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ARQUITETURA E YOILLITOd ENSAIOS PARA MUNDOS. AUTERNATIVOS JOSEP MARIA MONTANER - ZAIDA MUXi Arquitetura e politica aborda uma das questoes-chave da arquitetura contemporanea: a responsabilidade dos arguitetos para com a sociedade. Nestes cinco Capitulos — Hist6rias, Mundos, Metropoles, Vulnerabilidades e Alternativas — a obra segue um percurso histérico, que abrange desde o papel social dos arquitetos e urbanistas até a atual era da globalizagao. Por meio de $s como vida comunitaria, participagao, igualdade de ¢ sustentabilidade, o livro trata tanto das vul Titulo original: Arquitectura y politica. Ensayos pora mundo: Tradugao: Frederic 0 Preparagao de texto: Alexandre Salvaterra @ Ana Beatriz Fie Revisdo de texto: ner Design: Rafamateo Studio 1 edigao, 2" impressao, 2015 Jistribuigao, comunicagao P| ‘Qualquer forma de reprodugao, ou transformacdo desta obra 80 pode ser reali z expressa de seus titulares, salvo excegao previ ja lei. Caso seja necessario reproduzir algum Cigitalizagao ou transcric8o, entrar em cont trecho desta ol a ou implicitamen ‘AEditora ndo se pronuncia, expres facuidade das informacoes contidas neste fesponsabilidade legal em caso de erros ou omissoes livro endo a! ‘rederico Bonaldo 6 do texto: Josep Maria Montaner, Zaida Muxi, 2011 Editorial Gustavo Gili, SL, Barcelona, 2014 Impressona Espanha 978-85-65985-41-3 Jacionals de Cataloga¢ao na Publicacao (CIP) Brasileira do Livro, SP, Brasil) olitica : ensaios para mundos ontaner e Zaida li, 2014, INDICE 27 40 54 67 79 87 95 104 116 128 143 Homeopatia critica, por Jordi Borja INTRODUGAO HISTORIAS ‘As formas do poder Do “sentido ético” de William Morris e “o arquiteto na luta de classes” de Hannes Meyer as “estrelas da arquitetura” Aagao politica a partir da arquitetura As tradigées alternativas de vida comunitaria MUNDOS A globalizacao e 0 universo rizomatico As fronteiras quentes O mundo pés-Chernobyl Avida-lixo ou o slow food METROPOLES O urbanismo tardo-racionalista: de A Carta de Atenas a cit je global As cidades alternativas: Curitiba, Seattle, Bogota e Medellin O turismo e a tematizacao das cidades tte comCanscanet VULNERABILIDADES Os traumas urbanos: 0 apagamento da meméria vazias 18) Ascidades de slums e a geografia dos sem-teto ALTERNATIVAS A cidade préxima: 0 urbanismo sem género Acultura institucional e a sociedade civil 235 Por uma cultura critica e alternativa, da experiéncia e do ati 247 Comentarios e agradecimentos 251 Notas bibliograficas tte comCanscanet NOVAS EPISTEMOLOGIAS PARA © yRBANISMO CONTEMPORANEO No século xxi, as teorias sobre a cidade e o territorio precisam de uma pro- funda revisao. Parte da teoria urbanistica desenvolvida no século xx. encon- tra-se obsoleta e foi superada pela complexidade da realidade. A pratica urbanistica tecnocratica esta desacreditada, sua dimensao publica ficou marcada pelo predominio da especulacao imobiliria e 0 objetivo do bem comum foi contaminado pelas exigéncias do mercantilismo. Esta dissolu- ga0 do urbanismo foi fomentada pelo predominio das obras para a global class, baseadas em objetos autonomos e isolados, projetados por arquite- tos-estrela, de ética questiondvel. Aquestao-chave é como enfrentar os grandes desafios sociais e ambien- tals com uma arquitetura ecolégica e com um urbanismo autenticamente Participativo, de maneira que se evolua em direcdo a igualdade e ao reco- nhecimento da diversidade, a uma sustentabilidade entendida a partir da vertente social. _ Neste sentido, ha uma grande parte da cultura arquiteténica e do urba- nismo contemporaneos digna e resgatavel, que deu grandes colaboracées:a Nadicao organica e participativa do urbanismo, as politicas de moradia Popular, como a desenvolvida em Viena durante quase um século; as novas Butices urbanas baseadas nos espagos e nos transportes piblicos, os & '°l0s publicos Pensados para 0 aprendizado, a sociabilizacao, a