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Y DzA Queda da Casa de Usherdz, baseado na obra de Edgar Allan Poe, nos
permite analisar com profundidade a teoria do cinema de Jean Epstein. O filme,
de 1928, narra a história de um homem que, a convite de um amigo, vai a sua
casa para ajudá-lo a cuidar de sua mulher, aparentemente desfalecendo de uma
doença inexplicável. A casa de Usher, rodeada de mistérios, é temida por todos a
quem o homem pede ajuda.
É possível identificar em diversos momentos do filme a importância da
fotogenia para a obra de Epstein. Epstein se refere à fotogenia como Dzqualquer
aspecto das coisas, seres ou almas cujo caráter normal seja realçado pela
reprodução cinematográficadz. Sua crença na força das imagens como único e
maior dispositivo da arte cinematográfica põe em questão a todo o tempo o olh ar
fílmico. Assim, uma lupa, o reflexo de uma poça, o foco no canto do quadro, as
sobreposições e o super close dos corpos no filme distorcem, revisam e
exacerbam a potencial expressão do quadro e, por conseqüência, da narrativa. A
Dzmagiadz da fotogenia de Epstein pressupõe que as imagens sejam sentidas antes
que explicadas.
Abel Ganceafirma que, na arte cinematográfica, os espectadores Dzouvem
com os olhosdz. Este ritmo na sucessão, aceleração, desaceleração e reversão dos
planos é extremamente presente em DzA Queda da Casa de Usherdz. As cortinas da
Casa de Usher reproduzem cordas de uma harpa ou teclas de um piano. A
cortina, um dos elementos mais marcantes do cenário, mesmo que certas vezes
montada sem relação direta com a narrativa no sentido explicativo, marca uma
estética visual pulsante, movimentada, desorientada. Em favor da diegese, os
tecidos ao vento provocam e sublinham o tormento ao redor do ambiente da
casa.
Outras metáforas visuais se apresentam na obra: a floresta ao redor da
casa envolta pela neblina; o aprisionamento da mulher, explicitado no início pelo
cenário e pela proporção do plano; o caixão e a ênfase nos pregos; o véu que
acompanha a morte da mulher; as velas sobrepondo as imagens do enterro; a
água do rio (que pode estar parada ou revolta de acordo com a tensão dramática
necessária).
Epstein se utiliza da obra de Poe para criar um jogo que põe em questão a
própria natureza das imagens. O quadro que Usher pinta de sua mulher é, na
visão do personagem, Dzem verdade, a própria vidadz. A imagem da mulher em
relação a seu retrato ou a uma estátua torna-se equivalente. Se estão no quadro,
no plano, então são igualmente vivos. Metaforizando o cinema, é na pintura que
vive a mulher, como é na tela que vive a personagem.
Esta Dzvidadz própria das imagens, fascinante na visão de Epstein, dá-se na
medida em que, independente de representação, o humano possa ser visto com
maior proximidade e intimidade. DzNão olhamos a vida, nós a penetramosdz. O
homem fotografado por Epstein, visto obsessivamente de perto, é interessante e
encanta porque Dzsimplesmente como homem, o mais belo animal da terra, anda,
corre, pára e se volta, às vezes, para oferecer seu rosto como alimento ao
espectador vorazdz. E é com igual voracidade que somos capazes de recebera
proximidade de suas imagens: o rosto do pintor, as mãos de sua mulher, a
anatomia escancarada, os pincéis, a natureza. Personagens e cenários que,
relativamente realistas, beiram o expressionismo pelo abuso da proximidade
(que distorce e deforma a perspectiva) epela ambiciosa manipulação da
fotogenia.
As imagens de DzA Queda da Casa de Usherdz atiçam e provocam os sentidos
do espectador de maneira abstrata e poderosa. Revolucionário para sua época,
Epstein, prova a força do cinema como técnica artística, impressionista, distante
do magnetismo realista proposto pelo cinema da narrativa clássica. A Dzcoladz
entre o espectador e o filme, aqui, se dá muito mais pelos sentidos que pelo
entendimento e assimilação da narrativa. A impressão de realidade, nesse caso,
pode ser mais forte mesmo que mais subjetiva. Segundo Epstein, DzPor
desenvolver o alcance dos nossos sentidos e jogar com a perspectiva temporal, o
cinematógrafo torna perceptíveis pela visão e pela audição indivíduos por nós
considerados invisíveis e inaudíveis, divulga a realidade de certas abstrações.dz

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