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ARTIGO ARTICLE 2207

Consórcios de saúde: estudo de caso exitoso

Health consortia: a case study of best practices

Luiz Antonio Neves 1,2


José Mendes Ribeiro 3

Abstract Introdução

1 Secretaria Municipal de Local Health Consortia have been used as alter- Os Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS)
Saúde de Piraí, Piraí, Brasil.
2 Centro Universitário
natives and innovative models for improving representam arranjos organizacionais tradicio-
de Volta Redonda, health care provision. They are closely linked to nais no setor saúde. Têm sido objeto freqüente
Volta Redonda, Brasil. the strategy aimed at regionalizing health care de avaliações de resultado, impacto e mecanis-
3 Escola Nacional de Saúde
in Brazil and are in keeping with the health sec- mos de implementação pela comunidade aca-
Pública Sergio Arouca,
Fundação Osvaldo Cruz, tor’s administrative reform process, seeking dêmica. Além disso, estas soluções são debati-
Rio de Janeiro, Brasil. greater efficiency, rationality, and quality in the das no âmbito da política setorial, sendo alvo
supply of services to the population. In the de- de freqüentes polêmicas. Mais recentemente, o
Correspondência
L. A. Neves velopment of such forms of cooperation, we tema retornou para o centro da agenda política
Secretaria Municipal view some consortia as weak structures with a do setor saúde e a outras áreas como ciência,
de Saúde de Piraí.
Rua Aníbal Costa 84,
short lifespan, while others have survived for tecnologia e saneamento, como resultado de
Piraí, RJ 27175-000, Brasil. considerable lengths of time. This case study on projeto governamental.
luiz.neves@pirai.rj.gov.br the Penápolis Consortium, the oldest in Brazil A sanção presidencial da Lei n. 11.107 em 6
(having lasted for 14 years), examines the dy- de abril de 2005, enfatizou a importância dos
namics of cooperation and the reasons for its consórcios como mecanismo de governança
sustainability. Its formation is a mixture of re- regional, favorecendo novas soluções em ges-
structuring the regional supply and the entre- tão pública, normatizando de modo inédito no
preneurial spirit of its leaders, along with State país a figura do governo regional. Com isso, mui-
incentives. The Consortium’s local capacity to tos consórcios constituídos inicialmente como
solve cases with quality care and flexible man- entes privados iniciaram medidas para sua con-
agement has proven to be an important factor. versão em entes públicos.
Participants share the important notion that Os objetivos principais deste artigo incluem
the operational rules are fair, and the reasons efetuar um estudo de caso exitoso sobre o CIS
for its success stem from the collective percep- mais antigo do setor saúde (em funcionamen-
tion of reasonably symmetrical political gains to há cerca de 18 anos) e elaborar um conjunto
as the result of political cooperation. de recomendações, com base na experiência
analisada (benchmark), para adaptações a ou-
Health Consortia; Health Planning; Health Policy tras experiências de CIS.

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Descentralização política e consórcios duais de Saúde (SES) e o seu retorno recente co-
de saúde no Brasil mo coordenadores regionais do SUS 27, podem
explicar os resultados de pesquisas recentes
O processo de descentralização da política de onde estas são consideradas pelos municípios
saúde no Brasil levou a um significativo incre- como parceiras mais diretas na gestão setorial
mento das atividades e da participação dos mu- do que o próprio Ministério da Saúde, cujas fun-
nicípios na provisão de serviços de saúde. A le- ções de financiamento do setor são mais valo-
gislação desde a Constituição Federal de 1988, rizadas 28.
a Lei Orgânica da Saúde e as Normas Operacio- Neste cenário, alguns estados passaram a
nais Básicas do Ministério da Saúde 1,2,3,4 defini- induzir a formação de consórcios com incenti-
ram uma modelagem de descentralização que vos e financiamento de estruturas regionais vol-
colocou os municípios no centro das responsabi- tadas para assistência de média e alta comple-
lidades pela execução dos serviços de saúde. Es- xidade, como no caso de Minas Gerais, onde a
te tema tem ocupado o centro do debate políti- excessiva dependência dos recursos financei-
co no setor saúde desde os primórdios da refor- ros revelou fragilidades políticas locais e com-
ma sanitária até as análises sobre os problemas prometeu a sustentabilidade destas parcerias.
observados no Sistema Único de Saúde (SUS), Outros consórcios surgiram por percepção e
sendo objeto de diversos enfoques 5,6,7,8,9,10,11. escolhas políticas de lideranças locais em favor
Se por um lado os municípios tiveram forte da cooperação regional, para ampliar a oferta
influência e responsabilidade na execução des- de serviços médicos especializados. Por fim,
sas tarefas, os estados por sua vez experimen- existem consórcios, como no caso do Estado do
taram uma perda significativa de suas funções Mato Grosso onde a participação do Governo
executivas e não alcançaram sua finalidade de Estadual favoreceu a sustentabilidade das par-
organização de sistemas regionais hierarquiza- cerias locais por mecanismos de indução de
dos. Além disso, a União preservou as estrutu- uma efetiva política de regionalização, conforme
ras de gestão e o quadro resultante pode ser vis- demonstrado por Guimarães & Giovanella 22.
to no âmbito dos conflitos federativos do país Os consórcios favorecem estratégias de des-
na forma como tratado por especialistas no te- centralização na direção de objetivos gerais do
ma 12,13. SUS para a regionalização e a hierarquização
Os CIS aparecem neste cenário como uma da oferta de serviços. São inovações do setor
das alternativas de organização regional capaz público que podem ser incluídas entre iniciati-
de superar problemas de oferta de serviços e vas que, embora não façam parte da agenda
atenuar os aspectos competitivos do nosso fe- predominante da Reforma do Estado, geram so-
deralismo. Entretanto, se claro está que os con- luções organizacionais que se afastam do mo-
sórcios resultam em vantagens para os municí- delo típico da administração direta. Favorecem
pios consorciados e sua população, como apon- a construção de sistemas regionais pactuados,
tam alguns estudos, as razões da sua indução e respeitando o fluxo natural da demanda exis-
da sua sustentabilidade necessitam de maior tente, facilitando o acesso e buscando conferir
investigação e são objeto comum de controvér- maior eficiência no uso dos serviços. Ademais,
sia 14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26. as coalizões feitas em torno dos consórcios, de
Os consórcios, em sua grande maioria, bus- uma maneira geral, têm aumentado a coopera-
cam superar as deficiências na assistência à ção entre os participantes, mesmo de diferen-
saúde, notadamente na área de consultas mé- tes partidos políticos.
dicas de especialidades, exames de média e al- O Ministério da Saúde assinalou em dois
ta complexidade e terapias diversas, sem esta- importantes documentos 29,30 a relevância dos
rem necessariamente subordinados ao contro- CIS como fator de integração regional de siste-
le do governo estadual. O menor comprometi- mas municipais. Consórcio intermunicipal es-
mento de governos estaduais no financiamen- tá definido na legislação desde a Constituição
to às políticas de saúde enfraqueceu, ao longo Federal de 1937 19, com a previsão do agrupa-
dos anos 90, a formação de sistemas regionais mento de municípios, dotado de personalidade
e impulsionou a solução por meio de CIS tam- jurídica, para exploração de serviços públicos
bém como alternativa de financiamento, seja em comum.
no custeio dos serviços ou em termos de políti- Os aspectos legais foram discutidos por Car-
ca de investimentos. valho & Santos 31, ressaltando que os consór-
Por outro lado, a participação dos governos cios intermunicipais em saúde estão previstos
estaduais se deu principalmente no apoio téc- na Lei Orgânica da Saúde n. 8.080 de 19 de se-
nico aos municípios. As funções de cooperação tembro de 1990 e na Lei n. 8.142 de 28 de de-
técnica desenvolvidas pelas Secretarias Esta- zembro de 1990. Santos 21 define os consórcios