comunica- vie, *PreSsEo das pessoas; os espacos verdes, os eixos de pedestres e as ‘due fomentam a diversidade e as relagdes intersubjetivas. tadicam na necessaria desconstrucao dos proces hegue a alternativas: comércio justo, slow fel, banco ético, cooperativas de crédito, na etc. Esse urbanismo baseado na aut tte comCanscanet guto-organizacao, no funcionamento de baixo para cima (botta justiga deveria se sustentar, pelo menos, em quatro eixos de tra reatamente relacionados: igualdade, diversidade, participagao tapitidade, relacionados com a vontade de promogao e consolidag > ambientalista democracia realmente par ticipativa e a AIGUALDADE lei tem uma relacao estreita com a pratica ¢ los A igualdade perante a | de liberdade, igualdac tos humanos que preconizam os nidade e nao discrimina Na evolucao dos direitos humanos, houve diversas fases. Na prin lluminismo até 0 século xix, tratou-se de estabelecer os direitos doin para contrabalancar 0 poder totalizador do Estado-nacao. Na Fra lucionaria e pés-revolucion promulgaram-se 0 direito (1791), 0 direito a propriedade (1807) e outros direitos basicos ver com a classe burguesa emergente. No entanto, a pretendit dade inicial dos direitos da Revolucao era parcial, pois eram para 0 sexo masculino, e as mulheres tiveram de lutar e reclat seguirem cada um desses direitos. Numa fase seguinte, em meados do século xix, com a CO! sociedade de classes e 0 ancilosamento de classes poderosas; © sidstica, tomaram-se medidas drasticas a favor de uma incl bem social, como 0 Decreto de Desamortizacion de Mendia pales PUblicos no lugar dos grandes conjuntos religio ego, css processo de desapropriagao foi um pa ition ah agao de uma nova riqueza social. ‘ ae Fal século > entrou-se paulatinamente em cidadania, Uma eacoee do incipiente Estado de bem iy ‘ lei pioneira foi a do Direito a Moradi 1 i viena Vermetha da década de 1920 até os dias de hoje. Ao longo desse periodo, 08 direitos foram sendo regulados, implantados e defendidos no interior de cada pais. A social-democracia Centro-europeia do periodo entreguerras consolidou-se apésa MW Guerra Mundial por meio de politicas de bem-estar que conseguiram conciliar a democracia com a regulagao da economia de mercado. Essa fase teve seu momento culminante com a Declaracao Universal dos Direitos Humanos (1948), com a qual se entrou em uma nova etapa, em que ochamamento aos direitos e obrigacdes nao se faz por paises, mas passaa ser universal, e uma institui¢ao, as Nagdes Unidas, vela para que cada pais ocumpra. Em geral, esses direitos foram sendo adquiridos por etapas e por setores sociais: primeiro os homens brancos e ricos, muito mais tarde as mulheres europeias e da América do Norte e, hoje, 0 objetivo é que esses direitos se generalizem sem discriminagao de qualquer tipo. Nessa evolucao, um dos textos-chave foi 0 direito 4 cidade, de Henry Lefebvre,* no qual se teorizou sobre as mudancas territoriais produzidas no século xx € se definiram os novos direitos relacionados com a cidade moderna, a moradia e o bairro, a reivindicacao da vida cotidiana e a von- tade de fazer parte e de participar da cidade. Nas Ultimas décadas do século xx, esses direitos gerais — moradia, sanea- mento, espaco publico, cultura — comecaram a se relacionar diretamente on OS governos locais e municipais, especialmente na primeira década do seul **l, quando, como consequéncia da resposta neoliberal as crises eco- nomicas, muitos Estados comegaram a restringir alguns direitos, liberdades ®assisténcias, on ead Coneretos da defesa de um direito basico como 0 da mora~ ths me luntary Architects Network (VAN), criada por Shigeru Ban para loradias de emergéncia construidas com materiais ligeiros e Feciol | dos, ou The Housing Loan Programme, promovido pelo Grameen pttaeg ‘Del Cay, . Madilabop ian 3, SiB0808, Pablo ¢ Saravia, Manuel. La ciudad y ls derechos humanos: ua ioe Sara ste dechos umanos yprdctica urbanitic. Madi, "Talasa, 