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Metodologia

Científica
Curso: Administração – 1ª fase-
2011.1
Prof. Gilmar J. Fava
2011.1

Referência: GOERGEN, Pedro. Ciência, sociedade e universidade. Educ. Soc., Aug.


1998, vol.19, no.63, p.53-79.
Metodologia Científica 2011.
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Educação & Sociedade


Print ISSN 0101-7330

GOERGEN, Pedro. Ciência, sociedade e universidade. Educ. Soc., Aug. 1998, vol.19,
no.63, p.53-79. ISSN 0101-7330.

Ciência, sociedade e universidade

Pedro Goergen (Doutor pela Universidade de Munique e Professor da Faculdade de Educação da Unicamp)

RESUMO: Este trabalho busca repensar a relação entre ciência, sociedade e universidade a
partir das transformações que marcam a contemporaneidade. A hipótese é de que estas
mudanças de níveis econômico, laboral e mesmo epistêmico afetam também o sentido da
prática acadêmica. A partir da reflexão sobre os três conceitos que compõem o título do
artigo - ciência, sociedade e universidade -, conclui-se que a universidade deve iniciar um
processo de auto-avaliação que inclua seus próprios fundamentos, ainda modernos, na
perspectiva do novo cenário. Esta reflexão básica deve constituir o ponto de partida para
uma futura reforma universitária.

Palavras-chave: Relação universidade, ciência e sociedade, sociedade informática, reforma


universitária

"L'objectif d'une societé multiculturelle ne se discute pas et fait à mês yeux partie de ces
grandes causes de l'humanité que les sociétés démocratiques doivent aujourd'hui prendre en
charge. Ce qui en revanche reste soumis à discussion, c'est la question même de savoir quel
rôle l'Université peut et doit jouer, s'il est vrai qu'elle doit en jouer un, dans la réalisation de
cet objectif."

(Alain Renaut)

"A crise de confiança estendeu-se aos próprios cientistas. Eles não só questionam agora a
aplicação em massa da ciência ao mundo, mas postulam também perguntas inquietantes
sobre o próprio status da ciência como método privilegiado de compreensão."

(Krishan Kumar)

Introdução

A partir do início da modernidade, a ciência foi definida como o caminho privilegiado e mais
seguro de acesso à realidade. O proceder científico facultaria ao homem desvendar os
mistérios das incontroláveis forças ocultas que lhe impunham tanto medo. O homem
disporia, afinal, de um instrumento que o tornaria verdadeiro senhor da criação. A ciência
começou a ser vista, desde então, como o motor do desenvolvimento, símbolo do progresso.
Estabeleceu-se uma relação indestrinçável entre ciência e desenvolvimento humano e social.
Em seqüência, uma das principais preocupações do homem passou a ser fazer ciência. Aos
poucos, esta ciência passou a ser avaliada segundo seu maior ou menor sentido
prático. Homens geniais e abnegados fizeram disso o sentido de sua vida.
Instituições foram criadas e organizadas com o objetivo precípuo de produzir ciência e
traduzir seus resultados para a prática. A universidade foi paulatinamente incorporando este
sentido prático do saber. Dela se espera, cada vez mais, que produza conhecimentos úteis e

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também forme pessoas capazes de atender aos quesitos de um mundo laboral moldado
pelas mesmas ciência e tecnologia. Ao longo das décadas, foram sendo desenvolvidos vários
modelos de instituições acadêmicas que se distinguiam uns dos outros pelo sentido mais ou
menos prático que davam à sua atuação, no interior da relação ciência e sociedade. As
diferentes formas de organização social, mas sobretudo o estado evolutivo da sociedade
foram dando, cada um a seu tempo, uma nova configuração a esta relação entre ciência,
sociedade e universidade.

Hoje nos encontramos num período de enormes mudanças e transformações que, sem
dúvida, afetarão profundamente o nexo ciência e sociedade com conseqüências não só para
a estrutura administrativa, a organização curricular e os procedimentos acadêmicos, mas
para a própria função da universidade no interior da sociedade. O objetivo do presente
trabalho é formular algumas aproximações, muito primeiras e gerais, do que podem
significar as transformações que tanto marcam nosso tempo para a função da universidade.

O tema, assim posto, poderia ser abordado de diferentes ângulos. Optei por um
procedimento que envolve a explicitação dos conceitos envolvidos - sociedade e
universidade - não com a pretensão de fazer uma análise aprofundada de cada um deles,
mas para destacar alguns tópicos que possam eventualmente servir para um posterior
debate com sentido orientador para a prática acadêmica. A expectativa é a de que, assim
procedendo, se alcance maior clareza a respeito do papel da universidade no interior da
sociedade como agente produtor e divulgador de ciência e tecnologia.

