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DESENHO URBANO CONTEMPORANEO NO BRASIL VICENTE DEL RIO WILLIAM SIEMBIEDA organizadores (Osautores ex editoraempenharam-se para citar adequadamentee dar odevido crédito a todos (0s dtentres dos direitos avioras de qualquer material utlizado nest livro, dispondo-se a possveisacertos caso, nadveridamente, a idemtfcagSo de algum dels tena sido omitda, ‘io é responsabilidad da editora ou dos autores a ocorrénca de events perdas ou danos ‘pessoas ou bens que tenham orgem no uso desta publica. Apesar dos melhores esforgos dos autores, da tradutora, do editor © dos revisores, € imvitével que surjam erros no texto. Assim, slo bem vindas as comunicagGes de usuarios Sobre comegies ou sugesifesreferentes 20 conteido ou a0 nivel pedagégico que auiliem 0 aprimoramento de edigGes futur. Os comentivios dos leitoes podem ser encaminhados & LTC — Livros Téenicas e Cientficos Editora pelo e-mail te grupogen com br “Tradurido de CONTEMPORARY URBANISM IN BRAZIL BEYOND BRASILIA, First edition Copyright © 2009 by Vicente del Rio and William Siembieda Allright reserved Gainesville: Univesity Press of Fora, 2009 ISBN: 978-0-8130-3536.9 Direitos exclusivos para. lingua portuguesa Copyright © 2013 by LTC ~ Livros Téenicos e Cientificos Editora Ltd ‘Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Reservados todos 0 direitos. 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Urbanismo - Brasil I. del Rio, Vicente, 1955- 1 Siembieda, William J. 13.03249 cD: 711.43, cpu: Oe INTRODUGKO PARTE capiruto 1 capiruto2 ‘capiruto 3 capiruto4 PARTE IL captruios caPiTuLo6 ‘capiruto7 copirutos Prefécio da Edicdo Brasileira... 1K -Apesentac da Edi Norte-Americana Xl Agradecimentos... . x Sob 05 AURORE cnn xx (OCONTEXTO D0 DESENHO URBANO NO BRASIL. : 1 [MODERNISMO TARDIO ~ Esforos para Controlara Forma ea Fungo Urbanas. ‘BRASILIA: PERMANENCIA E METAMORFOSES... : 39 Maria lane Kohlsdor, Gunter Kohsdorte Frederic de Holanda PALMAS: DESENHO URBANO DA CAPITAL DO TOCANTINS, " 3 Dirceu Trindade 'APAISAGEM VERTICALIZADA DE SKO PAULO: AINFLUENCIA DO MODERNISMO [NO DESENHO URBANO CONTEMPORANEO, s ee n Sivi Soares Macedo SHOPPING CENTERS EO DESENHO URBANO NO BRASIL: DOIS ESTUDOS DE CASO EM SKO PAULO econo 91 Glda Collet Bruna eHeiana Comin Vargas REVITALIZAGAO ~ 0 Desafio de Melhorara Cidade Existent ‘0 PROJETO CORREDOR CULTURAL: PRESERVACAO E REVITALIZACAO NO CENTRO DO RIODEJANEIRO.....109 Vicente del Rive Denise de Akantara REYSITANOO 0 PELOURINHO: PRESERVAGAO,CIDADE-MERCADORIA DIREITO A CIDADE... ns ‘ana Fermandes e Narco Auto A. de Figueras Gomes REVITALIZACAO DA ORLA FLUVIAL NA AMAZONIA ~ 0 CASO DEBELEM DO PARK ..nn.nnssnssnnsnna OS ‘ice da Siva Rodrigues Rosas eSimone Silene Dias Seabra REDESENHANDO BROWAFIELDS EM PORTO ALEGRE 159 Une Castello ili Desenho Urbano Contemporineo no Brasil PARTE IH capiruto9 captruLo 10 captTuLo 11 capfruto 12 conctusio IBLIOGRAFIA inpice INCLUSAO SOCIAL - Uma Cidade Melhor para Todos DDESENHO URBANO, PLANEJAMENTO E POLITICAS DE DESENVOLVIMENTO EM CURITIBA... lara raza RESGATANDO A IMAGEM DA CIDADE E 0 PRAZER DAS RUAS: PROJETO RO CIDADE, RIO DE JANEIRO. Vicente dl Rio COTERRITORIO METROPOLITANO EM MUTAGAO: NTERVENCOK EM SAO PAULO. ieee Carlos Leite JES URBANAS CONTEMPORANEAS ‘TRANSFORMANDO FAVELAS EM BAIRROS: 0 PROGRAMA FAVELA-BAIRRO NO RIO DEJANEIRO. istiane Rose Duarte e Fernanda Magalhies LUM OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE 0 DESENHO URBANO CONTEMPORANEO