2004; ¢ Gigogos iq SN Mantel. Usbcnimmo para néufiagos. Lanzarote, Fundacién César Manrique, po | fibre, O direito a At S30 pact ee tit dla cz. Paris, Anthropos, 1968 (edigio em portuge Veia Sony” Centauro, 2001), ""ageldin, Ismail (org), The Architecture of Empowerment, Londres, Academy, 1997 213 Bank, em Bangladesh, baseado em empréstimos de trezentos dolares pa uma casa-tipo de aproximadamente 24 m?, que sao devolvidos apés ce, de dez anos. Com este programa, em 2006, ja haviam sido construidas 644 mil moradias em Bangladesh. AIGUALDADE DE GENEROS Um urbanismo autenticamente igualitario significa um urbanismo autenti- camente democratico, um conceito da modernidade que ainda se esta ten- tando desdobrar de maneira completa. Conseguiu-se em maior medida em alguns paises e periodos do século xx, mas, de modo geral, foi incompleto e insuficiente, transitorio e nao consolidado de todo. Nao esquecamos como foi incompleta a democracia: até poucas décadas atras, o sufragio feminino nao existia; na Suica, esse direito s6 foi reconhecido em 1975. Assim, isso envolveria reforcar uma igualdade que responda a diversi- dade contemporanea, que alcance uma verdadeira igualdade de oportuni- dades entre mulheres e homens, sem discriminacao de sexo, género, cultura, lingua, religido e orientagao sexual. Uma das frentes mais avancadas na luta pela igualdade é a de género, que parte da diferenca ainda existente entre as possibilidades de mulheres e homens em todos os terrenos: a diferenca de tempo que dedicam ao tra- balho doméstico; as diferencas nos salarios recebidos por trabalhos simila- res; as dificuldades das mulheres de ter acesso a altos cargos no mundo empresarial, politico, midiatico e universitario; as dificuldades de concilia~ ao da vida familiar com a profissional; a falta de reconhecimento e visibili: dade das colaboracées feitas pelas mulheres; e na necessidade de se escrever novas historias que superem as historias Unicas construidas a par tir do dominio e do exclusivismo patriarcal. A discriminagao de género se expressa fortemente no urbanismo e arquitetura: desde o espaco publico, com seus parques e calcadas, assi como as condigées dos sistemas de transporte, até os lugares de trabalho. a estrutura hierarquica que muitas vezes se mantém na moradia. Portant discurso feminista nao se limita a pretender substituir os home! ulheres no centro dos fatos e do poder, mantendo intactos dis binarios, regras de dominagao e mecanismos de exclus ARQUITETURA E rr trata-se precisamente do contrario. E por isso que 0 pensamento de Gayatri gpivak® poe em sintonia 0 pensamento feminista com a desconstrucao: 0 feminismo se reforca quando tenta dar voz aos subalternos, quando des- constroi a oposi¢ao entre género feminino e masculino e nao exacerba esta rivalidade. E por isso que pode ser tao frutifera a proposta de Rosi Braidotti de uma nova subjetividade némade,° baseada nos afetos e nas relacdes intersubjetivas, que surge de uma visao nada vitimista, positiva e de afir- macao, de inclusao do outro. Nessa revisao da cidade e da arquitetura continua havendo uma missao para os homens: luta por uma sociedade justa e igualitaria tem a ver com o esforgo por repensar e viver a partir da chamada crise da masculinidade tradicional, superando paulatinamente um modelo classico radicado na autoridade patriarcal indiscutivel, na primazia do racionalismo, da abstra- ao e do pretensamente objetivo, por cima dos sentimentos e da experién- cia, da alteridade e da diferenca. E mais complexa a visao que permite superar uma concepcao linear e operativa da vida, que situou a produtivi- dade como razao de uma existéncia dirigida a objetivos tnicos. Em Gltima analise, isso envolveria de criar uma nova cultura — uma eco- sofia, como defendia Félix Guattari’ -, estilos de vida que incorporem a visdo das mulheres, priorizando os seres vivos e a experiéncia. ADIVERSIDADE Odireito a igualdade e a nao discriminagao