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adios Internacionais de Catalogagio na Publicagso (CIP) (C8mara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Tiulo original: Eacating the “ight” way : markers, standards, God. and equi Bisrogeana ISBN 85-259.0905-X vantistno ~ Eudes Unidos. 2. Béucarlo~ Aspectos ‘Estados Unidos Lito, Sexe. 28700 cpp 370973, Indices para catélogo sistematico: 1, Estados Unidos “Baveagha 370979 Biblioteca Freiriana 5 Michael W. Apple Educando a Direita Traducto de Dinah de Abreu Azevedo Revisto Técnica de José Eustéquio Roméo SCENE ‘Titulo exiginal: Eating the "Righe” Wy. Markets, Sendirds, God and Inegulity Michael W. pple Cape DAC Layout de apes Soraya Ludrailis Rambo Revie: Liege M,$, Manet Compass: Dang Eaitora Lida, Coortnaso eitorns Dano A. Moralee ‘Nenhume parte desta shea pode cer reprodusida ow duplicada sem sutorizago expresra do tor e dos editors, ©2001 by Routledge Famer — NIY/London Dinetos para esta edo (CORTEZ FDITORA sitio Paulo Freire Rus Bastca 30? — Perdines Rus Cero Coré, $59 — oj 22 — 2 andar 05000.000 — So Pawlo-SP (051-100 — 830 Pauto-SP — Bn ‘eww corteneditora com Bt Home Page: www-paulofreire ong Impresso no Bras Janeiro d= 2003 INSTITUTO PAULO FREIRE Biblioteca Freiriana Consetho editorial: Adriana Paigys6s (Argenti o Ornslas (Mexico), Azrl Bacal (Suéeis}, Cal Schugurensky. § Antonie Teodaee ko Intemaciona! de Assessores is Freire — Les Angeles, setembrivdle 2002) ia Alice de Paula Santos, Maria de Lourdes Melo Prais. M: ‘Grovfno Sehaet Internacional Diretivo: Carles Al Eusciquio Romi, Moneir Mi ror Alfeede Fucntes (Argentina), Orland Fals Borda {Col asi, Pedro Der tov, Lutgardes Agradecimentos Nos diltimos dez. anos, dediquei uma série de livros aos movi- mentos conservaderes que continuam reconstruindo a educagao ce formas perniciosas. Em Official Knowledge e em Cultural Politics and Education, combinei investigacdes histéricas, empfricas e conceituais, ¢ procurei mostrar alguns dos maiores perigos associados a essas “re- formas”. A influéncia que essas pasigbes tém hoje sobre. sociedade em geral e sobre a politica e a prética educacional em particular ndo diminuiu, a0 contrério: intensificou-se e arraigou-se mais ainda no senso comum de nossa sociedade e de muitas otitras. Essa sittagio requer anélises criticas que sejam, elas proprias, mais profundas ¢ amplas ainda, Por isso este livro. Educande a direita fandamenta-se nus volumes que 0 precederam, mas estende sua anélise critica para 0 que espero que sejam diregSes mais empolgantes ainda. Preciso ser honesto aqui desde o inicio. Neste livro, meus argu- mentos sio alimentados por tuna série de coisas: um ruimero conside- ravel de evidéncias nacionais ¢ internacionais sobre os efeitos das politicas correntes da educac3o; minha participagdo em movimentes contra a reestruturagio radicalmente conservadora da educacdo em muitas nagSes, experiéncias que so uma evidéncia da natureza abso- Jutamente fantéstica das vidas e esperangas que sero perdidas se nao continuarmos a batalha contra essas politicas; e, por fim, minha pré- pria indignagio contra a atroganicia daqueles que acreditam tanto na l6gica do mercado que nao conseguem enxergar os danos que essa arrogancia cria no mundo real. ww owcanoo A oF Portanto, minhas preocupactes aqui nao se baseiam somente ne mundo do debate académico, mas também numa quantidade consi- derdvel de experiéncias pessoais aqui e no exterior. Como disse mais, detathadamente em Power, Meaning, and Identity, wm livro recente de minha autoria, os anos que passei como professor em escolas situadas no centro empobrecido das cidades e na zona rural deixaram absolu- tamente claro para mim que palavras grandilogiientes sobre eficién- ia, formas de avaliacio, exceléncia e padrdes de qualidade, no mais das vezes, passam ao largo das realidades das escclas de verdade & das salas de aula de verdade cheias de professores de verdade e alu nos de verdade, ¢ costumam ser itremediavelmente ingénuas a Tes- peito das condigées econdmicas e sociais dos pais, das mies ¢ das comunidades. © fate de eu ter visto de pario o que essas politicas e préticas conservadoras, e os cortes nos servigos que elas implicam, fizeram a membros préximos de minha prépria familia também é uma motivagio. ‘Como no caso de qualquer livro, este volume é, na verdade, uma obra coletiva. Ha muita gente dentro e fora da educasdo cuja sabedo- ria tem sido importante no sentido de me possibili teria visto sozinho. Mas, dada a natureza deste livro em particular, minhas dividas so ainda maiores e mnais internacionais que de habi- to, A lista é longa; mas as dividas s4o grandes, Dentre as pessoas que me ajudaram a pensar ¢ tirar condlusdes a respeito de uma série de argumentos apresentados neste livro est8o Petter Aasen, ill Adler, Peter Apple, Shigeru Asanuma, Bernadette Baker, Stephen Ball, Len Barton, Basil Bernstein, Jo Boaler, Barbara Brodhagen, Kristen Buras, Garcia, David Gillborn, Carl Grant, Beth Graue, Maxine Greene, Richard Hatcher, Diana Hess, Allen Hunter, Michael James, Jonathan Jansen, Knud Jensen, Daniel Kallos, Ki Seok Kim, Herbert Kicbard, Jae-Ho Ko, Julia Koza, Gloria Ladson-Billings, Theodore Lewis, Lisbeth Lindahl, Alan Lockwood, Allan Luke, Eric Margonis, Fernando Marhuenda, James Marshall, Cameron McCarthy, Robert McChesney, Mary Metz, Alex Molnar, AntOnio Flivio Moreira, Akio Nagao, Are tonio Névoa, Michael Otneck, José Pacheco, Stefan Palma, Joao Paraskeva, Bu-Kwon Park, Daniel Pekarsky, Michael Peters, Gary Price, Susan Robertson, Judyth Sachs, Fran Schrag, Simone Schweber, Mi Ock Shim, Tomaz Tadeu Jarjo Santome Torres, Renuka Vital, Amu Stuart Wells, Dylan Wiliam, ‘Anna Zantiotis ¢ Kenneth Zeichner. Gostaria de agradecer particularmente as contribuigdes de Steven, Selden, Geoff Whitty e James Beane. Sua amizade e as discussdes in- tensas que tivemos a0 longo dos anos foram importantes para este livro. ‘Ao longo dos anos, tive a oportunidade de trabalhar com muitos como Routledge e outros. Ninguém tem mais talento de que Freund. Sinto-me profundamente grato por sua amizade e su- gestdes. Também quero agradecer a Karita Dos Santos, que sucedeu Heidi na Routledge. Talvea jd esteja ficando monstono, mas em todo livro que escre- vi agradeco 0 Semindrio da Sexta. Durante as trés tiltimas décadas, reuni-me toda sexta-feira a tarde com meus alunos da pés-graduacio @ com os professores visitantes da faculdade que vieram trabalhar comigo. Esses semindrios sfo internacionais mesmo, e freqiientemen- te muito intensos. Combinam critica politica e cultural; leitura das obras ‘uns dos outros; mobilizagéo em tomo das questées politicas e educa- cionais de peso em ambito local, nacional ou internacional. e, as ve~ zes, trabalho com outros professores que sf0 membros do grupo em suas escolas e salas de aula, De importancia exatamente igual é 0 fato tam nos grupos de orientagio livro foi escrito ¢ reescrite com a ajuda de membros do Seminario da Sexta, no passado e no presente. Meus sinceros agradecimentos a to- dos eles, Bekisizwe Ndimande trabalhou como assistente de pesquisa em partes deste livro. Nao € sd 0 seu empenho que ¢ admiravel; suas ex- periéncias na luta pela educagao na Africa do Sul também serviram, * x owasion A ore constantemente de lembrete do porqué as questoes que discuto aqui sto cruciais. Os argumentos deste livro foram testados em muitas universida- des, reunides politicas ¢ grupos de trabalho no mundo inteiro. Mas & preciso fazer mencao especial de alguns lugares especificos: em primei- ro lugar, a Universidade de Wisconsin, Madison, continua serida 0 Jar do debate intelectual, politico ¢ educacional sério. Oferece um espace onde as posigSes social e culturalmente criticas so centrais, e ndo pe- riféricas. Teds outras instituigSes merecem ser citadas. Partes deste li- vro foram escritas quands em estava trabalhando no Departamento de Educacde da Norges Teknisk-Naturvitenskapelige Universitet, em ‘Trondheim, Noruega, no Instituto de Educagio da Universidade de Londres e no Instituto Internacicnal de Pesquisa da Educagao Maori e Indigena da Universidade de Auckland, como professor visitante a con- ‘ite dessas instituigSes. Toclas elas sdo caracterizadas por aquela rara combinacio de amizade e de discussio estimulante. Finalmente, dedico este livro a Rima D. Apple. Aolongo dos anos que vivemos e trabalhamos juntos, sua dedicacio as causas progres- sistas ¢ seu compromisso com a exceléncia no ensino e na vida inte- Jectual foram eruciais pare manter a minha chama acesa. Sumario Pretécio 8 edigdo brasileira sven Capitulo 1 + Mercados, padrées de awatidade, Deus e desigualdade Introdugao..... A historia de Joseph Agendas conservadoras O mapa da direita Liberdade contesiada ‘A mercantilizagio do mundo. Uma andlise da modemizacéo conservadora Capitulo 2 * Mercados de quem? Saber de quem’... ensino,Hberdade de escotha e democrat © neoconservadorismo: a transmissio do “verdadeizo’ © populismo autoritério: 0 ensino como Deus Quer wionnnne 65 A nova classe média de profissionais qualificados e gerentes: mais provas, mais freqiientemente . 70 Conclusao ... 73 Capitulo 3 * A producdo das desigualdades: a mode conservadora em termos politicos e préticas.... 7 ‘As materialidades e suas muitas arestas, 7 A guinada para a direita p Metcados novos, tadigées antiga a (Os mereados e o desempenho 85 Bom padrio de qualidade em nivel nacional, curriculo nacional e provas nacionais.. 103 A criagio da triagem educacional ut Pensar estrategicamente 17 Capitulo 4 + O cristianisme em peri 125 Darwin, Deus e o mal 125 Os perigos seculares 138 Do centro para a periferia 13 Acruz do Sul... 150 Capitulo 5 + Deus, moralidade e mercados 159 ‘Trazer Deus para o mundo 159 A politica ¢ 0 clero.. 165 O dero eletrénico 167 ‘Uma nagio crista e a liberdade de express 170 Escolas sem Deus. . 