomar tais decisdes legitimado de alguma forma com base no saber de que elas dispacm: 0 prin pio seria de que © saber necessdrio para tomar decisGes coletivas € diferente em qualidade e em quantidade do saber necessario para tomar de- cisdes de valur ou alcance individual ou familiar, Para tomar tais decisées é necessirio conhecer nocées titeis para a subsisténcia didria. Ao con- rétio, no saber considerado relevante para legi- limar decisdes de cardter pitblico, é importante uma componente de saber que nao tem aplicagdes praticas, tal como filosofia, historia, linguas clas- sicas, literatura, Estas areas de saber e de ativi dade intelectual estdo em relacdo estrita com a verbalizagdo ¢ a expressao lingiiistica em geral, ea retorica em particular Na fase de definicao do conceito e da fungo da norma lingiiistica para as linguas das monar: quias européias, fase que coincidiu com a época historica de fortalecimento das grandes monar. quias, {vi o saber cléssico que foi usado para dar valor e credibilidade As gramaticas dos falares “vulgares” e para expandir os léxicos através de uma quantidade de empréstimos do Latim e do $rego. © corpus de conhecimento constituide pela radicdo clissica, nao utilitario em sentido trivial, esta associado com a virtude, com a sabedoria, coma respeitabilidade, caracteristicas estas que constituem um amparo de legitimacao para exer ver o poder das decisdes de alcance pablico, Tam- hem a avaliagao da quantidade de valor social ribuida a cada pessoa no sistema de sclegao bu- rocritica de massa é realizada por pessoas cuja posigdo [oi legitimada por outras pessoas em ou: tra posicaoe assim, digamos, numa cadeia de le- xitimagées cuja histéria perde-se além do alcan- ce da meméria individual. O fato é que na cadeia de legitimacao do saber ndo aconteceu nenhuma revolucdo, nenhuma mudanea do poder absolu- to para o constitucional, nenhuma mudanga da monarquia para a repablica, etc. A cadeia de | gitimagao do saber vem em linha direta de des- cendéncia. A gramatica normativa é o elemento privilegiado nesta linha dircta de poder absolu- to. Afinal, as ciéneias e a propria filosofia admi- tem a critica e a refutacao explicita do que pre: cedeu ou de fases de atividade intelectual. Nao € 0 mesmo para a lingua padrao, Uma série de pequenas mudanyas caracterizam as gramaticas normativas de diferentes épocas: ¢ assim que uma gramatica de hoje estabelece uma norma que cer tamente ¢ diferente da que encontramos numa gramética do século XVI ou na gramatica de Fernao de Oliveira. Porém, tal como na religiao, hos valores morais e éticos, na norma lingitisti- ca nao aparece uma critica explicita de fases an- tcriores, Pelo contrario, a impressdo que é trans- mitida é de continuidade. 0 paralelo com a reli gifo c a formalizagio da série de crencas ¢ valo- res é util: podemos pensar na distancia, em ter- mos de dogmas, pralicas e crengas, entre 0 cato- licismo do século XV e o atual. Ainda assim a idéia que é transmitida como caracteristica cen- tral da igreja ¢ a de continuidade ¢ estabilidade. As metaforas fortemente ideolégicas nas quais a figura social do professor, peca-chave do processo burocrético-seletivo da escola do Estado “demo- cratico” modero, € apresentada como a de cum pridor de uma “misao” (quase que sagrada) do ensino sao altamente significativas para pensar este paralelo lingua-religiao. Seas pessoas podem ser discriminadas de for ma explicita (¢ nao encoberta) com base nas ca- pacidades lingiiisticas medidas no metro da gra- matica normativa e da lingua padrao, poderia pa- recer que @ difusio da educacao em geral e do conhecimento da variedade lingiistica de maior prestigio em particular é um projeto altamente demoeratico que visa a reduzir