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CONSÓRCIOS DE SAÚDE: ESTUDO DE CASO EXITOSO 2209

como acordos despersonalizados, firmados en- tes entre municípios. Na sua relação com o se-
tre entidades públicas da mesma espécie ou do tor privado observam-se efeitos regulatórios
mesmo nível para a consecução de objetivos de importantes na formação de preços e na am-
interesse comum, município com município, pliação do poder de barganha dos governos lo-
estado com estado, autarquia com autarquia. cais. Os resultados políticos da cooperação fa-
Podem se unir para o desenvolvimento de ati- vorecem a sustentabilidade de muitos consór-
vidades comuns ou para a implementação de cios. Os consórcios de saúde disputam, na are-
programa de interesse de todos os consorcia- na política, o protagonismo como solução or-
dos. Destaca também as diferenças quanto à fi- ganizacional e geram debates e disputas quan-
gura dos convênios, afirmando que nestes po- do são apresentados para resolver problemas
dem associar-se pessoas físicas ou jurídicas, de locais da política setorial. São duas as princi-
direito público ou privado uns com os outros, pais tendências para a organização de consór-
conforme o interesse de cada um. Segundo Di cios e ambas incluem a participação do gover-
Pietro 32, na elaboração do consórcio é aplicá- no estadual. A livre associação de municípios
vel a Lei n. 8.666/93, que rege as licitações e con- que se organizam segundo características polí-
tratações públicas, porém destaca, nos termos ticas próprias e com uma regionalização que
desta mesma Lei que, face às finalidades do respeita estas mesmas características, e de ou-
consórcio, a exigência de licitações para a sua tro lado, uma forte indução governamental pa-
formação não se aplica. ra organizar regiões de saúde segundo as pre-
Existia, entretanto, até o presente, um deba- ferências do executivo estadual.
te sobre a necessidade da constituição ou não Do estudo de Lima 19, destacamos a obser-
de uma personalidade jurídica para a execução vação de que há uma variação significativa no
do consórcio. O Ministério da Saúde na carti- porcentual de municípios consorciados e a po-
lha O Consórcio e a Gestão Municipal 30 sugeria pulação coberta, nos estados analisados, con-
a formação de uma sociedade civil sem fins lu- forme mostra a Tabela 1.
crativos para a gestão dos consórcios. Dentre esses municípios, 95% têm menos
Por outro lado muitos juristas assinalavam de 50 mil habitantes, sendo 60% com menos de
a necessidade do comportamento administra- 10 mil habitantes, o que sugere se tratar de um
tivo dos consórcios corresponderem ao de qual- modelo de organização e de cooperação típico
quer órgão público, estando submetidos às mes- de cidades de pequeno porte, com vistas à su-
mas regras como licitações e concursos, por se peração de problemas comuns que sozinhos
tratar de uma associação de órgãos públicos, não conseguiriam resolver. Não há ainda no
gerindo dinheiro público e prestando serviço país uma única capital que pertença a consór-
público. cio, embora municípios de grande porte ado-
A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de ju- tem esse tipo de associação.
nho de 1998, que trata da Reforma Administra- Os estudos citados demonstram que de uma
tiva, trouxe para o plano constitucional a figu- forma geral, os consórcios de saúde no Brasil
ra do consórcio, consolidando o pensamento se organizam em torno de assistência especia-
associativista de muitos administradores. A lizada, serviços de diagnose e terapia, consti-
edição da Lei n. 11.107 de 6 de abril de 2005, tuindo-se como uma sociedade civil de direito
normatizou o disposto no Art. 241 da Emenda privado, com sua execução seguindo regras pú-
Constitucional n. 19. blicas conforme já consagrado na opinião de
A formação dos CIS teve impulso a partir de diversos juristas. A sua estrutura decisória é
1993, embora existam relatos de consórcios des- centrada num Conselho de Prefeitos e a geren-
de 1986, como na região de Conchas e o da re- cial em um órgão executivo. Por outro lado, no
gião de Penápolis. Podemos observar um au- que tange ao financiamento, observamos nos
mento crescente dessas parcerias, de um total estudos existentes que municípios se cotizam
de 109 consórcios existentes em outubro de para a manutenção da estrutura de funciona-
1997 para 143 em dezembro de 1998 envolven- mento e para a provisão de serviços, ao mesmo
do 1.748 municípios 33. Um ponto comum en- tempo em que executam estes serviços numa
tre as experiências observadas se refere às van- base municipal recebendo transferências do
tagens da associação e estão para além da am- SUS. A existência de um ente privado (consór-
pliação de serviços médicos especializados, de cio) que executa serviços leva a uma separação
diagnose de média e alta complexidade e de re- da estrutura de financiamento pelos municí-
cursos terapêuticos. Os municípios envolvidos pios envolvidos e a própria provisão pelo ente
estruturam sua rede de acordo com a sua capa- consórcio.
cidade e reduzem a sua capacidade ociosa, oti- Mecanismos de controle sobre as suas ati-
mizando seus serviços e a referência de pacien- vidades estão previstos, ora como acompanha-

