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Perdas de Carga Localizadas, em Canalizacées JOSE M. DE AZEVEDO NETTO Professor da Universidade Mackenzie — Engenheiro da Repartigic de Aguas ¢ Esgotos de Si Paulo. INTRODUCGAO Nas canalizagées qualquer causa perturbadora, quaiquer elemento ou dis- positivo que venha estabelecer ou clevar a turbuléncia ¢ responsdvel por uma “perda” de energia. Em consequéncia de turbilhonamentos parte da energia mecanica disponi- vel se converte em calor ¢ se dissipa sob essa forma, resultando uma perda de carga. Na pratica as canalizeedes nao sio constituidas exclusivamente de tubos re- tilineos e de mesmo diémetro. Elas usualmente incluem ainda pegas especiais e conexdes que pela forma e disposicéo elevam a turbuléncia, provocam atritos e causam 0 choque de particulas, dando origem a perdas de carga. Além disso apresentam-se nas canalizagées outres singularidades, como valvulas, registros, medidores, ete, também responsaveis por perdas desta natureza. So estas perdas denominadas “‘locais", “localizadas” “acidentais" ou “sin- gulares”, pelo fato de decorrerem especificamente de pontos ou partes bem determinadas, da tubulacio, ao contririo do que acontece com as perdas em consequénciz, do escoamento ao longo dos encanamentos. PERDA DE CARGA DEVIDA AO ALARGAMENTO BRUSCO DE SECCAO E classica a deducio da expresso relativa a perda de carga devida a0 alargamento brusco, partindo-se do teorema de Bernoulli e considerando-se 0 impulso das fércas que atuam nas secgdes e a variacao da quantidade de mo- vimento: A figura 1 mostra esquematicamente um alargamento bruco de secc&o: Turbilhées Fig. 1 ‘A velocidade V, na secgio menor seré bem maior que a velocidade V.. havendo portanto particulas fluidas mais velozes (animadas da velocidade V,) 78 BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS que se chocam com particulas mais lentas de velocidade V,. Na parte inicial da seco alargada forma-se um “anel” de turbilhdes. Considerando-se essas secedes e aplicando-se o Teorema de Bernoulli: 2 eye Mo pz Ve Pu - Booby be eae pet expresso de onde se obtem a perda de carga h, Fe-(B-B)- Considerada a unidade de tempo a quantidade de fluido que eseda e Q (vazio). A resultante que atua da direita para a esquerda sera: (Ps — pd) Se a variagdo da quantidade de movimento: By vy Igualando-se essas duas expressées (a variacio da quantidade de movi- mento deve igualar o impulso das forgas) to: = pds: = 2¥ (vy, = vy Vi Vat 2 @) expressic que entre nés 6 conhecida como o “Teorema de Borda-Bélanger”, em homenagem a Borda que deduziu essa expresso (1766) e a Bélanger que retomou ésses estudos e expéz a sua teoria (1840): “Em qualquer alargamento brusco de seceio ha uma perda de carga local medida pela altura cinética correspondente a perda de velocidade” (*) () Essa expresso leva a resultados I'geiremente intericres Gos experimentais, razéo pela qual Saint-Venant propoz_um termo corretive complementar, com bose nos dadas experimentais " de Borda. Festeriormente Honok, Archer ¢ outros investigadores propuzéram correcees mais. légicos © exatas, que do obstante nem sempre sao consideradas na prética. PERDAS DE GARGA LOCALIZADAS, EM CANALIZACOES, 79 EXPRESSAO GERAL DAS PERDAS LOCALIZADAS Tomando-se o valor de V, em fungao de V, na expressio (8) encontra-se ainda: Ou sejat De um modo geral tédas as perdas localizadas podem ser expressas sob a forma: Vv: equacdo geral para a qual o coeficiente K pode ser obtido experimentalmente para cada caso. Esse trabalho experimental vem sendo realizado ha varios anos, por en- genheiros interessados na questao, por fabricantes de conexdes e valvulag e por laboratérios de hidrdulica, merecendo especial mencio as investigagdes de