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Introdução

O ano de 2010 fica marcado pelas comemorações, a nível


mundial, do bicentenário do nascimento de Frédéric Chopin. Foi este
o ponto de partida para desenvolvermos o nosso trabalho.
Seleccionámos do Cancioneiro de César Augusto Pereira das Neves
(vol. 1, 1893) os géneros Nocturno, Balada e Barcarola, géneros estes
que desde logo se associam ao compositor polaco. De facto, a
excelência com que Chopin explorou estas formas musicais tornou os
seus vinte e um nocturnos (três deles póstumos), quatro baladas, e
uma barcarola, das obras mais importantes, conhecidas e tocadas do
reportório pianístico. Outra semelhança que nos chamou a atenção é
que tanto em Chopin como no Cancioneiro Português existe um
marcado carácter nacionalista. As Canções Polacas op.74 de Chopin
revelaram-se uma importante referência para a composição dos
nossos arranjos, dada a sua instrumentação para canto e piano1.
Solicitámos a constituição do grupo por quatro elementos
devido aos hábitos de trabalho em conjunto que os quatro têm vindo
a desenvolver. O Edgar, o Luís e a Catarina partilham o mesmo meio
de transporte para a Universidade (uma hora e meia de comboio
diariamente), tendo bastante tempo para a discussão dos trabalhos. A
Catarina e a Ana Ester frequentam as mesmas aulas no que toca a
Área Vocacional, pelo que têm horários idênticos e uma consequente
facilidade para reunião para planeamento de tarefas. No caso da
dupla Edgar/Luís, verifica-se a mesma situação. O Edgar e o Luís já
tiveram experiências conjuntas de trabalho em disciplinas do ano
lectivo anterior, assim como o par feminino do grupo, pelo que já
temos conhecimento considerável sobre as capacidades de trabalho
de cada um. Considerámos que nos complementaríamos enquanto
grupo, contribuindo nas áreas de Composição, Piano, voz feminina e
masculina, Violino e Flauta.

1
Esta colectânea é, de facto, a única referência existente sobre a abordagem
“chopiniana” do canto, sendo bastante útil para a reinterpretação das peças
seleccionadas do Cancioneiro.

1
Depois de termos apresentado várias propostas temáticas para
este trabalho, a ideia “Chopin” pareceu-nos adequada, original e um
tanto ou quanto arrojada. Apresentamos então as peças “O
Guerrilheiro”, “As Estrellas”, “A Judia” e “Poesia Amor” do já referido
Cancioneiro, com arranjos originais feitos pelo grupo, que farão parte
da nossa performance na apresentação oral deste trabalho.
O trabalho escrito segue então com uma descrição das obras e
uma devida contextualização histórica, política, artística e biográfica.
No Anexo apresentamos partituras das peças originais, assim
como dos arranjos que fizemos.
Cancioneiro de Músicas Populares de César Augusto Pereira
das Neves (1893) Vol.I

Os três volumes do Cancioneiro de Músicas Populares oferecem


composições de autor, transcrições de diferentes colaboradores (do
próprio César das Neves, Gonçalo Sampaio, F. P. Nogueira, António
Tomás Pires, entre outros) harmonizadas por César das Neves,
documentando aspectos da prática musical do mundo rural de várias
localidades do continente português (de Trás-os-Montes ao Algarve) e
dos Açores, e também aspectos da realidade musical urbana presente
nas ruas e salões privados. A selecção das localidades representadas
no Cancioneiro deve-se, em boa parte, à presença aí, por motivos de
ordem profissional, familiar ou outros, de alguém que dominasse a
técnica de transcrição musical e que enviasse esse trabalho a César
das Neves. Destes colectores - com variadas formações profissionais –
destaca-se F. P. Nogueira, pela abrangência do território
documentado (norte e centro do continente português) e pelo número
de exemplares coligidos. De um modo geral, as harmonizações para
canto e piano e o texto poético respectivo, além do título, foram
classificados, numa sistematização pouco consistente, segundo o
contexto, a função, a temática ou o estilo e complementados com a
descrição de formas de execução vocal e ou instrumental,
instrumentação e coreografias. A este respeito, o Cancioneiro revela

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uma intenção não só de divulgar as práticas musicais em uso na
época (e não apenas as de matriz rural), como de providenciar
repertório para consumo doméstico nos salões da burguesia de
então. Os volumes dedicam cada uma das harmonizações a uma
senhora dessa sociedade.
As canções apresentadas no Cancioneiro são, como acima
referido, harmonizadas para piano. É de salientar que o piano,
embora não seja um instrumento tradicional ou tipicamente
português, era o instrumento de eleição do séc. XIX, possibilitando ao
músico amador “toda a gama harmónica e tonal da grande orquestra
em troco de um investimento de talento e esforço
surpreendentemente pequeno” (Moore 1962:137).