esta estreitamente relacionado a outro processo basico: a aceitacao da diversidade. Ou seja, igualdade quanto aos direitos das pessoas, diferencas quanto aos individuos. Isso sig- nifica que a grande diversidade social e cultural, de linguas, religides e cos- tumes nas sociedades pés-coloniais e nas cidades multiculturais, tem de | |Stitak, Gayatsi. Gan the Subatern Speak? Refetons on te Hisory ofan Idea. Nova York, Co- mbia University Press, 2010 (edicio em portugués: Pade o subalterna falar? Belo Horizonte, a UFMG, 2010); ¢ Rivera Garreta, Maria-Milagros. Nombrar el mundo en femenino. Bar- tne leatia, 1994, Biot, Rosi. Transpositions: On Nomadic Ethics, Cambridge, Polity Press, 2006. Guat, Les trois éologies. Paris, Editions Galilée, 1989 (edico em portugués: As tés inas, Papirus, 1990). 215 se nas formas e nos valores do espago publico®, Por isso, expressao da igualdade também significa que 0 lespaco) Publico de cada bairro deve refletir a diversidade de culturas que nele habitam, incluindo og imigrantes, suas culturas, seus imaginarios, suas crencas, suas ™Asicas, seus alimentos, suas maneiras de se relacionar no espaco piblico suas capacidades de expressao e criacao. ; 0 objetivo é valorizar as experiéncias, comunicé-las e compartithé-tas, Para tanto, os percursos, formas e simbolos de ruas e pracas, escolas e edi. ficios publicos devem facilitar essa expressividade e inter-relacdo. Um urbanismo alternativo deve dar lugar a diversidade oferecida pela imigragdo, entendendo que os imaginarios urbanos sao diferentes, bem como 0 uso do espaco e do tempo, dos simbolos e dos sons, do lazer e do trabalho, das redes de intercambio e de solidariedade. Deve-se levar em consideragao em que medida o imigrante tentou escolher um entorno que. seja assimilavel ao seu. Trata-se, assim, de favorecer esse proceso e esti mular que 0 espaco publico e as instalacées se transformem em redes favo raveis a relagdo, ao conhecimento e a sociabilidade. A realidade da imigracao contemporanea, capaz de criar seus proprios bairros e universos, sera mais bem expressa em uma cidade conformada po camadas, feita de superposicao de realidades, baseada na potencializagao de miltiplas inter-relagdes. Porque, em Ultima anélise, 0 urbanismo da diversidade 6 aquele que promove espacos para a intersubjetivadade. Felizmente, uma parte da arquitetura pés-moderna demonstrou sua habilidade de promover e manifestar a diversidade: na arquitetura que favorece a participacao, nas teorias e obras de Ralph Erskine, Lucien Kroll John F.C. Turner, Christopher Alexander e N. John Habraken; na tradicao holandesa encabecada por Aldo van Eyck e Herman Herzberger, conti nuada, a seu modo, por Rem Koolhaas e que desembocou em obras como Silodam, em Amsterdam (1995-2002), do grupo MVRDV. 0 Silodam se trans formou em um manifesto da diversidade de estilos de vida, a expressao d desejo de caracterizacdo e individualizagao de cada moradia dentro de ur Conjunto coletivo. poder exprimi *Appadurai, Arjun. Fear of Small Numbers: An Essay on the Geography of Anger. Durham, University Press, 2006 (edicao em portugués: O medo ao pequeno nimera, Ensaio sobre a dda aia, Séo Paulo, Huminuras, 2009); Sandercock, Leonie. Towards Casmopois. Chichest Wiley & Sons, 1998; ¢ Sandercock, Leonie e Attli, Giovanni, Where Strangers Become Nei "3 Anlerating Immigrants in Vancowoer, Canada, Nova York, Springer, 2009. 216 ARQUITETURA EP que fomentam o espirito da variedade e da inter-relacdo entre dores a partir dos usos tradicionais da rua e que favorecem as entre a diversidade de habitantes: hindus, muculmanos, sikhs, lade do que parece: Ernst May baseou a politica de Frankfurt no fomento de uma variada série de tipos (unifamilia- es, de acesso por corredor, de diferentes superficies). Le er também acabou propondo quatorze variantes na Unité d’Habita- além do tipo com duas variantes. a, a op¢ao pela diversidade tem fortes implicacdes: abandonar as de universalidade, unidade e identidade, de um discurso nico, sténoma. E preciso entender que, em uma época na qual nao is de vida iguais para todos, a alternativa é a diversidade, 0 ymplexo, a teoria dos sistemas e das relacdes;" atender a jporanea das sociedades pos-coloniais a partir de uma na e, em ultima analise, enriquecer 0 pensamento, a atencao pelo “outro” e pela alteridade.? te Arcatectre of Balkrishna Doshi. Ratinking Moderns forthe Developing k House, 1998. 