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Os Discursos de Jair Bolsonaro

O que é um discurso político, se não uma repetida


tentativa de fixar sentidos em um cenário de
disputa? (PINTO, 2006)

Tayná Lima Paolino

Introdução

A pandemia de COVID 19 trouxe desafios políticos para os líderes das nações. Os


representantes foram chamados a agir sob alguns temas, com urgência. Como fortalecer o
atendimento de saúde e salvar vidas? De que maneira aconteceriam as medidas de
isolamento? Quais medidas seriam tomadas para amenizar o impacto econômico nos
indivíduos? Nas empresas? E nas contas públicas? É necessário investir e comprar vacina?
Essas foram algumas perguntas feitas durante o ano de 2020, que suscitaram diferentes
respostas das instituições e das lideranças políticas. Com o grau de emergência que assume
essa temática, o Presidente da República adquire extrema relevância. A sua atuação política é
capaz de acelerar processos e procedimentos na resposta e resolução dos problemas
levantados.
Nesse trabalho trataremos do discurso como um espaço de disputa na criação de
sentido e na propagação dos eixos estruturantes da ideologia (ALTHUSSER, 1980), do papel
dos meios de comunicação de massa na amplificação disso (THOMPSON, 2011) e como se
deu esse processo nos discursos do Presidente da República do Brasil durante a pandemia de
Covid 19.

Discurso como disputa de sentidos

As transformações do sistema representativo na democracia contemporânea suscitaram


diversos estudos sobre o papel que os meios de comunicação de massa assumem na disputa
ideológica e na construção subjetiva dos indivíduos (MANIN, 1997; THOMPSON, 2011).
Com o crescimento das redes sociais e dos políticos que se utilizam cada vez mais da
comunicação política como um pilar central de sua ação social, há uma maior demanda por
estudos sobre como essas transformações influenciam na retórica desses representantes. É
nesse campo que a análise de discurso tem adquirido relevância nos estudos da ciência
política.
Na democracia grega e romana o discurso tinha um espaço proeminente na propagação
de opiniões, no papel do convencimento e na construção de objetivos em comum
(PAULINELLI, 2014). O discurso volta a ganhar centralidade com o ascenso dos meios de
comunicação de massa e esse papel amplifica e se modifica no atual estágio da era da
informação. A televisão, rádio e, no Brasil, o HPGE1, adquiriram importância significativa na
disputa de ideias e hoje, somado a isso, vemos o ascenso da influência das redes sociais e dos
discursos que por intermédio delas chegam na população.
Os meios de comunicação de massa têm, uma função central na reprodução das ideias
e na formação da consciência dos indivíduos (ALTHUSSER, 1980, FOUCAULT, 1999). Eles
são canais de disputa da hegemonia na sociedade, garantindo a conquista ou a perpetuação do
poder por parte de lideranças e de suas ideologias. O discurso assume assim um papel
fundamental na interpelação dos indivíduos. Sua dimensão ideológica faz parte do
desenvolvimento das concepções de mundo, coletivas e individuais.
Assim sendo, o discurso se articula muito bem com o papel da ideologia, pois ele é um
espaço de disputa sobre o significado das coisas (PINTO, 2006). A ideologia tem como
função central “constituir o indivíduo em sujeito” (ALTHUSSER, 1980) assim como ela é
uma força material ativa que organiza as ações dos seres humanos (EAGLETON, 1997).
As ideologias políticas têm suas diferentes concepções de natureza humana e a partir
dessa compreensão buscam na vida cotidiana os argumentos, as referências e exemplos, que a
partir de suas construções discursivas dão razão aos seus argumentos:

O discurso – como a psicanálise nos mostrou- não é simplesmente aquilo que


manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que
– isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o
poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 1999)

No Brasil, o Presidente Jair Bolsonaro que é um político de direita. Essa nova direita,
que está pautada na disputa sobre o comportamento dos indivíduos, que organiza sua atuação
política em torno das pautas sociais, pode ser nomeada como direita radical. Essa direita
radical é compreendida como uma forma particular e atual da direita, que tem três aspectos
principais:

1
Horário Político Gratuito Eleitoral.
i)em relação à economia, por visão de orientação neoliberal, marcada por
uma postura radicalmente não intervencionista do Estado no mercado; ii) em
relação às desigualdades socioculturais, por pautas conservadoras no âmbito
comportamental e pela defesa da ingerência do Estado nas escolhas privadas
de indivíduos e famílias em questões relativas à orientação sexual, religiosa,
cultural e educacional; iii) no âmbito da democracia, por hostilidade ao
sistema político e à forma pela qual a representação política é desempenhada
no país, buscando suprimir discursos e partidos políticos oposicionistas.
(SANTOS E TANSCHEIT, 2018).