BRASILEIRO... Wiliam Siembieda 179 199 2 233 1 D55 INTRODUGAO 0 Contexto do Desenho Urbano no Brasil Vicente del Rio objetivo desta introducdo é prover um entendimento basico sobre a evolucao do desenho urbano no Brasil como pratica profissional sistematica, do surgimento do modernismo aos nossos dias, com a ampliagdo da nocio de intervencao urbana, passando pelo periodo militar e pelos movimentos de redemocratizagao do pais. Nesse sentido, deve ser vista apenas como um brevissimo ensaio, uma visd0 particular que no pretende andlise exaustiva ou muito menos conclusiva, tarefa por demais pretensiosa e que demandaria — com a imensidao e a historia t80 complexa do Brasil - pelo menos uma obra propria ‘com varios volumes! A ideia, portanto, ¢ expor os fundamentos historicos das diferentes abordagens que lidam com a cidade brasileira contemporanea, auxliando na compreensdo dos contetidos e das implica~ es dos casos discutidos nos capitulos posteriores Esta introducao foi particularmente importante na edicdo original deste livro nos EUA, pois praticamente ‘nao ha publicac6es disponiveis em lingua inglesa que discutam o mesmo periodo evolutivo do urbanismo 2 do desenho urbano brasileiro, embora varias — particularmente aquelas que tratam da arquitetura ‘modernista brasileira - abordem projetos ou questoes especificas. Na medida do possivel, fizemos uma revisdo dos principais trabalhos publicados, apresentados nas referencias bibliograficas, de modo a pos- sibilitar a0s leitores estudos mais aprofundados. Notamos que essa é uma tarefa cada vez mais dificil no Brasil, dado 0 grande nimero de publicagdes e pesquisas na drea nos iltimos anos. Além disso, como lentendemos que a historia do desenho urbano nao pode ser dissociada de uma compreensao maior do quadro de desenvolvimento politico, econémico e social, o presente texto também busca cobrir as prin- ipais correlagées entre esses topicos Desde os primeiros esforcos para criar uma naco avancada, desenvolvida e comprometida com 0 para digma modernista, 0 Brasil avancou na busca pela democracia e pela equidade social por meio da cons- ‘trugao da cidade. © desenho urbano contemporaneo brasileiro aceita o madernismo como um dos possiveis modelos para entender e atuar sobre a cidade, mas adota ainda outros modelos iguaimente vlidos. Do discurso rigido, positivista, reducionista e universal do movimento moderno 8s mudancas fragmentadas, pluralistas e multifacetadas das sensiblidades que caracterizam 0 pos-modernismo (Elli 1999; Dear, 2000) e os processos transnacionais de globalizacdo (King, 2004), o desenho urbano con- tempordneo brasileiro vem se recriando e permite a coexisténcia de logicas teritoriais multiplas na busca ‘por modos diversos de responder a demandas sociais € problemas urbanos. Esta breve andlise historica busca auxiliar no enquadramento dos estudos de caso em uma perspectiva mais ampla e, assim espe- ramos, contribuir para explcitar por que o desenho urbano contemporaneo brasileiro se tornou capaz de absorver perspectivas e possibilidades multiplas, raz8o pela qual o percebemos como pos-maderno, 2 Desenho Urbano Contemporaneo no Brasil O Nascimento do Urbanismo e Desenho Urbano Modernos no Brasil © caso de amor do Brasil com o modernismo ¢ longo e intenso, e ainda esta profundamente arraigado lem todas as esferas culturais de nossa sociedade, Como em outros paises latino-americanos, no Brasil és-independeéncia a producao cultural e a construcao da cidade se tornaram cada vez