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HIPERTEXTUALIDADES
NARRATIVAS
PARODY & PASTICHE: NARRATIVE HYPERTEXTUALITIES
RESUMO: A partir dos estudos das práticas intertextuais, sobretudo aquelas baseadas nas
teorias de Gérard Genette (1982) sobre as hipertextualidades narrativas mediadas pela paródia
e pelo pastiche, este estudo examina as principais diferenças entre essas estratégias dialógicas,
segundo as quais é possível criar um novo olhar para os textos literários por meio da utilização
de hipotextos.
PALAVRAS-CHAVE: Hipertexto; paródia; pastiche.
ABSTRACT: Departing from the studies of intertextual practices, especially those based on
Gérard Genette’s theories (1982) of narrative hypertextualities mediated by parody and
pastiche, this paper examines the most important differences between these dialogical
strategies, according to which it is possible to create new readings of literary texts by using
hypotexts.
KEYWORDS: Hypertexts; parody; pastiche.
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1Doutor em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás – Brasil. Realizou estágio
pós-doutoral em Letras na Universidade Federal de Goiás – Brasil. Professor do Instituto
Federal Goiano – Brasil. ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-9980-2561. E-mail:
paulo.alberto@ifgoiano.edu.br.
narrativas ficcionais. Na tessitura de romances, por exemplo, o intertexto pode
funcionar como meio de promover um novo olhar para o
texto/autor/época/história ao qual se refere. A escrita feita por meio da
presença de um texto em outro propicia novos significados, novas formas de ver
textos passados, além de permitir possiblidade de dialogar consigo mesma.
2 Embora Julia Kristeva retome o conceito bakhtiniano de dialogismo, ela descarta a abertura 157
sobre o mundo que está no coração desse conceito. Assim, autorreferencialidade, por si só,
refere-se a uma literatura que não representa o mundo, mas fala da própria literatura. Roland
Barthes quer estender isso a toda a literatura, o que pode ser um equívoco, já que a literatura
fala da literatura, mas também fala do mundo.
(hipotexto), não como um simples comentário, mas com modificações
discursivas. Assim como Kristeva, a intertextualidade, para Genette, seria a
presença visível (ou alusiva) de um texto em outro. A paratextualidade, por sua
vez, refere-se aos elementos externos ao tecido narrativo em si, tais como título,
subtítulo, prefácio, posfácio, funcionando como “pré-textos” ou “pós-textos”. Já
a metatextualidade se manifesta como um comentário que une um texto a outro
REVELL – ISSN: 2179-4456 - 2020– v.3, nº.26 – dezembro de 2020.
2 AS FEIÇÕES DA PARÓDIA
O cavaleiro andante foi considerado por muito tempo, pela crítica, como
o texto moderno que parodiava os romances de cavalaria. Mas, além disso, o
romance apresenta o problema do riso, do cômico, da sátira e, também, aspectos
imitativos típicos do pastiche, haja vista que a personagem adota, para si
mesma, a postura, a voz, os ditos e os pensamentos dos cavaleiros medievais,
principalmente de Amadis de Gaula, cuja amada também serve de consolo para
os delírios do inusitado personagem manchego.
Prática científica
Justine L’Amour andava agora sem a máscara de personagem de
tragédia de Racine. O tratamento de Sir Henry estava fazendo
maravilhosos progressos na ex-prima-dona. Certamente andava
experimentando algumas surpresas cósmicas no camarote de meu
Conclusão racional
Se não cremos numa nave pousada na selva, nem nas narrativas dos
selvagens, sempre inclinados a lendas, não se pode deixar de admirar
o herói Jurupari e seu carro de fogo, seduzindo virgens indígenas
com uma técnica sexual misteriosa. Sir Henry havia coletado uma
lenda que descrevia o órgão sexual de Jurupari como uma espécie
flauta mágica. Creio que o segredo erótico de Jurupari era do
conhecimento de Sir Henry. Não se tira uma prima-dona da apatia
sem um bom respaldo técnico.
[...]
Mais provas
Sir Henry passou a noite sonhando com os desenhos de Itacoatiara.