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César Augusto Pereira das Neves - Biografia

César das Neves nasceu a 27 de Junho de 1841 em Lisboa, e


tornou-se um dos melhores compositores do seu tempo. Para além de
compositor, tornou-se conhecido pelas suas 622 harmonizações para
canto e piano editadas no Cancioneiro de Músicas Populares e
também pelo seu profissionalismo na edição de manuais de ensino e
aprendizagem. César das Neves investiu bastante na sua educação e
cultura e tornou-se um grande poeta e tipógrafo, tendo, com apenas
27 anos, fundado no Porto uma oficina tipográfica de música. Devido
a perseguições políticas, César não pode ficar com a família, e
deixou-a no porto e parte para o Brasil. No domínio da composição,
escreveu música sacra e profana para diversos conjuntos: canto e
piano, orquestra, conjunto de câmara, órgão, piano, coro e banda
filarmónica. Entre Outubro de 1874 a Agosto de 1875, dirigiu no Porto
uma publicação de música e literatura - “A Grinalda de Euterpe” que,
por “falta de pessoal habilitado para o trabalho tipográfico” não viu
cumprido este objectivo. A "Grinalda de Euterpe” ofereceu aos seus
leitores "música de baile e de sarau, canções populares, árias e
fantasias para piano, críticas teatrais, tanto líricas, como de
declamação, descrições das diferentes óperas, biografias das maiores
celebridades musicais", o cartaz de espectáculos musicais das
cidades portuguesas (Porto e Lisboa) e estrangeiras (Milão, Florença,
Nápoles, Paris, Nova York) assim como conselhos de conservação de
instrumentos musicais, entre outros. Duas décadas depois (por
influência de Teófilo Braga), publicou os três volumes do Cancioneiro
de Músicas Populares, em 1893, 1895 e 1898, com harmonizações
para canto e piano da sua autoria, em colaboração com o jornalista
Gualdino de Campos, responsável pela parte poética [e o “amador
folclorista Francisco Pinto Nogueira” (Neves 1970: 363)]. Faleceu a 18
de Novembro de 1920.

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Géneros em Chopin

a. Nocturno
“usually quiet and meditative” (Brown 2001:11)

Como o próprio nome indica, é uma peça que sugere a noite - «


O termo ‘nocturno’ surge no prefácio ao Livro das Orações
designando um serviço da Igreja originariamente destinado a ser
celebrado à noite.» (Nicholas 2007:217). Os nocturnos do compositor
e pianista John Field tiveram um papel muito importante como
antecedentes dos tão famosos nocturnos de Chopin, popularizando-os
«como género pianístico em que uma melodia graciosa cantava sobre
um acompanhamento suave, um pouco à semelhança das longas
cantilenas de uma ópera de Bellini.» (Nicholas 2007:217). Mas foi
mesmo Chopin quem elevou o nocturno ao seu expoente máximo,
sendo capaz de uma poesia musical invulgar de onde brotavam os
mais variados sentimentos, desde o sonho à sensualidade ou mesmo
tristeza.
Mas, já antes de Field ter o usado o termo nocturno em inícios
do século XIX (na sua forma francesa nocturne) os italianos usavam
frequentemente o termo “notturno” na música do século XVIII.
Facto é que o género nocturno não parou em Chopin.
Compositores como Fauré, Satie, Korsakov, Glinka ou Scriabin
continuaram a escrever nocturnos.

b. Baladas

O termo refere-se a canções populares que combinam


elementos narrativos e diálogo dramático e lírico. Inicialmente a
palavra remetia para canções de dança (carole, por exemplo) mas em
meados de século XIV perdeu este significado na língua inglesa
(ballad).
Balada pode-nos remeter também para uma das três formes
fixes (ballade, rondeau e virelai). Ballade designava canções e poesia

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francesas - « no princípio do século XIX, a balada (Fr. Ballade) tinha
passado a designar uma forma de poesia lírica e um tipo de música
vocal.» (Nicholas 2007:237)
Balada como Chopin e Liszt, por exemplo, escreveram, consiste
no mesmo significado mas passa a ser apenas música instrumental
em estilo narrativo. As baladas de Chopin são composições mais
extensas do que geralmente escrevia (por exemplo mazurcas ou
nocturnos) e eram em parte inspiradas na poesia nacionalista do
amigo Adam Mickiewicz.

c. Barcarola
“sentimental, even melancholy atmosphere” (Brown 2001:710)

O termo barcarola era usado para intitular obras inspiradas nas


canções dos Gondoleiros Venezianos: “As barcarolas venezianas –
canções dos gondoleiros – eram já no início do século XVIII uma
atracção para os visitantes, com o seu característico ritmo que
reflecte o balanço da embarcação.” (Nicholas 2007)
Estas canções eram extremamente conhecidas na Europa no
século XVIII. A barcarola foi muito usada na ópera romântica, onde
encontramos um dos mais famosos exemplos no segundo acto da Les
contes d’Hoffman de Offenbach. Do repertório pianístico a mais
famosa é a Barcarola op. 60 de Chopin. São também bastante
importantes as “Canções de gôndola veneziana” de Mendelssohnm e
as treze barcarolas de Fauré.

d. Canções polacas

“A composição de canções por parte de Chopin nem chegou ao


número trinta, sendo que, mesmo assim, algumas nunca foram
passadas a escrito, tratando-se de meros esboços, alguns falsos,
outros perdidos. Se as instruções de Chopin tivessem sido cumpridas,
todos os seus manuscritos de canções teriam sido destruídos após a