176 Nao estamos fazendo nada de mais ~ 182 As estruturas afetivas do populismo autoritério 186 Como 0 édio pode parecer tao bom? .. A transformacio da palha em ouro Capitulo 6 + Fora com todos os professores: a politica cultzral do ensino doméstico © contexto do ensino domestic A ameaga de Sata e o lar-fortaleza O ataque a0 Estad Pubtico e privado Conclusio Capitulo 7 © Corrigir os erros e deter a direi A cultura conta Reformas contradit6r A “corrida” em diregio a reforma educacional . ‘Tomar os guestionamentos piiblicos. Aprender com outras nagie Pensar hereticamente... Tornar praticas as praticas educacionais criticas .... A esperanga, um recurso Bibliografia wu. Prefacio @ edic&o brasileira Apés a aquiescéncia de Michael Apple, em face da manifestagio de interesse do Instituto Paulo Freire na traduggo e publicagao de seu « livro no Brasil, entendemos que, talvez, devéssemos redigir notas que © contextualizassern, para facilitar e enriquecer a compreensiio de nossos educadotes sobre a realidade educacional norte-americana, Afinal, é muito importante conhecer concepgdes ¢ projetos pedagégi- cos que espalham tentéculos por todos os continentes, Imediatamen- te percebemos que, qualquer que fosse nossa intervencio no texto da edigdo nacional do livro, terfamos uma imensa responsabilidade. Afi- nal, Apple é um dos pensadores da educagio mais consagrados nos Estados Unidos. Além disso, contextualizar um trabalho, como o que ora se oferece ao puiblico, exige, como se perceberd apés sua leitura, ‘um empenho muito grande, durante muito tempo, porque a sua com preensao mais profunda s6 pode ser atingida a partir de um “exame abissal” ¢ de uma verificacdo ampla de educagdo comparada. Por isso, ‘optamos por fazer um prefécio que resultasse de duas leituras e de uma discussdo sobre a adequacao critica ¢ oportunidade do livro para © pitblico brasileiro. A medida que fomos avangando na leitura dos originais, perce- bemos que Michael Apple, embora esteja mais preocupado com 0 exa- me ctities e com apresentagio de altemnativas da/para a realidade educacional estadunidense - predominantemente voltada para a “di- reita”, segundo ele ~ desenvolve, na verdade, uma reflexio a partir de realidades e de referenciais desenvolvidos em outras partes do mun- ovoaNo8 A RE do, como, por exemplo, na Europa (Inglaterra, mais freqtientemente} em regiées bem mais distantes e diferentes das formagGes sociais ocidentais, comoéo caso da Nova Zelandia. Além disso, masmo quan- do trata de questtes mais especificas ¢ localizadas na América do Norte, Apple escothe tematicas e formas de abordagem que seriam aplicaveis em qualquer sistema educacional do Planeta; sem falar que, certamente por causa da mundializacdo das propostas conservadaras hegeménicas,.os problemas da educac4o, como 0s dos demais setores das relacées humanas, tendem a uma homogeneizagio planetéria. Assim, a3 questies educacionais tratadas na obra nao se diferem subs- tancialmente das que ocorrem no Brasil, mesmo porque « internaliza- do da agenda internacional de “ajustes estruturais” nas economias Jatino-americanas levou a uma reestruturacao dos sistemas edueacio- nais do subcontinente. Mesmo que as politicas educacionais neocon- servadoras ¢ neoliberais atinjam, com intensidades variadas, o8 di- versos paises do mundo, de acordo com os contextos especiticos, cer tamente impactam mais dramaticamente os paises latino-americanos do que as nagSes centrais, dadas as fragilidades peculiares a periferia © porque ¢ af que se trava a luta mais avancada do neocapitolismo, E notavel, por exemplo, verificar que os alvos das criticas de Michael Apple so os mesmos que os educadores € pesquisadores da educagdo da América Latina temo3 enderecadio ao projeto politico- pedaggico neoliberal e neoconservador. A partir de determinado momento da leitura, foi ficando cada vez mais claro que nao havia necessidade de notas “contextualizado- xas” para o leitor brasileiro e que, talvez, fosse mais interessante a ra, Percebemos, também, progressivamente, a importancia do texto para os edlucadores de todo mundo, mozmente, para os que vive e trabalhan no “otho do furacio” da acumulaséo capitalista, o que nos tenta a propor, futuramente, ao autor, a versio do texto para 0 espa- mhol, se ele ainda nao o fez. © abandono de notas explicativas © a opsio por este prefacio se deu, no porque facilitasse a tarefa do “exa- me abissal” e do estude de educacéo comparada exigido, mas por ser esta forma mais apropriada para destacar, para os brasileires, aspec- tos cruciais deste livro, especialmente os instrumentos analiticos que Apple usa para o desnudamento de formulagbes e propostas aparen- temente libertadoras, mas que, ne verdade, buscam a consolidacso de uma educegao alienante, ou seja, para usar uma expresso do proprio autor, de uma “educacdo 3 direita”. Sabfamos que a proposta de substituigdo de notas por um prefié- cio ndo significava simplificar nossa tarefa. Contudo, estavamos con vencides pela profimdidade das andlises e impulsionados pelas im- pressionantes deniincias de Apple, no sentido de alertar os leitores brasileizos para pontos que, ainda que venham sendo desenvolvidos na Hteratura pedagégica latinc-americana e brasileira, ganham novas cores, nuances explicativas ¢ dramaticidade no exame de quem vive no coracio do Império e percebe, com mais propriedade, aspectas iné- ditos das intengdes dominantes, alimentando, de forma mais kicida e consistente, a consiruggo de instramentos de politicas de resisténcia, Primeiramente, cabe destacar uma das teses de Michael Apple que facilita a compreensac da hegemonia da alianca direitista (neoli- berais, neoconservadores, populistas autoritétios e “nova classe mé- dia de profissionais qualificados e gerentes” a despolitizacao do pro- jeto politico-pedagégico e sua conseqtiente “economizacio”. Ou seja, a educagao deixa de ser discutida como um bem de use e passa pelo ‘processo de mercantilizacdo, transformando-se num bem de toca no mercado de trabalho e no mercado dos bens simbélicos. Esta estrats- gia dos grupos dominantes facilita a criagZo de consensos em tomo do débito do fracasso na conta dos préprios “fracassados”, ao mesmo tempo que justifica a exclusdo montada sobre as verificagbes de com- peténcias individuais. “Em vex de demoeracia ser wn conceito pol tico, & transformado num conceito inteiramente econdmico.” (Apple, 2002: 46). Ea verificagao das competéncias é instrumentalizada pela “nova classe média de profissionais qualificados e gerentes” —na verdade, a Pequena burguesia burocratica — que, “enquanto especialistas em efi- Giencia, administragao, provas € avaliago, foecem os conhecimen- tos técnicos necessérios para implementar as politicas de moderniza- ao conservadora” (p. 71). Numa passagem um pouco anterior & esta, citagdo, Apple refere-se a um certo “liberalismo” (diriamos, antes, progressismo) dos membros dessa nova fragdo da pequena burgue- an oven A ones sia, e este ponto merece uma reflexdo mais aprofundada, sobre a qual ja nos estendemo: outros trabalhos (especialmente em ROMAO, José Eustiquio, Dialéticn da diferenca. S80 Paulo : Cortez, 2000). Esta oscilagio ou ambigilidade da pequena burguesia deve-se, primeira- mente, & sua ainda indefinida posigéo no modo de produséo, que specifica papéis bem determinados para duas clasces — dai evitar- mos chamé-la “classe”, como o faz Apple. Em segundo lugar, esta simpatia 8 alianga dizeitista e sua disponibilidade para a defesa ¢ ope- ragao do projeto politico-pedagégico neoconservador, ao mesmo tem- po em que prodlama “discordancias” sobre outros setores, constiti, certamente, aquele fenémeno do “intimismo a sembra do poder”, t+ pico dos intelactuais cooptados. Ou sefa, se de um Jado, se 0s intelec- tuais da pequena burguesia manifestam seu antagonismo aos discur- 508 € posipbes hegeménico-conservadoves - exprimindo seu intimismo ~por outro, aeles aderem, ¢ até mesmo server ~ ficando a sombra do poder ~ porque, na critica, tomaram © cuidado de ndo atacar os pro- blemas mais estruturais, possibilitancio esta conciliagio entre oposi- Go e situacio Apple xevela que a alianca neoconservadora, liderada pelos neo liberais, acaba impondo a ldgica do mercado em todos os setores da vida e das relagdes humanas. Como exemplo, no setor educacional, narra a caso extremo da mercantilizagio de nossas escolas ¢ de seus estudantes, nossos flhos. Em troca do equipamento e do noticiério, todas as escolas participantes ‘tm de assinar um contrato de tés a cinco anos, garantindo que seus alunos vio assistir a0 Channel One todos 03 dias. [..] ‘Como por lei esses alunos tém de estar nas escolas, as Estados Unidos so uma das primeiras nagées do mundo a permitir conscientemente {que sua juventude seja vendida como mercadoria Aquelas grandes em- presas dispostas a pagar o prego elevado de fazer publicidade na Channel ‘One para obter um puiblico (cativo) garantida. (p. 50 e SI), Com este exemplo, Michael Apple néo apenas demonstra a vor racidade do neocapitalismo, como nos alerta para as ameacas que podem se abater também sobre nds, sob o manto da “ajuda as esco- Jas". A metcantilizacéo das escolas ocorre, também, segundo Apple, com a criagio de tun verdadeiro “mercado escolar”, no qual cada uni- dade tem de se mostrar competitiva para conquistar os “melhores alu- nos”, de acordo com as classificagSes padronizadas pelos sistemas de sancio social, expressas, nos sistemas edstcacionais, por meio dos “pa- drGes de qualidade” exigidos pelos sistemas nacionais de exames, Todo esse movimento escolar cr direcéo & mercantilizagio resulta numa predominancia de atividades docentes voltadas mais para o marketing do que para a “substincia pedagégica e curricular” (p. 92), ao mesmo tempo em que uniformiza o ensing, a despeito das proclamacSes so- bre a necessidade das identidades escolares especiticas. Embora assinale a hegemonia dos neoliberais no arco da alianca modernizadora-conservadora, Apple dedica trés capitulos (do 4 a0 6) a andlise das concep¢Ges, projeies e propostas dos populistas autoti- térios, chegando a afirmar que “nenhuma estratégia contra-hegemd- nica ¢ progressista, nenhuma pedagogia critica pode dar certo, en- quanto nao compreender a realidade construida por esses grupos” (p. 124} E 6 af que o livro ce toma impressionante, pois 0 autor, com ‘base em pesquisas empiricas, demonstra a verdadeira lavagem cere- bral que o fundamentalismo ctist4o evangélico vem fazendo na jue ventude norte-americana, Para se ter um exemplo (p. 131 ¢ 171), até mesino a anacrénica discussao da proibigéo do ensino da teoria ‘evolucionista de Darwin nas escolas bdsicas ianques retorna com ra- dicalismo, retomando a polémica que chegou a xesultar no famoso julgamento de Thomas Scopes, em 1925, tema que gerou um filre dlassico, “E © vento seré tua heranca”, com Spencer Tracy, na década de 1960, Em suma, uma espécie de “evangetismo fundamentalista con servador” invade o sistema educacional norte-americano, ressuscitan- do discussées, desde as mais ridjculas, como a mencionada, até as de natureza mais atual, como a do puiblico e de privado — porém, agora, numa perspectiva neoliberal. E este fundamentalismo cristio posiciona-se ora na defesa do Estado Maximo, ora.no bastiao do Estar do Minimo, de acordo com as conveniéncias das préprias teses e pre- tens6es hegeménicas, Felizmente, no Brasil, o mercado editorial tem sido generoso com ‘as publicagées voltadas para 0 setor educacional. Contudo, infeliz- os cescaia0 4 Da6TA ‘mente, na ganga