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2210 Neves LA, Ribeiro JM

Tabela 1

Municípios consorciados e população coberta, por Estado. Brasil, 1997.

Estado Habitantes Municípios Consórcios Municípios População


consorciados coberta
n % n %

Minas Gerais 16.673.097 853 54 636 75,0 9.694.504 58,0


Mato Grosso 2.235.832 126 5 66 52,0 961.596 43,0
Paraíba 3.305.616 223 1 10 4,5 82.618 2,5
Paraná 9.003.804 399 16 274 69,0 4.214.947 47,0
Rio Grande do Sul 9.637.682 467 2 55 12,0 890.621 9,0
Santa Catarina 4875.244 293 5 84 29,0 847.093 17,0
São Paulo 34.120.886 645 8 79 12,0 1.900.135 5,6
Total 79.852.161 3.006 91 1.204 40,0 18.591.514 23,0

Fonte: Lima 19 (modificada)/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1996).

mento das próprias atividades do município ros de saúde dos municípios participantes. Foi
via Conselho Municipal de Saúde, ora por for- realizado ainda um grupo focal com a partici-
mação de um Conselho Intermunicipal de Saú- pação de quatro conselheiros de saúde locais.
de. Diversas experiências têm se mostrado du- No modelo de estudo de caso utilizado, as di-
radouras e sustentáveis, e este estudo busca mensões e variáveis analisadas foram estrutu-
analisar os mecanismos e aspectos que favore- radas de modo a serem observadas em todas as
cem o êxito e as possibilidades de dissemina- dezenove entrevistas. A saturação dos temas foi
ção de soluções políticas e organizacionais assegurada pelo roteiro de entrevistas e pela
adotadas. Como caso exemplar foi escolhida a atuação dos autores na qualidade de entrevis-
experiência mais antiga e conhecida (o Con- tadores. As percepções e informações obtidas
sórcio Intermunicipal de Saúde da Região de foram verificadas principalmente quanto à
Penápolis – CISA). consistência por meio da consulta aos docu-
mentos obtidos e a pesquisa às bases de dados
administrativas. Para a definição das questões
Procedimentos metodológicos centrais que orientaram o estudo foram consi-
deradas a experiência dos autores, a pesquisa
Foi realizado um estudo de caso sobre o CISA documental e a bibliográfica, e foram realiza-
Penápolis para fins descritivos de experiência das duas entrevistas de profundidade com um
exitosa, caracterizada pela elevada sustentabi- dos fundadores do consórcio. As principais di-
lidade do arranjo político adotado, e para fins mensões do estudo foram a sustentabilidade
analíticos, de modo a definir os elementos de do arranjo, os mecanismos de cooperação e os
sucesso e os principais obstáculos ao modelo aspectos jurídicos e institucionais da formação
organizacional adotado pelos municípios par- e desenvolvimento da parceria na forma de um
ceiros. consórcio. As variáveis estudadas foram: (i) mo-
Os procedimentos metodológicos adotados tivações para a inovação; (ii) critérios de aces-
incluíram extensa revisão sobre a literatura cien- so aos serviços; (iii) mecanismos de governan-
tífica acerca dos consórcios de saúde no Brasil, ça; (iv) elementos de êxito e ganhos políticos
visita aos municípios e serviços de saúde, pes- da cooperação; (v) mecanismos de financia-
quisa documental (registros do CISA e das Câ- mento; (vi) prestação de contas; (vii) controle
maras de Vereadores de todos os municípios), do clientelismo; (viii) perspectivas da parceria.
pesquisa em periódicos e consultas a bases de
dados administrativos. Foram realizadas ao to-
do dezenove entrevistas semi-estruturadas dis- Caso Penápolis
tribuídas entre todos os secretários de saúde
em exercício dos municípios participantes, um O estudo de caso sobre o CISA evidencia o caso
dos fundadores do CISA, o então coordenador exitoso do primeiro consórcio intermunicipal
geral do CISA, três prefeitos em exercício, ve- de saúde do Brasil, que vem funcionando regu-
readores de três municípios e dois conselhei- larmente há mais de 18 anos. Serviu de bench-