mais dependentes da Franca em primeiro lugar e, depois, dos modelos britanicos até o final da Segunda Guerra Mundial, ‘quando 0s Estados Unidos passaram a ser o poder cultural dominant.” As intervencoes urbanas eram Vistas cada vez mais como “parte de um pacote mais ambicioso de reformas cujo objetivo era modernizar as estruturas socials" (Almandoz, 2002, p. 17). De fato, 0 modernismo no Brasil nunca teria se desen- volvido tao rapidamente e de forma tao intensa sem o patrocinio das elites e a instalacdo de um Estado acionalista, indo a servir como ferramenta fundamental para a promogao da visio oficial de progresso. Com a revolugdo de 1930, a ditadura Vargas e, depois, 0 Estado Novo (1937-1945), 0 modernismo forne- cetia 0 vocabulério ofl perfito para os projetos eedifios governamentais. A dedicagao do Estado Novo ‘8 modernizagdo do aparato de Estado, a0 deserwohimento do pals e 3 criacao de uma base econdmica industrial devera ser acompanhada por uma nova simbologia que representasse uma nao jovem, avancada de visd0 nacionalista e em processo de industiaizagdo, Essa nova era poltica fol fundamental para 0 joven grupo de inteletuais, arquitetos e artistas brasleios que jd dscutiam o modernismo nas artes e na literatura sua relagao com a producSo industrial desde a Semana de Arte Moderna de Sao Paulo em 1922. Esses. modernistas pioneirs, 20 perseguir a nocio de brasiianismo ~ uma cultura brasileira legitima -, adotaram a metsfora do canibasmo para defini a elaglo do Basi com a cultura europela: uma ingestdo deliberada, seletva, pela qual um produto estrangeiro era transtormado em algo diferente, tipicamente brasileiro. Esse ideal, assim como a busca por uma nova identidade nacional, iia defn © camrinho tomado pela arquitetura 0 urbanismo modernistas no Brasi. Como observa Cavalcanti (1995, p. 179), 2 eventual “vitoia” dos arquitetos modernos no Brasil deveu-se, fundamentalmente, a que eles “possulam um projeto de nacio, incomparavelmente mais lobalzante, soisticadoe incluivo da complexa realidade brasileira” As conturbadas e intensas transformacdes politicas, sociais e culturais no Brasil do final dos anos 1920 e comeco dos 1930 levariam a instituionaizaglo de um ideal de modernidade e aconteciam ao mesmo ‘tempo em que 0 urbanismo comecava a se definir como campo especifico de atuacao. Trés planos urbanos, desenvavidos praticamente ao mesmo tempo, foram emblematicos desse momento e refletiam bem a visdo de Vargas e seu regime: os planos Agache do Rio de Janeiro, de Goinia e de avenidas de S40 Paulo. ‘© chamado Plano Agache? resultou das preocupacces das elites cariocas pressionadas pelos crescentes problemas urbanos e pela necessidade de consolidar a imagem da cidade como espelho da cultura e portal de entrada do pals (Rezende, 1982; Stuckenbruck, 1996; Oliveira, 2009). Convidado pelo entéo prefeito Prado JUnior para uma série de conferéncias no Rio de Janeiro em 1927, Alfred Agache, importante urba- rista frances da época, fo! logo contratado para desenvolvero primeiro plano diretor da capital. Agache, © primero a utilizar-se do termo urbanisme como uma ciéncia aplicada as cidades, foi um dos fundadores da associacéo francesa de urbanistas e, em 1913, havia conquistado 0 segundo lugar no concurso internacio- nal para o projeto de Camberra, nova capital da Austrdla (Underwood, 1991; C. Bruant, 1996). ‘Aprovado em 1932, 0 Plano Agache, primeiro plano diretor realizado no pas, tinha um forte viés beaux arts em suas propostas