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pessoas em condição
de vulnerabilidade
em centros urbanos
Fernando Aith
Nayara Scalco
o atual estado da arte no que se refere à atenção à o ambiente de trabalho (Hipócrates, 1950; Para-
saúde das pessoas em condições de vulnerabilida- celsus, 1941; Engels, 1986). O conceito de saúde
de nos centros urbanos. somente pode ser determinado considerando-se a
realidade de uma sociedade concreta, cujos cida-
dãos participem tanto da definição de seus contor-
SAÚDE, DIREITO DE TODOS E DEVER DO nos gerais quanto do controle de sua fixação em
ESTADO: ABRANGÊNCIA E APLICAÇÃO cada caso particular.
decorre que as ações e os serviços de saúde de- tropolitana de São Paulo. No Brasil há 39 regiões
vem ser prestados sem discriminações de qualquer consideradas regiões metropolitanas, que abri-
natureza e gratuitamente, para que o acesso seja gam 46,8% da população brasileira (89.420.179
efetivamente universal. pessoas) e representam o espaço territorial onde
O terceiro princípio que pode ser extraído do se encontram, de forma concentrada, as diversas
artigo 196 da Constituição é o da integralidade condições de vulnerabilidade possíveis, desde as
das ações e serviços de saúde do SUS, que de- biológicas até as socioeconômicas e culturais, em
vem abranger a promoção (educação em saúde, um contexto de trabalhos precarizados e altos ín-
espaços de lazer e esporte, por exemplo), a pro- dices de violência.
teção (vigilância em saúde, vigilância sanitária, Esses grandes centros urbanos, destinos mais
saneamento básico, por exemplo) e a recuperação procurados pelos migrantes e imigrantes por apre-
(assistência médica hospitalar, ambulatorial e far- sentarem melhor realidade econômica e oportu-
macêutica, urgências e emergências, por exemplo) nidades de emprego e estudo, pouco se planejam
da saúde individual e coletiva. para esse fluxo de novos moradores. Assim, cres-
Finalmente, o SUS deve observar, em sua cem em todas as regiões do país as áreas habita-
organização, o princípio da equidade. Por esse das por pessoas em moradias precárias, formando
princípio, o Estado deve organizar a sua rede pú- ocupações urbanas irregulares que afetam as con-
blica de saúde de forma que trate desigualmente dições de saúde desses cidadãos.
os desiguais na medida em que se desigualam. O Essa grande concentração nos centros urba-
tratamento desigual dado a quem precisa é uma nos resulta também na concentração de pessoas
exigência que o princípio da equidade impõe ao em condição de vulnerabilidade, que, agrupadas
Estado justamente para garantir o princípio da conforme a especificidade da vulnerabilidade sub-
igualdade. Se o serviço público de saúde fosse jetiva, possuem necessidades específicas de saúde
oferecido de forma igualitária a todos, sem con- que diversificam as necessidades e tornam, assim,
sideração das diferenças sociais, biológicas, eco- mais complexas as dificuldades de organizar a rede
nômicas ou culturais existentes entre as pessoas, pública de assistência à saúde da população que
o princípio da igualdade apenas serviria para es- vive nos centros urbanos.
conder as iniquidades sociais e individuais e, com Seja em razão do grande número de pessoas
isso, preservar ou promover injustiças. Assim, em concentradas em um território urbano, seja em
nome do princípio da equidade é que o SUS or- razão das dinâmicas próprias da vida em centros
ganiza serviços voltados à atenção especial de urbanos, o fato é que tanto as vulnerabilidades
grupos sociais como os idosos, as crianças, as decorrentes de condições biológicas quanto
gestantes ou os povos indígenas. as decorrentes de condições socioeconômicas
e culturais podem ser encontradas com maior
prevalência e gravidade nos centros urbanos do
PECULIARIDADES DO DIREITO
que na área rural.
À SAÚDE PARA PESSOAS EM
CONDIÇÕES DE VULNERABILIDADE INIQUIDADES SOCIAIS EM SAÚDE E
NOS CENTROS URBANOS CONDIÇÕES DE VULNERABILIDADE
De acordo com o Censo do IBGE de 2010, vi- No Brasil, país com dimensões continentais,
vem nos centros urbanos brasileiros 84,5% da po- a diversidade geográfica, econômica, social e
pulação. Dentro desse grupo populacional urbano, cultural da população é de grande relevância e
especial destaque deve ser dado para os que vivem impacta fortemente as necessidades de saúde de
nas metrópoles, que são agrupamentos de municí- cada região. Nesse contexto, as políticas públi-
pios com alta densidade demográfica, variando de cas de saúde organizadas pelo Estado vêm tra-
18,36 habitantes/km², na região de Lages em Santa balhando fortemente com o conceito de grupos
Catarina, a 2.476,82 habitantes/km² na Região Me- em condição de vulnerabilidade.
