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Paula Ramos Ghiraldelli – Morfologia – Linguística UFSCar – 2019\2

AULA 4

O GÊNERO EM ALGUMAS LÍNGUAS INDO-EUROPEIAS

O gênero é uma categoria gramatical (abstrata e arbitrária) dos nomes (e não


dos verbos). Todo substantivo se caracteriza por um gênero, embora o critério
de atribuição de gênero possa ser diferente nas línguas. Segundo Borba (1991,
p. 167), os critérios podem ser:

o o sexo (masculino, feminino, neutro);

o a vitalidade (animado, inanimado);

o a configuração externa (objetos redondos, finos, grossos, longos, curtos,


etc.).

Nas línguas indo-europeias, predomina o critério sexual, isto é, 

o masculino

o feminino

o neutro (gênero este que "caracteriza os seres tidos como inertes, passivos
ou inanimados” - BORBA, 1991, p. 167)

Outro aspecto para ser levado em conta é a sua manifestação morfológica


variável nas línguas, quando a explicitação do gênero é feita por morfemas
flexionais. No italiano, no espanhol e no português, por exemplo, os
morfemas mais comuns são "-o" para o masculino e o "-a" para o feminino.
Observe os exemplos:

o italiano: ragazzo (rapaz) / ragazza (moça) 
o espanhol: hijo (filho) / hija (filha)
o português: menino / menina.  

Já no francês, para formar o feminino, normalmente adiciona-se a vogal "-e"


nos nomes masculinos: 

o ami (amigo) / amie (amiga) o fiancé (noivo) / fiancée (noiva


)

o candidat (candidato) / candidate (candidata) 
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Assim como no português, em casos como mestre e mestra, no italiano, há


também uma alternância entre "-e" para o masculino e -"a" para o feminino,
observe os exemplos:

o il ghittone (o glutão) / la ghittona (a glutona)

o il signore (o senhor) / la signora (a senhora)

o il cameriere (o garçom) / la cameriera (a garçonete)

o l’assessore (o assessor) / l’assessora (a assessora)

Utilizam-se também morfemas derivacionais, como em il


attore (ator) / l'attrice (atriz). Há ainda os casos de substantivos que indicam
título de nobreza, cargo ou profissões, terminados em "-a", "-e" ou "-o". Esses,
para se transformarem no feminino, perdem a vogal final e recebem o morfema
derivacional "-essa" (com exceção de il marchese [o marquês] / la marchesa [a
marquesa]). Observe os exemplos:

o il duca (o duque) / la duchessa (a duquesa) 

o il poeta (o poeta) / la poetessa (a poetisa)

o il profeta (o profeta) / la profetessa (a profetisa)

o il barone (o barão) / la baronessa (a baronesa) 

o il conte (o conde) / la contessa (a condessa)

o il principe (o príncipe) / la principessa (a princesa)

o il sacerdote (o sacerdote) / la sacerdotessa (a sacerdotisa)

o l'avvocato (o advogado) / la avvocatessa (a advogada) 

Os morfemas derivacionais que atribuem gênero também aparecem


no espanhol, veja:

1. nomes terminados em "-(d/t)or" que fazem o feminino em "-triz"

o emperador / emperatriz

o actor / actriz

2. nomes que fazem o feminino em "-ina"

o gallo / galina o rey / reina

3. nomes que fazem o feminino em "-esa"

o abad / abadesa o duque / duquesa


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No francês, os nomes terminados em "-er" e "-ier" fazem o feminino em "-ère"


e -ière", respectivamente:

o le berger / la bergère o le caissier / la caissière 

Aqueles terminados em "-et" devem ter o "t" duplicado, acrescido do morfema


"-e" de feminino:

o le minet / la minette o un muet / une muette

Com exceção de alguns adjetivos que formam o feminino com "-ète":

o complet / complète

o concret / concrète

o secret / secrète

Os substantivos e adjetivos terminados em "-at" não têm o "t" duplicado,


recebendo apenas o morfema "-e" de feminino (com exceção de chat / chatte):

o l'avocat / l'avocate 

o délicat / délicate

o le dévot / la dévote

o idiot / idiote

Outras formas irregulares são as palavras terminadas em "-eau" / "-el", "-ou" / "-
ol", que fazem o feminino em "-elle" e "-olle", respectivamente.