fsico-espacais, mas também trazia uma nova abordagem de compreensio da cidade baseada em andlise exaustiva de indicadores sociais e econdmicos — fato inédito para a época * Sobre a influéncia incial do urbanismo europeu no Brasil e em outros paises latino-americanos, ver Leme (1999), Pereira (2001) e Almadoz (2002) 2 Oficiamente initlado Cidade do Rio de Janeiro ~ ExtensSo, Remnodelagao, Embelezamento. Organizagbes Projeta- ‘das pela Adiinistragéo AntOnio Prado Junior, sob a Diego Geral de Aired Agache (Pais Foyer Brésilen, 1930), Ver ‘Olivera (2008) para excelente sumo comentado do plano, com minuciosa anise historica dos processos politicos, ‘einstitucionais da época Introdugio | 0 Contexto do Desenho Urbanono Bras 3 Figura 1 0 Plano Agache para o Rio de Janeiro: perspectiva da area central remodelada, mostrando os principals ceifcios e elementos urbanas. (Desenho original adaptado por Vicente del Rio.) Figura 2 Galeria de pedestres no centro do Rio {e Janeiro, um dos vesigis das propostas do Plano Agache. (Foto de Vicente de! io.) Propunha um zoneamento rigido, cidades- satéltes para as classes operérias, planos infra estruturais para toda a cidade, impressionantes ‘embelezamentos urbanos e uma total renovac3o. do centro para ser 0 portal do Brasil Figuras L1 € 1.2). Modernista no sentido de buscar uma cidade ideal em que as mudancas fisicas conduziriam a ‘mudancas sociais (Rezende, 1982; Perera, 1996), © Plano Agache se tornaria vitima das intensas transformacbes poliicas na década de 1930, que ‘acabariam identiticando-o com a Republica Velha, levando 20 seu engavetamento, embora tenha sido mantido como referéncia dos trabalhos pos- tetiores (Rezende, 1982; Stuckenbruck, 1996; Oliveira, 2003). Agache acabou estabelecendo escritorio no Brasil e viia a fazer planos para outras Cidades brasileiras, tais como Curitiba e Vitoria, e ‘empreendimentos urbanos, como o bairro paulista de Interlagos (Underwood, 1991; Leme, 2002) Outro. importante exemplo de urbanismo da época Vargas foi a construc3o da nova capital do estado de Goids, em 1933. Goidnia representou lum gesto de ruptura simbdlica com as antigas 4 Desenho Urbano Contempordneo no Brasil Figura L3 Perspectiva da época de inauguracio de Goidnia, mostrando o projeto do centro adminstrativo como vsualizado por tlio Correa Lima, (Arquivo Gustavo Capanema, foto 491-8: Acervo FGVICPDOC ) ‘oligarquias rurais e urn Goids acaico e o estabetecimento de um novo centro para apoiar a "Marcha para © O3ste", poltica do governo Vargas para acelerar 0 desenvolvimento do Centro-este (Borges, 1995; Daher, 2003). A modernidade do projeto original de Attilio Corréa Lima ~ escolhido pelo interventor indi. ‘ado para governar 0 estado ~ fo nfluenciada pela escola francesa de urbanism, pois, pds ua formacso de arquiteto no Rio de Janeiro, ele fez p6s-graduacao no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris Englobando uma érea de 1,000 hectares, 0 projeto previa uma populacio de 50.000 habitantes, cuidava da localizacio e composiclo arquitet6nica dos prédios pbicos edo centro administrative (tendo Versailles como referencia) com as sedes dos governos estadual e municipal, propuna zoneamento menos rigido do ‘que pregavam os modernistas mais extremnados e incluia uma cuidadosa hierarquizacéo vidria em estrutura aberta, conectando as avenidas @ zonas de expanso (Figura 13) Discordancias com a empreiteira da obra levaram 20 afastamento de Cortéa Lima em 1935, sendo a implantacio do plano