Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
06 Preservação Do Patrimônio Cultural e Reabilitação Urbana o Caso Da Zona Portuária Da Cidade Do Rio de Janeiro
06 Preservação Do Patrimônio Cultural e Reabilitação Urbana o Caso Da Zona Portuária Da Cidade Do Rio de Janeiro
101
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E REABILITAÇÃO URBANA: O CASO DA ZONA PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
RESUMO
A área portuária do Rio de Janeiro sofreu grandes redefinições que terminaram por dimi-
nuir seu núcleo dinâmico e por tornar seus espaços degradados e obsoletos. Parte da área é ocupada
por favelas e muitos de seus bens arquitetônicos estão abandonados e em avançado grau de degra-
dação. Como em muitas cidades do mundo, a Prefeitura do Rio de Janeiro vislumbra a reabilitação
desses espaços e sua reintegração à mancha urbana. Essa iniciativa resultou no Projeto Porto do Rio,
publicado no ano de 2001. O plano encontra-se em fase de implantação, embora a passos muito
curtos. O presente trabalho visa analisar as características e as estratégias de intervenções promovi-
das pela Prefeitura, identificando os pontos positivos e negativos desta empreitada à luz do conceito
da conservação urbana integrada. Considerando a Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro como
patrimônio cultural a ser preservado para as gerações futuras, o trabalho também procura identificar
os bens construídos existentes e suas formas de proteção e discutir as possíveis formas de inserção
desse patrimônio em uma estratégia de desenvolvimento. Após tecermos considerações sobre os
principais problemas das áreas portuárias, a segunda parte do artigo estuda as transformações ocor-
ridas na paisagem dessa área do Rio de Janeiro. A terceira parte analisa a situação atual da área, identi-
ficando os bens culturais construídos existentes e suas formas de proteção. A quarta parte apresenta
como a zona portuária foi pensada nos diversos planos de intervenção e as premissas do plano em
curso. Por fim, a quinta parte discute os principais pontos negativos do plano e as possíveis formas
de inserção desse patrimônio no processo de planejamento da área.
Palavras-chave: Porto do Rio, reabilitação, patrimônio e conservação urbana
ABSTRACT
The port district of Rio de Janeiro has suffered great transformations leading to the lack
of dynamism and to many degradation and obsolescence of its spaces. Sections of the area are oc-
cupied by shantytowns and most of its built heritage is abandoned and highly degraded. As in many
cities in the world, the Municipality of Rio de Janeiro is focused in the rehabilitation of this district
and its reintegration to the more dynamic sections of the city. This initiative was materialized in the
Projeto Porto do Rio, published in 2001. The plan is under way, but in a very slow pace. This paper
analyzes the characteristics and the strategies promoted by this project, identifying the positives and
negative aspects of this undertaking taking into consideration the principles of integrated urban
conservation. Considering the Port district of Rio de Janeiro as a cultural heritage to be preserved
to the next generations, this paper also identifies the built heritage and the ways of including it in a
strategy of development. After discussing the major problems of port areas, the second section of
this article focuses on the transformations of the landscape of Rio de Janeiro Port District The third
section analyzes the current situation, identifying the major built heritage and the ways of protect it.
The fourth section shows how the port zone was conceived in the diverse plans for the area and the
major principles of the current plan. Finally the last section discusses the major problems of the plan
and the possible was of including the local heritage in the district planning process.
Key words: Port of Rio de Janeiro, rehabilitation, heritage, urban conservation
1 INTRODUÇÃO
avançaram nos estudos e propostas, mas pouco foi implantado. Dentre estes programas, o
do Rio de Janeiro apresenta-se como um dos mais ambiciosos.
Após sofrer inúmeras transformações na paisagem, a área portuária do Rio de Ja-
neiro encontra-se hoje desvalorizada e desconectada em relação à malha urbana da cidade.