4 La pensée complexe. Paris, BS ed. Porto Alegre, Sulina, 201 dy sistema, La ambicion de la tora. Barcelona, Paidés, 1997- vevisme de Uautre, ou, La prothise rigne. Paris, Galilée, 1996 mo do outro, Porto, Campo das Letras, 2001). £1990 (edigao em portugues: 217 tte comCanscanet No texto 0 vestigio do outro," Emmanuel Lévinas escreve: “Quererig contrapor ao mito de Ulisses, que retorna a Itaca, a historia de Abraao mos abandona sua patria para sempre por uma Terra desconhecida” £ vital mudanga epistemologica: “Desde sua infancia, a filosofia esteve atenoi zada pelo ‘outro’ que permanece sendo ‘outro’, foi atingida por uma alenga insuperavel’”. Lévinas revela como predominou totalmente uma filosofia da identidade, do “eu”, do mesmo, da crenga do ser, da autonomia, do eterng retorno a si mesmo. Por outro lado, na experiéncia heter6noma, “[o] ‘ey’ diante do ‘outro’ é infinitamente responsavel. 0 ‘outro’ que provoca este movimento ético na consciéncia e que desajusta a boa consciéncia da auto- coincidéncia do ‘mesmo, traz consigo um aumento inadequado da intencio- nalidade”, escreve Lévinas. 0 “outro” ndo pode se transformar em categoria, eo movimento em direcdo ao “outro” nao se recupera na identificacdo, nao retorna a seu ponto de partida. PARTICIPACAO Se a igualdade e a diversidade sao valores, a participacao @ um procedi- | mento, um instrumento. No entanto, sua argumentacao e protagonismo s40 achave para a transformacao de um urbanismo realizado por muito poucos planejadores homens em direcao a um urbanismo aberto as demandas sociais e que tem como objetivo os valores da igualdade e da diversidade. Os processos de participacdo nao sao novidade alguma nas sociedades democraticas. Constituem um dos indicadores mais importantes de que cada cidade se esforca por ser mais sustentavel, mais humana e mais atenta a sua realidade, diversidade e memoria; demonstra que se trabalha com 0 objetivo de alcangar beneficios comuns e exprime o desejo da maior parte dos cidadaos de fazer parte explicitamente da cidade, de se reconhecer ©! suas transformagées. A participacao implica uma transparéncia e uma cla reza de interesses e objetivos. No entanto, muitos municipios tém a participagao entre suas proposta: mas em poucos casos esta é levada adiante com rigor. Fala-se muito deli ‘mas, no fundo, a maior parte dos politicos e técnicos a temem e preferiia r jecisoes sem a intervengao dos envolvidos. Poucos deles estao dis- ys aassumir O esforco do trabalho em equipe e da mudanga de menta- fidade nos processos de projeto e gestdo que isso implica. Os proprios yitetos S40 muito treinados para nao escutar 0 que os clientes privados [hes pedem para suas casas, Mas 0 mesmo nAo ocorre com a diversidade de desejos dos moradores de ter uma praca, uma nova instalacao ou futuras moradias coletivas. Aparticipagao tem um custo — nao se pode esperar que os cidadaos, além de participarem e dedicarem tempo e esforco, paguem os gastos — e exige uma série de etapas: primeiro, dispor de toda a informacao para ser avaliada fazer parte dos processos de diagnéstico, oferecendo pontos de vista e experiéncias; mais tarde, debater, programar, planejar e propor como resul- tado diversos projetos para serem discutidos, revistos, refeitos e escolhidos; elaborar um sistema de gestao o mais transparente possivel; e, por ultimo, deve haver um acompanhamento da intervengao publica e deve-se avaliar para que os projetos sejam valorizados, e, se necessério, reformulados.