bruta dos intimeros titulos, pouco tem escapado das tepetigdes e das especulacées destitutdas de relevancia pedagdgica e social. O livro de Apple constitui uma feliz excegio e, por isso, torna- se leitura obrigatéria para todos quantos queiram carregar as baterias da lucidez sobre o modus operandi dos grupos que tém pretensées he- geménicas, bem como construir os instrumentos ¢ as estratégias da critica e da resisténcia ao imperialismo simbélico de nossos dias. Capitulo 1 Mercados, padrées de qualidade, Deus e desigualdade Introdugao A temporada de caga & educagio continua aberta. A midia, can- didatos a cargos publicos, ertdites conservadores, dirigentes de gran- des empresas, quase todos, ao que parece, tém algo a dizer sobre 0 gue ha de errado com as escolas. Tenho emogies contraditérias a res- peito de toda essa atengio. Por um lado, o que haveria de errado em iscutic, de ponta a ponta, o que a educasao faz e devia fazer? Como alguém profundamente envolvido com o pensar e agir nas escolas, muito bom para mim perceber que as conversas sobre ensino, curri- culos, avaliagio, obtengio de fundos e tantas outras coisas nao so vistas como 0 equivalente lgico de conversas sobre 0 tempo. O ato de essas discussdes serem muitas vezes acaloradas também é bom. sinal. Afinal de contas, 0 que nossos filhos devern saber e os valores, que isso deve concretizar é um negdcio sério. Por outro lado, essa atengao toda gi palavra da tiltima frase do pardgrafo ant pplica um dos motivos dessa inquietacio — negécio. Para mui s dos eruditos, politi- cvs, dirigentes de grandes empresas e outros, a educacdo ¢ um negé- Gio e nao deve ser tratado de forma diferente de nenhuim outro nege- certa inquietagio. Uma 2 ‘ucanog A ona cio. O fata dessa posicio estar se tornando agora cada vez mais co- mum €evidéncia de algumas tendéncias preocupantes, Dentre as mui- tas vozes que falam agora sobre educacdo, 36 as mais poderosas ten- dem a ser ouvidas. Embora nao exista nenhuma posicko unitéria que centralize aqueles que tém poder politico, econémico ¢ cultural, as ‘tendéncias mais importantes em tomo da qual gravitam tendem a ser mais conservadoras do que progressistas. (O que essas vozes estio dizendo? Durante as tiltimas décadas, grupos conservadores, em particular, fazein pressio para obter fun- dos para escolas privadas ¢ religiosas. Os planos de financiamento estudantil estdo & frente desse movimento. Aos olhos de seus defen sores, 86 obrigando as escolas a entrarem num mercado competitive que vai haver algum tipo de melhoria. Essas pressdes so comple- mentadas por outros tipos de ataques, como os do argumento que se segue: néo hé “fatos” no curriculo; © contetido e os métodos tradi- cionais tam sido descartados, & medida que nossas escolas voltam- se para disciplinas mais em moda (e exageradamente multicultu- rais) que ignoram o saber que fez de nds uma grande nago*. Temos {ae melhorar o padrao de qualidade. Introduzir mais provas has es. colas, com base em conhecimentos “reais”. Aumentar o grau de exi- géncia em relacdo a professores e alunos reprovados. Isso vai garan- ‘tir que nossas escolas voltem ao contetico e aos métodos mais tradi- cionais consagrados pelo tempo. Se as provas nao forem o bastante, temos de criar € impor leis relativas aos métodos e ao contetido de \ Ambito estadual. O plano de financiamento estudantil esta no ar — e nos tribue nais. Provas com alto nivel de dificuldade também estéo no ar — e nas matérias dos jernais que documentam os problemas burocraticos @ tecnicos pemiciosos que surgiram quando essas provas foram insti- tuidas, a toque de caixa, num grande mimero de cidades. E também io 6 dificil encontzar evidéncias de algumas das wltimas presses citadas sobre o contetido ¢ 08 métodos tradicionais. Varios estados apresentaram projetos de lei que foram alvo de contestagéo veernente 0 autor relerese os Rstados Unidos, (N. da R) wenci0os, ADRES OF QUALOADE a —e aprovados em alguns deles — que institufam o uso da fonética na alfebetizago. O esterestipo de que aquilo que é chamado de métodos de “linguagem integral” — isto é métodos que se baseiam na expe- siéncia vivida da verdadeira lingua do aluno e do verdadeiro uso que ele faz dela — foi totalmente substituido pela fonética esté muito dis- seminado. Na realidade, hé pouca evidéncia de que isso tenha acon- tecido, poisa maior parte dos professores parece usar uma bricolagem de abordagens miiltiplas, dependendo das necessidades que tém de ser satisfeitas.! No entanto, isso no interferiu na agenda daqueles que esto profundamente comprometidos com as politicas da restau- ragio conservadora na educacio, Os mesmos grupos que defendem esse tipo de imposicdes e leis costumam estar por trés dos ataques 20 ensino da evolug3o e a suposta perda da palavra inspiradora de Deus nas escolas. " Todos esses movimentos estio rodapiando ao mesmo tempo. Toda vez que alguém comeca @ entender um conjunto de presses, tuadas dentro de uma dindmica maior. Eu gostaria de parar esse redemoinho durante algum tempo para entender seu ido, tanto na educacéo quanto em sua relacdo com forgas ideold- ¢gicas e econdmicas maiores em sociedades como a nossa. Como essas pressdes e essas foreas so complicadas, o melhor é comesar o proces- so de entendimento de maneira simples —— com a histétia de uma crianga, de um professor e de uma escola de uma certa comunidade. ‘A historia de Joseph Joseph estava solugando na minha mesa, Bra uma crianga insu bordinada, um caso dificil, e que muitas vezes tornou dificil a vida dos professores. Tinha nove anos de idade e lé estava ele, solugando, abracando-me em piiblico. Ele tinha feito parte de minha turma da 1. Para uma ditcustbo disso dos problemas de wear essa dlcotoa agus integral, ver Gerald Coles, Reding Lestes (Nova York: Hil de Wang, ‘ rueamno 4 onsra quarta série o ano todo, numa sala de aula situada num edificio dete- Hlorado da cidade de East Coast, que estava entre as mais empobrecidas do pais, As vezes eu me perguntava seriamente ge conseguiria chegar até 0 fim daquele ano. Havia muitos Josephs naquela classe, ¢ eu 2sta- va constantemente esgotado com as exigéncias, as regras buroc cas, as ligdes didrias que deixavam as criangas esgotadas. Apesar 0, aquele ano foi bont, de certa forma, empolgante e significativo, mesmo que o curriculo a cumprir ¢ os livros didaticos dos quais t nhamos de dar conta tenham sido deixados de lado muitas vezes. Eu devia ter percebido, desde o primeira dia, como seriam as coisas quando abri as ligSes sugeridas naquela cidade para “dar a par- ida” nos primeios dias; comecava com a recomendagéo de que eu, “em minha condigo de professor recém-chegado”, deveria pedir aos alunos que formassezn um circulo com suas carteiras e depois se apre- sentassem e falassem algo a seu respeito. Nao que eu tenha algo con- tra essa atividade; sé que eu ndo tinha wa mimero suficiento de car- teiras (nem mesmo de cadeiras) que néo estivessem quebradas. Mui- tas criangas nio tinham onde se sentar. Essa foi a minha primeira li- ‘s40, mas certamente nao foi a dltima — no sentido de compreender que 0 curriculo aqueles que o planejaram viviam num mundo ireal, um mundo firdamentalmente desconectado de minha vida com aque- las criangas naquela sala de aula do centro da cidade. Mas aqui esta Joseph. Ainda est chorando. © trabalho com cle durante o ano todo foi durfssimo. Almocamos juntos; lemos historias; conhecemos um a9 outro, Algumas vezes ele me levou ao desespero @ outras vezes, vi que era uma das criancas mais sensfveis de minha classe, Simplesmente nfo posso desistir desse menino. Ele acabou de receber seu boletim ¢ ele diz que Joseph vai ter de repetir a quarta sétie, O sistema da escola tem uma politica que afirma que nao p: nas provas obrigatérias para todas as escolas da cidade e odiava edu- cagao fisica. Sua mée trabalhava num tumo da noite, e Joseph ficava acordade, muitas vezes, esperando para passar algum tempo com ela. ImeA08,#RDHOES CE QUALDADE : Eas coisas que se pedia aos estudantes para fazer nas aulas de educa- sfo fisica eram, em sua opiniao, “um horror’, O fato € que ele havia feito progressos reais durante © ano. Mas fui instruiido para ndo deixé-lo passat. E sabia que as coisas iam pio- rar no ano seguinte. Ainda nao haveria um avimero suficiente de car- teiras. A pobreza daquela comunidade continuaria sendo desespera- dora, ¢ 08 servigos de satide e os fundos suficientes para 0 apreriza- do de um oficio ¢ outros servigos diminuiriam, Eu sabia que os em-* pregos existentes nessa antiga cidade usineira pagavam salérios de- plordveis e que mesmo com anibos 0s pais com trabalho remunerado, a xenda da familia de Joseph eta simplesmente insuficiente. Eu tam- ‘bém sabia que, dado tudo o que eu jé tina de fazer todes os dias rnaquela classe e todas as noites em casa,’ preparando-me para o dia seguinte, seria praticamente impossivel para mim trabalhar mais ain- da do que jé trabalhara com Joseph. E havia mais cinco eriancas na- quela classe que eu nao podia deixar passar de ano. E por isso que Joseph estava solucando. Tanto ele quanto eu sa- bfamos o que aquilo significava, Nao haveria ajuda adicional para ‘mim — nem para criancas como Joseph —no ano seguinte. As pro- -messas simplesmente ndo sairiam do papel. Para resolver os proble- mas, s6 terfamos palavras, Os professores, os pais e as criangas seriam responsabilizados. Mas o sistema educacional pareceria ser 0 que gos- tarlam que fosse e teria ¢ levaria necessariamente a um padrao de idade methor. A estruturagio do poder econémico politico da- quela comunidad e daquele estado teria novamente o mesmo carim- bo: “os negécios esto indo como de costume”. No ano seguinte, Joseph desistiu de continuar tentando. Da tilti- ma vez que tive noticias dele, soube que estava na cadeia. ssa histéria ndo é inventada. Embora o incidente tenha ocorri- do ha algum tempo, as condigSes daquela comunidade e daquela es- cola est2o muito piores hoje. E a intensa pressao que 05 professores, administradores ¢ commnidades locais sofrem também piorou. Faz com que me lembre do motivo pelo qual desconfio de nosso enfoque incessamte no padrao de qualidade, em mais provas, nos planos de financiamento estudantil e em outros tipos de “reformas” educacio- ® . soveanoa & ones nais que podem parecer boas em termos abstratos, mas que muitas, veres funcionam da maneira exatamente oposta quando chegam & sala de aula. Foi exatamente essa sensibilidade as contradigées entre 8 propostas de reforma e as realidades e complexidades da educacio na pratica que gerou combustivel pare este livro Enfrentamos 0 que no prdximo capitulo chamo de modernizapio conservadoya. Trata-se de uma alianca poderosa — embora estranha — entre as forces que agora estao em atividade na educagio, uma alian- ga que muitos educaciores, ativistas comunitérios, pesquisadores cri= ticos ¢ outros acreditam ser ameacas substanciais & vitalidade de nos- 80 pais*, de nossas escolas, de noss0s professores e de nossas criancas. ‘Como jé disse, recomendam-nos “libertar” nossas escolas colocando- as dentro de um mercado competitivo, restaurar “nossa” cultura tra- * { dicional comum e enfatizar a disciplina e 0 caréter, voltar-nos para ; Deus em nossas salas de aula, como o guia de toda a nossa conduta lentro e fora da escola, e intensificar 0 controle central por meio de rios de avaliagao ¢ testes mais rigorosos ¢ exigentes em termos intelectuais, Espera-se que tudo isso sea feito a0 mesmo tempo. Tam- bém se espera que se garanta uma educacdo que beneficie 3 todos. Bem, talvez isso nfo acontesa. A educacio € entendida muitissimas vezes como sendo apenas a transmissao de um conhecimento neutro aos alunos. Segundo esse dis- ‘curso, o papel fundamental da escolarizacio é encher os estudiantes corn © conhecimento necessario para competir no mundo de hoje, que esté em processo de transformagio répida. A isso se costuma acrescentar uma tessalva: fagam tudo da maneira mais econdmica e eficiente possi- vel. © arbitro supremo que vai decidir se conseguimos fazer isso € a amédia dos alunos nas provas, Um curriculo neutro esta ligado a um sistema neutro de avaliacao, que por sta vez esté ligado a um sistema de financas escolares. Supostamente, quando funciona bem, essas liga- ‘Ses garantem a recompensa do mérito, “Bons” alunos assimitam “bons” conhecimentos ¢ conseguem “bons” empregos. neat, cucoane + Esse conceito de boa escola, boa administragao e bons resulta- dos tem muitos defeitos. Suas afirmagGes basicas sobre 0 conhec mento neutro sto simplesmente erradas. Se aprendemos alguma coisa com os conflitos intensos e continuos sobre que tipo de saber —e de quem — deve ser declarado “oficial”, que assolaram toda a historia do curriculo de tantos paises, essa foi uma boa ligo. Hé um conjun- to intrincado de ligagdes entre saber e poder? Questéee relativas a0 saber de quem, escolhido por quem, como isso é justificado s40 cons: tinetioas, no “acréscimos” que tém o status de conclusées a que al- guém chegou depois de pensar melhor. Esse conceito de boa educa- do nao 86 marginaliza a politica do saber, como também oferece Pouce aos alunos, aos professores e aos membros da comunidade. De certa forma, representa o que Ball caracterizou como “o currfeulo dos mottos.”* 4 Além disso, é lamentével, mas é verdade que a maioria de nos sos modelos atuais de educagio tendem a ratificar, ou pelo menos a | 4. | do eliminar ativamente, muitas das desigualdades que caracterizam | ” ‘80 profundaments essa sociedade. Grande parte disso tem a ver com as relagdes entre a educacdo ¢ a economia, com divisées em género, | © classe e raga na sociedade como um todo, com a politica intrincada da cultura popula: € com as nossas formas de financiar e sustentar (ou ado) a educagio.* As ligacdes entre educagao e bons empreges ficam | mais tnues ainda quando examinamos de perto o que é realmente o {> mercado do trabalho assalariado. Estatisticas cor-de-rosa dos lucros |= do mercado de ages e da criagdo de riqueza obscurecem o fato de | -cemplo, Michael W. Apple Hesogy Pour, Inglaterss Open Univers P 4 Hi uma analse bem ai Schon: Poiiat Economy af Urb ‘bem pena dessascelaghes em Joan Anon, Giztty Reform (Nova Yon: Teachers Callege Pees, Barbara Schneider, Race and Ethnic Variation nile of Ect ant Soctzaion, Votne 1, fd. Anon Pallas (Greenwich, CT. JAl Bere, 199) p. 268 97 . rovcaino & ona que, na economia que existe de fato, uma enorme quantidade de Pregos requer muito pouca qualificacéo e muito pouca educacio mal. Existe uma desproporedo evidente entre as promessas da escola- rizaqdo ¢ a criagao real de empregos em nossa gloriosa economia su- postamente de livre mercado, uma desproporgdo claramente relacic- nada a exacerbagio das divistes de raca, género e dase nesta socie- dade? E claro que sempre existem aqueles que véem uma conexo mul- to difecente entre mercado e educago, uma conexdo muito mais posi« ‘iva. Para eles, os mercados poclem oferecer esperanca para as crian- 928, porém mais ainda para os empresérios que investem na educagao privada, Para eles, os U5$700 bilhdes do setor de educagio dos Esta- dos Unidos estio madutos para a transformagio. S40 vistos como “o prdximo plano de satide” — isto é como uma esfera que pode ser minerada para a obtengio de Iucros colossais. 0 objetivo é transfor- mar grandes parcelas das instituigdes sem fins lucrativos controladas pelo Estado em uma “série de empresas consolidadas, administradas Por profissionais e lucrativas, que incluam todos os niveis da educa- si0.”* Mesme que agora comparativamente pouco dinheiro esteja sen- do ganho, as companhias com fins Jucrativos esto fundando escolas de direito, criando e/ou administrando escolas de nivel fundamental ¢ médio e envolvidas com a educagio no fundo das tabricas e nas empresas. Bilhdes de délares de grandes empresas, dos fundos de in- vestimento e até dos seus fundos de pensio (se vacé tiver a sorte de ter um) estio sendo canalizados para empresas educacionais com fins lucrativos. Em esséncia, segundo as palavras de Arthur Levine, presi- dente do Teachers College da Universidade de Coltimbia, o capital disse: “Vocés estao numa pior, rapazes, ¢ nés vamos passé-los para tras.” Os motivos das companhias privadas envolvides sao claros. Aomesmo tempo que eliminam desperdicio que supostamente sem- 5. Taso eat descrito de sideravelmante mals detathada em Michael W. Apple, Cult Potties and Eabeation ova Yer Teachers Collage Press, 9S}. p 6830 6. Reward Wyatt, avestors See Ream for Pri in the Demand fer Education, The New York Tes, 4 0, 1999, pA Thi. NeReA00S,Pap#ORS Oe QUALDABE . pre acontece nas escolas publicas, vao transformar a educagio numa “maquina bem administrada e fucrativa — usando ¢ dinheiro do in- vestidor em lugar dos dolares dos impostos.* Ser4 que, lé na priséo, Joseph — tendo vindo de tuna cidade cuja base econémica foi destrut- da quando os propzietarios e os investidores fecharam as fbricas que existiam Id e transferiram-nas para areas nao sindicalizadas, pois as- sins ndo teriam de pagar um salario minimo, nem escolas decentes, servicos de satide, aposentadorias — diria que esse talvez logo venha a ser um negécio lucrative? ‘Agendas conservadoras A partir dos comentétios que fiz até agora, vocé talvez tenha adivinhado que este livzo estd situado num Jugar especifico dentro do espectro politico /educacional. Embora ocasionalmente possa haver problemas com as cafegorias tradicionais de “esquerda” e de “direi- ta” na organizacio das complexidades da politica real de todas as na- es, eu conscientemente, e sem ter pelo que me justificar, posiciono- me a esquerda. Fara mim, os Estados Unidos continua sendo um. enorme experimento, no qual tanto a direita quanto a esquerda discu- tem sobre o que experimentar. Esse debate 6 crucial e vai continuar, sem dvivida alguma. Na verdade, faz parte da vitalidade politica da nagio. Mas, como Richard Rorty, também acredito que a esquerda é que mantém o pais vivo. Pois a Diteita nunca pensa que hé alguma coisa precisando muito de swudanca; acha que © pais estd basicamente em boa forma, e pode mui- to bem fer estado melhor no passado. Vé aluta da Esquerda por justica social como simples arruaca, como bebagem utdpica. [No entante,] a Esquerda, por definigao, é 0 partido da esperanca. Insiste em dizer que ‘nosso pais ainda no est pronto? 1 ie 8, Richard Rory, Aciving Lefst Thoughts i Toone Century Amerie Caenbrige: Harvard Unversity Prove 3998). « oucan & oer Rorty tem clareza sobre o papel da critica progressista na manu tengo da vitalidade dos Estados Unidos*. Afinal de contas, quase todos os programas sociais que muitos de nés hoje consideram “natu- rais” — como a previdéncia social, por exemplo — surgiram em fun- fo das mobilizacées progressistas contra a negagio dos direitos hu- manos bésicos. No entanto, Rorty esta em terreno mens seguro a0 afimmar que “a Direita nunca pensa que ha alguma coisa precisando iuito de muclanca", pois boa parte da direita esté profundamenle envolvida com transtormacies redicais. Ao longo das duas ow trés uiltimas décadas, a direita langou um ataque conjunto sobre o que muitos de nés consideravam natural. Toda a esfera publica tern sido posta em questéo. Embora esses staques &s instituigées puiblicas se- jam mais amplos que @ educacio, as instituigdes educacionais tém ‘cupado um lugar central nas crticas dircitistas. Por esse motivo, quero dedicar este livro a uma andlise das erengas, propostas e programas educationais direitistas —e a seus efeitos no mundo real . _ Atazio que tenho para isso baseis-se numa afirmacio politica particular. Os movimentos sociais dizeitistas esto excepcionalmente |, Poderosos agora ¢ um dos elementos mais importantes para saber | como deté-tos é compreender o que fizeram e estio fazendo. Os mo- } vimentos direitistas envolveram-se num projeto social e idealégico de grandes proporcées. Examinar como isso aconteceu e por que t2m tido éxito pode dizer Aqueles de nés que se opdem a eles qual é a melhor maneira de enfrenté-los. Em minha opinifo, se voc quiser deter a direita, € absolutamente crucial estudar o que ela fez. E em \ torno disso que gira este livro, Precisamos ter cuidado com o essencial aqui. A direita ndo é um movimento unitério. E uma coalizdo de forcas com muitas énfases diferentes; algumas tém areas comuns e outras conflitam entre si. Por- tanto, um dos objetivos deste livro ¢ examina as contradicées dentro desse movimento, demonstrando como essas tensdes so resoividas “0 20 Brasil pattcwazments na andists € prepesias aol ve = nc, © da esquerds ¢ da dirata ecvadores (Dizate) negarem MERCAOCS, FAORSES DE cuAuADE © criativamente para levar nossa sociedade a mudar de fato —~ mas em certas diregSes, Entretanto, em nenhuma dessas direcdes criangas como Joseph receberdo ajuda a longo prazo. Mas é importante enterde: que, embora en discorde profundamente de muitas das propostas conser} vadoras para a educagio, seria tolice defender irracionalmente as es- colas tal como elas s40 hoje. Um dos motivos pelos quais as pessoas| ‘ouvem cuidadosamente as criticas direitistas é que existem problemas -nessas instituigdes. Na verdade, esse é um dos motivos da populari- dade bem como de uma série de reformas educacionais mais criticas € democratic: i nifica que as “solucSes” conservadoras sejam boas. ‘Um dos objetos mais importantes da atuagio direitista é mudar nosso senso