Antes porém, é necessário esclarecer que o que aqui se entende por ciência não diz respeito
apenas às ciências exatas, mas também àqueles outros domínios do saber que tratam das
relações humanas, da ética, da cultura, da educação, enfim, todo o saber nascido do exame
sistemático e cuidadoso dos temas referentes ao ser humano. Parece-nos de fundamental
importância fazer esta explicação porque só assim podemos falar de um conceito de
universidade no sentido da universalidade do saber e da relação entre ciência e sociedade.
Se falássemos da relação entre ciência e sociedade, reduzindo o conceito de ciência à visão
das ciências naturais e exatas, estaríamos, no mínimo, praticando um erro de origem, pois
ciência, a nosso ver, é um conceito muito mais amplo do que aquele restrito às ciências
exatas e naturais. Este ponto de vista, a respeito do qual, aliás, há uma vasta bibliografia que
cresce dia-a-dia, parece firmar-se cada vez mais. A partir deste entendimento amplo de
ciência, parece-nos possível comentar alguns pontos específicos da relação ciência e
sociedade.

A sociedade em transformação

É claro que não posso fazer aqui uma tipologia ampla da sociedade contemporânea.
Pretendo apenas destacar alguns pontos que interessam mais de perto ao nosso tema. Todos
concordam que a sociedade se encontra atualmente num profundo e célere processo de
transformação. Instalou-se um grande debate entre modernos e pós-modernos a respeito da

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gravidade destas transformações. Os chamados pós-modernos defendem o ponto de vista de
que estamos no início de uma nova era da humanidade, enquanto os modernos apenas
admitem que o momento é de revisão da modernidade, pois defendem a idéia de que o
conceito moderno de racionalidade deve ser preservado em suas características básicas.
Sem querer nivelar as diferenças que distinguem as duas posições, parece-nos que elas
convergem no reconhecimento das importantes transformações que vêm ocorrendo e na
abrangência dos seus efeitos sobre os mais diferentes âmbitos da vida contemporânea
(Goergen 1996, p. 5). Talvez se possa concordar com Octavio Ianni que fala de um novo
"ciclo da história" ou "ponto de inflexão histórica". "Em poucos anos", diz este autor,
"terminou um ciclo da história e começou outro. Muitas coisas estão mudando no mundo,
abrindo outras perspectivas sociais, econômicas, políticas e culturais. Mesmo as coisas que
não sofreram maiores abalos, já não podem ser mais como antes. Alteraram-se as relações
no jogo das forças em curso na vida das sociedades nacionais e da sociedade mundial" (Ianni
1993, p. 26). Algumas páginas adiante, Ianni conclui que

talvez se devesse dizer que terminou um ciclo particularmente importante


de luta de classes, em escala nacional e internacional. Mas não terminaram
as desigualdades, tensões e contradições que estavam e continuam a estar
na base da vida das nações e continentes. Esse pode ser apenas um ponto
de inflexão histórica, assinalando o fim de um ciclo e o começo de outro. (p.
33)

O que não se sabe é para onde estas mudanças levarão. Mas o que afinal está ocorrendo?

O primeiro elemento que se distingue no cenário social contemporâneo são a velocidade e o


caráter permanente das transformações. Mudanças que antes teriam levado décadas ou
mesmo séculos hoje se completam num espaço muito curto de tempo. Além disso, as
transformações tornaram-se permanentes, gerando um estado intermitente de crise ao qual
o homem ainda terá de se acostumar.

O segundo aspecto é o crescimento assustador da quantidade de conhecimentos e


informações hoje disponíveis. Se há pouco mais de um século todos os conhecimentos
disponíveis cabiam dentro de uma pequena biblioteca e podiam ser dominados por um só ser
humano, atualmente isto é inimaginável. O homem necessita especializar-se, fazer opções,
escolher recortes sempre mais restritos da realidade sobre os quais concentra seus
conhecimentos.

Em terceiro lugar, o mundo contemporâneo caracteriza-se pela capacidade extremamente


grande de armazenamento e de transmissão de conhecimentos e informações num espaço e
tempo cada vez menores. "Este é o primeiro momento da história", diz Castells, "no qual o
novo conhecimento é aplicado principalmente aos processos de geração e ao processamento
de conhecimentos e da informação" (Castells 1996, p. 11). Com estes recursos, o mundo
tornou-se globalizado, interligando os pontos mais remotos do globo terrestre através de
meios eletrônicos de comunicação, em tempo real. Países, comunidades, empresas e até
mesmo os indivíduos tornaram-se completamente interdependentes.

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Estas mudanças refletem-se sobre a essência mesma da sociedade e do próprio ser humano,
a ponto de parecer justificado perguntar se ainda é possível falar da sociedade ou do ser
humano no mesmo sentido como se fazia há algumas décadas. Há muitos que, como Ianni,
acreditam ser necessário elaborar uma nova teoria sistemática da sociedade e do ser
humano para dar conta deste novo cenário. Tanto isto é verdade que conceitos fundamentais
como a sociedade de classes, trabalho, proletariado etc. parecem cada vez mais obsoletos,
inadequados para descrever a realidade social dos nossos dias. Neste surto de mudanças,
assistimos também a profundas transformações nas formas de governo com a redução do
Estado e a interferência cada vez contundente de condicionantes internacionais que ditam
normas de comportamento e de ação não só para as nações do mundo inteiro, mas também,
privadamente, para todos os indivíduos.