* Nesse sentido, um exemplo é o complexo sistema participativo que se seguiu, apartir de 1996, no ecobairro de Vauvan, na cidade alema de Friburgo. Os processos de participacao nao s6 permitem reforcar que os cidadaos se reconhecam em seu bairro e sua cidade, mas deveriam ser fundamentais tanto no inicio como depois da conclusao das obras. Nenhuma intervengao urbana pode comecar sem que os moradores intervenham no diagnéstico, e toda obra requer a opiniao e a atividade dos usuarios a fim de valorizar e qualificar sua manutencao, de modo a interpretar sua pos-ocupacao. ‘Noentanto, quase nunca se segue até 0 final o processo de uma autentica Participacao. Muitas prefeituras confundem a participacao com a mera informacao, e, as vezes, a informacdo é escassa e confusa, de defini¢ao continuamente alterada; dessa maneira, os cidadaos continuam S passivos e poucas vezes sao escutados. Por vezes, deixa-se setores opinem sem a menor garantia de que aquilo que pro- levado em consideracao. Em todo caso, ¢ imprescindivel que dos atores individuais possa se expressar; nao servem processos | que sé os representantes falam. falta de espirito critico e participa’ total inexisténcia de estudos pos-ocupaca tivo em muitos entes 0 realizados 219 por equipes multidisciplinares para avaliar os edificios ou 0s espacos ur nos quando sao inaugurados, para verificar como esto funcionando, qual O nivel de satisfacao dos usuarios, quais modificacdes foram ccastonail por sua utilizagao e, portanto, quais retificacées devem ser estabelecidas em futuros projetos. No entorno metropolitano de Barcelona, ha alguns casos de auténtica participacao cidada. Por exemplo, a Placa Pius XII, em Sant Adria del Besos (2006-2008), que nasceu de uma lista de exigéncias especificas dos mora- dores em volta da praca e do constante didlogo com eles, de acordo com um projeto dos arquitetos Eva Prats e Ricardo Flores, ¢ 0 processo de definicao programatica para a remodelacao do bairro de Trinitat Nova, que foi coorde- nado por Isabela Velazquez e Carlos Verdaguer, da GEA-21. Com efeito, existe uma tradicao de cooperativas de moradias cuja razao de ser sao esses pro- cessos de participacao e a outorga de poder aos atores urbanos, que preci- sariam ser reforcados. Internacionalmente, existem muitos exemplos de boas praticas em pai- ses e cidades, ® como na Holanda, onde se estabelecem comissoes de cida~ das - e agora também de cidadaos -, as VAC, que ha mais de cinquenta anos: assessoram a adequacao e a diversidade da moradia, ou como na cidade brasileira de Porto Alegre, reconhecida por um completo e modelar sistema participativo, desenvolvido desde a década de 1990 até o ano de 2005, baseado em reunides periédicas em cada bairro, nas quais os or¢amentos eram debatidos, e as prioridades, decididas. Como se explicou no capitulo “As cidades alternativas: Curitiba, Seattle, Bogota e Medellin”, em Seattle, existem comissdes de cidadaos, formadas por moradores, profissionais e artistas, que intervém em todos os projeto: urbanos. Essas comiss6es se reinem quinzenalmente durante oito horas; as atas sao publicadas no site da prefeitura e enviadas em papel a todos o cidadaos que as solicitem. Assim, a informacao, base primaria de todo pro- cesso de participacao, é transparente e atinge todos os interessados, ind identemente de sua pertenca ou nado a uma associacao de moradot nhecida pela prefeitura. nalise das diversas experiéncias de participacao demonstra que es odem ser forcadas, inventadas, nem implantadas, mas devem sum tarlos et.al. Giudades que enamoran. Jornadas de debate regional. Verde-Sux, Edi gista de Parana, 2007. dos Eee moradores e dos movimentos sociais, de lugares e problemas reais. Nessa pratica, os melhores casos sao aqueles em que si diversos fatores € atores, quando ha um auténtico ott 3 eta conta com lideres ou técnicos que possuem uma visdo e Halen a cosmopolitas, que sao capazes de impulsionar os mi is eee ‘ eat ovimentos locais e rela- ciona-los com outros similares em contextos diferentes, e quando existe um contexto legal que o ampare e o potencialize. Esse pensamento ence pratica da participagao de baixo para cima (bot- tom up) tem sélidas raizes na teoria arquiteténica contemporanea: as expe- riéncias e escritos de John F.C. Turner, influenciado por Charles Abrams e Colin Ward; 0 método dos suportes de N. John Habraken; e o sistema de requisitos, diagramas e padroes de Christopher Alexander.'