Outro aspecto fundamental da ascensão da nova direita é a “emergência de uma nova retórica
nesse debate: a supressão histórica ou a subversão factual da realidade - o uso da
argumentação fake - como base de uma discussão que se pretende legítima” (CEPEDA,
2018).

Metodologia e Resultados Preliminares

Como objeto de análise, foi utilizado o banco de dados do site do Governo Federal,
com dois diferentes tipos de repositório de discursos oficiais - o “Pronunciamento do Senhor
Presidente da República, Jair Bolsonaro, em cadeia de rádio e televisão” 2 e os “Discursos
oficiais do Presidente da República”3.
Os Pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão somaram um total de 10 discursos,
de março a dezembro, o que não é uma quantidade grande para a análise de contagem de
palavras. Contudo, com o decorrer da análise, achamos alguns aspectos interessantes, que se
sobressaíram nos pronunciamentos e que demonstraram sua força quando ampliamos a
amostra da pesquisa para todos os discursos oficiais. Os Discursos oficiais do Presidente da
República foram os feitos em eventos oficiais que totalizam 113 peças. Eles foram
organizados, para vias de análise, em Dia e Mês, de março a dezembro.
Uma ferramenta quantitativa utilizada nessa pesquisa é a identificação da frequência
de palavras mais ditas na totalidade dos discursos, a frequência de palavras mais ditas
divididas por mês e a dispersão de palavras importantes na disputa de sentidos nos discursos.
Esse conjunto de ações se transformam em um método de quantificar e assim complementar
as análise sobre o papel dos discursos das lideranças políticas.

Site https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/pronunciamentos
Acessado em 06.01.2021

3
Site -> https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos?b_start:int=90

Acessado em 08.01.2021
Figura 1. Nuvem de Palavras Discursos em Rádio e TV

Fonte: gov.br Elaboração Própria

Do total de dez discursos proferidos, quatro foram feitos em março, dois em abril, um
em agosto, dois em setembro, um em dezembro. Em maio, junho e julho não foram feitos
nenhum discurso. Há quem diga que foi uma estratégia, pois nesse período houve importantes
acontecimentos envolvendo o Governo de Jair Bolsonaro e os componentes de sua família.
Esses eventos se concentraram nos meses de abril, maio e junho, podendo ser, assim, um dos
motivos do silêncio do Presidente em meio à crise do Coronavírus.

16 de abril – Demissão do Ministro da Saúde Henrique Mandetta


24 de abril – Demissão do Ministro da Justiça Sérgio Moro
22 de maio – Divulgação do vídeo da reunião ministerial
18 de junho – Prisão de Fabrício Queiroz

Além dos acontecimentos relatados acima, que podem ter influenciado o Presidente
Jair Bolsonaro a não se pronunciar, há uma mudança na percepção do brasileiro sobre a
responsabilidade das mortes pelo coronavírus4. Junto a isso ou até como consequência disso,
no início de agosto a aprovação5 do presidente da república começa a aumentar.

4
https://veja.abril.com.br/politica/pesquisa-aprovacao-de-bolsonaro-cresce-mesmo-em-meio-a-crise-da-covid-
19/ acessado em 09.01.2021

5
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pesquisas_de_opini%C3%A3o_sobre_o_governo_Bolsonaro visto em
20.01.2020
Tabela 1. Frequência de palavras mais ditas em Rádio e TV

Palavra Frequência Qt. De Discursos


Brasil 34 10
Saúde 28 7
Vida 17 4
Deus 13 7
País 12 6
Momento 12 8
Povo 11 6
Vírus 11 5
Medidas 11 4
Pandemia 10 5
Ministério 10 5
Emprego 10 2
Empregos 10 4
Ano 9 4
Mundo 9 5