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sua morte. Todavia, as páginas dispersas de dezassete canções foram
coligidas por Julian Fontana e publicadas, com o consentimento da
família, simultaneamente em Varsóvia e Berlim, em 1857, tendo
ficado classificadas com um Opus 74. Estas canções musicam poemas
polacos da autoria de contemporâneos de Chopin. Possuem dualidade
temática: existem as românticas e as nacionalistas. Dão a impressão
de que foram escritas como reacção a poemas que descreviam o seu
estado de espírito ou os seus sentimentos num determinado
momento, e também para satisfazer necessidades sociais e a
amizade. Apesar do encanto melódico e da sinceridade emocional,
estas obras de Chopin não tiveram grande acolhimento por parte dos
cantores até à actualidade. Algumas destas peças gozam de maior
popularidade mais pelas transcrições para piano solo que Liszt
produziu.” (Chopin Nicholas 211)

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Contextualização Histórica, Política e Artística dos
documentos

O séc. XIX foi um século de grandes transformações políticas


em Portugal. Depois do grande terremoto de 1755, as tropas
francesas invadiram Portugal em 1807, o que levou à deslocação da
Família Real para o Brasil. Seguem-se as Guerras Liberais (1828-
1834), o Ultimato Inglês (1890), o regicídio e finalmente a
Implantação da República, já em 1910. Esta grande instabilidade
social e política levou ao surgimento do Nacionalismo, uma busca
pela afirmação de uma identidade, de uma ideologia tipicamente
“portuguesa”, de uma representação do povo português na sua
tradição. Nada melhor do que investigar as origens, saber quem é
este povo que se revolta e que se quer reafirmar na Europa com a
importância de um “nobre povo, nação valente, imortal”. Onde se
podem encontrar registos de tradições? Em letras de canções
transmitidas oralmente de geração em geração, ou compostas de
novo para inspirar e homenagear Portugal e o seu povo. Surgem os
Cancioneiros, surge “A Portuguesa” e uma noção de patriotismo geral
invade o país.
Nesta altura, um pouco por todo o lado, a ciência desenvolvia-
se, a filosofia e a arte tomavam novos caminhos. Foram inaugurados
os primeiros Conservatórios, em Lisboa e depois no Porto, Évora e
Coimbra. A música de Wagner, Liszt e Beethoven ouvia-se no Teatro
Nacional de São Carlos. Kant, Hegel, Goethe e Schiller atraíam
filósofos, escritores e músicos. Imperavam o Romantismo tardio, o
Nacionalismo declarado e o Realismo.
Nas páginas seguintes apresentamos um friso cronológico com
os acontecimentos mais marcantes que precederam e sucederam a
data de publicação do Cancioneiro César das Neves de 1893, tanto
em Portugal como um pouco por todo o mundo: descobertas
científicas, eventos artísticos (cinema, música, teatro), golpes

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políticos, sufragismo. Uma enorme transformação social ocorria e
ninguém ficava indiferente.

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Portugal

Mundo

Friso Cronológico
O movimento
republicano Convite dos governos
ganhou força; Inauguração do francês e alemão para
fundados clubes e Teatro Aveirense Portugal participar na
dezenas de Conferência de Berlin (teve
jornais como objectivo organizar a

1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887


Thomas Edison inventou a
lâmpada incandescente

Inaugurado o Expresso do

Primeiro voo de um Aparecimento do

Construção da primeira
balão dirigível em
primeiro automóvel;
Paris
Rodin esculpe “O

inauguração da Estátua
da Liberdade em Nova
pensador”

Robert Koch descobre a


bactéria responsável bicicleta
Oriente

pela tuberculose Émile Beriner


patenteia o
Gramofone

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Inglaterra contesta o facto
Hintze Ribeiro substitui José Dias
de Angola e Moçambique
Ferreira como Primeiro Ministro
pertencerem a domínio
em Portugal
português

É formada a Sociedade Inaugurado o Aquário Vasco da


D. Pedro II, Imperador do Gama em Lisboa
Brasil é alvejado com 3 tiros União Musical de
de revólver e sai do episódio Alenquer
ileso. Uns meses depois a
família real parte para o Revolta republicana no
exílio em Paris Porto (primeira
tentativa de derrube da

1888 1889 1890 1891 1893 1894 1895 1897 1898

Nova Zelândia torna-se o


Fundação da primeiro país do mundo a
Albert Einstein conceder o direito de voto a
empresa IBM com forma-se em Física

Thomas Edison patenteia o


e Matemática Marconi faz a primeira
a finalidade de
transmissão de rádio da
fabricar Irmãos Lumière apresentam história
L’Arrivée dun Train en Gare” –
considerado o nascimento do
Freud aperfeiçoa a técnica de Cinema.
hipnose; inauguração da
Oscar Wilde apresenta
em Londres “A
rádio

Van Gogh corta parte da sua orelha importância de ser


esquerda prudente”;

Primeira
projecção pública
de um percursor 11
do cinema
Descrição e interpretação dos documentos

1. Análise dos poemas

O Guerrilheiro

Letra: de L.A. Palmeirim


Ano: 1852
Cancioneiro: Cancioneiro de César das Neves do Ano 1893
Dedicatória: A Ex. ma
Sra. D. Maria das Dores Monteiro
Género: Ballada

Ei-lo erguido no topo da serra,


Encostado no seu arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Não conhece- não vê outra luz.
Viu na terra a pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir-lhe seu rude cantar!