® Podemos tomar como exemplo emblematico de participagao o programa Favela-Bairro, promovido pelo arquiteto Luiz Paulo Conde, quando era secre- tario municipal de urbanismo e depois prefeito do Rio de Janeiro, e coorde- nado pelos urbanistas Sérgio Magalhaes e Verena Andreatta. Dentro desse programa, destacam-se as intervengdes do arquiteto de origem argentina Jorge Mario Jauregui. Com a colaboracao de arquitetos e cientistas sociais, Jauregui criou um sistema participativo, aberto e complexo que permite se situar e conhecer o lugar, a fim de propor possiveis linhas de interven¢ao a partir da logica propria das favelas. Em seu método, Jauregui — aleém dos conhecimentos técnicos e legais sobre arquitetura e engenharia — sintetiza contribuicdes da filosofia - como os conceitos de dobra e rizoma — proce- dentes da sociologia e da psicologia."” SUSTENTABILIDADE tabilidade como referéncia, embora Ivimeno sustentavel” seja um como “arqueologia industrial” Por dltimo, tomemos o termo susten Seja muito polémico e ainda que “desenvo Curioso oximoro, uma contradi¢ao semantica, munity and Privacy: Toward a New Arctectare ; Senge e Alexander, Christopher. Com Nova York, Doubleday, 1963; Alexander Christopher. Notes on the Synthesis of Mass.), Harvard University Press, 196+ tregui, architects. Cambridge ( Favela-Bairro Project. jorge Mario J : z My (Graduate Schoo! of Design, 2003; ¢ Mon\ancs, Josep Maria. Feast sdo Paulo, Editora Gustavo Gill, 2010. 221 tte comCanscanet NO nig tem 0 objetivo da sustentabilidade, de cuidar dos recursos Para as futy, ras geracoes. Fr 0 urbanismo moderno tem suas raizes no desenvolvimento do posi vismo e na ideia de progresso do século xx, e isso se mantém até nismo dos CIAM e até mesmo do Team X.A consciéncia do esgotamento dog recursos, do excesso de residuos e de poluicdo que o capitalismo gera oy das mudangas climaticas que vém ocorrendo exigem tanto uma nova con- cepeao da economia como reclama uma transformacao total nos processog do urbanismo e das intervengées no territorio. Esta é uma novidade estrita: a consciéncia dos limites do planeta, de sua capacidade de carregamento, das imensas pegadas ecoldgicas, de que talvez j4 tenhamos ultrapassado irreversivelmente o ponto de nao retorno.® Essa nova sensibilidade em relacdo ao meio ambiente traz consigo a atencdo pelas preexisténcias ambientais, pelo patriménio, pela memériae pelos lagos sociais existentes. Somente levando isso em consideracao é que se pode fazer um urbanismo sustentavel. Conviria definir os termos que utilizamos para caracterizar aquela arqui- tetura contemporanea que quer respeitar 0 meio ambiente. Frequente- mente, confundem-se os adjetivos “ecolégico” e “sustentavel”, que, embora tenham muitas afinidades, foram definidos em momentos histéricos muito diferentes e possuem um nivel conceitual diverso. A“ecologia” é a ciéncia que trata dos ecossistemas, que incluem a bioce- Nose ou seres vivos e os ecdtopos ou estruturas fisicas, entendendo-os como sistemas em constante reequilibrio. Podemos aplicar 0 conhecimento que nos proporciona para a distribuicdo dos recursos naturais da manei mais benéfica para as sociedades humanas, respeitando 0 equilibrio. A*sustentabilidade” 6 um conceito recente, cuja configuracao foi neces | ou “guerra preventiva’, uma vez que, essencialmente, o desenvolvime, | © Urba~ Mike. “

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