Fonte: gov.br Elaboração Própria

A variável Qt. De Discursos é uma variável importante pois é a quantidade de discursos em


que aparece a palavra repetida. A palavra brasil aparece em todos os discursos feitos pelo
Presidente da República, a palavra deus é proferida em sete dos dez discursos, a palavra vida
em quatro dos dez discursos feitos e pandemia em cinco dos dez discursos.
E a palavra: ciência? Vacina? Isolamento? Cloroquina? Como podemos observar, não
são repetidas em quantidade significante para serem captadas pelo programa. Mas isso não
significa que elas não tenham importância na disputa de sentidos mobilizada nos discursos do
Presidente Jair Bolsonaro.
Como foi dito anteriormente, como os discursos Oficiais em Rádio e Tv forneceram
uma quantidade restrita de discursos, esse trabalho avançou no mapeamento dos discursos
oficiais feitos pelo Presidente da República Jair Bolsonaro no ano de 2020.

Figura 2- Nuvem de Palavras dos Discursos Oficiais

Fonte: gov.br Elaboração Própria

A palavra que aparece nas duas frequências de palavras mais ditas é Brasil, que pode ser
interpretado a partir do caráter nacionalista, ou somente como uma palavra muito dita por
conveniência do Discurso. Se nos discursos em Rádio e TV a palavra saúde aparece em
segundo lugar, nos discursos oficiais ela não aparece na frequência de palavras mais
proferidas.

Figura 3- Nuvem de Palavras Dos Discursos Oficiais sem a palavra Brasil


Fonte: gov.br Elaboração Própria

As palavras Deus e Povo são uma composição de interessante análise, ambas são
formas abstratas de representação, uma de uma figura simbólica religiosa com forte apelo no
Governo, e a outra a representação do sentimento coletivo de nação.

Tabela 2. Frequência das 15 palavras mais ditas Discursos em Geral

Palavras Frequência Qt. de Discurso


Brasil 713 110
Deus 222 86
Povo 180 69
Governo 162 68
Vida 160 69
País 160 68
Mundo 149 59
Estado 146 62
Trabalho 131 63
Pessoas 123 63
Ministros 117 60
Economia 109 47
Federal 108 33
Lado 103 61
Brasileiro 102 62

Fonte: gov.br Elaboração Própria

Um questionamento que pode ser feito é se a palavra Deus for frequentemente


proferida pelo Presidente significa que deus é identificado como a resposta aos problemas
vividos pela nação brasileira, ou se significa uma construção retórica. Em seus sete discursos
onde aparece a palavra, o discurso em que deus é falado mais vezes é no dia 24 de dezembro,
véspera de Natal. Nos outros dias que a palavra é utilizada em seu discurso, ela vem no final
dos discursos, como uma saudação. Será?

Gráfico1. Dispersão Palavra DEUS

Os fragmentos abaixo retirados dos textos acima analisados podem auxiliar na


interpretação:

“Que Deus abençoe o nosso Brasil” 12/03/2020


“Somos uma Nação temente a Deus, que respeita a família e que ama a sua
Pátria.” 07/09/2020
“Deus abençoe o nosso Brasil!” 08/04/202
“Ainda que o problema possa se agravar, não há motivo para pânico. Seguir
rigorosamente as recomendações dos especialistas é a melhor medida de
prevenção.
Que Deus nos proteja e abençoe o nosso Brasil. “06/03/2020

Cada uma das frases tem um contexto diferente, contudo evocam a filiação religiosa
do Presidente Jair Bolsonaro. Com o objetivo retórico, ou não, o que se passa de mensagem
em seu discurso é de que deus, a moral cristã, é um importante pilar de seu governo, de suas
crenças e, portanto, de sua relação com sua base de apoio.

Tabela 3. Frequência palavras mais dita por mês nos discursos gerais

Palavra Frequência Qt. De discurso Mês


Federal 44 3 Abril
Polícia 35 2 Abril
Moro 21 2 Abril
Estado 36 11 Agosto
Vida 35 13 Agosto
Deus 31 15 Agosto
Deus 38 16 Dezembro
Trabalho 33 13 Dezembro
Vida 31 12 Dezembro
Mercosul 10 1 Julho
Deus 9 3 Julho
Povo 8 2 Julho
Governo 21 7 Junho
Trabalho 18 9 Junho
Pessoas 17 6 Junho
governadores 10 1 Maio
Palavra 6 1 Maio
Presidente 5 1 Maio
Povo 27 7 Março
Governo 22 6 Março
Unidos 19 4 Março
Deus 22 7 Novembro
Mundo 22 8 Novembro
Economia 20 7 Novembro
Deus 49 13 Outubro
Povo 31 9 Outubro
País 27 12 Outubro
Mundo 39 13 Setembro
Deus 36 15 Setembro
País 36 12 Setembro

