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“O que é a Sociologia?”
Lucien Goldmann
Introdução
Essa dúvida nos será contraposta que há muitas obras não marxistas
que conferem um certo lugar à história das idéias mas, como observa
Lukács, há entre elas e os trabalhos dialéticos uma diferença
fundamental. Nos trabalhos não dialéticos, os capítulos consagrados
às teorias, nas obras de sociologia ou de história e, inversamente, os
capítulos consagrados ao estado social, à época histórica, quando se
trata de história das idéias ou de literatura ou arte, apresentam-se
como corpos estrangeiros, sobrepostos, inspirados freqüentemente
pela preocupação de erudição ou de informação geral. Para o
pensador dialético, no entanto, as doutrinas fazem parte integrante do
fato social estudado e não podem ser separadas senão por uma
abstração provisória; seu estudo é elemento indispensável para a
análise atual do problema, do mesmo modo que a realidade social e
histórica constitui um dos elementos mais importantes, quando se visa
compreender a vida espiritual de uma época. A história da filosofia é,
para o pensador dialético, um elemento e um aspecto da filosofia da
história; a história dum problema, um dos aspectos tanto do próprio
problema como da história no seu conjunto e a arma da crítica, como
disse Marx, um passo para a crítica das armas.
Além do mais, que nos seja permitido tomar dois exemplos de nossas
próprias investigações. É evidente que se entende melhor a filosofia
de Kant ou a de Pascal se as vinculamos às suas infra-estruturas
sociais, não é menos evidente porém que se avaliam melhor essas
próprias infra-estruturas ligando-as, entre outras coisas, ao
pensamento desses filósofos. Ademais, uma e outra se esclarecem se
forem opostas, de um lado, às doutrinas individualistas que as
precederam e às suas infra-estruturas; de outro lado, às diferentes
interpretações das épocas seguintes e às condições econômicas e
sociais que as influenciaram e, mais freqüentemente, determinaram.
Kant é melhor compreendido como filósofo da situação trágica na qual
se encontra a burguesia alemã do século XVIII, aspirando a uma
revolução que ela não poderia realizar, sobretudo se Kant for
contraposto à interpretação do século XIX, àquela que denominamos
“o mal-entendido neokantiano”, em que a supressão da coisa em si e
do bem supremo exprimia o pensamento de uma camada que,
inspirando-se em Kant, não mais pretendia efetuar transformação
social alguma.
Do mesmo modo, os Pensamentos de Pascal (e as tragédias de
Racine) dificilmente podem ser aquilatados fora da estrutura social da
França no século XVII, da situação trágica duma nobreza togada,
dilacerada, de um lado, entre suas origens e suas ligações burguesas;
de outro lado, por sua presente vinculação à monarquia que começava
a separar-se do Terceiro Estado, dilacerada, por conseguinte, entre o
pensamento e a afetividade. Esses Pensamentos dificilmente podem
ser compreendidos fora da existência da corrente jansenista,
expressão ideológica radical da visão do mundo dessa nobreza
togada, e fora da perseguição desta corrente pela Igreja e pela
monarquia. Além do mais, a autêntica significação do pensamento
pascaliano se ilumina particularmente quando é oposto às
interpretações racionalistas da burguesia revolucionária (Condorcet,
Voltaire, separação entre o homem do amuleto e o homem da roleta)
do século XVIII, à interpretação moderadora de Vinet que se propõe a
temperar os “extremismos” de Pascal, à de Cousin que vê em Pascal
um cético genial mas perigoso e anarquista, ambas interpretações
duma burguesia solidamente instalada no poder, hostil a todo
extremismo, enfim à interpretação irracionalista de Chestov, no século
XX, rigorosa contrapartida da interpretação racionalista, do mesmo
modo que a burguesia em declínio é a contrapartida da burguesia
revolucionária.
III
1) Determinismo Econômico
1) Convém dizer aqui, uma vez por todas, que as influências de toda
sorte explicam pouca coisa, para não dizer nada, no que respeita à
história do espírito, e isso em virtude de duas realidades evidentes: a
escolha e as deformações. Tornemo-las mais precisas.
IV
EXPRESSÃO E FORMA