Em lugar das sociedades nacionais, a sociedade global. Em lugar do mundo


dividido em capitalismo e socialismo, um mundo capitalista, multipolarizado,
impregnado de experimentos socialistas. As noções de três mundos, centro,
periferia, imperialismo, dependência, milagre econômico, sociedade
nacional, Estado-Nação, projeto nacional, caminho nacional para o
socialismo, caminho nacional de desenvolvimento capitalista, revolução
nacional e outras, parecem insuficientes, ou mesmo obsoletas. Dizem algo,
mas não dizem tudo. Parecem inadequadas para expressar o que está
ocorrendo em diferentes lugares, regiões, nações, continentes. Os conceitos
envelheceram, ficaram descolados do real, já que o real continua a mover-
se, transformar-se. (Ianni 1993, p. 35)

A ofensiva dos pós-modernos volta a artilharia de seu discurso contra o imperialismo


universalizante e dominador da modernidade, acusando-a de portadora de uma lógica que
impõe seus parâmetros a tudo. Por isso, assim afirmam, o homem refugia-se no diverso, no
individual, no local. "O vínculo social observável é feito de ‘lances' de linguagem", diz Lyotard
(1985, p. 27). Esta crítica que, pelo menos na sua versão mais equilibrada e menos radical,
deve ser entendida de forma positiva, ostenta flancos desguarnecidos, pois ao combater o
chamado imperialismo da racionalidade moderna deixa intocado um outro imperialismo
universalista, agora não no campo do racional epistemológico, mas no campo econômico. A
mentalidade neoliberal que, como verdadeira revolução, pôs todos os países, o mundo
inteiro, sob seu domínio, foi capaz de invalidar qualquer outra lógica que não a sua. O ponto
fulcral, o valor último, o argumento decisivo que ordena todo o sistema é o lucro. A ciência,
rainha que foi, passa a ser ministro do novo rei, o lucro, cuja crueldade ajuda a potencializar
e justificar. Seu poder é tanto que já não encontra limites, invadindo tudo, o ser e o pensar,
e, sobretudo, convencendo a todos que fora dela não há salvação.

Não há dúvida de que a capacidade de produzir conhecimentos é um dos fatores


determinantes da distribuição do poder econômico, em nível mundial. Os países que têm o
melhor índice de produção de conhecimentos encontram-se na liderança da economia. Nas
palavras de Castells, "o caráter estratégico das tecnologias e da informação na produtividade
da economia e na eficácia das instituições sociais muda as fontes de poder na sociedade e
entre as sociedades" (Castells 1996, p. 15). Paralelamente aos grandes benefícios, trazidos
pela ciência, a explosão do saber centralizou-se em alguns poucos países, gerando situações
complexas de uma nova dependência que se tornam o grande desafio para o próximo

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milênio. Nesse sentido, Leopoldo de Meis (1996, p. 25 ss.) lembra que, além dos benefícios, a
explosão do saber e da capacidade do homem de domínio sobre a natureza também trouxe
uma série de riscos. Cita entre outros, o desequilíbrio científico/tecnológico, isto é, a
concentração da revolução científica em alguns poucos países. Segundo as estatísticas que
apresenta, 70% dos trabalhos científicos produzidos a cada ano se originam de sete países
centrais que têm apenas 14% da população mundial enquanto o resto do planeta, que
representa 86% da população, produz apenas 25% do saber, gerado a cada ano. Assim, para
citar dois exemplos extremos, em 1989 os EUA produziam 35,1% das pesquisas enquanto o
Brasil produzia apenas 0,47%. Há, portanto, um grave desequilíbrio entre uma pequena
minoria de países que produz conhecimentos e uma grande maioria que os consome. Há
pouca perspectiva de que este panorama possa mudar a curto prazo. Se é verdade que as
conquistas do conhecimento se espalham rapidamente pelo planeta, não é menos certo que
os centros hegemônicos que dominam e manipulam estes conhecimentos constroem, a partir
disso, uma citadela de poder e uma fonte enorme de recursos. Os outros, se quiserem
participar das benesses da ciência e da tecnologia, são obrigados a pagar por isso.

Além desse desequilíbrio global do poder, que tem sua origem não mais no uso da força e
das armas, mas no domínio do conhecimento, os avanços científico-tecnológicos envolvem
outros importantes desafios. Leopoldo de Meis menciona alguns deles: o primeiro é a
assimetria entre jovens e adultos. Os países com maior desenvolvimento científico-
tecnológico aprenderam a controlar o crescimento de suas populações. Isto traz um grande
problema para a educação nos países em desenvolvimento. É consensual que a educação é
um dos elementos essenciais para o desenvolvimento no mundo contemporâneo. Ora, "os
países que têm o menor desenvolvimento científico são os responsáveis pela educação da
maior parcela dos jovens do planeta." (Meis 1996, p. 28). Numa era em que se exige um
nível cada vez maior de conhecimentos dos jovens que entram no mercado de trabalho, o
qual só cresce nas áreas ligadas à ciência, o equilíbrio apontado representa uma
desvantagem muito grande para os países em desenvolvimento.