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mark para as demais experiências e se mantém O CISA modificou sua estrutura incorporan-
ativo e ampliando sua oferta de serviços. Obser- do outros serviços e uma unidade de controle,
va-se neste caso uma forte continuidade políti- avaliação e auditoria comum a todos os muni-
ca e administrativa que sugere a permanência cípios nas suas ações. Trata-se, portanto, da oti-
de um ambiente político local favorável à ma- mização e de economia em escala, no âmbito
nutenção do consórcio, ao mesmo tempo em administrativo, onde municípios de pequeno
que o CISA, na referência feita pelos entrevis- porte podem realizar serviços dessa natureza a
tados, representa uma estrutura já consolidada custo reduzido e atender às normas emanadas
e incorporada ao cotidiano dos municípios, pelo Ministério da Saúde.
com uma capacidade efetiva de atender as de- Para a efetiva consolidação dos objetivos
mandas dos participantes. Em que pesem es- iniciais do consórcio, de estruturação regional
tudos e descrições anteriores sobre esta expe- de um modelo de distrito sanitário, buscou-se
riência, em nenhum deles a ênfase foi dada aos o fortalecimento de uma estrutura de serviços
aspectos políticos da cooperação. primários de saúde em cada um dos municí-
A microrregião do consórcio situa-se no No- pios consorciados e uma de referência regio-
roeste do Estado de São Paulo e reúne sete mu- nal, de nível secundário, que foi instalada em
nicípios, sendo seis de menor porte em torno Penápolis. Assim, desde a formação do consór-
de um de maior porte. Alto Alegre (4.261 habi- cio, os municípios buscaram organizar-se lo-
tantes), Avanhandava (8.829), Barbosa (5.837), calmente e os prefeitos atuavam em conjunto
Braúna (4.383), Glicério (4.428), Luiziânia (4.274) na busca de recursos financeiros para financiar
e Penápolis (54.635 habitantes). Os dados po- suas estruturas. Em dezembro de 1987, foi rea-
pulacionais referem-se ao ano 2000 e foram co- lizado um convênio, que reflete o ineditismo do
letados da página da Internet do Instituto Bra- CISA, entre o Governo do Estado de São Paulo
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE; http:// e o CIS, tendo como objeto: “...a integração no
www.ibge.gov.br). Em 1986, os municípios de- Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
cidiram pela formação de um consórcio devido do Estado de São Paulo (SUDS-SP), dos serviços
à experiência anterior vivida por vários prefei- de saúde que atuam nos municípios consorcia-
tos na região com outros consórcios na área de dos (...) a celebração entre o Estado e o Consór-
saneamento. Isto favoreceu a formação de con- cio pressupõe a integração no SUDS-SP de cada
sensos e a obtenção dos apoios necessários Município consorciado nos termos do Decreto
junto às Câmaras Municipais. n o 27.140 de 30 de junho de 1997 e disposições
Seguindo o padrão dominante, os municí- complementares” 34 (p. 1; grifo nosso).
pios consorciados criaram uma personalidade Com esse convênio são colocados à dispo-
jurídica de caráter privado, o CISA, para admi- sição do consórcio todos os serviços de saúde e
nistrar os recursos e coordenar as ações orien- os recursos humanos correspondentes existen-
tadas à oferta de atendimento médico especia- tes, bem como garantido o aporte de recursos
lizado. O Conselho Fiscal foi constituído por financeiros para a manutenção dos mesmos pe-
membros indicados pelas respectivas Câmaras lo Governo do Estado. Esse convênio marcou,
Municipais. É interessante verificar que a atri- não só o ineditismo do CISA, como de fato tra-
buição de fiscalização foi mantida com o poder duziu a função mediadora que o consórcio as-
legislativo, respeitando a separação dos pode- sumiu com outras instâncias de governo.
res e a função precípua de cada um. Este fato O CISA, desde sua fundação, tem aumenta-
favoreceu a governabilidade do CISA. Dentre do progressivamente sua oferta de serviços aos
suas principais atividades destacam-se as atri- municípios. Diversas especialidades foram in-
buições da elaboração do plano distrital e os troduzidas para consultas e diagnose, além do
planos municipais de saúde de cada município, fornecimento de algumas próteses e dispensa-
e a elaboração do orçamento e de programação ção de medicamentos de sua farmácia de mani-
integrada dos serviços de saúde da região. Já pulação, revelando a capacidade em atender a
havia nessa ocasião a determinação do funcio- finalidade para a qual foi instituído. Demonstra
namento de conselhos de saúde e do exercício também a capacidade maximizadora do CISA,
de suas prerrogativas de decisão em tais situa- permitindo que municípios de pequeno porte
ções, mas não há registro se isto foi feito pelo tenham acesso a um conjunto de serviços que
Conselho de Penápolis, ou pelo de todos os mu- sozinhos não alcançariam. E, por outro lado,
nicípios. Verificamos que, apesar desta determi- Penápolis que é o município pólo, deixou de ter
nação normativa, não houve participação con- sua rede demandada espontaneamente pela
sistente de conselhos de saúde no CISA. Não região, melhorando sua eficiência e resultados.
existe uma estrutura ou um espaço político cla- O financiamento do CISA é feito por meio
ramente definido para a participação popular. de recursos obtidos com o faturamento de suas