comum, alterando o significado das categorias mais bési- cas, as palavras-chave que empregamos para compreender o mundo social ¢ educacional e noséo Iugar nele. De muitas formas, um aspecto crucial dessa atuagao diz respeito ao que tem sido chamado de politi- ca da identidade. A tarefa é alterar radicalmente aquilo que pensa- mos set e como nosées principais instituigSes devem responder a essa alteragho da identidade. Gostaria de falar mais a respeito, principal- mente porque quem somos e o que pensamos a respeite de nossas InstituigSes so conceitos intimamente ligados a quem tem 0 poder de produzir e de fazer circular novas formas de compreender nossa identidade. Tanto a politica da educago quanto da construcio do senso comum desempenharam papéis importantes aqui. © mapa da direita (Os conceitos que usamos pata tentar compreender 0 mundo em que vivemos hoje e para agir nele nfo determinam por si s0s as res- ostas que podemos encontrar. As respostas néo sio determinadas De 2 oueanen & ones elas palavras, mas sim pelas relagies de poder que impdem sua in- terpretacdo desses conceitos. Mas existem palavras-chave que vém constantemente a tona nos debates sobre educagao. Essas palavras- chave tém historias complicadas, histérias que estio ligadas aos mo- vimentos sociais dos quais surgiram e nos quais elas participam dos debates de hoje." Essas palavras tém suas préprias histérias, mas elas esto cada vez mais inter-relacionadas. £ facil fazer uma lista dos con- ceitos. Na verdade, sto 0 subtitulo deste livro: mercados, padrbes de - qualidade, Deus ¢ desigualdade. Por trs de cada um desses t6picos ha um outro grupo de palavras que tém um valor afetivo e que ser- vem de base de sustentacéo para as formas segundo as quais o poder diferencial atua em nossa vide cotidiana. Esses conceitos incluem de- + moeracia, liberdade, opgao, moralidade, familia, cultura e uma série de outros conceitos-chave. E cada um desses, por sua vez, éintertextual. " Todos eles estdo ligados a toda uma série de pressupostos sobre insti- tuigdes, valores, relagGes sociais e politicas “apropriadas”. Pense nessa situagao como algo parecido com um mapa rodovid- rio, O uso de uma palavra-chave — mercados — coloca voc® numa via ‘expressa que vai numa diregdo e que tem saidas em certos lugares, mas ndo em outros. Se vocé esté numa via expressa chamada merca- do, sua direcio geral leva a uma parte do pais chamada a econostia, Vocé toma a safda intitulada individuatismo que leva a uma outra es- trada chamada opgito do consuamidor. Saidas com palavras como sindica- tes, iberdade coletioa, o bem comum, politica e outros destinos semelhan- tes sfo evitadas, quando chegam a existir no mapa. A primeira estra- da é um itinerdrio simples com um tinico objetivo — decidir para onde uma pessoa quer ir sem uma discussao que implique grande perda de tempo e chegar ld pelo método mais répide e mais barato possivel Mas hi um segundo itinerério, ¢ ele envolve um bocado de delibera- io coletiva sobre o lugar pata onde poderiamos ir. Pressupde que deve haver uma cesta parcela de deliberago constante a respeito nao ercAn0s,PAERbES OF OUALOHOE 7 36 do objelive, mas tambeém do proprio itinerstio, Suas saidas sio aque- Jas que foram evitadas no primeiro itinersrio. Como veremos, grandes interesses criaram 0 mapa rodoviério ¢ a8 estrada, Alguns querem somente a estrada charmada mercado, porque leva supostamente & opcdo individual. Outros vio tomar essa estrada, mas somente se as saidas forem aquelas que tém uma longa historia de “verdadeira cultura” e de “verdadeiro saber’. Outros ain- da vo tomar a estrada do mercado porque, para eles, Deus disse que essa & a “Sua” estrada. E, por fim, outro grupo vai participar dessa viagem porque tem habilidade para fazer mapas e para determinar 2 distancia que estamos de nosso objetive. Hi um pouco de Aiscussto e de concessSes —e talvez até alguma tensio prolongada — entre esses varios grupos sobre quais as safdas que acabario fomando, mas, emt geral, todos eles vo nessa directo. Esse exercicio de imaginagao mapeia a realidade de maneiras si nificativas. Embora eu o desenvolva com muito mais detalhes no pr ximo capitulo, o primeiro grupo & 0 que eu chamo de neoliterais. Esta profundamente comprometidos com mercadas e com a liberdade en- quanto “opcio individual”. O segundo grupo, os neocorservadores, term 2 visio de um passado edénico e quer um retomno & disciplina e ao saber tradicional. O tercetro € 0 que ett chamo de populistas axtoritérios — fundamentalistas religiosos ¢ evangelicos conservadores que que- | rem um retomo a (seu) Deus em todas a5 nossas instituigbes. E, por | fim, os deserihistas de mapas e especialistas em dizer se chegamos ou | nao a nosso destino sie membros de uma frago particular da nom classe média de gerentes e de profissionais qualificados. ‘ Ao analisar essa complexa configuracgo de interesses da direita, ea gostaria de agir de acordo com 0 que Bric Hobsbawm descreve como o dever do historiador e do ctitico social. Para Hobsbawm (e para mim), a tarefa é “assumir como profisséo [0 papel] de lembrar aquilo que [nossos] concidadaos querem esquecer.” Isto é, quero entrar em detalhes sobre as presencas ausentes, sobre “aquilo que n&o fabsbawmy, The Age of Extremes: A Hilary ofthe Word, PS “ oyun & onte existe” na grande maioria das politicas direitistas para a educacko. Como é que sua linguagem atua no sentido de mostrar certas coisas como os “verdadeitos” problemas ao mesmo tempo que marginali- zam outros? Quais séo as conseqiiéncias das politicas que promove- ram? Como as politicas aparentemente contraditérias que surgiram das vérias fragdes em luta— como a da mercantilizacdo da educagio por meio de planos de financiamento estudantil, a presséo para “vol- tar” & tradicao ocidental e@ uma cultura supostamente comum, 0 com- promisso de trazer Deus de volta as escolas ¢ salas de aula dos Esta- dos Unidas, ¢ aumento do curriculo nacional e estadual e do rigor dias provas nacionais e estacluais (muitas vezes combinado a “um bom padrdo de qualidade”) — conseguiram mesclar-se de formas criativas para impor muitos aspectos dessas plataformas direitistas? Essas 30 as perguntas que norteiam este livro. Liberdade contectada Um dos conceites-chave que estd em jogo nas discussdes sobre quem somos e sobre como nossas instituigdes devem responder ands é a idéia de liberdade, Muitas das posigies ideoldgicas que atualmente estdo preparadas para o combate na arena da educagio tém pressupos- tos diferentes sobre essa palavra-chave. Um pouco da historia dos prin- pais usos desse conceit pode ser proveitosa aqui, pois esses diversos uusos vém constantemente & tona nos debates atuais sobre educacéo. Algumas de nossas primeiras intuigSes sobre o significado de Uberdade sdo religiosas. O cristianismo, por exemplo, titha um ideal de liberdade, Em geral no se tratava de um ideal terreno, mas de um ‘ideal espiritual. Desde “a Queda”, “o homem tende a sucumbira seus desejos e paixdes.”" A liberdade tem um significado especifico aqui, ‘um significado que envolve abandonar essa vida de pecado e depois, adotar 0s ensinamentos de Cristo em todas as atividades da vida. Essa definigéo de liberdade pode parecer contraditéria, uma vez que, em, esséncia, liberdade e servidao existem lado a lado. No entanto, elas i Foner, Te Story of Americar Freeda (Nova Yooke W. W. Norton, 1998), 9 4, encaoes, renRbes De CuAIDABE 6 so vistas como mutuamente reforcadoras. Aqueles que aceitam os ensinamentos de Cristo so, exatamente ao mesmo tempo, “libertos do pecado” “servos de Deus.” Essa definicéo espiritual de liberda- de fi plantada no inicio ds histéria dos Estados Unidos pelos coio- 10s putitanos de Massachusetts. Esté claramente em evidéncia na dis- tingdo entre a “Lberdade natural” € a “liberdade moral” feita em 1645 por John Winthrop, o governador puritano da colénia de Massachusetts, A primeira era “a liberdade de fazer o mall’, ao paso que a segunda era “a liberdade de £6 fazer o bem.” A distincao em si tem uma hist6- tia de efeitos interessantes, Essa detinigae de liberdads como algo que flui da rentincia ¢ da opgio moral era compativel com as restrighes severas A liberdade de expres- sto, de religiso, de movimento ¢ de comiportamento pessoal. Os dese- josindividuais devem coder seu lugar as necessidades da comunidade, ea “Lberdade crista” significava submiss¥o nfo apenas & vontade de Deus, como também 4 autoridade secular, a um conjunto bem conkveci- do de responsabitidades e deveres interconectaclos, uma submissio no ‘menos completa por ser voluntéria. O delito civil mais comum nos tri Dunais da Nova Inglaterra colonial era “o desprezo pela autoridade.”* As dafinigSes religiosas de liberdade foram em parte refutadas & em parte suplantadas pelo que poderfamos chamar de visoes “repu- blicanas”. Nelas 0 cidadio (e aqui o género é bem especifico) atinge sua mais plena realizagao na busca do bem comum, em vez de lutar or seu interesse pessoal. Essas visdes também tinham muitos ele- mentos contraditérios. Pederiam assumir a forma de uma democra- cia “cubstantiva” que valotizasse os diseitos comuns de uma comuni- dade inteira. Mas esse republicanism poderia encarnar uma visio claramente baseada em distingbes de classe quando aplicado ao muun- do real. Isso 6 visivel em seu pressuposto de que apenas aqueles que Ppossuiam propriedade “tinham a qualidade conhecida como virtu- de.” Os homens pobres nao eram virtuosos, claro esté. 6 ovesoo A oat As visdes religiosa e republicana de liberdade no cram as tni- cas existentes. A liberdade de viver com Deus e & liberdade de viver num Estado que se mantinka coeso gracas ao consentimento des go- vemados por meio de uma vontade comum veio particular da libersiade, essencialmente privada no altar do liberalismo do século XVII. Para 0s liberais liberdade s6 poderia ser garantida com a defesa do reino da vida pri- vada e dos interesses pessoais (a fanilia, a religio e sobretudo a ati- vidade econémica) da interferéncia do Estado. “O bam pitblico era menos um ideal a ser conscientemente buscado pelo govemno do que © resultado das atividades de individuos livres dedicados @ realiza- + cdo de suas mitiades de ambicbes privadas."