a distancia ontre grupos sociais para uma sociedade de “oportu nidades iguais” para todos. Acontece, porém, que este virtual projeto democriitico sustenta ao mes- mo tempo o proceso de constante redefinigéio de uma norma e de um novo consenso para ela. A propria norma é consiantemente redefinida e re. volucada na realidade sécio historica, acumulan do assim ao mesmo tempo a prépria razio de scr © © consenso. Os que passam através do proces- so sto diferentes dos que naa o conseguiram, ¢ constituem uni contingente social de apoio aos fundamentos da discriminacdo com base na le- gitimagao do saber e da lingua de que eles (for. malmente) dispoem. Neste sentido, poderfamos dizer que a gramaticalizagio de muitas linguas ‘curopéias que aconteceu no sécule XVI, num cou. texto historico especifico, contimua a se reprodu- vir de outra forma até nas sociedades “emocré 28 ticas” com altos niveis de educagio. Este proces so € em parte devido ao fendmeno, bem conheci- do por antropdlogos, que Bourdieu e Boltanski (1975) chamam de “amnésia da genesis”. A curta meméria social e histériea permite um tipo de le- gitimagao que nao seria possivel se a origem das instituig6es sociais e 0 seu significado e lunge fossem perleitamente explicitos para todos. A.am- nésia da genesis, pelo contrario, permite que se aprenda a granuitica normativa fora das condi g6cs poljticas de sua instituicao, “contribuindo, assim, para funclar a legitimidade da lingua of cial” (Bourdicu ¢ Boltanski, 1975: 6). Esta amné- sia leva a um Lipo de “explicacao” tautolégico: ja que existe uma norma para ser ensinada, ¢ bom que todo mundo aprenda esta norma, Da mesma forma, muitos rituais sao “explicados” pelos na- tivos de forma tautoldgica: “fazemos isso porque isso sempre foi feito”. Esta idéia de continuida de ¢ de necessidade é um tragu fundamental do processo de legitimagao. Processos que so considerados “demacré ticos”’ liberadores, tais como as campanhas de allabetizagao, de aumento das oportunidades ¢ dos recursos educacionais, estio muitas vezes conjugados com processos de padronizagio da lingua, que sao menos obviamente democraticos © “liberadores”. A chave da unidade profunda destes processos é a fungao, que eles vio assumin. do, de instrumentos para aumentar o controle do Estado sobre faixas menos controlaveis da popu: Jaco. Os grupos sociais que mantém poucos con: alos com 2 variedade padrao da lingua, que usam ¢ produzem pouco material escrito, sdo mais di- 2 tar a cles um instrumento poderoso para deter ar sua posicao social relativa, Isso num mun. ico", em que outras importa marcas explicitas de posigdes sociais podem ser reduridas. Passar forgosamente as pessoas atra vés do ttinel da educagao formal significa forne. cer aclas alguns parémetros para reconhecer as posicées sociais ¢ fornecer um mapa da estrat ficagao social com alguns diacriticos relevantes para o reconhecimento de quem é quem: um ins- trumento a mais para medir a desigualdade so- cial. Neste sentido também a educacdo ¢ parte de um proceso que visa a produzir cidadéos mais “eficientes”, isto é, mais produtivos, mais funcio- ais ao Estado burocrético moderno, abertos pa- emas padronizados de comunicagao e pror los para interagir na sociedade, Estas reflexoes nos levam para um segundo icdo lingiiistica, Este idéia de lingua como geralmente aceita. A visi icional da lingua é mu , com uma énfase forte sobre as estruturas \gitisticas, Como é uma visdo derivada da tra: dicdo escrita, fatos como "sotaque”, prosédia otras ¢ icas “"menores” nao sao consi- derados formalmente como parte da lingua, mas obviamente eles desempenham um papel central na real comunicagao face a face, Quando os lin- gilistas e, ainda mais, os donos da gramatica