Gie- secke, da Crane Company e do Laboratério de Hidraulica de Munich assim como as observacées mais recentes da Marinha dos Estados Unidos. Verificou-se que o valor de K é praticamente constante para valores do Numero de Reynolds superiores a 50000. Conclue-se, portanto, que para os fins de aplicagéio pratica pode-se considerar constante o valor de K para de- lerminada peca, desde que o escoamento seja turbulento, independentemente do diametro da tubulagéo ¢ da velocidade ¢ natureza do fluido. © quadro I apresenta os valores aproximados de K para as pegas e perdas mais comuns na pratica. & um quadro elaborado com base nos dados disponi- veis que reputamos mais seguros e fidedignos. ve © quadro II inclue os valores j4 calculados de , podendo-se também obter ésses valores no diagrama I. BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS QUADRO I -- Valores de K (Perdas Localizadas) Pega e Perda K Ampliagao gradual 030 * Bocais | 2,75 Comporta, aberta 2,50 Controlador de vazdo 2,50 Cotovelo de 90° 0,90 Cotovelo de 45° | 0,40 Crivo 1 075 Curva de 90° 0,40 Curva de 45° 0,20 Curva de 22 1/2° 0,10 Entrada Normal em Canalizacao 050 Entrada de Borda 1,00 Existéncia de pequena derivagio 0,03 Tuncho 1,00 Medidor Venturi 250 ** Redugéo gradual O15 * Registro de angulo, aberto 5,00 Registro de gaveta, aberto 0,20 Registro de globo, aberto 10,00 Saida de canalizacéo 1,00 Té, passagem direta 0,60 Té, saida de lado 1,80 Té, saida bilateral i 1,80 Valvula de pé 1,75 Valvula de retencio 2,50 Velocidade 1,00 “Com base na velocidade maior ++ Relativa @ velocidade na canalizasao. (secgae_ menor). ye QUADRO II — Valores de —— (metros) 010 | 0.00051 1,10 0,15 0,00115, 115 0,20 ,00204 1,20 0,25 0,00319 1,25 0,30 0,00459 1,30 0,38 0,00624 135 0,40 0,00816 1,40 045 0,01032 1,45 0,50 0.01274 1,50 0,55 0.01542 1,55 0,60 0,01835 1,60 0,65 0,02154 1,65 0.70 0,02498 1,70 0,75 0,02867 1,75 0,80 0,03262 1,80 0,85 oo3es3 | 185 0,90 0,04129 | 1,90 0,95 0,04600 1,95 1,00 0,05097 2,00 1,08 0,05620 2,05 0,0617 0,0674 0.0734 0,0797 0,0862 0.0929 0,0999 0,1072 0.1147 0,125 0,1305, 0,1388 0.1473 0,1561 0,1652 01745 0,1840 0,1938 0,2039 0.2142 2,10 2,15 2,20 2,25 2,30 235 240 2,45 2,50 2,55 2,60 2,65 2,70 2,75 2,80 2,85 2,90 2,95 3,00 3,05 PERDAS DE CARGA LOCALIZADAS, EM CANALIZAGOES 81 DIAGRAMA I 0,457 T “Ty t " + He LH A 0,30 | 4 0,25. 0,207- + 0,15 | i | | i 0,10 oa —f I | SE 0,05 py oj ft tp tf. f T au Lr 10 15 2,0 25 30 - V, metros/seg 82 BOLETIM EO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS PERDA DE CARGA NA ENTRADA DE UMA CANALIZACAO A perda de carga que se verifica na entrada de uma canalizagéo (saida de reservatérios, tanques, caixas, etc.) dependera bastante das condicées que ca- racterizam o tipo da entrada. A disposicfo mais comum e por isso mesmo denominada “normal” ¢ aquela em que a canalizagio faz um dngulo de 90° com as paredes ou com 0 fundo dos reservatérios, constituindo uma aresta viva. Para essas condigdes 0 valor de K 6 bem determinado, podendo ser tomado igual a 0,5. No caso de tubulacdo reentrante constituindo a entrada cldssica de Borda (designacio dada em homenagem ao grande hidrdulico do século XVIII) as condigdes sio desfavoraveis e K assume um valor igual a 1,0. Se as entradas forem arredondadas o valor de K caird sensivelmente igualando 0,05 sempre que for obedecida a forma de “sino”. A entrada arredondada ideal teria a forma de uma “tractrix” (K = 0,04). Na pratica, sempre que as proporcdes da obra justificarem, poderdo ser melhoradas as condigdes da entrada, instelando-se uma redugio no inicio da tubulacio. PERDA DE CARGA NA SALIDA DAS CANALIZACOES Duas situagées podem ccorrer no ponte de descarga das canalizagées: ‘Se a descarga for felta ao ar livre havera um