assumida pelo enge- nero Armando de Godoy, ue o modifica sabretudo em sua parte sul, inspirado nos subuirbios jar Enquanto isso, em 1930, S80 Paulo conhecia 0 Plano de Avenidas, influenciado pelas demandas da cireulagdo wiaria moderna e pelo nascente planejamento de transportes americano, elaborado pelos engenheiros Francisco Prestes Maia e Ulhda Cintra (Leme, 1999; Perera, 2002)¢ Foi a primeira vez que a cidade de Sao Paulo era pensada como um todo, com projeto de organizacao espacial baseado ‘num modelo ideal radiocéntrico, baseado em avenidas perimetraise radiais Figurall.4).°Interessantemente, » As modificacSes inseridas por Godoy jé corstam da planta mais publcada de Goidnia. Para excelente estudo sobre 0 projeto original, ver Daher, 2003, Curiosamente, em gerl essa planta aparece publica com o norte voads pars bono {como em Bruand, 1981), * Nai Francisco Prestes. 1930, Estudo de um Plano de Avenidas para Sto Paulo. Séo Paulo: Melhoramentos, * Para um estudo completo da obra de Prestes Maia, vea-se olvro Prestes Maia eas Origens do Urbanism Moderna ‘em Sdo Paulo, de Benedito Lima de Toledo (Empresa das Artes, 1996) Introdugio 0 Contexto do Desenho Urbanono Basl = 5. Figura LA tlustracso do esquemna ‘te6rico do Plano de Avenidas para 'S40 Paulo, mostrando 0 modelo rachocentrico, suas avenidas e pparkways, parques e pontes. cunmermaremmcace —-MAIA,Prestes. 1930. Introduco a0 ESET Seu Estudo de um Plano de Avenidas, mers para a Cidade de So Paulo, Sto Paulo: Melhoramentos; p. 52) apesar da modernidade do plano com suas parkways 20 longo do Rio Tiet® e prevsso de linhas de metid, sua arquitetura ainda inspirava-se no estios classico ou renascertista monumentalizados. Prestes teria a chance de incia aimplantacao de seu plano quando prefeito nomeado de 1938 a 1945, durante pratica- mente todo 0 Estado Novo e, depois, como perfaitoeleito em 1961. As propostas varias progresisas do Piano de Avenidas infivenciaram o planejamento da cidade e diversas obras publcas durante muitos anos. Projetos similares foram elaborados em todo 0 pals sequndo 0 aiscurso positivista do modernismo, per seguindo a ideia de promocao do desenvolvimento, de cisciplina social e de ordem por meio do desenho Urbano. No Rio de Janeiro, por exemplo, Vargas se entusiasmou com a proposta de uma nova avenida monumental na area central - a atual Avenida Presidente Vargas -, que, com seus 60 metros de largura, destruiu 20 blocos da antiga morfologia colonial e quase mil edificios residenciais, substituindo-os por torres comerciais de 22 pavimentos, coladas lado a lado, em ambos os lados da avenida, Interessante 6 que 0 projeto da Avenida Presidente Vargas retomou elementos do Plano Agache, como a galeria coberta para pedestres, as passagens em miolo de quadras e as reas publicas intemnas das quads, ‘Além disso, durante o Estado Novo, departamentos de urbanismo foram criados nas principas cidades brasiliras, os primeiros cédigos de zoneamento urbano foram aprovados e muitos urbanistas foram ‘nomeados prefeitos por Vargas (Leme, 1999; Outtes, 2002). Tanto Vargas quanto a agenda politica do Estado Novo reconheciam @ importancia do incentivo a0 progresso nacional, da difusao dos valores da classe média e da educacio do povo para obter apoio a0 Desenho Urbano Contemporineo no Brasil regime. O sistema educacional fi objeto de profundas reformas, incluindo-se a criac8o do Ministerio da Educagao e Satde Publica em 1930, que se tornaria um forte instrumento na insttucionalizacao