Fonte: gov.br Elaboração Própria

Apesar de não aparecer nas palavras mais proferidas, ao fazer a dispersão lexical de
algumas palavras, pude perceber que a palavra pandemia também foi muito citada, obtendo
64 citações em um total de 42 discursos de 113 proferidos.
O discurso em que a palavra foi mais citada foi o discurso do dia 21 de novembro, na
“Cúpula do G20 (videoconferência) - Sessão I – Superação da pandemia e restauração do
crescimento e do emprego”. Nesse discurso dois temas ganham destaque no conteúdo da
argumentação de Jair Bolsonaro sobre o enfrentamento a pandemia – tratamento precoce e a
não obrigatoriedade da vacina:

O Brasil se soma aos esforços internacionais para a busca de vacinas


eficazes e seguras contra a covid-19, bem como adota o tratamento
precoce no combate à doença. Apoiamos o acesso universal, equitativo
e a preços acessíveis aos tratamentos disponíveis. É com esse objetivo
que participamos de diferentes iniciativas voltadas ao combate à doença.
No entanto, é preciso ressaltar que também defendemos a liberdade de
cada indivíduo para decidir se deve ou não tomar a vacina. A
pandemia não pode servir de justificativa para ataques às liberdades
individuais. (...) Jair Bolsonaro - 21/11/2020
Alvo de intensa discussão na comunidade cientifica, a cloroquina foi uma droga
defendida por Bolsonaro6 como parte do coquetel de tratamento precoce. A OMS interrompeu
os testes com pacientes7 por não considerar o medicamento seguro8. Portanto, apesar das
demonstrações feitas pela ciência, o “KIT do Tratamento Precoce” continua sendo orientado
pelo Ministério da Saúde9.
As representações da comunidade acadêmica reagiram a essa orientação. Como pode
ser visto na recomendação do Conselho Nacional de Saúde, publicizada no dia 14 de agosto
de 2020 em que ele “Recomenda ao Ministério da Saúde medidas para a garantia do
abastecimento de Cloroquina e Hidroxicloroquina para os pacientes que fazem uso contínuo
e imprescindível destes medicamentos ao Conselho Nacional de Saúde10”:

Considerando a divulgação das Orientações do Ministério da Saúde


para manuseio medicamentoso de pacientes com diagnóstico da
COVID-19, orientando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina
associados a outros medicamentos para pacientes em qualquer fase
dos sintomas de COVID-19, e que até o momento não existem
evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de
terapia farmacológica específica, conforme afirmado no próprio
documento de orientação do Ministério da Saúde. (CNS-
14/08/2020)

Apesar do discurso sobre o tratamento precoce, a cloroquina não aparece como uma
das palavras mais faladas pelo Presidente. Fazendo a dispersão lexical da palavra cloroquina
vemos que ela é utilizada em cinco discursos nos meses de agosto e setembro.

Gráfico 2. Dispersão palavra CLOROQUINA

6
O que se sabe até agora sobre cloroquina, droga defendida por Bolsonaro - 9 de Julho de 2020 -
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53341198
7
Cloroquina contra coronavírus: por que OMS decidiu interromper testes com remédio em pacientes com
covid-19 - 26 de Maio de 2020 - https://www.bbc.com/portuguese/geral-52806209
8
'Tratamento precoce': governo Bolsonaro gasta quase R$ 90 milhões em remédios ineficazes, mas ainda não
pagou Butantan por vacinas 21 de Janeiro de 2021. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55747043
9
Aplicativo do Ministério da Saúde recomenda tratamentos que não funcionam para Covid-19. 20 de Janeiro
de 2021. https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/01/20/aplicativo-do-ministerio-da-saude-
recomenda-tratamentos-que-nao-funcionam-para-covid-19.ghtml
10
RECOMENDAÇÃO Nº 053, DE 14 DE AGOSTO DE 2020. http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-
cns/1320-recomendacao-n-053-de-14-de-agosto-de-2020
A vacina, que é uma medida defendida pelos organismos de saúde internacionais e nacionais,
não estava entre as palavras mais faladas pelo Presidente Jair Bolsonaro. Fazendo o gráfico da
dispersão pelos discursos dessa palavra, observamos que ela foi utilizada em doze discursos.