Grande parte da área é ocupada por favelas e boa parcela de seus bens arquitetônicos estão
abandonados e em avançado grau de degradação. Intervenções realizadas ao longo do sé-
culo XX contribuíram ainda mais para esse “isolamento” urbano. A área detém uma grande
complexidade, já que interesses diversos conflitam, como a questão da continuidade das
atividades portuárias – com a carga e descarga dos contêineres – o uso dos antigos armazéns,
a urbanização das favelas, o tratamento das vias de circulação interna e periférica, a implanta-
ção de programas habitacionais e a expansão de empreendimentos comerciais, entre outros
fatores. A área em estudo compreende a costa oeste da Baía de Guanabara, cujos limites são
definidos pela Região Administrativa I RA, a qual engloba os bairros da Gamboa, Saúde,
Santo Cristo e Caju, considerados como Zona Periférica do Centro.
Já há alguns anos, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro vem realizando estudos
para reabilitação e preservação da região. A diversidade cultural e urbana da área também
estimula muitos profissionais e estudantes a idealizarem intervenções inovadoras ou conser-
vadoras. As experiências acumuladas durante os anos serviram para amadurecer as propostas
e melhor estruturar os objetivos a serem atingidos, o que resultou no Projeto Porto do Rio da
Prefeitura, publicado no ano de 2001. O plano encontra-se em fase de implantação, embora
a passos muito curtos.
O presente trabalho visa analisar as características e as estratégias de intervenções
promovidas pela Prefeitura, identificando os pontos positivos e negativos desta empreitada à
luz do conceito da conservação urbana integrada. Considerando a Zona Portuária da cidade
do Rio de Janeiro como patrimônio cultural a ser preservado para as gerações futuras, o
trabalho também procura identificar os bens culturais existentes e suas formas de proteção e
discutir as possíveis formas de inserção desse patrimônio como uma estratégia de desenvol-
vimento.
A segunda parte do artigo estuda as transformações ocorridas na paisagem dessa
área do Rio de Janeiro. A terceira parte analisa a situação atual da área, identificando os bens
culturais construídos existentes e suas formas de proteção. A quarta parte apresenta como a
zona portuária foi pensada nos diversos planos de intervenção e as premissas do plano em
curso. Por fim, a quinta parte discute as principais limitações do plano e as possíveis formas
de inserção desse patrimônio no processo de planejamento da área.
O Porto do Rio ainda possui 6740 metros de cais contínuo e um píer de 883 metros de
perímetro (CDRJ, 2006). As instalações portuárias vão desde a extremidade leste, no Píer Mauá,
até a extremidade norte no Cais do Caju, incluindo os cais, ilhas, docas, pontes, píeres de atracação
e de acostagem, armazéns, pátios, edificações, vias internas de circulação rodoviárias e ferroviárias,
além de terrenos ao longo dessas faixas marginais (CDRJ, 2006). O porto ainda é utilizado e detém
importância para a economia do Estado.
Os bairros da zona portuária guardam ainda em muitas ruas a ambiência da sua ocupação,
consolidada no início do século XX. Podem-se encontrar inúmeros sobrados, galpões marcadamen-
te ecléticos, e vilas operárias remanescentes do período industrial, edificações art déco e modernistas,
que se mesclam a conjuntos habitacionais populares e às favelas, conferindo uma enorme diversida-
de à área.
Essa diversidade é expressa através de exemplares arquitetônicos que poucos cariocas
conhecem. A riqueza desse patrimônio é inestimável. Encontramos obras de grandes arquitetos
Figura 4 - Vila operária de Lúcio Costa e Gregori Warchavchik em 1931 e aspecto atual.
Fonte: LINO, p. 147, 2005. Foto: Eliana Miranda, 2007.
Fonte: Dados da PCRJ – Secretaria Municipal de Fazenda – SMF - IPP/ DIG-ALFA, 2000.