Outro elemento, apontado por Meis, é o excesso de informações, a decodificação do saber e


a superespecialização. No século XVII, a biblioteca da Universidade de Oxford era uma das
maiores do mundo com um acervo de 200 volumes. Em um ano ou pouco mais, um estudioso
poderia inteirar-se de tudo. A explosão do saber que ocorreu no último século obrigou os
intelectuais a delimitarem seus campos de conhecimento, levando, aos poucos, às
superespecializações que caracterizam a ciência hoje. Atualmente, um especialista mal e mal
é capaz de extrair da grande massa de conhecimentos produzidos aqueles que interessam à
sua especialidade. As áreas de saber tornam-se cada vez mais delimitadas, mais técnicas,
mais codificadas e, por isso, sempre mais herméticas e inacessíveis aos não-especialistas.
Surgem verdadeiros guetos que atuam como reservas impenetráveis para aqueles que não
dominam os símbolos, os códigos lingüísticos especiais de modo que

a pesquisa científica dentro da universidade desempenha papel importante


não só na produção de novos conhecimentos, mas também na sua
capacidade de tornar acessíveis aos seus estudantes os avanços contínuos

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do saber. Assim, o cientista moderno deve ser também um decodificador, e
a importância da universidade cresce à medida que aumenta a sua
capacidade de decodificar e abranger um número crescente de especialistas
nas diversas áreas do saber. (Meis 1996, p. 33)

O papel de decodificador torna-se tanto mais importante quanto mais os resultados das
pesquisas vão sendo publicados em revistas internacionais, geralmente em inglês. Estes
procedimentos, muitas vezes condenados como elitistas, são na verdade inevitáveis por
causa da construção do conhecimento nos fluxos internacionais. A conquista de saber novo
depende sempre mais da capacidade de interagir com laboratórios e centros internacionais
de pesquisa cujos meios de comunicação sempre se servem do inglês.

Nesse contexto, deve ser lembrado também que um dos eixos importantes da problemática
"ciência e sociedade" encontra-se no ensino das ciências. Entre as diferentes áreas do saber,
uma das que menos se desenvolveu ao longo dos últimos séculos foi a da arte de ensinar.
Enquanto a busca do saber avança a passos largos, o ensino de ciências é hoje ainda muito
semelhante àquele usado há dois séculos.

A ênfase principal desta forma de ensinar continua sendo a de transmitir ao


aluno o maior número possível de informações e, dentro desta perspectiva,
espera-se que, ao completarem seus cursos universitários, os estudantes
estejam a par dos conceitos atuais das suas respectivas áreas profissionais.
Entretanto, a explosão do saber dos últimos anos tornou esta tarefa
impossível e, na realidade, não sabemos ainda como preparar os estudantes
de forma a torná-los capazes de lidar de forma eficiente com a grande
quantidade de novas informações gerada a cada ano, condição essencial
para uma atuação de ponta. (Méis, 1996, pp. 33-34)

Ademais, grande parte do saber é produzido pelas indústrias ou organismos governamentais


e não é publicado por razões estratégicas ou econômicas. Segundo Meis (1996), nos EUA
cerca de 40% dos conhecimentos gerados a cada ano não são divulgados. Aliás, a
universidade, acostumada à sua posição hegemônica como produtora de conhecimentos, é
hoje obrigada a dividir sempre mais este espaço com outras organizações, especialmente
industriais. Em alguns campos, como o da engenharia e o da computação, por exemplo, a
maior parte das descobertas inovadoras já vem sendo feita fora da universidade.

Para os países subdesenvolvidos ainda existe um outro tipo de saber oculto, além daquele
mantido em sigilo por entidades governamentais ou industriais. Conforme já mencionamos,
trata-se daquele saber, disponível em princípio, mas inacessível por causa da falta de
especialistas para decodificá-lo, confirmando a importância do novo
especialista/decodificador, como já mencionei anteriormente. Vejamos o que diz a respeito
disso Meis: "Muitos dos novos conceitos descobertos nos laboratórios de pesquisa somente
são apercebidos pela maior parte da população do planeta depois que os produtos dela
derivados tenham se inserido na sociedade, gerando novos costumes e hábitos" (Meis 1996,
p. 36). Exemplos disso são a pesquisa nuclear, as técnicas anticoncepcionais, a inseminação
artificial, a manipulação genética. Lixo atômico, novos comportamentos sexuais, mudança de
concepção de paternidade e maternidade, mutações genéticas aplicadas em seres humanos

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são conseqüências dos avanços científicos mencionados dos quais apenas um pequeno
círculo de especialistas se apercebia antes.

Outro tema da mais alta relevância é a questão da ética. Antes da revolução científica, os
conceitos de bem e de mal eram definidos a partir de princípios metafísicos ou teológicos.
Com o avanço da ciência, estes tradicionais conceitos de fundamentação transcendental
foram sendo substituídos pelos de útil ou inútil bem presos à sua serventia empírica. O uso
dos conceitos funciona ou não funciona como paradigmas orientadores da ação humana e
implica profundas mudanças éticas e sociais, sem que sejam discutidos seus fundamentos e
suas conseqüências. A revolução industrial, além de "estabelecer um nova relação entre
cidade e campo, lar e trabalho, homens e mulheres, pais e filhos, gerou uma nova ética e
novas filosofias sociais". Agora, a época da globalização e da informática "sugere
possibilidades de uma nova estrutura de cidadania e democracia nas quais até agora mal se
pensou" (Kumar 1997, p. 172).