Gráfico 5- Dispersão palavra VACINA

Os dois discursos em que ela foi mais utilizada foram nos dias 18 de dezembro e 16 de
outubro de 2020. Mapeando os discursos, podemos identificar a opinião política do Presidente
Jair Bolsonaro sobre a utilização das vacinas:

Ninguém pode obrigar a tomar vacina doutora Raissa.


Se o cara não quiser ser tratado que não seja, eu não quero fazer uma quimioterapia e
vou morrer, o problema é meu e nós do Governo Federal já vínhamos dizendo isso, a
vacina uma vez certificada pela Anvisa vai ser extensiva a todos, queiram tomar, eu
não vou tomar.
Alguns falam que eu estou dando péssimo exemplo, o imbecil, o idiota que está
dizendo que eu estou dando péssimo exemplo, eu já tive o vírus, eu já tenho
anticorpos, para que tomar vacina de novo?
E outra coisa que tem que ficar bem claro aqui, doutora Raissa, lá na Pfizer está bem
claro lá no contrato, nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral, se
você virar um jacaré o problema é de você, pô! Não vou falar outro bicho senão eu
vou começar a falar besteira aqui
Se você virar super-homem, se nascer um homem como uma mulher aí ou um homem
começar a falar fino, eles não tem nada a ver com isso.
O que é pior, mexer no sistema imunológico das pessoas, como é que você pode
obrigar alguém tomar uma vacina que não se completou a terceira fase ainda, está na
experimental? (Jair Bolsonaro – 18 de dezembro de 2020)

No final do ano de 2020, começa um novo momento da pandemia, com aumento de


casos de Coronavírus no Brasil e no mundo, e as principais nações estão em busca de uma
maior quantidade de vacinas para salvar a vida de sua população e atenuar a propagação do
vírus. Na contramão da ciência, Jair Bolsonaro faz um discurso confrontando a necessidade da
obrigatoriedade da vacinação, e faz um jogo de palavras para convencer o seu eleitorado fiel.
No 5º parágrafo há um claro ataque à população transexual, como se a vacina pudesse
provocar essa mudança, sob o ponto de vista negativo, nos indivíduos.

Gráfico 4. Dispersão palavra ISOLAMENTO

Desde o início da pandemia de Covid 19, o Presidente Jair Bolsonaro combateu as


medidas restritivas de isolamento social. Como podemos ver, a palavra Isolamento só é
utilizada cinco vezes, e sempre como um alerta para as consequências dessa medida:
Desde lá de trás eu dizia que as medidas para combater o vírus que tinham que ser
tomadas não poderiam fazer com que o efeito colateral produzisse um dano
muito maior do que o próprio vírus.
Então isso com toda certeza nas mídias sociais já está sendo bastante debatido, não sei
na mídia tradicional ainda mas pode mudar rapidamente as medidas protetivas, as
medidas de isolamento, de confinamento, de fechamento de comércio determinados
pelos governadores e prefeitos e não pelo Governo Federal, afinal de contas quem
decidiu que essa política tinha que ser tratada exclusivamente por prefeitos e
governadores foi o Supremo Tribunal Federal. (Jair Bolsonaro – 09/06/2020)

Essa opinião política tem um efeito imediato na disputa dos sentidos do combate à
pandemia. A mensagem que o Presidente Jair Bolsonaro busca passar é de que as medidas de
restrições e de isolamento podem trazer mais consequências negativas do que o próprio
coronavírus, com o desemprego, vem a violência e com isso mais mortes. “Quando ela [taxa
de desemprego] cresce a violência também aumenta, tem aumentado com a questão do
isolamento, a violência doméstica, questões que têm a ver com a saúde e com o bem-estar do
cidadão. (05/06/2020)”.