da dou trina modernista. A educagéo superior foi expandida, com, por exemplo, a criagao da Universidade de a0 Paulo em 1934 e a reorganizacao da Universidade do Brasil (Universidade Federal do Rio de Janeiro) lem 1938. Com 0 apoio do Estado Novo, um grupo de intelectuais capitaneados por Mario de Andrade, Rodrigo Melo Franco e Lucio Costa, interessados na preservacdo da meméria brasileira, criou a primeira agencia para a preservacdo hist6rica, em 1936, © Sphan (Servico de Patrimdnio Historico @ Artistico Nacional, atual Iphan - Instituto do Patrimdnio Histbrico e Artistico Nacional foi ciado dentro da estru- tura do Ministerio da Educacdo e Saude, demonstrando que a preservacao historica também poderia ser realzada a servico do regime, no minimo como meio de enfatizar a importancia da modernidade. Por conta dos ideais modernistas do regime, em 1931, logo ap6s a criagao do Ministerio da Educacao €@ Satide, 0 ministro nomeou Lucio Costa, ento um jovem arquiteto modernista funcionario do minis- 1etio, dretor da Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, com a responsabilidade de reformé-la totalmente. Costa insituiu um curso “funcionalista” paralelo ao antigo currculo beaux arts e contratou arquitetos e urbanistas modemistas como professores, obtendo sucesso imediato entre os estudantes, Evidentemente, ele também atraiu a oposicdo dos docentes antigos, que acabariam forcando a sua renuncia um ano depois, mas no antes deter inspirado um importante grupo de estudantes — no qual se inclulam Oscar Niemeyer e Roberto Burle Mark, que viriam a formar a primeira geracao influente de arquitetos modernistas. As mudangas no currculo do Rio logo influenciariam as escolas de arquitetura de todo 0 Brasil, € Lucio Costa se tomnaria @ grande referéncia para a nascente arquitetura moderna brasileira (Ourand, 1981; Cardoso, 1996). 0 modernismo também dominaria os debates do primeiro Congresso Brasileiro de Urbanismo em 1941 e logo seria institucionalizado como profissao especitica através da criaco do primeiro programa de pés-graduaco em urbanismo na Faculdade de Arquitetura dda Universidade do Brasil (hoje FAU) no Rio de Janeiro, em 1945, Como observam varios autores, a arquitetura e 0 urbanismo moderno no Brasil muito devem 3s visitas de Le Corbusier e sua influéncia sobre 05 jovens arquitetos brasietos. © alinhamento de seu simbo- lismo e do seu discurso aos objetivos do Estado Novo foi fundamental para o reconhecimento politico do modernismo e sua adocdo como vocabulario arquitetOnico oficial dos edificios governamentais € dda educacdo em arquitetura. Um bom exemplo foram as imbricagbes polticas do famoso concurso de anteprojetos para o novo edficio-sede do Ministerio da Educagao e Saude (hoje MEC) no Ro de Janeiro, ‘em 1935, que deveria ser um icone maximo da ideologia de um Brasil moderno do Estado Novo. 0 projeto escolhido pelo juri~ em estilo neomarajoara ~ fo ejeitado pelo proprio ministro, que passou a incumbencia para Lucio Costa funcionario do ministério (Durand, 1991; Cavalcanti, 1995). Costa juntou tum pequeno grupo de jovens colaboradores e, convencendo 0 ministro a contratar Le Corbusier como consultor, acabou responsével pelo projeto de um dos prédios modernistas mais celebrados internacio- ralmente. inaugurado em 1945, além dos avancos arquitetBnicos para a época, como 0 uso de planta livre e brise-soleils, 0 projeto inovava pelo partido urbanistico em centro de terreno, pilotis lives e 0s Jardins de Roberto