* 2c} Houve momentos positives aqui. E preciso reconhecer que esse liberalismo cléssico realmente questionou toda uma série de privilé- = §i08 ¢ arranjos hierdrquicos que tormavam o progresso individual ex- tremamente dificil, Fstabeleceu direitos de corporagies legalmente | constituidas independentes da aristocracia e a tolerancia religiosa Além disso, nfo ha dtivida de que o (ato de se fundamentar na crenga de que “os homens” tinham direitos naturais que o governa nao po- deria violé-los legitimamente possibilitou que trabalhadores assala- Fiados, escravos e mulheres sem direito a voto entrentassem as bazrei- tras sociais e educacionais com que se deparavam constantemente. Mas, depois de fazer essas afirmagdes, é igualmente importante notar que tanto o republicanismo quanto o liberalismo classico também se fune damentavam numa crenga de que apenas certos tipos de pessoas eram realmente capazes de exercer os direitos da liberdade. “Os dependen- tes carecem de vontade prépria e, por isso, nao tém condigées de par- ticipar da vida publica.” Dado o lugar central que a autodetermina- 80 € 0 autogoverno ocupavama nessas idéias de liberdade, nao se de- via dar voz no governo aqueles que nao eram capazes de controlar a Pr6pria vida. Dessa forma, a independéncia econdmica tornoucse um elemento definidor da liberdade politica. A liberdade e a propriedade 18. Mid, 9 8 YeRoAC08, HOROES OF BUDE. ” entrelagaram-se e a independéncia econémica tornow-se o sinal de identificacdo dos homens dignos.” Nao é muito dificil entender como isso se liga & dinamica de clas- s2, género ¢ raga. Toda definigéo de liberdade baseada em indepen- déncia econémica traca, por sua propria natureza, uma linha divis6- ria entre aquelas classes de pessoas que tém a independéncia econd- mica ¢ aqueles que nao a tém. A definigao também se baseia em rela- ches de género, uma vez que esse ideal de autonomia tem sido histo- ricamente definido como ume caracteristica masculina, sendo a mu- ther vista como dependents.” Além disso, os escravos e pessoas de cor em geral exam vistos como animalescos ou infantis. A liberdade nao pode ser estendida aqueles que, por sua prépria natureza, so dependentes, principalmente porque “ndo'so pessoas, ¢ sim proptie- _ dade.” ‘Em oposisio a essas formas de compreender 0 significado de berdade, os movimentos progressisas tomaram certos elementos da | compreensio que o libexalismo déssico tinhs da liberdade pessoal, radicalizando-os, e mobilizaram-se ao redor deles. Organizando-se em torno de questdes como liberdade de expressio, direitos trabalhis- | tas, seguranga econdmica, direitos das mulheres, controle da natali- dade ¢ controle do préprio corpo, Estado nacional e regional social ‘mente consciente, justiga racial, direito a uma educacao realmente igua- | litaria e nyuitas outras lutas por justiga social, varios grupos [utara Por uma definicio positiva e muito mais ampla de liberdade, tanto | dentro quanto fora da educagao. Gracas & longa histéria de sacrificios que se estende além dessa lista jé bem ampla para incluir as lutas dos grupos de ativistas em defesa da preservacéo do meio ambiente, dos dircitos de gays ¢ lésbicas e dos invalidos, grande parte dos elementos dessa definiggo mais ampla de liberdade foram instituctonalizados, tanto no Estado quanto na sociedade civil. A prépria ideia de liberda- de aprofindou-se e transformouse, e estendeu-se para reinos muito i taétn Nancy Fase ¢ Linda Gordon, & Genealogy of Dependency, 3083. eis Freedom. Spo awen Nomeck ” coueanog & pra além das posig6es mais limitadas que descrevi antes nesta seco." En- tretanto, esse ideal mais amplo de liberdade e cada um dos ganhos associados a ele estdo ameacados agora ‘Um exemplo: enquanto a cultura de consumo desenvolvia-se, a medida do sucesso da liberdade foi se afastando das questdes que envolviam, digamos, as relagées sosiais em torno do trabalho vernu- nerado e ndo-remunerado, e voltou-se para a gratificagao dos desejos do mercado. Embora esse processo tenha suas raizes nas nodes de liberdade pessoal associadas a8 definigdes clAssicas do liberalismo, liberdade significa, como um grande ntimero de comentadores nos Iembrou, mais do que satisfazer os desejos do mercado e mais do que fazer aquilo que da prazer & pessoa. Requer oportunidades efetives de “formular as opgées existentes,” algo que é egado a muitos de snossos concidadios.» As questbes educacionais entram aqui com gran- de peso, como veremos. Passar a entender liberdade como sinénimo de mercado é um processo registrado nos textos influentes de Friedrich von Hayek, em. anuitos sentidos 0 pai intelectual do economista neocldssico Milton Friedman, que vé os planos de financiamento estudantil como a solu- Go dos problemas educacionais. Para Hayek, o problema da liberda- de est relacionado ao fato de que os conservadores supostamente deixaram a esquerda definis 0 conceito ¢ depois introduzi-lo nos de- bates sobre que nossas instituigies devem fazer. Em vez de justifi- car 0 capitalism, 08 conservadores libertérios influenciades por Hayek @ outzos defenderam enfaticamente a posicgo de que a "verdadeita” Bberdade s6 pode surgir de uma combinacao de poder politico des- centralizado, governo extremamente limitado e mercados desregula- mentados. $6 dessa forma ¢ que os conservadores podem reivindicar para si a idéia de liberdade e obter 0 consentimento do puiblico. Para conquistar esse tipo de liberdade, ¢ preciso alimentar uma idéia do que sao politicas verdadeiramente radicais. O publico tinha de ser 4 absalutamente essencal para quelques pessoa intenes- ca iberdade e come ela tem se concreicado sm nossa erences, rAaAdes be QUALbADE ” convencido néo 26 de que o mercado desregulamentado dos neolibe- rais cra a mais genuina expressao da liberdade individual, como tam- bbém que o mercado devia entrar em todas as esferas da vida. S6 atra- vés da competicao do mercado “as pessoas [conseguem] o que que- rem. Por que uma sociedade mercantilizada deveria manter as es- colas fora desse mercado? Elas também precisam ser “Libertadas’. Mas a idéia da liberdade enquanto sinénimo de mercado era Ubertaria demais para alguns conservadores. Colocava a opgio int vidual como 0 arbitro da liberdade. Essa postura ignorava a nece dade de valores “transcendentais", de verdades absolutas. Somente | reafirmando uma definicio de liberdade envaizada na “tradicio” e na! primazia de um retomno aos valores morais cristios ¢ aos valores tradigbes do “Ocidente” é quea “virtude” poderia ser restaurada. P sem virtude, nao pode haver liberdade. Para eles, a visio que Ve Hayek e Friedman tinham da liberdade nfo era uma base sétida para uma comunidade moral cujos membros partilhavam uma heranca comum. O interesse pessoal nu e cru, na pertinente frase de Marx, no era um ponto de partida apropriado para a defesa de valores “eter- nos”. O individualisme real dos neoliberais conflita com a sociedade ‘organica unida pela enérgica auttoridade moral da tradicao defendida por neoconservadores como William Bennett, que lamenta a perda das virtudes, do cardter e do “verdadeiro” saber nas escolas. Essa é , uma das tensées caracteristicas dos movimentos conservadores de nossos dias, uma tensio que precisa ser resolvida se 05 movimentos conservadores quiserem levar a sociedade para as diregdes que ar- dentemente desejam que tome, Como essa tensio é resolvida na pré- tica da educagdo é © ponto central deste livro. Parte do problema de levar uma sociedade a tomar direcées con- servadoras tem sido a associagio dos argumentos dos neoconserva- dozes com o elitismo, Como convencer as pessoas de uma postura \ or ProMnornE so TRON “hos gis john T.E. Cribb Je, The eered Child (Nova (Our Chron and Ox Conny (Bova Yorke » ewvcaven A overs que parecia tio comprometida com as idéias de vecdade e virtude? Parte da resposta a essa pergunta foi o desenvolvimento de um popu- lismo antigoverno, com énfase nia lel e na ordem, nos males da previ- déncia social, no colapso da moralidade ¢ da familia e na santidade da Propriedade. A virtude estava acabando por causa da interferéncia do governo nao sé no mercado, mas também nos lares e nas escolas. A moralidade acaba quando 0 govemo entra, principalmente 0 go- verno liberal. Parte desse dilema também foi resolvido com o crescimento dos movimentos evangélicns conservadores ¢ depois com sua integracio na causa conservadora mais ampla. Alheios a uma cultura “que pare- cia trivializar a religido e exaltar a imoralidade”, os cristios conserva~ dores nao 96 abracaram o livre mercado, como também a necessidade de autoridade moral enérgica, Aqui liberdade era a combinagio de capitalismo e do que eles entendiam como a vida moral ordenada por Deus Os conservadores das religides populistas autoritérias encom traram um lar sob o guarda-chuva conservador. Como veremos mais adiante, grande parte desse movimento foi © continua sendo organizado: cientes quanto inconscientes.* Também tem em sua base dindmicas especificas em torno das relagées de gé tamente na mesma época em que a transl classes altas nos Estados Unidos e do “T Mundo" para 0 meizo Mundo” atingia nfveis quase obscenos. E teve sucesso em patte porque o conceito de liberdade que se tornara dominanie, voltado Para o futuro, para uma economia modemizada dedicada a estimular © desejo, ao mesmo tempo que oferecia uma opedo individual, combi- now-se ele préprio com uma série de visdes voltadas para 0 pasado, 0 que nos traria para mais perto de valores supostamente tradicionais do Ocidente e do Deus que 0s criara. Eu gostaria de apresentar uma jedweacionais do passars #de ho ie diminuidas pelo soe se rarginaliza as pessoas de cor. Vor Chere Will, Te ‘University Pres, 1997, vers, eats 0 ovkutane a boa parte de meus argumentos neste livro falando um pouco mais sobre cada uma dessas visdes. ‘A mercantitizagdo do mundo Se tivéssemos de apontar um tinico paradigma politico /econé- mico da epoca em que vivemos, seria o ncoliberalismo. Esse termo pode ser menos visivel nos Estados Unidos, mas é muito conhecido * ‘em tedo o resto do mundo. Embora nds aqui nos Estados Unidos vez tenhamos menos familiaridade com o termo propriamente dito, remos bastante intimidade com suas tendéncias e efeitos. Robert McChesney define-o da seguinte forma: mercado que encovajam a empresa privada e a opcéo do consumidor, recompensa a responsabilidade invidual e a iniciativa pessoal ¢ procu- ram destruir a mo morta do governo incompetente, burocrético € rasitério que nunca fatia o bem mesino se fosse bem intencionado, que raramente 6.” As iniciativas neoliberais s20 caracterizadas como politicas de el Pew ae rad Sguetthe Essas politicas praticamente deixariam de exigir justificativas. Toraram-se 0 senso comum de um cofsenso internacional emergen- te, Na verdade, mesmo com os protesfos recentes e de peso —e que se espera serem duradouros — em Seattle, em Washington, DF. e em outros lugares contra as polfticas arrogantes da Organizacio Mundial do Comeérci politicas neoliberais ainda tém hoje algo parecido com uma aura sagtada, principalmente desde que nos disseram repe~ tidamente que mo hé alternativas que valha a pena considerar. Pode ser imperfeito, mas é o Unico sistema que chega a ser praticdvel num mundo governado pelos mercados globais e pela competigio intensa. Embora nos digam constantemente que nada mais é possivel, é im- portante entender que o neoliberalismo é, em esséncia, “o capitalismo sem lavas de pelica’™ 28. Robett McChesney, Intoduction a Noam Chomsky, Profit Over People Neier ‘and the Global Order (Nova York: Seven Stories Press, 1959}, p.7, 20. 