figura 1
180.000.000
160.000.000
140.000.000
120.000.000
100.000.000
80.000.000
60.000.000
40.000.000
20.000.000
0
Total Branca Preta Amarela Parda Indígena Sem
declaração
Urbana 160.925.792 80.212.529 12.430.469 803.377 66.158.924 315.180 5.313
Rural 29.830.007 10.839.117 2.087.492 280.911 16.118.409 502.783 1.295
10,1%, renda entre três e cinco SM; 5,6%, renda de serviços, voltada a todos indistintamente, o
entre cinco e dez SM; e 1,8%, renda superior a dez Sistema Único de Saúde brasileiro vem traba-
SM (Fundação João Pinheiro, 2014). lhando na linha de construção de políticas es-
Recentemente alguns centros urbanos brasilei- tratégicas que visam contemplar e orientar as
ros vêm sendo destino de um novo tipo de popula- ações em saúde para grupos populacionais em
ção vulnerável para o país, que é o imigrante ilegal. condição de vulnerabilidade. Essas políticas po-
No município de São Paulo, por exemplo, chamam dem ser diferenciadas em três tipos, a saber: 1)
a atenção das autoridades públicas os fluxos imigra- políticas de saúde voltadas a grupos em vulne-
tórios de haitianos e bolivianos. Enquanto os dados rabilidade socioeconômico-cultural; 2) políticas
oficiais do IBGE apontavam 17.960 bolivianos vi- de atenção à saúde indígena; 3) políticas de aten-
vendo no município de São Paulo em 2010, já no ção por fases dos ciclos de vida.
ano de 2013 o Consulado da Bolívia calculava em A divisão nesses três tipos considera o obje-
aproximadamente 100 mil os bolivianos vivendo em tivo principal de cada política. O primeiro tem o
São Paulo, muitos em condição irregular (Folha de foco principal na equidade da atenção e na que-
S. Paulo, 2013). Muitos desses imigrantes que che- bra de preconceitos; o segundo visa à garantia do
gam aos centros urbanos brasileiros têm dificulda- acesso à saúde de forma integral e respeitando
des com a língua, a cultura e, principalmente, com as diferenciações culturais; já o terceiro foca a
a regularização documental de sua permanência no orientação técnica e assistencial no cuidado nos
país, fato que os torna vulneráveis a diversos tipos diferentes momentos do ciclo de vida ou em con-
de problemas sociais (trabalho, renda). A falta de dições biológicas específicas, como os privados
documentos que regularizem a permanência do de liberdade e pessoas com deficiência.
imigrante ilegal no país afeta o acesso à rede pú-
blica de saúde por diversas razões: pelo desconhe-
Políticas de saúde e vulnerabilidades
cimento por parte dos imigrantes de seus direitos
relacionados com a saúde no Brasil; pelo medo socioeconômicas e culturais
que os imigrantes em situação irregular têm de se
comunicar com agentes do Estado e, assim, ter sua Entre as políticas que visam à equidade
condição de ilegalidade descoberta; e, ainda, pelo na atenção à saúde de grupos em vulnerabili-
desconhecimento dos agentes públicos que atuam dades socioeconômicas e culturais, incluem-
na rede de saúde, que recusam o atendimento por -se políticas para a população negra (Brasil,
falta de documentação. 2009), população LGBT (Ministério da Saúde,
Vê-se, portanto, que a vulnerabilidade pode 2013a), populações do campo, da floresta e das
ser causada por iniquidades sociais diversas, águas (Ministério da Saúde, 2013b) ou, ainda,
como renda, cor, educação ou local de moradia. pessoas em situação de rua (Brasil, 2009). Os
Assim, os desafios do sistema de saúde brasileiro imigrantes, embora se encontrem em condi-
envolvem a necessidade de superar as dificulda- ções de vulnerabilidades socioeconômicas e
des provocadas por essas iniquidades, especial- culturais, não são assistidos por uma política
mente nos centros urbanos, que concentram gran- de saúde específica, estando sujeitos às polí-
de parte de nossa população. ticas gerais do SUS.
Essas políticas que focalizam as pessoas em
condições de vulnerabilidades socioeconômi-
ORGANIZAÇÃO DO SUS PARA O cas e culturais estão sob a responsabilidade do
ATENDIMENTO DAS PESSOAS EM Departamento de Apoio à Gestão Participativa
da Secretaria de Gestão Estratégica e Parti-
CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE cipativa do Ministério da Saúde. As ações do
Ministério da Saúde caminham no sentido de
Como sistema universal, o SUS está organi- apoiar os movimentos sociais e os conselhos de
zado para atender a todos os que estiverem em saúde no exercício do controle social das polí-
território nacional. Para além de sua rede geral ticas de saúde, em especial as políticas de pro-