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De Deus a Cesar

Marcos José Diniz Silva*

Experimenta-se, nos últimos anos, uma verdadeira guinada de Cesar a Deus. Ou


melhor, talvez, de Deus a Cesar. Testemunhamos a colocação de imagens de santos
católicos nas praças públicas de Fortaleza, com recursos do contribuinte.
Acompanhamos os projetos de lei da bancada evangélica da Câmara Municipal, para a
distribuição obrigatória de exemplares da Bíblia nas escolas púbicas. Tivemos Ministro
da Saúde e autoridades médicas excomungados, por bispo católico pernambucano, com
apoio do Vaticano, no caso do aborto da criança estuprada. A última é a votação em
regime de urgência no Congresso Nacional, da Concordata Brasil-Vaticano.
Aprovado celeremente na Câmara dos Deputados, agora no Senado, o Estatuto
Jurídico da Igreja Católica é uma obra prima de inconstitucionalidade, decretando o fim
do Estado laico no Brasil. Como saída para o engodo do privilégio, a bancada
evangélica engatou projeto de Lei Geral das Religiões, estendendo os benefícios do
Acordo às demais confissões.
A Constituição brasileira não regulamenta, nem protege a religião católica e as
demais? Por que uma lei para as religiões? Por que votação de urgência e sem debate
público? O que está por trás desses acordos entre parlamentares, governantes e religiões
organizadas?
Os desdobramentos futuros da aprovação desse Acordo e dessa Lei, nas relações
Estado/religiões – marcadas pela ambigüidade – prometem a promiscuidade legalizada,
ameaçando o pluralismo, a liberdade de consciência e a democracia.
A onda fundamentalista, teocrática e fanática ganha terreno a cada dia. Haverá
saída? Fica a sugestão da filósofa Marília Fiorillo, em O Deus exilado: ‘A nova era dos
extremos que se inaugura, a do delírio religioso, já desenvolve seu antídoto: o
secularismo. O secularismo é o iluminismo do século XXI, a retomada daquele projeto
de tolerância, convívio e aventura do espírito anunciado pelos homens do século XVIII,
interrompido e deturpado pela doença dos totalitarismos do século que passou. Sapere
aude, ousar saber era o lema de gente como Kant, Hume, Diderot, Valtaire. Os
camaradas da Luzes...O secularismo é a terapêutica contra os novos cruzados, o fármaco
para os fanatismos’.

(*) Professor da UECE.

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