jato na saida da canalizacio perdendo-se precisamente a encrgia de velocidade: K = 1. Se a canalizaco entrar em um reservatério, caixa ou tanque haveré um alargamento de seccdo, caso em que a perda corresponderd a um valor de K compreendido entre 0,9 e 1,0. PERDA DE CARGA EM CURVAS Um erro comum é a falsa concepgao que muitos fazem, imaginando que todos 0s cotovelos ou curvas de raios mais curtos sempre causam perdas mais elevadas do que os de raio mais longo. Na realidade existe um raio de curvatura e um desenvolvimento étimos para cada curva: QUADRO IIL Curvas de 90° Essa constatacio é de grande importancia nao sémente para projetos de canalizacdes como também para a industria, PERDA DE CARGA EM REGISTROS Os registros podem oferecer uma grande resisténcia ao escoamento. Mesmo quando totalmente abertos, haverd uma perda de carga sensivel devido A sua propria construcdo. PERDAS DE CARGA LOCALIZADAS, EM CANALIZACOES 83 Para os registros de gaveta to- talmente abertos o valor de K pode variar desde 0,1 até 04 conforme as caracteristicas de fabricacio, 0,2 send> um dado médio representativo. As experiéncias de Weisbach levaram aos seguintes resultados relativos a re- gistros de gaveta parcialmente aber- tos: QUADRO IV U8 | 0,948 0,07 6/8 | 0,856 0,26 5/8 0,740 081 4/8 0,609 2,06 3/8 0,466 5,52 2/8 0,315 17,00 Ve | 0,159 | 97,80 PERDA DE CARGA EM VALVULA BORBOLETA As valvulas borboletas sic de aplicacdo cada vez mais generalizada em obras hidrdulicas. © valor de K dependera do Angulo 2, de abertura, sendo aplicdveis os valores seguintes: 84 BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS QUADRO V i \ | 0,913 0,24 40.0 0,357 10,8 oo | (0826 0,52 45.0 0,293 18.7 159 | 0,741 0,90 50.0 0.2340 | 32,6 200 | 0,858 1,54 55.9 0,181 58,8 25.0 0577 251 60.2 0184 =| «118.0 300 | 0,500 3,91 65.9 0,094 256,0 350 0,426 6,22 70.0 0,060 750,0 es relaco de éreas efetivas da obertura ce passacem @ da tubulogéio de METODO DOS COMPRIMENTOS VIRTUAIS Um método relativamente recente para se levar em conta es perdas loca- lizadas é © dos comprimentos virtuais de canalizacio. Uma canalizagio que compreende diversas pecas especiais e outras singu- jaridades, sob 0 ponto de vista de perdas de carga equivale'a um encanamento retilineo de comprimento maior. & neste. simples idéia que se baseia um novo método para a consideragdo das perdas locais, método éste de grande utilidade na pratica. Consiste éle em se adicionar 4 extensio da canalizagéo para simples efeito de céloulo, comprimentos tais que corressondam 4 mesma perda de carga que causariam as pecas especiais existentes na, canalizagéic. A cada peca especial corresponde um certo comprimento ficticio e adicional. Levando-se em consi- deracio tédas as pecas especiais e demais causas de perda chega-se a um comprimento virtual de canalizagio. As perdas de carga ao longo das canalizacdes podem ser determinadas pela formula de Darcy Weisbach: y_ EL be Dag Para determinado encanamento’L e D s&o constantes e como o coeficiente de atrito f nfo tem dimensoes, a perda de carga sera igual ao produto de um ve niimero puro pela carga de velocidade ——+ 2g ' ve he = meg De outro lado as perdas acidentais tém a seguinte expressio geral: QUADRO VI — COMPRIMENTOS EQUIVALENTES A PERDAS LOCALIZADAS (EM METROS DE CANALIZAGAO RETILINEA) Pe € R D a s L oO c A au L Zz a D A 3 rawerne Pore O] eoTOVELaLcorovELO]coTaVE Se ae coma [ewreaoaewtaaon Ezam ass [Ogme oculoace oe] alka Marat Pome reese ee prac Lorco faato méowo J aro curre “% pitta ] Lavo lenarerae wel pl Si Ba G \ |= * |oige Tso) ef ae Pes | ae P23 pe =] ip es Pose Po P sof 200} 3 va0t 60] tas] is3 86 BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS PEROAS LOCALIZAQAS (coarezn of case co) 3 4209 a TE, SAtDA BUATERAL 36° 900 na 30° 750 an wr tan 2 sap 250 ae TE, SAIDA LATERAL 0 ‘COTOVELO RETO GeV. TE REDvzZ—IDO Ye ov coroveLo 90° & e ENTRADA HORMAL v TE REoUzIIO Ya ov COrOvELO DE 90" Ru MEDIO \ crrevese as 200 mor 150 an 4 o 128 a2 * hi 00mm « ! 