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unidades próprias junto ao SUS e por cota de vamente sua utilização ao introduzir o atendi-
participação dos municípios por rateio de des- mento em especialidades como ortopedia e em
pesas. Representa uma importante caracterís- análises clínicas, evitando um deslocamento
tica deste tipo de cooperação, necessitando de constante de sua população a um custo que
alto grau de coalizão política e confiabilidade compensou sua implementação no município.
entre os participantes. Do estudo de Ribeiro & Há uma diminuição das internações de modo
Costa 35, podemos verificar que a formação do geral, seguindo uma tendência nacional desde
consórcio não privilegiou o Município de Pe- que foi instituído um maior controle das frau-
nápolis em detrimento dos demais em diversos des e estabelecido o limite máximo de interna-
aspectos. Todos os municípios estavam habili- ções em 9% da população/ano, pelo Ministério
tados pela NOB/96 (sendo três em plena do sis- da Saúde.
tema), quando pela NOB/93 três ainda não eram
habilitados, permanecendo este quadro até mar-
ço de 2000. No decorrer dos anos, todos os mu- A dinâmica política da cooperação
nicípios instituíram algum tipo de ambulató-
rio, sugerindo que o consórcio serviu como ins- As Tabelas 3 e 4 resumem e analisam os resul-
trumento organizador/estimulador de infra- tados obtidos por meio de entrevistas semi-es-
estrutura de atendimento em cada município. truturadas, efetuadas com os dirigentes muni-
Em relação aos procedimentos ambulato- cipais de saúde de cada um dos municípios que
riais, verificamos que os municípios permane- compõe o CISA e usuários membros do Conse-
ceram em pleno desenvolvimento das suas lho Municipal de Saúde. Foram realizadas tam-
ações e que os municípios menores vêm con- bém entrevistas com o coordenador do CISA da
seguindo manter sua base de atividades em fase de implantação e o da ocasião do estudo,
atenção básica no próprio território. Podemos além de prefeitos. Refletem processos gerenciais
afirmar, à exceção de Braúna, que os municí- observados e a percepção dos dirigentes entre-
pios estruturaram uma oferta parcial de ativi- vistados acerca da dinâmica da cooperação.
dades não-básicas em virtude de uma deman- Na Tabela 3, podemos perceber que refe-
da, que embora coberta pelo CISA, tem um cus- rente às motivações iniciais que levaram à for-
to operacional e político aumentado para o des- mação do CISA, poucos dirigentes preservam a
locamento da população. Isto sugere que os mu- memória histórica da formação. Quanto à ava-
nicípios do CISA mantêm sua capacidade ope- liação das regras de utilização dos serviços, to-
racional de atender à sua população, realizan- dos apontaram tais regras como adequadas, rea-
do uma reestruturação em função das necessi- lizando no próprio município atenção básica e
dades apresentadas. referenciando especialidades, com agendamen-
Verificamos na Tabela 2 que os municípios to por telefone. Diante de referências que o CISA
vêm mantendo uma importante utilização dos não dispõe, este se responsabiliza pela busca
serviços oferecidos pelo CISA. A exceção é o do atendimento necessário principalmente por
Município de Barbosa, que reduziu significati- meio da Diretoria Regional de Saúde (DIR) de

Tabela 2

Procedimentos realizados pelos municípios. Consórcio Intermunicipal de Saúde


da Região de Penápolis (CISA), 1997-2000.

Município 1997 1998 1999 2000


n % n % n % n %

Alto Alegre 2.750 1,7 4.663 2,7 4.849 2,8 6.009 2,9
Avanhandava 7.883 4,9 10.541 6,1 9.030 5,2 11.519 5,5
Barbosa 7.378 4,6 6.234 3,6 3.002 1,7 3.680 1,8
Braúna 6.663 4,2 6.661 3,9 7.182 4,1 7.300 3,5
Glicério 4.431 2,8 4.349 2,5 5.363 3,1 4.178 2,0
Luiziânia 5.216 3,3 4.751 2,8 6.122 3,5 7.135 3,4
Penápolis 125.616 78,5 135.479 78,5 138.014 79,5 168.156 80,9
Total 159.937 100,0 172.678 100,0 173.562 100,0 207.977 100,0

Fonte: CISA.

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CONSÓRCIOS DE SAÚDE: ESTUDO DE CASO EXITOSO 2213

Tabela 3

Comparativo de condutas e percepções de dirigentes sobre a dinâmica do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região de Penápolis (CISA), 2000.

Questões Avanhandava Braúna Alto Alegre Barbosa Luiziânia Glicério Penápolis

Motivações Não sabe Não sabe Não sabe Não sabe Acesso inade- Empreendimen- Reestruturação
iniciais quado a serviços to do Prefeito da oferta
de média e alta da cidade sede
complexidade
Reestruturação
da oferta.

Critérios de Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas
utilização dos Clínicas básicas Clínicas básicas Clínicas básicas Clínicas básicas Clínicas básicas Clínicas básicas Clínicas básicas
serviços Referencia Urgências Referencia Referencia Referencia Referencia Referencia
especialidades Referencia especialidades especialidades especialidades especialidades especialidades
Agendamento especialidades Agendamento Agendamento Agendamento Agendamento Agendamento
telefônico Agendamento telefônico telefônico telefônico telefônico telefônico
Laboratório telefônico Laboratório Laboratório Ponto de coleta Laboratório Agendamento
básico Ponto de coleta básico básico do CISA e de básico direto
Referencia do CISA Referencia Referencia Alto Alegre Referencia Laboratório
restante restante restante restante básico
Referencia
restante