A Zona Portuária I–RA ocupa uma área1 de 850,84 ha, e abriga uma população
de 39973 habitantes, de acordo com o censo de 2000, realizado pelo IBGE. Os bairros em
estudo – Saúde, Gamboa e Santo Cristo – possuem ao todo 316,14 ha e uma população de
22294 habitantes, o que caracteriza uma das mais baixas densidades demográfica/habitacio-
nal da cidade. Os grandes proprietários de imóveis e terrenos, de acordo com o levantamen-
to realizado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PACRJ, 2001, p.12), são: Docas
S.A., a Rede Ferroviária Federal – RFFSA, a União, Exército, CEDAE, Estado, Município,
Moinho Fluminense e Portus.
A partir do final dos anos
70, iniciaram-se as preocupações
em torno da preservação da área
central da cidade, tanto do centro
de negócios como da área portu-
ária. De 1979 a 1984 foi a fase de
implantação do Projeto Corredor
Cultural do Rio de Janeiro,2 que teve
como foco o centro de negócios.
Ao todo foram cerca de 1600 edifi-
cações preservadas pelo plano, hoje
considerado um plano eficaz e bem
sucedido (RIOARTE, 1985, p.6).
Já na área portuária dos
bairros anteriormente descritos, o
impulso para a preservação partiu
de preocupações ambientais. Em Figura 6 - As quatro áreas de proteção do Corredor Cultural e a delimitação da
1998, surgiu então, a figura jurídica APA - SAGAS, destacando-se os morros existentes, Conceição, Livramento,
Providência e Pinto. Fonte: dos autores, com base na foto aérea do Google
da Área de Preservação Ambiental Maps, 2007 e dado da PCRJ.
– APA, regulamentada pelo decre-
to municipal n.° 7.612. Os critérios considerados para a criação das APAs estão contidos em
13 artigos, os quais dispõem sobre um bem, cujas características deverão ser notáveis nos
aspectos naturais ou culturais, cuja ocupação e utilização devem ser disciplinadas no sentido
da valorização do patrimônio ambiental. Naquele mesmo ano, foi regulamentada a Lei que
instituiu como APA logradouros dos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Centro,
conhecida como SAGAS3. Dentre as principais atribuições da Lei, pode-se destacar:
• a manutenção das características consideradas importantes na ambiência e
identidade cultural da área;
• preservação do bens culturais que apresentem características morfológicas
típicas e recorrentes na área;
• estabelecimentos de critérios para novos gabaritos;
• prévia aprovação para demolições e construções;
• criação de um escritório técnico, para fiscalização e acompanhamento das in-
tervenções.
1
Dados de 2003, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
2
Aprovado pela Lei n. 506 de 17/01/1984, que reconhece o Corredor Cultural como zona especial do centro histórico do Rio de Janeiro.
3
Decreto “N” 7.351 de 14 de janeiro de 1988.
Fonte: IPHAN, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC, e Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
– Secretaria das Culturas, 2007.
De acordo com o relatório dos subsídios para a revisão do Plano Diretor Decenal
de 1992, a Área de Planejamento 1 (no ano de 2005) é constituída por 15 bairros e 6 regiões
administrativas, representando 4,6% da população e 2,8% do território municipal. As regiões
são: I - Portuária, II – Centro, III – Rio Comprido, VII – São Cristóvão, XXI – Paquetá e
Figura 10 - Mapa de interesses do Plano de Revitalização e Reestruturação da Zona Portuária. Fonte: Instituto
Pereira Passos – PCRJ, 2006.
Figura 14 - Vila Olímpica da Gamboa. Foto: Eliana Mi- Figura 13 - Cidade do Samba. Foto: Eliana Miranda, 2006
randa, 2006
A Vila Olímpica foi instalada em terreno próximo, com aproximadamente 18 mil m²,
com quadras polivalentes, ginásio coberto, pista de skate, áreas de lazer para crianças, anfiteatro,
piscinas, ciclovia, espaço para alimentação, entre outras atividades. No terreno há dois galpões
tombados pela esfera municipal, os quais pertenciam à Rede Ferroviária Federal. O programa
foi criado pela prefeitura em 2001 a fim de “promover e incentivar a prática de atividades
esportivas voltadas principalmente para crianças, jovens e adolescentes (...)”.6 O trabalho é
desenvolvido pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, que administra os espaços e realiza
projetos, integrando a comunidade por meio do esporte.