95 na 6320 « x L ‘ i 50 mw § 3 ‘ 3 : s § g 3 x : : i Hh 38 an 320m DUMETRO WOMIWAL Et POLEGADAS E MILIMETROS & ‘ [25 om TE, PASSAGEM DIRETA OU ane COTOVELO DE 90°-RAIO LONGO 13 an REGISTRO DE GAVETA 1g, AZEVEDO + 30-94-53, PERDAS DE CARGA LOCALIZADAS, EM CANALIZACSES 87 Observa-se portanto que a perda de carga na passagem por conexées, registros, ete, varia com a mesma fungao da velocidade que se tém para o caso de resisténcia ao escoamento em trechos retilineos de encanamentos. # devido a essa feliz identidade que se pode exprimir as perdas localizadas em fungdo de comprimentos retilineos de canalizagio. Pode-se obter o comprimento virtual de canalizagéo que corresponde a uma perda de carga equivalente & perda local fazendo-se: VALORES PRATICOS © Quadro VI inclue valores para os comprimentos ficticios correspondentes as pecas e perdas mais frequentes nas canalizacées. Os dados apresentados em grande parte foram calculados pelo autor, com base na formula de Darcy Weisbach em sua apresentagio Americana, tendo sido adotados valores precisos de K. Em parte éles se baselam também nos resultados das investigacdes feitas por autoridades no assunto, tais como os departamentos especializados do govérno Federal Norte Americano, da Crane ©o,, ete. Os comprimentos equivalentes embora, tenham sido calculados para tu- bulagdes de ferro e ago poderdo ser aplicados com aproximacaéo razoavel ao caso dos encanamentos de cobre ou latdo. As imprecisées e diserepincias resultantes do emprégo generalizado désse método e dos dados apresentados sio provavelmente menos considerdvels do que as indeterminagées relativas A rugosidade interna dos tubos e resisténcia ao escoamento, assim como & sua variacio na pratica. © 4baco incluso, original da Crane Co., foi convertido ao sistema métrico e publicado por cortezia daquela Companhia. SIMPLIFICAGAO FEITA Considerando-se os comprimentos L apresentados no Quadro VI para de- terminada perda e dividindo-se ésses comprimentos pelos diametros das canalizagées verifiea-se que os resultados encontrados apresentam uma va- rlagdo relativamente pequena. Assim é que os dados relativos a perdas em cotovelos de 90°, de raio médio Jevam a valores de L/D variando desde 26 (para 12”) até 31 (para 3/4"). Nessas condicdes as informagées contidas no Quadro VI poderdo ser con- densadas tomando-se os comprimentos equivalentes expressos em didmetros das canalizagées. O Quadro VII inclue os dados, recomendados pelo autor: 7 DAE 38 BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE AGUAS E ESGOTOS QUADRO VII -- PERDAS LOCALIZADAS EXPRESSAS EM DIAMETROS DE CANALIZACAO RETILINEA (COMPRIMENTOS EQUIVALENTES) Comprimentos expressos em. Pega e Perda diametros (Numero de dlAmetros) Cotovelo de 90° 45 20 30 14 Cotovelo de 45° Curva de 90° Curva de 45° Entrada normal Ww 35, 8 Entrada de Borda Registro de gaveta, ab. Registro de globo, ab. Registro de angulo, ab. Saida de canaliz. Té, passagem diréta Te, saida de lado Te, saida bilateral Valvula de pé e crivo Valvula de retengao BIBLIOGRAFIA ~- A. Fabricantes de Bombas dos Estados Unidos da América: Diversas Publicagies © Catdlogos. — Azevedo Netto, J. M. “Hidraulica”, 2 vols. C. A. Hordcio Lane, Mackenrie, 1953. ~~ Economy Pump Inc, “Pump Engineering Data", Hamihon, Ohio, 1949. — “Flow of Fluids through Valves, Fittings and Pipe”, Technical Paper n.° 409, Chicago, 1042. —H. E, Babbitt, “Plumbing”, 2nd. ed Mc Graw — Hill Book Co. 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