Gráfico 5. Dispersão palavra CIÊNCIA

Nos discursos em que aparecem a palavra ciência, ela não compõe o sentido de valorização da
opinião e dos estudos da comunidade cientifica. Ao contrário disso, o Presidente da República
visa pressionar a ciência a reconhecer o valor do remédio Hidroxicloroquina que é utilizado
no Kit de Tratamento Precoce divulgado pelo Governo Federal:

Então meus senhores, este Brasil é fantástico, nós devemos nos empenhar,
botar a cara a tapa como a Raissa botou, o vídeo chegou para mim, liguei para ela,
nunca vi ela na minha vida, quer hidroxicloroquina como? Tem que chegar
diretamente aqui, se não tiver por outro lugar, não vai chegar, vai ficar retido no
caminho, fizemos isso, tenho certeza que a história, a ciência vai reconhecer o
trabalho dela que salvou, dezenas, centenas junto com seus colegas milhares de vidas
no Brasil. (Jair Bolsonaro – 18/12/2020)

CONCLUSÃO

Esse trabalho existe pela necessidade de se compreender cada vez mais os sentidos da
intervenção como discurso das lideranças políticas. O discurso político sempre foi uma
estrutura fundamental na persuasão política e no convencimento dos indivíduos. A
democracia sempre teve na discussão, dos cidadãos, dos representantes, um pilar de
sustentação. Na contemporaneidade, a democracia vem adquirindo novos contornos, e um
deles é a centralidade do papel dos meios de comunicação de massa e a consequente
transformação do canal de comunicação entre os sujeitos, os indivíduos, e os seus
representantes.
Essa transformação não pode deixar de ser estudada pois não diz respeito somente a
representação política, mas a toda a organização da sociedade. A criação de redes sempre foi
importante e é uma maneira de recrutamento dos partidos e do sistema político, contudo a
atual utilização da internet fecha os grupos em si e com isso potencializa a criação de
informações falsas (fake News) e com isso capacidade de disputa da verdade.
Quando o indivíduo recebe uma informação em um canal de comunicação fechado,
como um grupo de Whatsapp ou grupo de Facebook, postado e divulgado por pessoas de sua
confiança, pessoas que você mantém sua rede de comunicação e relação, fica mais difícil de
denunciar e reconhecer uma notícia ou evidência falsa. Junto a isso, há o crescente papel
ideólogo da religião, que foi um fator observado nessa pesquisa, nas declarações do
Presidente Jair Bolsonaro.
Apesar de não figurar entre as palavras mais ditas, a disputa de sentido que foi feita
pelo Presidente Jair Bolsonaro durante o combate a pandemia do coronavírus tem a ver com
as medidas que devem ser tomadas pelo governo para preservar a vida, a saúde e a economia
da nação. Os seus discursos buscavam construir sentido positivo ao tratamento precoce,
posicionamento contrário a obrigatoriedade da vacina e críticas ao isolamento social.
Ele utilizou os seus espaços de discursos para questionar, mesmo que indiretamente, a
ciência, e defender a cloroquina, defender a não vacinação obrigatória e enfrentar os
governadores e prefeitos que praticaram medidas de isolamento mais duras.

BIBLIOGRAFIA
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado [1970]. Editorial Presença/
Martins Fontes.
CEPÊDA, Vera Alves. A Nova Direita no Brasil: contexto e matrizes conceituais.
Dossiê - Interpretações do Brasil contemporâneo; 2018
CHALOUB, Jorge e PERLATTO, Fernando. Intelectuais da “nova direita” brasileira:
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<https://anpocs.com/index.php/encontros/papers/39-encontro-anual-da-anpocs/gt/gt19/9620-
intelectuais-da-nova-direita-brasileira-ideias-retorica-e-pratica-politica/file >
EAGLETON, Terry. Ideologia. Uma introdução. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual Paulista: Editora Boitempo; 1997.
FOULCAUT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural do Collége de France,
Pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Edições Loyola. São Paulo, Brasil. 5ª Edição:
setembro de 1999.
MANIN, Bernard. As metamorfoses do sistema representativo. Tradução: Vera
Pereira. Rev. bras. Ci. Soc. v.10 n.29 São Paulo out. 1995.
PINTO, Céli Regina Jardim. Elementos para uma análise do discurso político. Revista
do Departamento de Ciências Humanas, Barbarói. nº 24, ano 2006. Disponível em:
http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/viewFile/%20821/60506666000
Santos, Fabiano e Talita Tanscheit. 2019. “Quando velhos atores saem de cena: a
ascensão da nova direita política no Brasil”. Colombia Internacional (99): 151-186.
https://doi.org/10.7440/colombiaint99.2019.06
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Editora Vozes. 2011
Últimos Pronunciamentos. Acessado pela última vez em 21.01.2021-> Últimos
Pronunciamentos — Português (Brasil) (www.gov.br)
Últimos Discursos. Acessado pela última vez em 21.01.2021-> Últimos Discursos —
Português (Brasil) (www.gov.br)

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