Desabando do topo da serra,


Lá deixara o fiel arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Viu na guerra extinguir-se-lhe a luz.
Vira a terra da pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pára o sangue, desaba-lhe vida;
Já não lhe ouço seu rude cantar!

Seleccionámos esta Ballada do Cancioneiro de 1893 pelo seu


cariz bélico, o que pôde ser confrontado com as Canções Polacas

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nacionalistas de Chopin. O poema representa a individualização sob
alegoria do exército português que, tal como todos os outros
exércitos em todas as guerras, independentemente da vitória ou não
nessas batalhas, acabam sempre por deixar uma grande
percentagem dos seus de “luz extinta” no campo de batalha. A forte
crítica implícita destas estrofes permite deduzir a revolta do povo
face às frequentes guerras de outrora.
A personagem abordada, um “pequeno creado na guerra”,
escravo das suas obrigações militares, funciona como uma pessoa
colectiva, pois representa todos os soldados que lidam com o sentido
patriótico de defesa das suas terras e, ao mesmo tempo, com o
sofrimento de presenciar a morte dos seus, sendo que a sua própria
vida corre um sério risco. A defesa da terra face às invasões inimigas
é deduzida pela “visão”, por parte da personagem, da “terra da pátria
aggredida”.
As duas estrofes seleccionadas do poema apresentam uma
progressão temporal, quando confrontadas uma com a outra. Na
primeira estrofe, o homem encontra-se “erguido no topo da serra”
com o seu amuleto e instrumento de defesa (o “arcabuz” – arma
antiga de cano curto e largo), disposto a defender a sua nação; é
referido que ele não tem outra vida para além do compromisso militar
(“não conhece, não vê outra luz”), mas existe nele uma força interior,
um “rude cantar” que lhe referve no sangue. Já na segunda estrofe, o
guerrilheiro, atingido pelo inimigo, já não pode defender a pátria, pois
“desaba” da montanha com o seu sangue paralisado; o arcabuz
permaneceu, mas o seu cantar desvaneceu-se.
No arranjo produzido para este poema, a letra é cantada em
dueto, sendo que seria indiferente a escolha dos intérpretes, visto
que todo o texto é narrado, não havendo confronto de diálogo.

As Estrellas

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Música recolhida por: Ex. Sr. D. Manuel Maria de Castro Corte Real
Autor: J.M.B. Carneiro
Ano: 1890, Coimbra
Cancioneiro: Cancioneiro de César das Neves do Ano 1893
Dedicatória: A Ex. ma Sra. D. Constancia Barboza
Género: Nocturno

Lindas, mimosas saphyras


Que o véu da noite bordaes,
Dizei-me, estrellas, dizei-me,
Se acaso também amaes.

Tereis somente por norte


Luzir, luzir e não mais?
Não creio, estrellas, não creio,
Sois tão formosas, amaes.

A letra destas estrofes, transcritas do poema “As Estrellas”,


remete-nos para o céu, sossegadamente “bordado” por “formosas
estrellas”. Uma interpretação possível destas duas quadras será uma
espécie de reflexão de um par de amantes (pois dizem que as
estrelas “também amam”, como eles) que vêem no céu nocturno
uma inspiração amorosa.
O carácter do poema é bastante leve e repousado, sendo
intimistas as introspecções das personagens envolvidas. Apesar da
possível existência de apenas uma personagem, resolvemos, como já
foi referido, reinterpretar o texto de forma a obter duas personagens,
o que possibilita a performance de um dueto.

A Judia

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Poesia: Thomas Ribeiro
Cancioneiro: Cancioneiro de César das Neves do Ano 1893
Dedicatória: A Ex. ma
Sra. D. Anna Adelaide Leite Bastos
Género: Barcarolla

- Dormes? Eu velo, seductora imagem,


Grata miragem que no ermo vi;
Dorme – Impossível - que encontrei na vida!
Dorme, querida, que eu descanto aqui!

Filha d´um povo perseguido e nobre,


Que ao mundo encobre o seu martyrio, e crê!
Sempre Ashevero a percorrer a esphera!
Desgraça austera! Inabalável fé!

Nestas duas estrofes retiradas do poema “A Judia” existe um


nítido contraste no discurso entre as estrofes, verificando-se a
existência de três personagens divergentes, sendo que uma não
assume em nenhum momento o poder discursivo.
Na primeira, segundo a nossa interpretação, é-nos apresentado
uma referência indirecta a uma personagem por outra. Uma
personagem masculina encontra-se em reflexão sobre uma
“imagem”, uma “miragem” vista ao longe. Presumivelmente o
“dormir” enunciado é tomado no seu sentido figurado, visto se tratar
de um vislumbre longínquo de uma figura feminina, estando esta
memória adormecida nos sonhos do rapaz, que canta sobre a sua
paixão de concretização “impossível”.
Na segunda estrofe é descrita uma personagem alegórica do
povo judeu, “perseguido e nobre”, um pouco à semelhança da
estrutura discursiva d’ “O Guerrilheiro”. Um povo que vive
“escondendo o seu martyrio” do mundo, e “percorre a esphera” numa
interminável fuga à discriminação. Este carácter nómada da cultura
religiosa a que pertence a judia (personagem descrita na estrofe)

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poderá, de alguma forma, explicar a impossibilidade de concretização
do amor do protagonista masculino do poema, impotente perante a
instalada “desgraça austera”, propiciada pela “inabalável fé” da judia.