Serviços não CISA referencia CISA referencia CISA referencia CISA referencia CISA referencia CISA referencia CISA referencia
disponíveis fora da micror- fora da micror- fora da micror- fora da micror- fora da micror- fora da micror- fora da micror-
no CISA região região região região região região região
Prefeitura Prefeitura Prefeitura Prefeitura Prefeitura Prefeitura Prefeitura
transporta transporta transporta transporta transporta transporta transporta
Município Município Município Município Município
referencia referencia referencia referencia referencia

Medicamentos Governo Estadual Governo Estadual Governo Estadual Governo Estadual Governo Estadual Governo Estadual Governo Estadual
fornece fornece fornece fornece fornece fornece fornece
Compra CISA Compra CISA Compra CISA Compra CISA Compra CISA
Compra FURP

Governança Exercida por Exercida por Exercida pelo Exercida pelo Exercida por Exercida pelo Exercida por
no CISA delegação ao delegação ao Prefeito Prefeito delegação ao Prefeito delegação ao
secretário de secretário de secretário de secretário de
saúde saúde saúde saúde

Razões de Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Regras adequadas Vantagens Regras adequadas Regras adequadas
êxito Vantagens Vantagens Vantagens Vantagens perceptíveis Vantagens Vantagens
perceptíveis perceptíveis perceptíveis perceptíveis Status político perceptíveis perceptíveis
Coordenação Liderança do Transparência Coordenação do CISA
eficiente município sede na gestão eficiente
Cotas pagas
regularmente

Ampliação de Iniciativa Iniciativa Não recorda Não recorda Não recorda Iniciativa Iniciativa
participantes recusada recusada recusada recusada

Araçatuba. Todos os municípios se responsabi- das ações por parte dos Prefeitos aos seus Se-
lizam pelo transporte de seus usuários para es- cretários. Estes mantêm um relacionamento
tas referências. Com relação à oferta de medi- mais próximo com o Coordenador do CISA. Não
camentos, todos afirmam que o programa es- há na estrutura do CISA um nível de decisão
tadual se revela insuficiente para a demanda dos Secretários Municipais de Saúde como tam-
dos municípios e acabaram incorporando no bém não há um órgão de participação dos usuá-
CISA um laboratório de manipulação, para rios dos diversos municípios a exemplo de um
complementar o programa estadual, mas ain- CIS. Sobre as causas da sustentabilidade do
da mantendo uma lista aquém da necessidade. CISA ao longo de mais de 14 anos, todos apon-
Sobre a governança do CISA a maioria per- taram os ganhos perceptíveis da cooperação,
cebe que há poucas reuniões do Conselho de seis incluindo as regras adequadas, três acres-
Prefeitos e de Secretários, havendo delegação centaram ainda a eficiência da Coordenação

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2214 Neves LA, Ribeiro JM

Tabela 4

Percepção dos gestores sobre o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região de Penápolis (CISA) e de satisfação dos usuários.

Questões Avanhandava Braúna Alto Alegre Barbosa Luiziânia Glicério Penápolis

Ganhos da cooperação +++ ++ +++ +++ ++ ++ ++++


Facilidades na provisão de serviços ++++ ++ ++++ ++ ++ ++++ +
Satisfação com o sistema de cotas ++++ ++ ++++ ++ + ++ ++++
Qualidade da prestação de contas ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++
Favorecimento da integração entre os participantes. + ++++ + + +++ + ++
Percepção dos usuários sobre qualidade do CISA. +++ ++++ ++++ +++ +++ +++ ++++
Perspectivas para o CISA +++ ++++ +++ +++ + ++ +++
Barreiras ao clientelismo político ++++ ++++ +++ +++ +++ +++ ++++
Confiabilidade na prestação de contas ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++

Escala comparativa: +/++++.

do CISA, um à força política do CISA por sua mo- putados etc., três municípios afirmam que não
vimentação financeira e quadro de pessoal, um existe e quatro não o percebem.
à liderança do município sede e um à transpa- Os Coordenadores creditam a formação do
rência na gestão. CISA a uma reestruturação da oferta em Pená-
Na Tabela 4, a intensidade das respostas a polis, pela existência de um fluxo microrregio-
questões relevantes apresentadas aos entrevis- nal face a serviços e ofertas de toda natureza,
tados são comparadas segundo o padrão ob- aliados ao componente empreendedor do en-
servado. Do ponto de vista das vantagens da tão prefeito de Penápolis. Avaliaram que o CISA
cooperação, todos são unânimes em afirmar foi fundamental inclusive para a organização
que houve ganhos, principalmente na referên- local de cada um dos municípios, na atenção
cia aos serviços oferecidos, com resolutividade básica e na consolidação da referência micror-
e melhor qualidade, e Penápolis o percebe tam- regional. Afirmaram a sustentabilidade do CISA
bém como reestruturação de sua oferta. Com ao longo dos anos porque atende as necessida-
relação às facilidades encontradas na provisão des de referência dos municípios, os prefeitos
dos serviços ofertados pelo CISA, três municí- têm noção da importância política do CISA e
pios a classificam fortemente e três mediana- suas as regras são adequadas.
mente e somente Penápolis fracamente e que Os prefeitos, todos, avaliaram que o princi-
reforça seu interesse mais na reestruturação pal ganho da cooperação é o da referência com
da sua demanda do que na oferta de serviços. resolutividade. Da entrevista efetuada com os
Eventuais obstáculos parecem-nos pequenos Conselheiros Municipais de Saúde de Penápo-
face à oferta existente e não são estruturais ou lis todos afirmaram a dificuldade de relaciona-
sistêmicos, são pontuais e localizados. Sobre o mento institucional com o CISA, por não exis-
sistema de cotas como rateio de parte dos cus- tir um espaço legal definido. Perguntados so-
tos operacionais do CISA, há forte indicação de bre a atuação dos Conselheiros em relação ao
sua aprovação em três municípios, três media- CISA, a avaliação foi de que há pouca participa-
namente e um, embora concorde, acha caro. Em ção, pouca informação e uma resistência à par-
relação à qualidade da prestação de contas, to- ticipação deles porque são Conselheiros do Mu-
dos apresentam alta confiabilidade. O CISA dis- nicípio de Penápolis e não do CISA. Com rela-
ponibiliza mensalmente um relatório de utili- ção à percepção da qualidade dos serviços ofe-
zação dos serviços que é checado pelos muni- recidos pelo CISA, os Conselheiros avaliaram
cípios com a referência feita. Quanto à percep- como bom o atendimento geral do consórcio.
ção que têm os usuários sobre a qualidade do Com relação à composição dos Poderes Le-
CISA, todos acham que é boa, mas em quatro gislativo e Executivo na região do CISA 36, a di-
municípios ressaltam algumas pequenas recla- versidade política é a regra observada na região
mações. Quanto à perspectiva do CISA, todos os de Penápolis desde a criação do consórcio em
dirigentes acreditam na sua continuidade, ape- meados da década de 80. A análise deste mo-
nas um limitando ao espaço temporal do pe- saico político sobre o qual é constituída a coo-
ríodo legislativo seguinte. Sobre clientelismo peração na política de saúde permitiu-se ob-
político no CISA, de prefeitos, vereadores, de- servar alguns sinais de sustentabilidade do ar-

