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Democracia ou teocracia?

Marcos José Diniz Silva*

Um tema de grande relevância nacional permanece ausente dos debates da grande


mídia e da sociedade brasileira. Trata-se das relações entre as religiões e o Estado laico,
que tem chamado a atenção dos estudiosos pelo avanço crescente dos interesses e
grupos religiosos sobre os poderes legislativos e executivos, configurando demandas
religiosas como políticas de Estado.
Não bastassem os casos de rivalidade e intolerância religiosa registrados em
vários estados, especialmente de grupos evangélicos – mais especificamente
neopentecostais – contra praticantes de Umbanda e Candomblé, conforme registrou a
revista ISTOÉ, edição nº 2191, de 04/11/2011; despontam grandes preocupações com a
questão do Ensino Religioso na escola pública. O Acordo Brasil-Vaticano (2010), ao
determinar que o Ensino Religioso deva ser “católico e de outras confissões religiosas”,
provocou ação de inconstitucionalidade pela Procuradoria Geral da União. Já o
Conselho Nacional de Educação enviou comissão ao Supremo Tribunal Federal (STF)
reforçando o pedido de suspensão dos efeitos do Acordo sobre o Ensino Religioso, que
deixa de ser não-confessional para se tornar Ensino de Religião.
Outra situação relacionada à questão, mas de profunda gravidade, diz respeito à
proposta de Emenda Constitucional (PEC 99, 19/10/2011), do dep. João Campos
(PSDB-GO), que: “Acrescenta ao art. 103, da Constituição Federal, o inciso X, que
dispõe sobre a capacidade postulatória das Associações Religiosas para propor ação de
inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos
normativos, perante a Constituição Federal.” Noutras palavras, um conjunto de
entidades representativas da igreja católica e de diversas igrejas evangélicas, citadas na
proposta, formaria uma Corte Eclesiástica acima do Congresso Nacional e do STF, com
poderes de referendar ou não as leis do país.
A proposta tanto tem de ousada quanto de perigosa. A julgar pelas últimas
investidas clericais contra o Estado laico, esboça-se não apenas o sepultamento do
mesmo, da cidadania e da democracia, como a germinação obscurantista de uma
teocracia.

(*) Historiador. Prof. da UECE. Pesquisador do Núcleo de Estudos de Religião, Cultura e


Política (NERPO-UFC).

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