Atualmente, alguns armazéns são utilizados como equipamento cultural, já tendo
abrigado grandes eventos. O Armazém 5 encontra-se em constante uso, com incentivo da
Secretaria Municipal das Culturas. A Companhia Docas do Rio de Janeiro também abre os
portões do Armazém 6.
5 CONCLUSÕES
O grande desafio Projeto Porto do Rio, sem dúvida, é transformar um espaço fun-
cional como o porto, em uma área de uso urbano comum, mantendo ainda as suas atividades
e a ambiência local, com a preservação das construções históricas. Tarefas como integração
das favelas, reestruturação urbana e implementação de políticas habitacionais também são
questões complexas que requerem, além de recursos financeiros disponíveis, vontade polí-
tica. Entre os pontos positivos do projeto, está o aumento do estoque habitacional da área.
Com a implantação de linhas de financiamento – uma atitude que deve ser continuada e
incentivada desde que respeitando os padrões tipológicos e morfológicos – e o incentivo
à instalação de empreendimentos imobiliários comerciais e de serviços, como expansão do
centro de negócios, e expansão do comércio vicinal local, com a abertura de linhas de crédito.
As propostas espaciais trazem importantes contribuições para a cidade por abrir uma frente
marítima, ou seja, mais espaços com vistas para a baía, e por prover mais espaços públicos.
No entanto, o Projeto Porto do Rio apresenta alguns pontos negativos que podem
comprometer seu sucesso, visto que:
Programas e planos dessa natureza só podem ter sucesso se forem apoiados pelos
atores que decidem os usos da cidade e que possuem os intrumentos apropriados para a
implementação dos planos. Assim, o projeto em questão deve contar com a construção de
amplas coalizões e parcerias entre todos os atores envolvidos: órgãos públicos de diferentes
estâncias, investidores e promotores, administradores e donos de grandes propriedades, mora-
dores e grupos culturais e sociais locais (Lapa & Borges, 2007, p.11). Nesse sentido, verifi-
ca-se ainda a falta de incentivos a programas de conscientização e de educação patrimonial no
projeto. Observamos ainda que o projeto do Porto do Rio carece de uma maior interação entre
a administração portuária, os órgãos públicos municipais e órgãos de proteção ao patrimônio
cultural.
Em termos projetuais, apesar de o plano possuir ações positivas como o aumento
do espaço público e a abertura da frente marítima, a possibilidade de verticalização com altos
gabaritos, no entorno imediato dos armazéns contribui ainda mais para o isolamento da área,
cercada pela Avenida Presidente Vargas e sua muralha de edifícios e o Viaduto da Perimetral.
Não está prevista no plano alguma forma de atenuar o impacto do viaduto, que certamente
impede toda e qualquer relação espacial e urbana dos antigos bairros portuários com a Baía
de Guanabara, além de contribuir fortemente para a desvalorização imobiliária local. O plano
deveria deixar mais clara a conexão entre atividades portuárias e a atividades comerciais e de
serviços alocadas em sua área de entorno. Em termos de desenho urbano, observamos o
recurso a soluções massificadas que podem ser encontradas em qualquer cidade européia e a
pouca referência à cultura e memória local.
Por fim, o plano não prevê um sistema de monitoramento que controle periodica-
mente as condições da área como forma de mensurar as tendências que causarão impacto no
projeto. O processo de monitoramente deve ser visto como parte do processo gestor com o
objetivo de embasar o planejamento preventivo, na tentativa de reduzir ações emergenciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIGUEIREDO, C. O Porto e a cidade: o Rio de Janeiro entre 1565 e 1910. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 2005.
LINO, S. F. O modernismo “com sabor local”: uma arquitetura antropofágica? In: Cadernos
de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 12, n. 13, p. 133-152, dez. 2005.
ZANCHETI, S.; JOKILEHTO, J. Values and urban conservation planning: some reflections
on principles and definitions. Journal of Architectural Conservation, v.3, n.1, p.37-51,
mar 1997.