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CONTATO
VIRTUALIDADES REAIS
por Luiz Alberto Oliveira A IMAGEM E O ESPETÁCULO
Em nossa época hipertecnificada, por Adauto Novaes
presenciamos a diluição das antigas
fronteiras cartesianas que demarcavam
com...
A LIBERDADE DE IMAGINAR
por Franklin Leopoldo e Silva Durante breve período, o conceito de sociedade do espetáculo ocupou boa parte das
Na sua exposição crítica das concepções reflexões sobre a cultura. De maneira apressada e superficial, era comum vermos
clássicas da imagem, de Descartes a
Nume, Sartre observa que o ponto
associadas as ideias de espetáculo ao reino das imagens, em particular ao poder da
comum... televisão, mesmo depois de Guy Debord ter advertido, no clássico livro A sociedade do
A GUERRA AO VIVO espetáculo, que o espetáculo vai muito além do show de imagens: “O espetáculo não é um
por Jean Galard conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”.[1]
Ter a experiência da guerra “ao vivo” seria
participar dela, sofrê-la no próprio corpo
Assim, no mundo da mercadoria, o espetáculo torna-se sinônimo de cultura, o centro de
com a angústia de... significação de uma sociedade sem significação, ideologia materializada sobre a vida dos
A IMAGEM E O ESPETÁCULO homens: depois de ter alienado os homens ao transformar seu “ser” em “ter” (fase da
por Adauto Novaes propriedade privada depois da industrialização), o espetáculo promove a passagem e a
MAPEAR UM MUNDO SEM LIMITES degradação do “ter” em “parecer”, sintetiza Frédéric Martel em seu comentário ao
por Nelson Brissac Peixoto
As novas dimensões espaço-temporais
pensamento de Debord. O espetáculo torna-se, pois, o reino da mercadoria, reduzindo a
instauradas pela globalização econômica cultura a seu mais alto grau de alienação, reino da passividade absoluta do indivíduo,
e as configurações informes e...
“contemplação e empobrecimento da vida vivida”. O espetáculo é “o” que fala enquanto os
“átomos sociais” escutam, instaurando, portanto, o mundo do “não vivido”.
Imagem e espetáculo são, pois, objeto de reflexão desse novo ciclo de conferências.
O que é imagem? Como pensar a imagem das coisas e a imagem de nós mesmos?
O pensamento clássico nos diz que a imagem é o resultado da ação de causas externas
sobre nosso corpo (coisas luminosas produzem em nós imagens visuais). Se não tivermos
consciência das causas que produzem imagens e se soubermos claramente que a imagem
jamais nos oferece a própria coisa imaginada tal como é, cairemos fatalmente nas ideias
imaginativas definidas por Espinosa como “ideias inadequadas”, isto é, efeitos que são
tomados como causa.
A imagem, hoje, tem sentido muito mais forte em nossa vida quotidiana. Em cinquenta
anos de produção e reprodução de imagens de televisão no Brasil, período de um
desenvolvimento técnico sem precedentes e sem exemplos na história, as formas da vida
social — religião, costumes, princípios éticos e políticos — passaram a ser objeto de
controvérsia e revisão. Aos poucos, a difusão universal de imagens foi sendo consumida
pelas sociedades. Cenários e mitos artificiais e instáveis foram feitos e desfeitos com
rapidez. A instantaneidade e a simultaneidade adquiriram novas dimensões: o mundo foi
posto na ponta dos dedos. Mais: a “realidade virtual” imagina romper com a clássica cisão
entre o natural e o artificial. Culturas convivem com tendências e pensamentos que se
ignoravam, crenças incompatíveis foram postas lado a lado, e estéticas nunca pensadas são
reveladas. Tudo isso mediado pelas imagens. Sucessivas descobertas de mundos jamais
vistos antes foram apresentadas ao espectador comum, graças às imagens. Essa nova
realidade pôs o próprio pensamento em crise. À diferença dos momentos anteriores, a
imagem hoje se transformou na mercadoria por excelência, objeto de produção, circulação
e consumo, realizando de forma fantástica o velho axioma: cria-se não apenas uma
mercadoria para o sujeito, mas criam-se, também, sujeitos para a mercadoria. É este hoje o
estatuto da imagem.
Na análise de Paul Valéry, ainda que feita para outra crise e outro momento, o mundo
moderno com toda a sua potência, com um capital técnico prodigioso, inteiramente
penetrado de métodos positivos, não soube fazer uma política, assim como também não
soube fazer uma moral, um ideal, nem leis civis ou penais em harmonia com os modos de
vida que ele criou, nem mesmo com os modos de pensamento que a difusão universal e o
desenvolvimento de certo espírito científico impõem.
Somos hoje dominados de ponta a ponta pelas imagens, e é graças a esse excesso que não
aprendemos a ver ainda. Se não sabemos ver, é certamente porque a visibilidade não
depende do objeto apenas, nem do sujeito que vê, mas também do trabalho da reflexão:
cada visível guarda uma dobra invisível que é preciso desvendar a cada instante e em cada
movimento. É esta a proposta do ciclo Muito além do espetáculo.
É Descartes quem afirma que conhecemos a maneira de utilizar a intuição intelectual por
comparação com nossos olhos. Por exemplo, quando observamos muitos objetos ao mesmo
tempo com um só olhar, não vemos distintamente nenhum deles; e, do mesmo modo,
quando prestamos atenção a muitas coisas ao mesmo tempo, por um só ato de
pensamento, ficamos com o espírito confuso.