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CONSÓRCIOS DE SAÚDE: ESTUDO DE CASO EXITOSO 2215

ranjo obtido. Nas Câmaras observamos que vá- investigação é a falta de um inquérito nacional
rios vereadores se reelegeram para três ou qua- sobre os consórcios.
tro mandatos, favorecendo a continuidade das As diretrizes do processo de regionalização,
políticas empreendidas. No âmbito do majori- com a NOAS, preenchem algumas lacunas exis-
tário, em vários municípios há repetição de no- tentes, mesmo para o caso dos consórcios. A
mes em até quatro mandatos. Este quadro fa- explicitação de responsabilidades, em nível de
vorece também a continuidade de coalizões governo, na garantia do acesso aos serviços pe-
que sustentam o CISA. Em todas as cidades há la população referenciada e a transparência
uma certa continuidade política em mandatos dos recursos financeiros destinados a essa fi-
seguidos, tanto nas eleições majoritárias como nalidade, facilitarão as relações entre municí-
nas proporcionais. Isto sugere que os ganhos pios, por vezes conflituosas neste nível.
políticos da cooperação estejam sendo reparti- O CISA Penápolis é exemplar por se susten-
dos de modo aceitável pelos parceiros, o que tar há mais de 18 anos, continuar ampliando
foi assinalado pelo conjunto dos entrevistados. sua oferta e possuir uma boa avaliação dos mu-
nicípios participantes. Ao mesmo tempo em
que buscou uma reestruturação da oferta cen-
Considerações finais trada na ampliação de consultas de especiali-
dades e diagnose em média complexidade, hou-
Verificamos no estudo 36 que os consórcios in- ve a preocupação com a formação de uma rede
termunicipais de saúde mantêm forte vínculo mínima para assistência básica em cada muni-
com a estratégia de regionalização da saúde no cípio, inclusive Penápolis.
Brasil. É adequado ao processo de reforma ad- Chama a atenção, desde a sua formação, a
ministrativa do setor, buscando maior eficiên- inexistência de um espaço destinado à discus-
cia, racionalidade e qualidade na oferta de ser- são e decisões por parte dos dirigentes munici-
viços à população. Seu aspecto inovador, como pais de saúde. Também existe a peculiaridade
no CISA, tornou-se modelar para outras regiões do conselho fiscal ser de representantes das Câ-
que buscam, nesse tipo de estrutura, ampliar o maras Municipais de Vereadores, órgão já defi-
escopo de políticas necessárias ao atendimen- nido para a fiscalização do executivo, na sepa-
to de suas demandas. O processo de descentra- ração dos poderes. Entretanto, carece o CISA
lização em direção aos municípios e a necessi- da participação de representantes de associa-
dade da construção de modelos regionais de ções locais, embora genericamente prevista em
atenção, que pudessem atender a essas deman- seu estatuto e regimento interno, mas sem um
das, colocaram os consórcios intermunicipais mecanismo formal de participação dos diver-
de saúde como uma possibilidade concreta de sos Conselhos Municipais de Saúde existentes.
regionalização. Ficou evidenciado no estudo que o CISA man-
Nesse ambiente, os consórcios encontra- teve ao longo do tempo sua capacidade opera-
ram condições favoráveis para se desenvolve- cional, com ganho em escala para os seus par-
rem, sobretudo para sanar déficits do processo ticipantes. Ampliou sua oferta em especialida-
de regionalização na atenção à média comple- des e diagnose, e seu espectro de ação com a
xidade, na oferta de consultas médicas de es- instituição de diversos outros serviços.
pecialidades e em diagnose e terapia. Nas entrevistas realizadas e nas observações
Nos aspectos legais vimos que a instituição feitas, ressalta como ponto importante da sus-
da Emenda Constitucional n. 19, trouxe para o tentabilidade do CISA a sua capacidade operacio-
plano constitucional a figura do consórcio, con- nal, as regras de utilização, o rateio das despesas
solidando esse tipo de cooperação como alter- e o conjunto dos gastos, que são concentrados
nativa organizacional. Com a edição da Lei n. na sua atividade fim. Há uma alta confiabilidade
11.107 de 6 de abril de 2005, os consórcios de no sistema de contas do consórcio, percepção de
saúde certamente ganham destaque, pois além uma coordenação eficiente e de transparência
da existência de várias cooperações estarem im- na gestão. Chama a atenção a afirmação de to-
plantadas em diversas regiões do país, a previ- dos os entrevistados da inexistência, ou não per-
são constitucional ficou assim legalmente es- cepção, de clientelismo político no CISA.
tabelecida favorecendo o seu desenvolvimen- O estudo de Teixeira et al. 37 refere como
to. A avaliação dos consórcios de saúde no Bra- importante a possibilidade de financiamento,
sil revela que 95% dos municípios envolvidos pelo governo estadual e/ou federal, da estrutu-
são de pequeno porte, com menos de 50 mil ha- ra de consórcios aliados a mecanismos de ina-
bitantes, o que reforça a importância desse tipo dimplência, para a sustentabilidade dos mes-
de cooperação na superação de problemas co- mos. Com a edição da Lei n. 11.104 esta possi-
muns. Uma lacuna importante nesta linha de bilidade se tornou concreta.