Poesia , Amor

Autores: Desconhecidos. Canção recolhida na tradição;


Cancioneiro: Cancioneiro de César das Neves do Ano 1893
Dedicatória: A Ex. ma
Sra. D. Maria Canedo
Género : Ballada

Que nuvem mimosa


Corre pressurosa
Na esteira do céu,
Que da azul sem véu
Cobre todo o céu
Cheio de magia;
Quando nasce o sol
Dourando o lençol
Que branqueia a aurora,
Nessa meiga hora,
Nessa meiga hora
Do romper do dia.

Tudo é Poesia,
Poesia, amor;
Tudo são encantos
Para o trovador!

Neste excerto poético, vemos uma caracterização de uma


bela mulher e do amor sentido pela mesma, num texto bastante
positivo e apaziguador que traduz o maravilhamento pela paixão, que
vê em tudo poesia, “encantos para o trovador”. Através de elementos

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da Natureza cria-se um efeito de paz, pureza e amor. Esta Ballada
surge aqui, assim, como divergente da anteriormente apresentada,
podendo esta ser comparada com as Canções Polacas de Chopin
inscritas no grupo das sentimentais e românticas.
Na nossa interpretação, e apesar do contexto da estrofe na
íntegra ser o mesmo, construímos uma divisão bipartida, atribuindo a
cada uma delas uma personagem (masculina e feminina). A “nuvem
mimosa” descrita poderia ser uma afirmação da sensação de amor,
mas a nossa reinterpretação tomou-a como uma metáfora descritiva
de uma personagem feminina. Assim nascem duas personagens no
poema, sendo que o discurso de um é completado pelas palavras de
outra. No refrão, ambas coincidem expressivamente na conclusão de
que tudo o que vêem em seu redor é “poesia, amor”.
A repetição do refrão é interpretada por todos os elementos
do grupo, em jeito de conclusão da performance.

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2. Análise formal – explicitação dos arranjos

O Guerrilheiro

Sendo esta peça classificada no Cancioneiro como “balada”,


mantivemos como linha orientadora de composição as quatro Baladas
compostas por Chopin. A peça contém pequenas citações musicais da
obra chopiniana, para além das referidas baladas. O arranjo surge
como consequência de uma análise das estruturas e técnicas
compositivas das Canções Polacas Op. 74 de Chopin, pelo que tanto a
harmonia como a melodia das partituras presentes no Cancioneiro
foram alteradas e reinterpretadas, de forma a respeitar um carácter
romântico inserido no estilo de composição de Chopin. O material
correspondente às partes da flauta transversal e do violino são de
simples execução e constituídas por elementos básicos, dada a sua
função de acompanhamento, que nas canções polacas de Chopin era
sempre abordado de forma simplista, como é explanado
ulteriormente neste documento.
A peça principia com uma introdução pianística, bem ao estilo
do início da primeira Balada de Chopin:

(arranjo)

A sequência cadencial em oitavas caracteriza bem a


apresentação da Balada de Chopin, tendo sido construída, não a
partir da nota Dó como a original, mas em Ré bemol, sendo tal como
a original uma nota exterior ao acorde da tonalidade base da peça
(Sol menor na Balada original, Fá menor neste arranjo).

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Balada nº 1 Op. 23 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/7f/IMSLP00115-Chopin_-
_Ballade_No1.pdf

As primeiras notas do canto surgem acompanhadas ao piano


com uma técnica bastante ocorrente nas canções polacas de F.
Chopin:

Esta estrutura na mão direita verifica-se, por exemplo, no fim


da terceira canção, sobre um preenchimento do baixo em oitavas.

Canção Polaca nº 3 Op. 74 – http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-


SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

O compasso abaixo contém apontamentos de técnicas usadas


na construção da segunda Balada:

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De facto, um pouco por toda a obra de Frédéric Chopin, e mais
concretamente na Balada referida, é possível verificar a utilização
frequente de ornamentos expressivos em sequência, assim como as
melodias encadeadas no baixo oitavado.

Balada nº 2 Op. 38 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/5/5a/IMSLP00116-Chopin_-


_Ballade_No2.pdf

A melodia vocal presente n’ “O Guerrilheiro” possui um carácter


marcado de marcha, evidenciado pela presença em abundância de
figuras rítmicas de colcheia pontuada e semicolcheia. Este sentido
temático procurou ser mantido, sendo introduzidos novos
apontamentos nos instrumentos acompanhadores que traduzem o
espírito de marcha militar condizente com o teor algo “bélico” do
poema.

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Evidência dessa tentativa pode ser encontrada na transcrição
transposta de um fragmento do tema da popular «Marcha Fúnebre»:

Sonata nº 2 Op. 35 Marcha Fúnebre http://imslp.info/files/imglnks/usimg/0/00/IMSLP79668-


PMLP02363-Chopin--Sonata-No2-Op35--Ed-Peters.pdf

Segue-se, na partitura composta, uma adaptação de uma


passagem conhecida de um Scherzo, aproveitando a sua harmonia
para desempenhar, no arranjo, a função de sobredominante:

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Numa versão bastante simplificada, esta frase aproveita a força
da tónica que a original exerce no Scherzo, para afirmar a inesperada
cadência interrompida no arranjo.