Veja alguns exemplos:

o Un beau roman (Um belo romance)     Un bel ouvrage (Um belo trabalho)     


>>     Une belle femme (Uma mulher bonita)

o Le jeu fou (O jogo maluco/louco)     Un fol amour (Um amor louco)     >>    


Une folle passion (Uma louca paixão)

Já a maioria dos nomes terminados em "-x" tem essa consoante alterada por "-
s" seguida do morfema "-e":

o l'époux (o esposo) / l'épouse (a esposa)

o glorieux (glorioso) / glorieuse (gloriosa)

Há ainda os nomes terminados em "-f" e o substantivo "loup", que perdem essa


consoante final, recebendo no lugar a consoante "-v", seguida do morfema "-e"
de feminino:
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o le loup (o lopo) / la louve (a loba)

o un juif  (um judeu) / une juive (uma judia)

o neuf (novo) / neuve (nova)

Alguns nomes terminados em "-c" fazem o feminino em "-que", e os terminados


em "-g" fazem o feminino em "-gue":

o public (público)  / publique (pública)

o long (longo) / longue (longa)

Assim como no italiano, no francês também os morfemas derivacionais podem


atribuir gênero. Observe alguns casos:

1. nomes terminados em "-é" e "-e" fazem o feminino em "-esse"

o abbé (abade) / abbesse (abadessa)

o comte (conde) / contesse (condessa)

o hôte / hotesse (anfitriã)

o sauvage (o selvagem) / sauvagesse (a selvagem)

o tigre (tigre) / tigresse (tigresa)

2. nomes terminados em "-eur" fazem  feminino em "-euse"

o le danseur (o dançarino) / la danseuse (a dançarina) 

o le pêcheur (o pescador) / la pêcheuse (a pescadora)

o menteur (o mentiroso) / menteuse  

3. nomes terminados em "-teur" fazem o feminino em "-trice"

o l'acteur (o ator) / l'actrice (a atriz)

o le directeur (o diretor) / la directrice (a diretora)

o protecteur (protetor) / protectrice (protetora)
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O GÊNERO NO PORTUGUÊS

No português, assim como nas outras línguas já citadas (italiano, francês e


espanhol), há apenas dois gêneros: o masculino e o feminino.

Antes de tratar da flexão de gênero, isto é, dos casos em que o gênero é


explicitado por meio de um morfema flexional, convém deixar claro que
"pertencem ao gênero masculino todos os substantivos a que se pode antepor
o artigo 'o'" (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 188): o livro, o menino, o cavalo, o
jacaré, o poema, o coração. Da mesma forma, "pertencem ao gênero feminino
todos os substantivos a que se pode antepor o artigo 'a'" (CUNHA; CINTRA,
2001, p. 189): a caneta, a menina, a égua, a vida, a tartaruga. 

Apesar de parecer estranho, os substantivos que se referem a coisas


inanimadas (livro, poema, caneta) também possuem gênero. Este é o chamado
gênero inerente, isto é, o atributo masculino ou feminino é uma característica
intrínseca à palavra, determinada nas origens da língua.

Os morfemas flexionais que ocorrem no português são os seguintes: "-o", "-e",


"Ø" para o masculino e "-a" para o feminino, nos casos:

1. "-o/-a": nas palavras onde houver a oposição flexional -o/-a.

o gato / gata

o menino / menina

2. "-e/-a": num grupo restrito de substantivos masculinos (incluindo-se


aqui os pronomes ele, este, esse, aquele)

o mestre / mestra

o monge / monja

o infante / infanta

o governante / governanta

o parente / parenta
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3. "-Ø/-a": após consoante "-r" ou vogal tônica

o instrutor / instrutora (alguns casos de palavras terminadas em "-


(d)or" fazem o feminino em "-eira": cerzidor / cerzideira)

o guri / guria

o peru / perua

Nos nomes terminados em "-ão", encontramos algumas especificidades:

1. "-ão" >> "-oa"

o patrão/ patroa

o leão / leoa

o ermitão / ermitoa

2. "-ão" >> "-ã"

o ancião / anciã

o cirurgião / cirurgiã

o anão / anã

o cidadão / cidadã

3.  "-ão" >> "-ona" (essa terminação  "-ão" >> "-ona"  ocorre em adjetivos


ou adjetivos substantivados)

o folião / foliona

o resmungão / resmungona

o espertalhão / espertalhona

o comilão / comilona 

Assim como em italiano, espanhol e em francês, no português também há


casos de o gênero feminino ser explicitado por morfemas derivacionais:

1. "-esa"

o duque / duquesa

o barão / baronesa

o cônsul / consulesa

o príncipe / princesa
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o camponês / camponesa

2. "-essa"

o conde / condessa

o abade / abadessa

3. "-isa"

o sacerdote / sacerdotisa

o diácono / diaconisa

o profeta / profetisa

4. "-triz"

o ator / atriz

o imperador / imperatriz

5. "-ina"/"-inha"

o maestro / maestrina

o czar / czarina

o herói / heroína

o galo / galinha

o rei / rainha

Além dos casos em que a alternância de gênero se dá por meio de mudança


ou acréscimo de morfema (flexional ou derivacional), há ainda os casos em que
a alternância de gênero implica na mudança da palavra inteira, isto é, palavra
diferente para marcar o correspondente masculino ou feminino. Observe os
exemplos:

o homem / mulher

o genro / nora

o cavalheiro /
dama

o pai / mãe

o cavalo / égua

o carneiro /
ovelha
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o bode / cabra

o boi / vaca

Há outros casos em que não existe alternância de gênero, a palavra é sempre


a mesma, com seu gênero inerente, mas se aplica tanto a homens quanto às
mulheres. São os chamados "sobrecomuns" pela gramática normativa:

o o indivíduo 

o a vítima

o a criança

Em outros casos, a palavra se mantém da mesma forma, mas a mudança do


artigo atribui o sexo. São os chamados "comuns de dois gêneros" pela
gramática normativa:

o o estudante / a estudante

o o artista / a artista

o o jornalista / a jornalista

o o jovem / a jovem

o o cliente / a cliente

Cabe apresentar, finalmente, os substantivos que nomeiam animais e que têm


um só gênero gramatical tanto para o masculino quanto para o feminino,
exigindo a presença do adjetivo macho ou fêmea para explicitar o sexo. São os
chamados "epicenos" pela gramática normativa:

o a mosca fêmea / a mosca macho

o o gavião fêmea / o gavião macho

o a borboleta fêmea / a borboleta macho

o a onça fêmea / a onça macho

o o polvo fêmea / o polvo macho


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Um aspecto interessante é o fato de a maior parte dos substantivos na língua


não flexionarem em gênero (cf. o artigo de Oto Araújo Vale intitulado
"Substantivos portugueses não flexionam em gênero," nesta Unidade), apesar
de o gênero ser uma categoria dos nomes.

Isso ocorre porque a maior parte dos substantivos na língua têm gênero
inerente, ficando a explicitação do gênero a cargo das demais palavras que
acompanham o substantivo num determinado grupo nominal. Observe o
exemplo 1:

Exemplo 1:

O que ocorre, na verdade, é que o substantivo, como núcleo de um sintagma


nominal (SN), rege a concordância de gênero e de número do sintagma inteiro.
Como se pôde ver pelo exemplo 1, em que o pronome "todos", o artigo "os" e o
adjetivo  "inscritos" (originalmente verbo "inscrever" no particípio) flexionam-se
em gênero (masculino) e número (plural) por causa do substantivo "alunos,"
núcleo do SN.
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No caso do exemplo 1, o núcleo do SN é um substantivo que recebe morfema


flexional de gênero: "alunos," mas a maioria dos substantivos, como já
mencionei acima, possui gênero inerente. Observe o exemplo 2.

Exemplo 2:

No exemplo 2, o núcleo do SN é o substantivo de gênero inerente feminino


"camiseta", que não possui morfema flexional de gênero (não existe o
par camiseta / *camiseto). O "a" final da palavra é uma vogal temática e não
um morfema flexional indicativo de feminino. Nesse exemplo, a explicitação do
gênero feminino é dada pelo numeral "duas" e pelo adjetivo "pequenas",
palavras que se flexionam em gênero: dois / duas, pequeno / pequena.
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Observe outros exemplos em que a explicitação do gênero se dá por meio da


concordância com os determinantes e/ou com os adjetivos que acompanham o
substantivo, núcleo do SN:

A pedra...

Flor bonita.

Achei o quadro feio.

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