nor- mativa fazem referéncia as estruturas ling! cas ou as regras, eles fazem referéncia somente a parte de totalidade dos sinais da comunicacao, descontextualizados da totalidade dos sinais co- 30 nunicativos que se dao na real interagao verbal calace. Este tipo de abstracao permite na rea. idade uma discriminagdo que vai além do sim- ples daminio ¢ uso da gramatica normativa. Até 10 caso em que alguém conseaue controlar as es: truturas gramaticais ¢ 0 léxico da variedade lin: ‘Ao, cle ou ela ainda deveré passar através do teste da interacao face a face, que im ica a producao de uma fonologia e de uma pro- magoes/ou dos contetidos. Além destas ea risticas éstritamente relacionadas & lingua, ha ou- tras, tais como as posturas do corpo, do olhar, etc. Tudo isso entra, na ‘julgamento” através do qual uma pessoa tem que passar, mas nada disso esta implicitamente mencionado ou legislado na gramatica normativa. Nesta perspectiva, a gramatica normativa & um codigo incompleto, que, como tal, abre espa- go para a arbitrariedade de um jogo j4 marcado: ganha quem de saida dispée dos instrumentos pa- Fa ganhar, Temos assim pelo menos dois n © 0 nao dito ou 40" da discriminagao lingitistica foi lizada e discutida por A. Gramsci no iltimo dos seus cadernos de anotagdes, de 1935 (1975). Gramsci, trabalhando num contexto cu co mo o da Italia, em que a questao da lingua macio nal continuou viva até o século XIX, se coloca o problema: “o que ¢ a gramatica?”. A resposta que ele elabora se articula sobre a distineao entre gramatica normativa ndo escrita” e “gramati- 31 ca normativa escrita”. Para Gramsci a realidade A primeira é a expressao da sociedade civil, re. presenta um momento de consenso esponténeo 4 norma lingiiistica dos grupos sociais hegemé. nicos. Ja a gramatica normativa escrita “é sem- pre uma escolha, um endereco cultural, isto 6, é sempre um ato de politica cultural-nacional Poder-se-é discutir sabre a melhor maneira de apresentar a 'escolha’ ¢ 0 ‘endereco’ para que aceita facilmente, isto ca representa um momen- nposictio de uma norma lingiifstica atra- vés das instituigoes do Fstado, controladas pela soviedade politica. “As aramaticas normativas es- critas tendem a abracar todo um territério n cional e todo o ‘volume lingiiistico’ para criar um conformismo lingiifstico nacional unitario, que Por outro lado coloca o ‘individualismo expr sive’ num plano mais alto, porque cria un esque. ygéneo para o organismo lin- gilistico nacional, do qual cada individuo é 0 re- Hlexo e o intérprete” (Lu Piparo, 1979), 0 profw que muitos lingitistas ¢ educadores manifestam de vez em quando, de ‘ou menos timida e disfarcada, com relagdo A gramatica normativa é, na realidade, di- rigido principalmente contra o que Gramsci cha mava de “gramatica normativa escrita”. Se é ver- dade que um tipo de “gramatica normativa nao escrita” existe até em pequenos grupos de socie- dades agrafas onde nao se formou o Estado, co: a. escola e uma gramatica nor- ramética normativa nao es- erita”” assume um valor especial, uma fungao de equilibrador hegembnico que desempenha um pa: pel de apoio ¢ de polarizador de consenso para niicleo central do poder lingiiistico, represen tado pela gramatica normativa escrita, manifes- tacio explicita do poder centralizador e onipre sente do Estado, mativa escr Releréncias hibliogréficas Bou guc", cm Acres de la vechere Castilho, A, Teixeira de. 1973 "O estudo da norma Boston: Beacon Press, B CAPITULO 2 ‘CONSIDERAGDES SOBRE 0 CAMPO DF. FSTUDO DA ESCRITA Introducao A dicotumia conceitual basiva entre povos que tém e povos que nao tém um sistema de es- crita — dicotomia que esté na base da distingao jea contra-

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