Scherzo nº 2 Op. 31 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/9/9d/IMSLP00490-Chopin_-


_Scherzo_2.pdf

Seleccionámos alguns momentos da obra para reflectir mais


uma das técnicas importantes em uso nas Canções Polacas Op. 74,
que consiste em conceder liberdade rítmico-expressiva ao cantor,
criando linhas melódicas sem qualquer acompanhamento; estes
momentos de solo vocal dão particular ênfase ao texto, podendo
surgir em repetições (como é o caso mostrado abaixo) para salientar
o valor daquela frase, executada assim em estilo cadenza por parte
do cantor, dado o teor solístico dos compassos em questão.

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Canção Polaca nº 9 Op. 74 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-
SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

Imediatamente antes da repetição no arranjo, é utilizada uma


estrutura cadencial retirada de um estudo de F. Chopin:

O grande ponto de divergência desta passagem face ao original


é que a cadência é, aqui, suspensiva, ao contrário da original,
perfeita.

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Estudo nº 9 Op. 10 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/3/30/IMSLP00313-Chopin_-
_OP10_9.PDF

A cadência final da obra resulta de uma combinação de uma


tríade de citações musicais da obra de Chopin.
Em primeiro lugar, o aproveitamento da ideia de escala
cromática oitavada com função cadencial, verificada no primeiro
Scherzo:

Scherzo nº 1 Op. 20 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/4/46/IMSLP00489-Chopin_-


_Scherzo_1.pdf

Seguidamente, um elemento característico da coda da primeira


Balada, com base em apoggiaturas em ambas as mãos:

Balada nº 1 Op. 23 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/e/e9/IMSLP00118-Chopin_-


_Ballade_No4.pdf

Por último lugar, a aplicação da cadência de acordes final da


quarta Balada, visto se encontrar na mesma tonalidade deste arranjo:

24
Balada nº 4 Op. 52 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/e/e9/IMSLP00118-Chopin_-
_Ballade_No4.pdf

A linha melódica vocal foi consideravelmente adornada de


forma a enquadrar-se melhor no espírito chopiniano, tendo como
base o tratamento do canto por Chopin evidente nas Canções
Polacas. Para além das cadências que formam quase que uma
espécie de coloratura lenta, as frases melódicas de Chopin estão
repletas de retardos e ornamentos cromáticos, pelo que esse aspecto
foi tido em consideração no arranjo vocal.

Canção Polaca nº 14 Op. 74 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-


SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

Por último falta abordar o papel do violino e da flauta nesta


composição. Como já foi referido, tendo em conta as Canções Polacas
de Chopin como base para o arranjo da peça portuguesa, surgiu a
dificuldade de integrar instrumentos melódicos na composição. A
solução proposta nesta peça para esse problema é a de conceder
uma funcionalidade de acompanhamento a estes instrumentos,
desempenhando o papel de complemento ao piano. Deste modo,
pudemos percepcionar através da análise das canções chopinianas
que o acompanhamento se encontra bastante simplificado, sendo

25
que, por consequência, procurámos manter as linhas do violino e da
flauta o mais simples possível na generalidade dos casos, aparecendo
apenas em momentos raros com algum apontamento melódico
relevante. Servem, então, de mero suporte harmónico ao piano.
Abaixo é observável a estrutura simplificada das linhas do violino e da
flauta no arranjo realizado, assim como, mais abaixo, um exemplo do
minimalismo pretendido por Chopin no acompanhamento ao canto.

Canção Polaca nº 13 Op. 74 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-


SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

As Estrellas

O arranjo que propomos para este nocturno de forma e melodia


simples, é feito para piano, violino, soprano e barítono. Embora o

26
violino possa parecer estranho à música de Chopin, consideramos
interessante incluí-lo, salientando o “luzir” das estrelas com pizzicato.
O soprano abre a peça, fazendo uma interrogação em tom leve e
pueril, à qual o barítono responde de forma mais forte, um tanto ou
quanto dramática. Procurámos “chopinizar” a peça através de
citações de obras de Chopin e acompanhamentos pianísticos
característicos.
A peça original está na tonalidade de Sol maior e inicia-se com
a voz em anacruse, acompanhada muito simplesmente de um baixo
de Alberti pela totalidade dos 32 compassos que a constituem.

(original)

Citamos, como breve introdução, a Canção Polaca op. 74 n..º 16


nos primeiros 4 compassos, para o soprano ter uma referência de
altura e andamento.
A Canção Polaca n.º 16 está na tonalidade de Fá maior e no
compasso 4/4, que transpusemos para a tonalidade de Sol maior e
mudámos o compasso para se adaptar à peça seleccionada:

27
Canção Polaca op. 74 nº16 http://imslp.info/files/imglnks/usimg/9/9f/IMSLP40261-PMLP13698-
Chopin--Polish_Songs_-_16_Lithauisches_Lied.pdf

(arranjo)

A citação de uma canção polaca pareceu-nos apropriada para


esta peça, também de origem popular. As canções polacas de Chopin
caracterizam-se por acompanhamentos simples, embora sejam
harmonicamente cuidadas, com modulações e tonicizações que
revelam erudição musical.
A transição da pergunta do soprano para a resposta do barítono
é feita através de outra citação, desta vez os primeiros 12 compassos
do Prelúdio op. 28 n.º 4, tonalidade de Mi menor, obra
harmonicamente rica, de carácter mais denso.