Como se fora profeta, Habermas já alertava num de seus primeiros trabalhos acadêmicos dos
anos 60 sobre os riscos da diluição da esfera pública. Hoje realmente constatamos que a
privatização e a individuação, possibilitadas pela tecnologia da informação, conduzem ao
esvaziamento e à diminuição da esfera pública nas sociedades atuais. Um dos campos da
atividade humana onde se sente isso de forma mais clara é o da economia. Medidas
econômicas são boas quando funcionam em termos de manutenção e sustentação do
sistema econômico vigente e dos interesses a ele atinentes, sejam eles ou não escusos
desde um ponto de vista de valores éticos mais gerais. A ação política ou econômica justifica-
se a partir de objetivos fixados por interesses sem fundamentação em princípios universais e
que não foram tematizados socialmente. No dizer de Habermas, o que determina a ação são
regras técnicas que se justificam por si mesmas e não por normas e valores, submetidos ao
debate público. Nisto, ou seja, na não-tematização das regras técnicas, consiste um dos
principais aspectos ideológicos da ciência e tecnologia (cf. Habermas 1982). O que isto
representa em termos práticos nos mostra com clareza Viviane Forester ao analisar a
situação do desemprego que aflige os trabalhadores. Sua exposição desenha um quadro
dramático dos sacrifícios que os seres humanos têm de suportar em termos de desemprego
para que o sistema possa ser mantido. E agora podemos formular a pergunta: como se há de
comportar a universidade profissionalizante no limiar de uma era que está em vias de
suprimir aquilo que se chama trabalho? A universidade é solicitada a formar indivíduos
"úteis" à sociedade, o que, no dizer de Forester (1997, p. 13), "significa quase sempre
rentável". Nisto encontra-se também o risco de uma avaliação que se propõe simplesmente
verificar em que medida a universidade está respondendo a este mandado de formar
indivíduos úteis. É urgente superar este "abreviamento" do papel da universidade que
reduziu sua função a formar indivíduos para atender "necessidades sociais", sejam elas quais
forem e recuperar seu papel de instância crítica da sociedade a partir de interesses humanos
mais amplos democraticamente discutidos. Porque a falta de trabalho se tornou uma norma
pela qual o excluído se torna dono falido de seu próprio destino que não passa de um
número colocado pelo acaso numa estatística (Forester 1997, pp. 10-11), a universidade,

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talvez inconscientemente, pode tornar-se cúmplice de um crime que uma sociedade,
supostamente lúcida e sofisticada, comete contra uma grande parte da população, formada
por pessoas que se tornam objetos manietados e torturados, mendigantes de um emprego
que já estatisticamente não existe. A universidade lhes insufla ânimo e esperança,
garantindo-lhes que boa formação garantirá um futuro de inclusão, um futuro cidadão. Estará
a universidade consciente da responsabilidade que assume ao prometer, direta ou
indiretamente, algo que, sabe, jamais será cumprido? Numa época em que o trabalho que as
pessoas têm a oferecer tornou-se supérfluo, a esperança no futuro tornou-se um simulacro. E
o que dizer do ideal da formação conscientizadora e crítica que estimula o impulso à
mudança e à transformação quando, logo adiante, estes contestadores do sistema terão que
se jogar aos pés dos donos do poder que olharão com escárnio para aqueles que imploram
"para obter aquilo que vilependiaram" (Forester 1997, p. 16)? Os homens submetem-se à
mendicância do emprego, jogando seu orgulho aos pés dos poderosos, porque sabem que
pior que a exploração, da qual fatalmente serão vítimas, é a vergonha de sequer serem
exploráveis, de serem errantes supérfluos à margem do sistema. Se lermos Hobbes nesta
perspectiva, devemos concordar que ele tinha razão com sua famosa frase "homo hominis
lupus", a partir da qual ele buscava justificar a necessidade do Estado como instância
imprescindível de ordenamento e civilização. Hoje, o Estado lava as mãos e se curva ante o
poder supremo do mercado, cujas leis frias fazem girar as mós impassíveis dentre as quais
cai esmagado e banhado em seu próprio sangue um número imenso de pessoas que, sob o
olhar frio de menosprezo do homo oeconomicus, se perdem no ralo da história.

Para estas, a vida torna-se uma insídia que não vale a pena ser vivida porque portada por
seres que não dão lucro. E não dão lucro não porque não queiram ou não possam, mas
simplesmente porque são deserdados do sistema. A sociedade cada vez menos divide-se em
classes, em partidos, em favoráveis ou desfavoráveis, mas em excluídos ou incluídos, úteis
ou supérfluos. A própria vida, como dizíamos, torna-se supérflua, inútil quando não dá lucro.
O pior de tudo é que de tanta discussão, o tema do desemprego e da exclusão torna-se
familiar, assumindo um certo ar de inocência como a pobreza que vemos todos os dias
diante da porta, na esquina, nas ruas e em belas cores, na televisão. Tudo assume um ar
teatral de espetáculo e, como tal, os crimes, as mortes, a violência, os estupros, tudo se
torna, de certa forma, inocente. Pelo menos enquanto não nos atinge pessoalmente. Por
detrás disso, como bem lembra Forester, está a matriz de tudo que jamais é mencionado: o
lucro. "Tudo é organizado, previsto, proibido e suscitado em razão dele, que dessa maneira
parece inevitável, como que fundido à própria semente da vida, a ponto de não se distinguir
dela" (Forester 1997, p. 19).