Burle Marx, permitindo grande fluidez entre espacos externos e internos ao nivel do solo e rompendo a separacio piblico-privado, ‘Com um agressivo marketing profissional esses primeiros pensadores madernos encabecados por Lucio Costa e Le Corbusier nao poupavam criticas contundentes a seus competidores, e foram altamente influentes na consolidacio do discurso modemista no aparato do Estado Novo, Dois alvos de suas cri- ticas, por exemplo, foram o Plano Agache e 0 projeto da Cidade Universitaria de Marcello Piacentin, ‘arquiteto italiano que logo depois vila a se tornar 0 preferido de Mussolini. € interessante notar que, ‘em meados dos anos 1930, apesar de sua atracdo pelo modernismo e pelo que ele poderia representar © O-grupe inclula Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leo, Jorge Machado Morera, Eran Vasconcelos e Oscar Niemeyer, ocacula. Introdusio | 0 Contesto do Desenho Ubanono Brasil 7. em terms de progressismo, 0 Estado Novo compartihava raizes populsta eflosoficas com o fascismo, como 0 do regime de Mussolini, 0 que 0 atrala para 0 estilo ronumentalista de Piacentini, que ficava entre 0 neoclssico eo racionalsmo italiano. Esse foi o estilo adotado no novo edfcio-sede do Ministério do Trabalho — ministério polticamente fundamental para 0 governo Vargas -, por exemplo, localizado em quarterdo contiguo a0 do MEC, construido praticamente 20 mesmo tempo (Cavalcanti, 1995). Com altura equivalente a dezoito pisos e adotando pesado e monumental estilo neoclssico, ele ocupa todo tum quarteirdo e possu imponente escadaria conduzindo ao portico de entrada frontal, adornado com colunas déricas de quase dez metros de altura No caminho para vstar um cliente em Buenos Aires em 1929, Le Corbusier fez sua primeira visita a0 Brasl, por sua prépria iniciativa, e percorreu quatro cidades, incluindo S40 Paulo e Rio de Janeiro. Estava atraldo pela possibildade de obter novos trabalhos, partcularmente porque tinha ouvido sobre o desejo brasileio de construr uma nova capital e por causa da presenca de Agache no Brasi, seu competidor Deslumbrando seus sequidores, dentre os quas se destacava Lucio Costa, Le Corbusier proferiu palestras fundamentadas em sua Cité Contemporaine e outros projetos, fazendo diversos croquis da palsagem e » Segundo a Dra, Inés Magalhdes, Secretaria Naconal de Habitacao, Ministésio das Cidades. Comunicagao no Forum “Us-China-Brasl sobre Urbanizacao e nfreestruturaSustentaves, Washington DC, em 10/4/2012. 32 _Desenho Urbino Contemporaneo no Brasil modo significativo 0 futuro das cidades. Tais possibilidades resultam de forcas que atuam em direcoes, diversas, mediadas pela fragmentacio socioespacial tao historicamente arraigada e 0 desejo das classes alta e média de manter o status quo. Por um lado, a redemocratizacao, 0 aumento da participacao democratica na esto das cidades e do pais e a nova ordem juridico-administrativa estabelecida pela Constituigdo Nacional e o Estatuto das Cidades abriram um caminho fundamental na direc3o de um desenvolvimento urbano mais socialmente justo e uma dimenséo publica mais inclusiva e acessivel. Por outro lado, 0 recuo do modernismo radical, o debate na direcdo do desenvolvimento sustentavel, a busca por valores mais humanos e a economia e a cultura da globalizacao pressionam por mudanca nos patadigmas teéricos e modelos urbanos nem sempre coincidentes. Com 0 desenvolvimento brasileiro e as cidades refletindo cada vez as implicagdes e contradicoes da Globalizacdo, corre-se