28
Prelúdio op. 28 n.º 4 http://imslp.info/files/imglnks/usimg/f/fc/IMSLP79718-PMLP02344-
FChopin_Preludes_Op28.pdf

(arranjo)

Procuramos salientar os contrastes: a delicadeza do


acompanhamento do soprano e a densidade do acompanhamento do
barítono. Estes contrastes fundem-se na última frase da peça, em que
o soprano se junta ao barítono dando a resposta à pergunta inicial.
Segue-se uma codeta, com uma cadência evitada (no original é uma
cadência perfeita) terminado num acorde arpejado, agora sim, com
uma cadência perfeita.

29
A Judia

Esta obra, seleccionada do Cancioneiro de César das Neves, é


uma barcarola. Foi feito um arranjo para a formação de dois pianos,
barítono e soprano. Os dois pianos foram também uma formação
explorada por F. Chopin, como por exemplo no rondo op. 73. A ideia
de um barítono e soprano surge pelo facto de o poema utilizado na
obra incluir um diálogo entre um homem e uma mulher.
Inicialmente o compasso foi alterado de um quaternário simples
para um quaternário composto (12/8). As barcarolas são a maior
parte das vezes escritas em compasso composto (maioritariamente
6/8 ou 12/8) para dar o carácter e balanço de uma gôndola. Assim fez
Chopin na sua Barcarola op. 60 e G. Fauré nas suas treze barcarolas.

30
Chopin, Barcarola op. 60 -
http://imslp.info/files/imglnks/usimg/9/96/IMSLP00631-Chopin_-

_Barcarole__Op_60.pdf

O arranjo foi inspirado em vários movimentos típicos da


ornamentação e harmonização nas obras de Chopin. Logo no início, a
expansão dos arpejos iniciais. Na partitura original estavam muito
fechados, como se pode constatar na figura apresentada em baixo.

(original)

(arranjo)

Um dos motivos do Nocturno op. 37 nº2 de Chopin foi também


aproveitado para dar algum balanço.

31
Chopin, Nocturno op. 37 nº2 -
http://imslp.info/files/imglnks/usimg/f/f9/IMSLP48577-PMLP02307
-Chopin_Nocturnes_Schirmer_Mikuli_Op_37.pdf

(arranjo)
(arranjo)

Outro movimento bem característico de Chopin, usado tanto na


Barcarola op. 60 como no Scherzo op.20 nº1, por exemplo, foi usado
como inspiração para o arranjo. Consiste na abertura dos arpejos na
mão esquerda que intervalam
com uma figura rítmica mais longa.

Chopin, Scherzo op.20 nº1 -


http://imslp.info/files/imglnk
s/usimg/4/46/IMSLP00489-
Chopin_-_Scherzo_1.pdf

(arranjo)

32
Um movimento muito típico da obra de Chopin é o acompanhamento
com sequências do mesmo acorde utilizando as várias inversões.
Veja-se, por exemplo, a seguinte comparação com a Balada op.23
nº1.

Chopin, Balada op.23 nº1-


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/e/e3/IMSLP28756-PMLP01646-
Chopin_Klindworth_Band_1_Bote_Bock_Op.23.pdf

(arranjo)

33
Poesia, amor

Esta é uma de duas baladas que incluímos no nosso trabalho,


sendo que o carácter desta difere em muito do espírito da outra
balada. Chopin dividiu as suas canções polacas em românticas e
nacionalistas. O nosso grupo pretendeu demonstrar essa diferença no
teor dos poemas, recolhendo do Cancioneiro duas baladas cujos
poemas se enquadram nesta dualidade temática: «O Guerrilheiro»
possuí um carácter marcadamente nacionalista, enquanto «Poesia,
Amor» explora mais o sentimentalismo e as ligações afectivas.
Para o arranjo desta obra foram adaptadas passagens das duas
primeiras Baladas de Chopin, assim como se aproveitou alguns
momentos da segunda Sonata do mesmo compositor e a base
estrutural do acompanhamento das Canções Polacas Op. 74.
O compasso ternário que é apresentado no registo escrito da
melodia de «Poesia, Amor» permitiu-nos marcar o carácter de Valsa
nesta obra, essencial na obra compositiva de Chopin. Sendo assim, as
Valsas do compositor polaco também foram uma importante
referência aquando da composição do arranjo em análise. O violino
complementa, no início da obra, o espírito proporcionado pelo
acompanhamento pianístico marcadamente característico das Valsas
de Chopin:

Valsa nº 3 Op. 64 – http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/74/IMSLP00499-Chopin_-


_Waltzes__Op_64.pdf

A presença de bastantes cromatismos na melodia portuguesa


foi aproveitada neste arranjo para uma maior exploração harmónica,
dentro do estilo romântico.

34
À entrada do canto existe logo no piano a primeira referência
directa a uma Valsa chopiniana, apesar da execução arpejada:

Valsa nº 1 Op. 34 – http://imslp.info/files/imglnks/usimg/6/69/IMSLP00498-Chopin_-


_Waltzes__Op_34.pdf

Existem, neste arranjo, três referências à segunda Sonata de F.