Durante muito tempo procurou-se entender a televisão pelas artes da palavra apenas.
Pensava-se que bastava fazer uma análise de conteúdo dos programas. Esse tempo pode ser
definido como um momento de indiferença entre pensamento e imagem, como se cada um
tivesse seu domínio próprio. Hoje, o diálogo entre imagem e palavra é o grande desafio, em
particular no momento em que o universo da mercadoria imaginária, totalmente abstrata e
desrealizada, cria um mundo transfigurado, provocando necessidades imaginárias. O
homem contemporâneo não cessa de consumir imagens, e é certo que seu olhar acolhe
mais do que sua capacidade de refletir sobre elas. Como pensar o mundo da aparência, no
qual apenas a imagem provoca desejos, e a posse ou a apropriação de cada objeto
desaparece na virtualidade? Como definir um objeto que se desfaz no momento mesmo em
que entra no campo do visível? É preciso, antes de tudo, discutir a estrutura do imaginário.
Ver as ideias nas imagens; compreender o mundo partindo das imagens, mas
permanecendo nelas, eis o que o mundo imaginário exige do pensador contemporâneo. O
que se quer dizer com isso é que não se compreende a imagem separando-a do
pensamento; caso contrário, a própria imagem se perde, e isso é o cúmulo da distração.
Tal como alethéia, a palavra imagem nos remete ao universo de luz e sombra ao mesmo
tempo: imagem, imaginação, imaginário, fantasia, fantástico, fantasma, todas elas têm uma
origem comum. “E, como a vista é o sentido por excelência, a imaginação [fantasia] tira
seu nome de luz [faos] porque, sem luz, não é possível ver”.[4]
O destino da imagem está, pois, ligado ao acontecimento que nos leva à descoberta, ao
desvelamento, ao desvendamento. Mas, como é próprio do pensamento, esse desvelamento
não acontece sem riscos. Observa ainda Starobinski, em seu ensaio L’oeil vivant, que Sabina
Popeia “corre o risco de que seu rosto desvelado decepcione seus amantes; ou que seus
olhos grandes abertos e oferecidos lhes pareçam ainda cobertos de um sombrio véu: o
desejo não pode mais cessar de procurar em outro lugar”.[5] O desejo de conhecimento é
infindável. De onde se conclui que, sem o trabalho do pensamento, sem a teoria (palavra
grega, como já se disse, que também pode ser traduzida por ser espectador, isto é, um ver
que sabe ver, que inventa meios para ver cada vez melhor), sem, enfim, essa segunda vista,
corremos o risco de jamais aprender a ver.
Assim, a questão que se põe na vida ordinária tal como ela se dá hoje — com a
multiplicação infinita de imagens que nos fazem perder de vista o valor estético da vida —
é a seguinte: é possível falar em deciframento do mundo?
É um cego — o fotógrafo e pensador Evgen Bavcar — quem nos adverte: não podemos
conceber a arqueologia da luz sem considerar a escuridão: “A imagem não é apenas
alguma coisa da ordem do visual, mas pressupõe, igualmente, a imagem de obscuridade ou
das trevas”. Bavcar conclui com uma frase de Kafka: “O que é positivo já está dado; é
preciso, então, descobrir o negativo”.
O olhar é feito de luz e sombra, do visível e do invisível. A sombra tem exatamente esse
poder: o de produzir em nós, como observa Jean Starobinski, uma espera sem nome. Isso
porque cada olhar refletido questiona o estatuto da realidade.
Ao lado da imagem, o ciclo Muito além do espetáculo quer ainda pôr em discussão a
sociedade do espetáculo. Para Guy Debord, nos lembra Anselm Jappe, a televisão não é a
conseqüência de uma relação plurissecular do Ocidente com a imagem; ela é o resultado de
uma sociedade que anula a vida em proveito da contemplação passiva de imagens.
(escolhidas por outros) que substitui o vivido e a determinação dos acontecimentos pelo
próprio indivíduo.[7]
Ao lado das discussões sobre a imagem e o espetáculo, este ciclo de conferências propõe
ainda um terceiro tema de debates: as perspectivas da televisão. Nessa era hipertecnificada,
na qual se multiplicam em intensidade e variedade os objetos técnicos de reprodução de
imagens, pergunta-se: qual o destino da televisão? Apesar dos discursos iconoclastas, é
preciso dar resposta também a questões como: quais são as implicações da visão à distância
ao vivo, em tempo real? Como cartografar um mundo sem fronteiras, sem medida, sem
limites?
Por fim, alguns conferencistas nos convidam a um olhar reflexivo inquietante. O olho
visual, diz um deles, constitui o mundo como espetáculo patético: estetiza vida e morte.
Será a atenção estética por isso desviada ou pervertida? Ou será a reflexão estética por isso
mesmo renovada?
Notas
Guy Debord, A sociedade do espetáculo, trad. Estela dos Santos Abreu (Rio de Janeiro:
[1]
Peter Sloterdijk, Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o
[3]
Aristóteles, De Anima, livro III, trad. Lucas Angioni (Campinas: Unicamp, 1999), 429 a.
[4]
experiência
do cinema: antologia, trad. Marcelle Pithon, vol. 5 da Coleção Arte e Cultura (Rio de
Janeiro:
Anselm Jappe, Guy Debord, trad. Iraci D. Poleti (Petrópolis: Vozes, 1999).
[7]