o risco de perder a nogao do espaco como "conjunto indissociavel de objetos e sistemas de ages” e a ordem mundial pode superar e impor-se a ordem local (Santos, 2002, p. 22-23) Se 05 lugares podem ser vistos como intermédio entre o mundo e o individuo, o desenho da cidade e de seus lugares possui uma responsabilidade direta nessa intermediacao e na no¢do de mundo e de Sociedade que o individuo apreende e vivencia, Ainda como diz Milton Santos (2002, p. 319), "o terri- ‘6rio compartido impoe a interdependéncia como praxis”. Permeando a dinamica dessas oportunidades est 0 papel fundamental que o dominio publico e as suas manifestacdes urbanas representam na vida politica e sociocultural brasileira Enquanto a privatizac3o se expande sobre o espaco pblicoe produz espacos segregados, muitas expres- s8es socioculturais fundamentais para uma sociedade urbana sadia s6 podem ocorrer “fora de casa" ou “nas ras", e, portanto, dependem de espacos pablicosacessiveis, bem projetados e minimamente equi. aados, Por um lado, desfies carnavalescos, celebracbes religiosas, partidas de futebol e outros eventos esportves, a cultura da praia, as manifestacbese grandes eventos publicos devem acontecer na estera Piiblica das cidades — em areas vives, amplase acesiveis por todos. Por outro lado, encontios causa «soci, visitas falares, edes soca, vere ser visto, o lazer familiar, e mesmo pequenos negocios de varej, paricularmente em bairos mais pobres, radicionalmente demandam espacos ne ambite de dominio publico, Alm disso, 0 espaco da rua e os espacos publics sdo paticularmente importantes araas poplagSes de bala renda que moram em unidades residencasdiminutas, dependem de rece Socials para sua Sobrevivencia, se apoiam no dominio pblico para media distingdes de cose case Clemarcam rgldamente os dominios Soci da ua (pubca) e da casa (prvada) (Da Matta, 1979), Are a brace, cake, o paaue ea pri serd sempre lugares fundamentis para asocializagbo¢ a pluoh, dade, e assim para o urbanismo eo desenho utbano brasiliros, Em contaste com o paradigma moderista que se apoia em controle cetralzado e num modelo igido $obre o que a cidade deve se, 0 desenho urbano coniemporsneobrasleio & ps moderne no seni, fm que aceitae incorpora uma vaiedade de valores soca: ecferetesvsdes sabre ourbero cone oe Bre sr, Ee mals partcipativo e responsivo 3s demandas da Comunidade ese empenhs no producao Ge ambientes mais j.sos socialmente. A cidade do moderismo tao, a cidade reuiiads €¢ cra, Socialmente nclusiva, as rs tendéncasrepresentadas nese lvo,representam utbenismee contempora- neos distntos que coexstem no ambito de todas 2s cidades brasliras ena mente de todos os servos 05 eprofisionasbrasileros.O desenhno urbano no Brasi no mais aceita as limitacbes de um paradigra tno €25possiblidades lmitadas dos modelos rigid que dai surgiam,e tem se vohtado poe difere tes sistemas de valores ede wsdes de mundo, gerando mélipas possbildades. Os ubanises basins estdo cintes de que a qualidade da cidade, afuncio social significado cultural do domino publeg, $30 pares fundamentals da socedade, Pra se trnar totalmente eiciente como uma ferramenta socal © desento urban tem que se volar cada vez mals na busca por uma cidade vetdadeiramente pursing € com especifcidades cultures, © por um desenvolvimento social ¢ econdmico justo e equiltrado, Az Cidades brasleiras possuem esse caminho aberto,e sua populacio, mais do que o almeja, o merece

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