0b. pe LCN OR IN! 2 even A OFETA Como jé disse em outras obras e como demonstro nos capitulos que se seguem, o neoliberalismo transforma a propria idéia que te- mos de democracia, fazendo dela apenas um conceit econémico, € nao um conceito politico.” Um de seus efeitos é a destruigao do que poderia ser definido como “democracia substantiva”, que toma o hi- gar de uma versio muito “mais contingente” do individualismo pos- sessivo, Mais uma vez, McChesney expressa-se muito bem oom sua mordacidade habitual: Para ser efetiva, a democracia requer que as pessoas sintam unta liga __ S80 com seus concidadaos e que essa ligacio se manifeste por meio de om grande nimero de associaces e instituigdes fora do mercado. Uma ‘cultura politica vibrante precisa de grupos comunitatios, bibliotecas, escolas piiblicas, associagies de baisro, cooperatives, Ioeais de encon- _ 4 troptlicos, associacdes voluntirias e sindicatos que proporcionem aos idados meios de se conhever, de se comunicar e de interagir com seus mefhantes. A democracia neoliberal, com sua noso de mercado iter alles, est rum beco sem sada nesse setor, Em vez de comunidades, © produz ruas comerciais. © resultado final é uma sociedade atomizada de indlividwos sem compromisso que se sontem desmoralizados ¢ so- e nas comunidades locais que sera explorado para lidar com 0 © Estado estar se eximindo de suas responsabilidades anterior mesmo tempo, embora algumas atribuiges do Estado sejam realmente despejadas em cima das comunidades locais, outros aspectos do con- trole estatal sAo intensificados ¢ tornam-se mais fortes ainda, princi- | palmente seu controle sobre o saber ¢ os valores nas escolas e sobre os | mecanismos de avaliac’o do sucesso ou fracasso imstitucional nessa \reprodugao cultural. No entanto, o gerencialismo nao esté $6 prastes a alterar 0 que ; Estado faz ¢ o grau de poder que ele tem. Também oferece papéis | novos e exercicio de poder aos individuos e grupos que ocupam car- | gos no Estado. Em termos técnicos, poderiamos dizer que 0 discurso | gerencial oferece “posigdes subardinadas” por meio das quais as pes- sos podem ver a si mesmas e a suas instituigées de maneiras diferen- | tes. Portanto, uma das caracteristicas-chave do discurso gerencial est | Mo cargos que oferece aos gerentes. Eles nio sio elementos passivos, mas ativos — mobilizadores de mudancas, empresarios dinamicos, modeladores de seu proprio destino. As instituicées que habitam nao séo mais burocracias lentas e pesadas, submetidas a um estatismo: * obsoleto. Elas ¢ as pessoas que as administram so dindmicas, eficien- «tes, produtivas, “erwcutas e baratas” eigen: preter Ao importar 05 modelos empresariais e sistemas mais rigorosos de avaliagio para o ensino e para outras formas de servigos publicos, © gerencialismo ndo oferece somente novas formas de os administra- dores estaiais pensarem sobre sua vida ¢ suas instituicdes. Além de dar um novo sentido a vida dos gerentes da nova classe més, pro- mete transparéncia — nas palavras cle um novo gerencialismo — a0 mesmo tempo que supostamente aumenta 0 poder do consumidor individual. E um projeto ideal, fundindo a linguagem do aumento de poder, da opeaa racional, da instituigdo eficiente € de novos papéis, para os gerentes, tudo ao mesmo tempo, Embora a “linguagem espar- Joh, Clarke e Janet Newman, The ManayriiStte (Thousand Oaks, CA Sage, 1997}, ‘lyeda Fill eCotin Lankshea, ‘The Ness Wore Onder: Bein he Lag elder: Wastoiew Prose, 1996), Mescaoos, AoRBES DE LAUEADE 2 tana” da eficiéncia tenha de fato seus atrativos para certos grupos seu apelo € limitado para muitos outros. Ao se do discurso do antipaternatisme e da importancia crucial do ususrio, oferece metaforas para um grancle mimero de pessoas ver seu lugar no novo futuro, um futuro mais promissor. E possivel mo- dernizar a maquinaria das escolas ¢ do governo em geral, ser um ge- tenie eficiente como os das empresas do setor privado e, ao mesmo tempo, ajudar a garantir a “qualidade” O que poderia haver de er- rado nisso? Mas, como vou mostrar mais adiante, isso no correspon de aume reducao do poder estatal, nem esté realmente “aumentando © poder” dos membros menos favorecidos de nossas comunidades. Além disse, sua visdo dos gerentes organizados em tomo de um pro- fissionalismo eficiente e revitalizado a servigo das consumidores 6, em parte, uma fiega0, Os profissionais ativos tém a tiberdade de se- guir seus impulsos empresariais — desde que “facam a coisa certa”.® Como veremos, a prisio circular de Foucault est em toda parte. ‘Uma anafise da modernizagae conservadora Nos eapitulos que se seguem, mosiro um quadto que revela a estrartha combinacao de mercados, retorno as tradigSes e valores per- didos, educacao teligiosa e gerencialismo dos critérios rigorosos & garantiade “qualidade”. Nesse processo, quero demonstrar quais gru- pos de pessoas vao acabar ganhando ou perdendo; a medida que essa constelagéo de “reformas” se concretiza. Na tentativa de fazer isso, preciso chamar a atengio do povo dos Estados Unidos nfo sé para a pesquisa e as discussies sobre 0 que estd acontecendo aqui, mas tam- ‘bem apresentar evidéncia de reformas semelhantes que surgiram er outras nagdes. Ha vérios motivos para abordar essas questdes a partir we ‘oveasoo A oa de uma perspectiva internacional. Muitissimas discusses sobre edu- cacao nos Estados Unidos caracterizam-se por uma forma particular de arrogancia. “N6s” no temos nada a aprender com as outras na- ‘Bes. Ou ento essas discussdes ndo percebem que muitas das coisas com que estamos envolvidos aqui tem uma histéria em outro lugat, uma histéria cujos efeitos deviam nos deixar bem cautelosos sobre a possibilidade de propor ou nfo essas mesmas politicas.E, finalmente, hd um pressuposto de que nossos motivos sao puros e nossas tradi- ses democraticas. Por isso, seja o que for que ienha acontecido nas reformes edlucacionais de outros paises (um aumento das desigualda- des sociais na educacio quando uma determinada mudan¢a foi insti- ‘tufda, por exemplo) simplesmente no poderia acontecer aqui. Pode acontecer ¢ tern acontecide. © Capitulo 2 entra em mais detalhes sobre os pressupostos que sustentam as forcas da modemizacao conservadora especificament= nna educaséo de hoje e dé um sentido mais claro as tensdes e contradi- ‘sGes dos movimentos conservadores. O Capitulo 3 trata dos efeitos reais que “reformas” como a instituigéo de um mercado competitive 1a educacao, nos curticulos nacionals e estaduais, na melhoria do pa- drao de qualidade ¢ no mimero crescente de provas obrigatorias tive- zam nas escolas de um grande mimero de paises. Concentra-se nas propostas neoliberais e neoconservadoras que estiv tendo um efeito muito profundo na politica e na pratica educacional. Este capitulo tam- bém examina criticamnente as formas pelas quais as supostas alterna tivas a essas propostas — isto & aquelas que giram em toro da litera- tura sobre “pedagogia critica” — sao falhas em aspectos cruciais e, Por isso, véo enfrentar muitas dificuldsdes para deter as transforma- s6es direitistas. Os Capstulos 4 e 5 tratam diretamente do poder cres- cente dos grupos religiosos conservadores nos debates sobre os fins ¢ os meios da educacéo, O Capftulo 4 discute algumas de suas conse- giéncias recentes e traca a histérias desses movimentos, enguanto 0 Capitulo § eselarece criticamente as formas pelas quais stas apinides sobre curriculos e pedagogia se harmonizam com suas posturas mais, abrangentes no que diz respeito a economia, governo, familia, rela- {Ges de género € politica de classe e raca. © Capitulo 6 examina as formas pelas quais 0 movimento de ensino doméstico oferece um. [MERCADES AGREES BE QUAL EERE » mecanismo para que muitas dessas énfases se combinem. No Capitue 107, avalio as possibilidades de deter a guinada para a direita ¢ sugixo algumas estratégias para isso. ‘Como vooé vai ver, uma boa parte do tempo dedicada as criti- ‘cas & educacso feitas pelos movimentos religiosos conservadores nas iltimas seg6es deste livro. Faco isso por uma série de raz6es, Primei- ra: embora seja crucial prestar a maior atengai a critica dos mercados, Amelhoria do padrao de qualidade e as provas (e eu presto), muitissi- smas vezes as formas criativas pelas quais muitos outros grupos entra- ram embaixo do guarda-chuva da lideranca neoliberal tém sido igno- rados, Segunda: esses grupos religiosos tém muito poder para pres- sionar as escolas nos estados e municipios de todo o territério dos Estados Unidos, levando muitas vezes os educadores a pensar duas vezes (ou tés, ou quaito) sobre o que eles vo e nao vao ensinar e como vio e nfo vo ensinar. A influéncia desses grupos também esta crescendo rapidamente, de modo que agora um ntimero muito maior do que jamais houve na hist6ria recente considera-se evangélico con- servador ¢ esté disposto a assumir uma posicao puiblica sobre educa- sho com base nessa identificagao. Terceira: talvez, ao contréxio de muitos outros militantes de esquerda, acredito na existéncia de ele- mentos de ins ram estereotipados e ignoradas. Além de realmente considerar essa ‘posicdo da esquerda intelectualmente suspeita, acho que também & perigosa em termos estratégicos, se quisermos nos contrapor seria- ‘mente & guinada dizeitista na educagio. Por causa disso, embora eu me interesse profundamente por suas implicagdes, a0 longo dos capitulos sobre os impulsos religiasos con- servadores, eu também quero ser justo com as preocupagbes que ex- pressam — muitas das quais ndo podem ser refutadas facilmente. Por isso vou me esforgar para mostrar os elementos de “bom senso”, bem. como 08 “absurdos”, em suas criticas de alguns aspectos da eduucacio formal. Essas sdo as complicadas tendéncias que enfoco em Ediscado & direita. Gostaria que fosse mais simples. Isso certamente tomaria mui, to mais facil a histéria que tenho de contar. Mas, quando a prépria realidade € complexa e contraditéria, nossas anzlises criticas também « mucatoo # oma Precisam ser. Ao longo deste livro combino 0 teérico € 0 empirico. Preciso admitir a minha profunda preocupacéo com o fato de termos utilizado a teoria tao freqiientemente num éal nivel de abstraciio que esvaziamos 0 espago empirico e 0 deixamos livre pata os neolibarais © neoconservadores