No sonho uma figura de um homem completamente despido e
feições nobres deixava-se acariciar por lindas mulheres da selva. A
aparição lhe dizia numa voz de ejaculação que as inscrições nas
pedras contavam profecias. Não me consta que Sir Henry tenha
conseguido traduzir algum dia aqueles desenhos, mas me disse que
tinha experimentado uma emissão noturna (SOUZA, 2002, p. 106 –
107).
Por outro lado, outras narrativas preferem outros caminhos que não são
do riso, da comicidade e da deformação. Linda Hutcheon (1985), em Uma teoria
da paródia, investiga os usos e os alvos da paródia nas artes contemporâneas e
constata que o prefixo para pode apresentar outros significados. O eterno
REVELL – ISSN: 2179-4456 - 2020– v.3, nº.26 – dezembro de 2020.
Genette entende, ainda, que o pastiche é, sob vários pontos de vista, em 165
3Na primeira parte do livro Pastiche et mélanges, Proust trata de seus pastiches feitos a partir
dos hipotextos diversos. Essa primeira está dividida em nove tópicos. São eles: Dans um roman
de Balzac; L’Affaire Lemoine, par Gustave Flaubert; Critique du roman de M. Gustave Flaubert sur
l’Affaire Lemoine”, par Saint-Beuve, dans son feuilleton du Constitutionnel; Par Henri de Réginer;
Dans le Journal des Goncourt; L’Affair Lemoine, par Michelet; Dans um feuilleton dramatique de
166 M. Émile Faguet; Par Ernest Renan; Dans les Mémoires de Saint-Simon.
4 Nesses romances, há o resgate do estilo, temas e dos próprios autores que passaram a ser
personagens das imitações feitas pelos hipertextos em pastiche. No caso de Haroldo Maranhão,
há a imitação do estilo inconfundível do bruxo do Cosme Velho, que passa a dialogar no enredo,
com personalidades históricas, políticas e, também, com suas próprias criações ficcionais. Em
Também sob a perspectiva da repetição deleuziana, embora ressaltando
a semelhança e não a diferença, o pastiche, segundo Hutcheon (1985, p. 55),
geralmente permanece dentro do mesmo gênero que o seu modelo, ao passo
que a paródia permite adaptação. Repetir na reescritura em pastiche é acentuar
a semelhança no hipertexto. Essa visibilidade da retomada imitativa foi
trabalhada por Proust (2009) nas suas misturas e releituras dos textos de
Flaubert e, por meio delas, há a recorrência ao modelo pastichado a partir da
Jameson (1985; 1997; 2006) associa dois termos que configuram o “mal-
estar” no pós-modernismo: o pastiche e a esquizofrenia. O que acontece, então,
com o pastiche, na visão do crítico norte-americano, é que não mais interessa
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Ana Miranda, há uma tentativa de representar vestígios do cotidiano de Clarice Lispector, ou
melhor, impressões sobre como poderia ter sido a rotina de escrita e de vida urbana no Rio de
Janeiro da autora de A paixão segundo G.H. Por fim, o romance Em liberdade, Silviano Santiago
retoma a figura autoral de Graciliano Ramos após a sua saída da prisão em 1936.
fazer releitura do passado e apontar as possíveis verdades postas à prova
através da ironia, como faziam as paródias no alto modernismo. Importa agora,
segundo Jameson, resgatar os mestres singulares, trazer à tona seus estilos e
discursos em uma atualidade diferente daquela em que foram feitos.
apesar das várias feições assumidas, elas [as obras artísticas] são
reproduzidas na formação de um todo simulativo. Por esta razão, a
história se apresenta de maneira revista, fragmentada e fabricada –
em situação implodida e depredada (não apenas a história dos
vencedores, mas a história na qual o modernismo foi rechaçado). O
resultado foi uma história recriada na feição de um todo esquizoide
(ROSE, 1993, p. 224, tradução nossa).
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REFERÊNCIAS
HOESTEREY, Ingeborg. Pastiche: cultural memory in art, film and literature. New
York: Indiana University Press, 2001.
Recebido em 30/01/2020.
Aceito em 29/05/2020.
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