A sociedade humana ainda faz de conta que o futuro do ser humano é o trabalho, quando, na
realidade, este diminui a cada dia que passa. E, apesar das promessas de políticos e
empresários, não há nenhuma perspectiva de mudança. É hora de a sociedade tomar
consciência de que é preciso procurar novos caminhos. Inclusive, os ricos sistemas dos
Estados de Bem-Estar-Social começam a sentir dificuldades em sustentar a imensa legião de
desempregados que abrange grande parcela da população. Os salários começam a ser

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reduzidos, as jornadas de trabalho tornam-se mais breves e institui-se o contrato temporário,
o desemprego rotativo. Os desempregados não serão mais constantemente os mesmos, mas
cada trabalhador será um desempregado em algum momento. São simulacros que já não
enganam a respeito da gravidade da enfermidade social. É preciso começar a pensar em
alternativas e neste exercício talvez seja útil retomar alguns pensamentos do século
passado, apressadamente descartados pelo abuso de alguns sistemas incompetentes que
deles se apoderaram, condenando-os ao esclerosamento e ao descarte precoces. Quem
sabe, superado o espírito de competição pelo domínio do mundo, tanto tempo sustentado
pelas duas grandes potências hegemônicas, surja um novo ambiente de liberdade para
repensar a sociedade como um espaço onde todos os seres humanos têm o direito de viver
dignamente. A era contemporânea, que não se instalou por culpa da ciência, da tecnologia
ou da informática, mas que foi fomentada pelo seu uso unilateral e viezado, não está em
sincronia com o homem. Condena-o a viver em seu seio, mas de fato não permite que viva.
Pode apenas vegetar, de corpo vergado, olhando o chão pela vergonha de não ser mais útil e
de, além de não ser mais útil, ser considerado um peso.

A universidade despende um enorme esforço para formar empregáveis que jamais serão
empregados. O emprego que a universidade ajuda alguém a conquistar representa
necessariamente o sacrifício de outro empregado. Já não se gera nem se cria empregos,
apenas os empregos são disputados. A universidade forma pessoas para que elas vençam
esta disputa. Por isso há que ter cuidado quando se imagina, nas condições atuais, que a
formação profissional é o pleno exercício da função social da universidade. O auxílio é
prestado àqueles que conseguem vencer as barreiras de acesso dos famigerados exames de
ingresso, o que geralmente está reservado aos filhos já privilegiados da sociedade. Estes
então terão, ao final de sua formação, mais condições de vencer a luta. Mas esta luta não é a
luta por mais um lugar de trabalho, mas pelo lugar de trabalho de um outro. Se me perdoam
a imagem um pouco grotesca, a sociedade de hoje se assemelha a um animal que, tendo
passado por um genial processo de evolução, resolvesse usar seus mais avançados
conhecimentos e técnicas para racionalizar e otimizar seu sistema de amamentação,
reduzindo o número de mamas. Tem sentido: reduzir-se-ia a quantidade de leite despendido,
ao mesmo tempo em que aqueles filhotes que conseguissem seu lugar teriam leite de melhor
qualidade e em maior profusão. Os outros, incompetentes, é claro, sofreriam,
lamentavelmente, a conseqüência: deveriam morrer.

A universidade continua formando para uma sociedade industrial ou, na melhor da hipóteses,
pós-industrial que, conforme mostra Castells, já foi ou pelo menos vem sendo substituída
pela sociedade informacional, na qual

o trabalho e a estrutura ocupacional não podem ser considerados como


sendo o resultado de uma evolução linear, a sucessão histórica dos setores
primários e secundários às atividades terciárias. Pelo contrário, há uma
mudança fundamental a partir da divisão tecno-organizacional do trabalho a
uma matriz mais complexa de unidades de produção e atividades diretivas
que ordenam a lógica do sistema ocupacional inteiro. (Castells 1996, p. 12)

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O Brasil tem cerca de 15 milhões de jovens. Desses apenas 20% encontram emprego. A
média de escolaridade é de 4 anos. Diz-se que a maior parte não arruma emprego por falta
de escolaridade. Por isso, na outra ponta, os estudos alongam-se cada vez mais. Acontece
que todo este jogo é, pelo menos em grande medida, ilusório, uma vez que o número de
empregos é objetivamente limitado. A cada novo empregado corresponde um novo
desempregado. Quanto mais qualificados existirem, melhor para as empresas. Mesmo
supondo uma situação em que todos os aspirantes ao emprego fossem muito bem
qualificados, o número de desempregados não seria reduzido, apenas os desempregados
seriam mais qualificados, como ocorre nos países do Primeiro Mundo. Quem já visitou
cidades européias sabe que não é difícil encontrar motoristas de taxi com curso universitário
e, até mesmo, com título de doutor.