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2216 Neves LA, Ribeiro JM

Como obstáculos importantes verificam-se neste caso observamos, além de uma expressi-
a inexistência de uma estrutura de decisão no va manutenção de atores políticos e partidos,
nível dos dirigentes municipais, de um finan- que os executivos têm importante base de apoio
ciamento adequado para manutenção e mo- político em suas respectivas Câmaras. Embora
dernização dos serviços assistenciais, e a au- esta questão necessite de maior investigação,
sência de uma estrutura que contemple ade- neste caso, a estabilidade alcançada pelo CISA,
quadamente a participação popular. No caso aliada ao quadro político descrito, sugere que
da atividade de associações civis, as experiên- realmente exista um ambiente favorável à sua
cias dos conselhos são contraditórias e incluem manutenção, ou que estas maiorias se benefi-
desde o seu papel como vocalizador de deman- ciam de alguma forma da existência do consór-
das, de ponto de sustentação de políticas, de cio, que tem reconhecida eficiência e capaci-
ponto de veto ao executivo ou como agente dade de atender a demanda existente. Não ve-
parceiro dos governos locais 38. rificamos, em nenhum dos registros feitos, obs-
No plano político eleitoral verificamos que táculos ao CISA no quadro político partidário.
há ao longo do período examinado uma conti- Podemos afirmar que esse tipo de cooperação
nuidade política, com prefeitos se mantendo política, os consórcios, podem responder ade-
na sucessão em todas as cidades, e com verea- quadamente às demandas regionais. E, ressalva-
dores que se reelegeram em mandatos sucessi- das as observações, se enquadrarem dentro de
vos, estabelecendo um ambiente político favo- um modelo de organização regional com flexi-
rável à sustentabilidade do CISA. Maiorias po- bilização e sustentabilidade desejável ao SUS.
líticas favorecem a manutenção de contratos e

Resumo Referências

Consórcios Intermunicipais de Saúde têm sido utiliza- 1. Brasil. Constituição da República Federativa do
dos como modelo alternativo e inovador na superação Brasil. São Paulo: Atlas; 1988.
de lacunas na assistência à saúde. Mantêm forte vín- 2. Lei n. 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe
culo com a estratégia de regionalização de saúde no sobre as condições para a promoção, proteção e re-
Brasil, sendo adequados ao processo de reforma admi- cuperação da saúde, a organização e o funciona-
nistrativa do setor, buscando maior eficiência, racio- mento dos serviços correspondentes e dá outras
nalidade e qualidade na oferta de serviços à popula- providências. Diário Oficial da União 1990; 19 set.
ção. No desenvolvimento dessas cooperações observa- 3. Portaria n. 545. Estabelece normas e procedi-
mos consórcios como estruturas frágeis e de pouca du- mentos reguladores do processo de descentrali-
ração, enquanto outros se sustentam há longo tempo. zação da gestão das ações e serviços de saúde,
Recorremos ao estudo do Consórcio de Penápolis, o através da Norma Operacional Básica, SUS 01/93.
mais antigo do Brasil, que se sustenta há mais de 14 Diário Oficial da União 1993; 24 mai.
anos, para examinar a dinâmica da cooperação e pro- 4. Portaria n. 2.203. Estabelece normas e procedi-
curar desvendar as razões da sua sustentabilidade. mentos reguladores do processo de descentrali-
Sua formação é um misto de reestruturação da oferta zação da gestão das ações e serviços de saúde,
regional associada ao aspecto empreendedor de seus através da Norma Operacional Básica, SUS 01/96;
líderes e incentivos estaduais. Sua capacidade de reso- Diário Oficial da União 1996; 6 nov.
lução das demandas locais, com qualidade e flexibili- 5. Cordeiro H. Sistema Único de Saúde. Rio de Ja-
dade na gestão, foram importantes fatores demonstra- neiro: Ayuri Editorial; 1991.
dos. Há uma importante noção entre os participantes 6. Mendes EV. Distrito sanitário: o processo social
de que as regras de funcionamento são justas e as ra- de mudança das práticas sanitárias do Sistema
zões para o sucesso decorrem da percepção coletiva de Único de Saúde. São Paulo: Editora Hucitec; 1994.
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na análise dos resultados e na redação final. gestão descentralizada de redes e organizações

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(10):2207-2217, out, 2006


CONSÓRCIOS DE SAÚDE: ESTUDO DE CASO EXITOSO 2217

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Aprovado em 21/Fev/2006

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(10):2207-2217, out, 2006

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