ocuparem — 0 que, como seria de se esperar, cles fizeram, Mas, as vezes, precisamos realmente da distancia que a teoria nos di a fim de refletir sobre questies dificeis. Por causa disso, reconheco plenamente que hi tenses no que fiz aqui. Critico os tipos de teorias que embasam muitas das atuais refor- ‘vezts, faso isso teoricamente —e empizicamente 10, depois de fazer tudo isso, tendo a adotar a posi so de que “a tinica teotia que vale a pena ter é aquela que lhe of zesisténcia, nfo aquela sobre a qual vocé fala com snorme fluénci Claro que isso é um certo exagero, pois néo precisamos ter “fluéncia’ ‘em qualquer teoria que nos propusemos a usar. Mas sublinha o fato de que o sucesso tedrico nao deve ser medido pela existéncia de uma “correspondéncia” perfeita. A eficdcia de suas teorias deve ser avalis- da, isso sim, por sua capacidade de trabalhar produtivamente com teorias quase sempre inadequadas em certos aspectos, mas que nos empurram “estrada abaixo” € nos possibilitam ver coisas que antes ocultas. A estrada por onde eu gostaria que viajissemos tem saidas i nos mapas sobre educacio, cultura, govemo € economia fornecidos a nés pelos grupos dominantes. Agora vamos examinar esses mapas com mais detalhes. Studies, Mocley © Koar-Hiag Chen éorgs). Capitulo 2 Mercados de quem? Saber de quem? Introducto No primeiro capitulo, descrevi as diregbes gerais que esta socieda- de tomou. Empreguei conceitos-chave, como o de liberdade, para ana- lisar a dinamica ideoldgica que serve de base de sustentagdo para essas diregies. Neste eno préximo capitulo, vou enfocar mais especificamente aeducagio —as posicdes educacionais de cada um dos elementos dos grupos que identifiquet ¢ um grande ntimero de seus efeitos geralmen- te negativos no ensino dos Estados Unidos e de outros paises. Como ja disse, entramos num perfodo de zeacdo no ensino. Nos- a8 instituigdes educacionais so vistas como fracassos completes. In- dices elevados de desisténcia, declinio iabetizacao fmcional”, queda ne padrao de qualidade ¢ na disciplina, dificuldade de trans- mitir o “verdadeiro saber” e de profissionalizar os alunos, notes, xas nas provas padronizadas etc. — todas essas so acusagies contra as escolas, E todas elas, dizem-nos, levaram ao declinio da pro- dutividade econdmica, ao desempre; tividade internacional assim por diante. Retomem a uma “cultura comum”, tornem as escolas mais eficientes, mais receptivas ao setor privado. Facam isso que nossos problemas serao resolvidos. obreza, 3 falta de competi- 2 couessco & para Por trés de todas essas acusagées esta um ataque as normas ¢ 405 valores igualitirios. Embora escondida nos floreios ret6ricos dos czi- ficos, em esséncia a “democracia demais” — cultural ¢ politica — vista como uma das principais causas de “nosso” declinio econémico ¢ cultural. Tendéncias semelhantes esto bem visiveis em outros pai- ses também, A medida da reacéo & captada nas palavras de Kenneth Baker, ex-ministro briténico da Educagio e Ciéncia do governo Thatcher, que avaliou quase uma década de esforcos direitistas na educagao 20 dizer que “a era do igualitarismo acabou”.! Em geral, a ameaga aos ideais igualitérios que esses ataques re- Prosentam nao 6 feita tio explicitamente assim, uma vez que costue mam expressar-se no discurso de “aumentar’ a competitividade, 0 ntimero de empregos, 0 padrao de qualidade e a qualidade no siste- ma educacional, considerado em crise total. Esse discurso esta clara- mente presente hoje no “Novo Trabalhismo” do Reino Unido e em politicas semethantes nos Estados Unidos. De muitissimas formes, as politicas educacionais de ambos os pafses estio dando continuidade a tendéncias nascidas sob governos consetvadores anteriores, Mas seria simplista interpretar 0 que esté acontecendo apenas somo resultado dos esforgos das elites econdmicas dominantes de impor sua vontade & educagio. Muitos desses ataques representam. de fato tentativas de reintegrar a educagao numa plataforma econd= mica. Entretanto, nao podem ser inteiramente zeduzidos a isso, assim ‘como também nao podem ser reduzidos apenas a questdes econdmi- cas. Lutas culturais e Jutas relativas a raga, género e sexuatidade coin- idem com aliangas de classe ¢ poder de classe. Aeducagio é um espago de luta e coneiliacio, Serve de represen tante e também de arena para batalhas maiores sobre o que noscas instituigées devem fazer, a quem devem servir ¢ quem deve tomar essas decisGes. B, apesar disso, € por si mesma uma das maiores are- as em que os recursos, o poder e a ideologia especifica a politica, finangas, curriculo, pedagogia e avaliago no ensino sao debatidos, 2. Madalsine Amat Schooling for Socal Justice, dissertagho inédita, University of Cambridge. Department of Educator, 1990 weno OF eH. s Portanto, a educagao é tanto causa quanto efeito, determinante e de- terminada. Por isso, nenhum capitulo isolado pode ter esperancas de apresentar wn quadro acabado dessa complexidade. © que tenho es- pperaneas de fazer é, em ver, disso, apresentar um esboce ée algumas das principais tensdes que envolvem a educacao nos Estados Unidos, ‘a medida que esse pafs toma direcSes conservadoras. Uma palavra- chave aqui é diregdes, © plural é crucial para minha argumentagéo, uma vez que, como demonstrei, existem tendéncias miltiplas ¢ As vezes contraditérias dentro da ala direitista. Embora meu enfoque neste capitulo seja em grande parte inter no, é impossivel compreender a politica educacional cotrente nos Es- tados Unidos sem situé-la em seu contexto internacional. Assim, por t=8s da pressio por um padrdo de qualidade methor, provas mais ri- gorosas, ensino profissionalizante e uma relagio muito mais intima entre educago e economia em geral etc, estava o mede de perder a competicio internacional e a perda de empregos e de dinheiro para o Japfo bem como para um mimero crescente de economias do “Tigre Asidtico”, para o México e para outros paises (embora isso tenha sido mediado pelas convulsdes eoondmicas pelas quais a Asia ainda esta passando)* Da mesma forma, a presséo igualmente evidente tados Unidos de reinstalar uma viséo (seletiva) de uma mum, de dar mais énfase & “tradicao ocidental’, & religiio, a lingua inglesa ¢ outras Enfases semelhantes esté profundamente ligada aos temores culturais relativos & América Latina, Africa e Asia. Esse con- texto constitui o pano de fundo de minha discussao. A guinada para a direita foi 0 resultado do esforgo bem-sucedi- do da direita de formar uma atianca de bases amplas, Essa nova alian- a teve muito éxito em parte porque est conseguindo ganhar a bata- ha contra © senso comum, isto é, tem costurad criativamente dife- rentes tendéncias sociais ¢ concessies miituas e as tem organizado sob sua lideranca gezal em quest6es relativas 8 previdencia social, & cultura, 4 economia ¢, como veremos neste capitulo, & educago. Seu 2 Williams Grider, One 3. Ver Michael W. Apple, Ready or Not (Nova Yorke Simon & Schuster, 1997). “ fovea & ae objetivo na politica educacional e social é 0 que chamei de “moderni- zasio conservadora” * Como observei em meu capitulo introdutério, essa alianga con- tém quatro elementos principais. Cada qual tem sua propria historia ¢ dindmica relativamente auténomas, mas cada wma delas também tem sido costurada ao movimenio vonservasior mais geral. Esses ele- mentos so os neoliberais, 0s neoconservadores, os populistas autor- térios e uma certa fracdo da nowa ciasse média de gerenies e profissio- nais qualificados em ascensao social. Aqui presto uma atengio muito especial aos dois primeiros grupos, pois atualmente —particularmente os neoliberais — esto a frente dessa alianca voltada para a “reforma” da educagio. Mas nao quero de forma alguma ignorar 0 poder dos dois dltimes grupos, e volta a eles em capituios postetiores. Neolberalismo: ensino, Uberdade de escolha e democracia No Capitulo 1 afirmei que os neoliberais séo o elemento mais, poderoso da alianga que sustenta ainodemizacio conservadora. Oien- tam-se pela visio de um Estado fraco. Nesse caso, 0 que ¢ privado é necessariamente bom ¢ o que é publico é necessariamente ruim. Insti- tuigdes puiblicas como as escolas so “buracos negros” nos quais se derrama dinheiro — que depois parece sumix—, mas que nio oferece em parte alguma resultados que sequer se aproximem do minimo necessétio. Para os neoliberais, hd uma forma de racionalidade que tmais potente do que qualquer outra — a racionalidade econdmica, A. eficiencia ¢ uma “ética” da andlise custo-beneficio sio as normas do- minantes. Todas as pessoas devem agir de forma a maximizar seus Prdprios beneficios pessoais. Na verdade, por trés dessa posicéo esta uma afirmaso empirica de que ¢ assim que fodos os suieitos racionais am Roger Dale, The Thatcherte Project in Fucatlon. Crt! Soe 5), Continty aed Cora of Eaton (Cres JN: Haraptan Pres, sap the Seilogy | anea008 08 su 6 agem. No entanto, em vez de ser uma descrig&o neutra do mundo da motivagio social, essa é na verdade, uma construgio do mando em tomo das catacteristicas valorativas de um tipo de classe eficiente em, termos aquisitivos. (© que sustenta essa postura ¢ wana visio dos akinos como capital humano. O mundo € intensamente competitive em termes econémi- 0s, @ acs alunos — em sua condigao de futuros trabalhadores — de- vem ser dadas qualificagdes e disposicto para competir eficiente © amente.* Além disso, todo dinheiro gasto com escolas ¢ que nao lixetamente relacionado com esses cbjetivos econémicos & sus- peito. Na verdade, como “buracos negros”, as escolas e outros servi- 08 puiblicos tal como estdo organizades e controlados agora desper- digam recursos econdmicos que devem ir para a empresa privads. Portanto, para os neoliberais, as escolas puiblicas, além de estarem fra- cassando com nossos filhos enquanto futuros trabalhadores, estio, como quase todas as instituiges piblicas, sugando o sangue da vida financeira dessa sociedade. Iss0 é em parte resultado da “captagio de prolutores”. As escolas s40 constnufdas para os professores e para os burocratas estatais, nao para “consumidores”. Respondem as deman- das dos profissionais e de outros funciondrios publicos egoistas, néo 0s consumidores que contiam neles. A ldéia de “consumidor’ crucial aqui. Para os neoliberais, 0: mundo ¢ em esséncia, um vasto supermercado. A “liberdade de es- colha do consumidor” é a garantia da democracia. Na verdade, aedu- cacio € vista apenas como mais um produto, como pio, carros ¢ tele- visio? Ao transferi-la para o mercado através de planos de financia- fe Honderich Conseeatn (Boulder: Westview nfate cortentenisso por parte doe neoiberais, pode lgio entre educapto scapialisme, Sonne

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