A universidade encontra-se numa situação extremamente difícil, pois, de um lado, ela é a


instituição em grande medida responsável pela pesquisa científica cujos resultados, na atual
conjuntura, favorecem o capital, e, de outro, é responsável pela formação profissional de um
grande número de pessoas que no mercado não encontrarão trabalho, devido, exatamente,
ao fator inibidor (de trabalho humano) da ciência e da tecnologia mais avançadas. O sistema
produtivo serve-se exatamente dos avanços científicos invertidos em tecnologia para
economizar mão-de-obra humana.

Uma das características mais marcantes de nossa época é o domínio do pensamento


utilitarista. Num mundo em que aumenta constantemente a competitividade, a educação é
cada vez mais canalizada para o desenvolvimento das competências necessárias para o
mundo do trabalho e não para a reflexão. A racionalidade e a lógica, próprias do mundo da
produção, do mercado e da geração de lucros, expande-se para as outras esferas da vida, de
modo que tudo começa a ser medido por tais parâmetros. Até o espaço mais íntimo das
relações humanas acaba sendo invadido pelo pensamento utilitarista: o valor do presente
que o convidado recebe é estabelecido a partir do valor do presente que recebeu antes. O
valor de uma amizade mede-se pelas vantagens que ela pode trazer, na lógica
custo/benefício.

Dos indivíduos exige-se tal eficiência e agilidade no julgamento e posicionamento ante os


fatos e eventos, que fica inviabilizado o uso da experiência e da reflexão. Tudo é
enquadrado, avaliado e julgado a partir de esquemas preestabelecidos. O ritmo da vida
contemporânea exclui a experiência como parâmetro de orientação da vida, uma vez que os
esquemas a priori de julgamento, inventados como forma ágil de adaptação dos indivíduos, a
tornam dispensável. O indivíduo não pode se orientar pela racionalidade de sua reflexão que
leve em conta o seu bem-estar, mas deve obedecer à lógica de um sistema que se impõe
como única forma de sobrevivência. Entre sociedade e indivíduo existe uma relação de amor
e de ódio. De amor na medida em que o indivíduo deseja se integrar a ela para viver e
usufruir das regalias que o sistema lhe oferece, e de ódio na medida em que ele, para tanto,
deve sacrificar sua autonomia, sua individualidade e intimidade. De certo modo, é obrigado a
abrir mão de si mesmo para sobreviver (cf. Crochik 1997, p. 33 ss.). De um lado, a sociedade

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contemporânea, do mercado e do lucro, está organizada de tal modo que dispensa a adesão
dos indivíduos para sua perpetuação; e, de outra parte, pelo caráter individualizante da
informática, ela libera e fortalece a posição do indivíduo.

A promessa final do computador, ligado às redes globais de comunicação, é


colocar todo o mundo do conhecimento e da informação nas mãos do
indivíduo isolado [que] escondido na privacidade de seu quarto, sentado em
frente a um terminal de computador. (...) se diverte, educa-se, comunica-se
com outras pessoas nas estradas da informação e providencia seu sustento
prestando o necessário trabalho na economia da informação. (Kumar 1997,
p. 168)

No contexto da passagem da sociedade pós-industrial para a sociedade informática, à qual


me referi acima, Castells fala de sociedade de fluxos. Refere-se aos "fluxos intercambiados
através de redes de organizações e instituições" que, fazendo convergir a evolução social e
as tecnologias de informação, criam novas bases materiais para o sistema social (Castells
1996, p. 23). Dentre os vários níveis de atuação destas redes, indicados por este autor,
destaca-se o fato de que estas redes "organizam as posições de atores, organizações e
instituições nas sociedades e nas economias" bem como o fato de que "a habilidade de gerar
novo conhecimento e recolher informação estratégica depende do acesso aos fluxos de tal
conhecimento e informações" (Castells 1996, pp. 23-26).

Do ponto de vista do nosso objetivo, a principal conseqüência desta realidade é que a


habilidade e a capacidade de gerar novos conhecimentos passam a depender do acesso aos
fluxos das redes. Vivemos definitivamente numa sociedade de informação, baseada no
conhecimento. Porém, este conceito de fluxo tem conseqüências ainda mais amplas e
profundas do que sua simples operacionalização através das redes informáticas. O próprio
conhecimento tornou-se um permanente fluir, seja do ponto de vista da perda de sua fixidez
ou permanência, seja do ponto de vista de sua geração que é feita de modo interativo com a
participação de muitos pesquisadores e grupos de pesquisa de diferentes partes do mundo.
Nesse sentido,

a materialidade das redes e fluxos cria uma nova estrutura social em todos
os níveis da sociedade. Tal estrutura é o que atualmente constitui a nova
sociedade da informação, uma sociedade que poderia ser chamada
sociedade dos fluxos, já que os fluxos não são feitos somente de informação,
mas de todo o material da atividade humana (capital, trabalho, mercadorias,
imagens, viagens, papéis mutáveis em interação pessoal etc.). (Castells
1996, p. 29)

Encontramo-nos numa nova fase da experiência humana. Em resumo, estamos vivendo


numa sociedade envolta num processo de profundas transformações, orquestradas,
sobretudo, pelos avanços na tecnologia de armazenamento e transmissão de informações.
Esta nova realidade tem reflexos que mudam a sociedade, os indivíduos, as instituições e sua
interação.