Chopin na parte do piano, duas das quais correspondentes à mesma
passagem da sonata. Essa passagem, a coda da exposição da sonata,
vê no arranjo de «Poesia, Amor» uma alusão subtil a meio da peça,
que depois é desenvolvida e transposta na coda do próprio arranjo,
estabelecendo a ponte para a cadência final.

A segunda citação musical corresponde ao tema da sonata, que


no arranjo é transposto para Sol menor:

35
Sonata nº 2 Op. 35 Grave / Doppio movimento
http://imslp.info/files/imglnks/usimg/0/00/IMSLP79668-PMLP02363-Chopin--Sonata-No2-Op35--
Ed-Peters.pdf

Esta balada, tal como “O Guerrilheiro”, procura obedecer a


técnicas de composição aplicadas por Chopin nas Canções Polacas
Op. 74, como é o exemplo da passagem citada abaixo, em que o
canto desenvolve uma linha melódica ausente de acompanhamento
pianístico (o pizzicato do violino surge apenas para continuar a
marcar o ritmo ternário).

Canção Polaca nº 9 Op. 74 – http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-


SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

Um outro exemplo poderá ser o acompanhamento do piano


com suporte do baixo em oitavas consecutivas e bastante graves:

36
Canção Polaca nº 17 Op. 74 – http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-
SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

No arranjo em análise existe uma considerável referência de


onze compassos à Balada Op. 23, colorida com uma melodia
totalmente original no violino, constituindo uma espécie de
intermezzo na nossa peça. O compasso teve que ser adaptado ao
arranjo:

Balada nº 1 Op. 23 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/7f/IMSLP00115-Chopin_-


_Ballade_No1.pdf

Por último, é interessante ainda referir uma breve homenagem


à «Valsa do Minuto», servindo de introdução à parte coral da nossa
obra:

Valsa nº 1 Op. 64 - http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/74/IMSLP00499-Chopin_-


_Waltzes__Op_64.pdf

37
Conclusão

Ao realizarmos este trabalho tomámos consciência da


importância das acções desenvolvidas por musicólogos e
etnomusicólogos. Provavelmente, se não houvesse uma recolha e
registo destes documentos, muitos se teriam perdido e não
chegariam até nós. Perderíamos não só as músicas, mas também
tudo o que elas trazem consigo: memórias de estados de espírito,
correntes de pensamento, formas de estar, estéticas, enfim,
autênticos carimbos históricos. A ponte que fizemos entre Chopin e
canções seleccionadas do Cancioneiro César das Neves foi o maior
desafio deste trabalho, o que nos obrigou a um estudo cuidado de
reportório, formas e géneros em Chopin, assim como as suas técnicas
de composição, o que nos enriqueceu como músicos.
Compreendemos também o impacte que os movimentos
políticos e sociais causaram na forma da sociedade se definir; o
Nacionalismo foi uma onda gerada há muitos anos atrás e que se
ainda hoje está em movimento, revelando-se e reinventando-se em
áreas como o desporto, a música, a gastronomia, o turismo e a
política. Neste ano de 2010, em que se comemora em Portugal o
Centenário da Implantação da República, encontramos uma feliz
coincidência e sentido ao nos debruçarmos sobre as músicas desta
época, quiçá sementes de revolução.

38
Anexo
(Partituras dos arranjos pelos elementos do grupo de trabalho)

39
“O Guerrilheiro”

40
41
42
43
44
45
“As Estrellas”

46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
“A Judia”

56
57
58
59
60
61
62
63
64
“Poesia, Amor”

65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
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78
Chopin, Balada nº 1 Op. 23 -
http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/7f/IMSLP00115-Chopin_-
_Ballade_No1.pdf

Chopin, Balada nº 2 Op. 38 -


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/5/5a/IMSLP00116-Chopin_-
_Ballade_No2.pdf

Chopin, Balada nº 4 Op. 52 -


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/e/e9/IMSLP00118-Chopin_-
_Ballade_No4.pdf

Chopin, Canções Polacas Op. 74 –


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/8/8c/IMSLP54246-
SIBLEY1802.9252.10aa-39087012078772score.pdf

Chopin, Estudo nº 9 Op. 10 -


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/3/30/IMSLP00313-Chopin_-
_OP10_9.PDF

Chopin, Prelúdio n.º 4, op. 28


-http://imslp.info/files/imglnks/usimg/f/fc/IMSLP79718-PMLP02344-
FChopin_Preludes_Op28.pdf

Chopin, Scherzo nº 2 Op. 31 -


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/9/9d/IMSLP00490-Chopin_-
_Scherzo_2.pdf

Chopin, Sonata nº 2 Op. 35


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/0/00/IMSLP79668-PMLP02363-
Chopin--Sonata-No2-Op35--Ed-Peters.pdf

Chopin, Valsa nº 1 Op. 34 –


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/6/69/IMSLP00498-Chopin_-
_Waltzes__Op_34.pdf

Chopin, Valsa nº 1 e 3 Op. 64 –


http://imslp.info/files/imglnks/usimg/7/74/IMSLP00499-Chopin_-
_Waltzes__Op_64.pdf

Pestana, Maria do Rosário Correia Pereira (2010) “ César Augusto


Pereira das Neves”. Acedido em 4 de Outubro de 2010, em
http://moodle.ua.pt/mod/resource/view.php?id=119030.

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