A universidade e sua vocação

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A universidade tem que se preparar para o "choque do futuro" (Toffler). Da Idade Média para
a Moderna, concomitantemente com as transformações epistêmicas às quais nos referimos
acima, ocorreu uma profunda transformação da sociedade. Esta passagem implicou igual
transformação das instituições sociais. Estado, direito, religião, ciência e também o sistema
de ensino não permaneceram os mesmos. Se é verdade, como opinam alguns autores, que a
sociedade atual está passando por transformações com ordem de grandeza similar às que
ocorreram na passagem da Idade Média para a Moderna, pode-se supor que também as
instituições haverão de passar por transformações de similar ordem de profundidade. Por
isso, a universidade está convocada a repensar suas funções institucionais no interior de
uma sociedade transformada e em permanente processo de mutação. Este é um ponto
importante para uma avaliação inovadora e prospectiva da universidade. Além de avaliar seu
desempenho no âmbito das tarefas e funções tradicionais, fundadas em determinado modelo
social e epistêmico (tarefa que não deve ser abandonada mesmo porque as transformações
não são repentinas e nem abruptas), é preciso que a avaliação reserve espaço para uma
reflexão mais radical, vale dizer, para um repensar dos próprios princípios fundantes do atual
modelo universitário. A universidade não pode simplesmente continuar celebrando as
"narrativas" das disciplinas, dos mestres, da verdade e do conhecimento sem relacioná-las
de alguma forma às importantes questões levantadas pelo pós-modernismo a respeito do
significado destas narrativas, de suas regulações segundo experiências sociais e éticas e de
seus pressupostos no que tange à visão epistemológica do mundo. Para alguns, como
Castells,

as universidades não parecem ter emergido como sendo as instituições


centrais da sociedade pós-industrial: as corporações (tanto privadas quanto
públicas), os sistemas de saúde e escolar e os meios de comunicação são as
instituições centrais, profundamente transformadas pelo uso intensivo de
novas tecnologias de informação-comunicação. (1996, p. 8)

A linguagem, por exemplo, é um dos elementos centrais a partir do qual se deve repensar
significados, identidades e políticas. A universidade continua assumindo a posição positivista
de linguagem, sem atentar para o fato de que a linguagem é construída a partir do jogo de
condicionamentos históricos. Questiona-se hoje radicalmente a visão hegemônica de
representação segundo a qual o conhecimento, a verdade e a razão são governados por
códigos lingüísticos essencialmente neutros e apolíticos. Verdade e ciência deixam de ser,
neste contexto, noções fixas e incontestáveis para tornarem-se representações submetidas à
constante problematização e crítica.

Se a universidade quiser sobreviver como instituição de pesquisa e produtora do saber, ela


deve ser capaz de integrar-se àquilo que é inovador em nossa época. Caso contrário, outras
instituições - como institutos avançados ou centros de excelência - serão criadas para a
produção de conhecimentos de ponta dos quais a nação necessita. Neste caso, o risco para a
universidade, já no presente, mantida à míngua, será ainda maior, pois poderá ocorrer com
ela o que ocorreu com as universidades francesas no século XIX, quando foram rebaixadas à
condição de primas pobres das Grandes Écoles onde se passou a concentrar a maior parte
dos recursos muito embora a universidade continuasse atendendo a grande massa dos

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alunos. Segundo Alain Renaut, na França as Grandes Écoles têm 4% dos alunos e 30% do
orçamento destinado ao ensino superior. Para o autor,

esta divisão do ensino superior em dois setores paralelos traz, seja dito, uma
conseqüência mais profunda que reside na indiferença, desde então
possível, de ver como socialmente legítimo o destino das universidades. Pois
se a produção de elites das quais uma nação moderna precisa se efetua em
formas mais especializadas de ensino que se encontram nas Grandes Écoles,
por que então se preocupar com as universidades? (Renaut 1995, p. 33)

A situação da universidade na França nos remete a refletir, pelo menos em termos de


hipótese, sobre a função da universidade no caso de serem criados centros isolados de
pesquisa no Brasil, conforme parece ser intenção do atual governo.

As duas mais importantes vertentes da universidade moderna, a humboldtiana e a


napoleônica, destacaram, respectivamente, a idéia de uma ciência básica, neutra e
independente, que por si só deveria ser um fator de formação e de orientação das ações do
Estado, e o conceito de ciência aplicada que, referida aos interesses do Estado, deveria
formar profissionais para a burocracia estatal e para a própria sociedade. Daí se origina a
tensão de duas lógicas diferentes e muitas vezes opostas que ficou preservada na
confluência dos dois modelos. De um lado, as exigências do mercado de trabalho que espera
um profissional capacitado para integrar-se e desenvolver o sistema produtivo através da
competência cognitiva e de suas habilidades e, de outro, a prática acadêmica regida pela
lógica das disciplinas científicas (Cunha 1997, p. 23).

Hoje se costuma dar grande destaque à relação entre a universidade e o setor produtivo.
Trata-se, sem dúvida, de um aspecto importante do desempenho acadêmico, mas o discurso
incisivo e, em certos setores fora e dentro da universidade, quase consensual de que a
articulação entre a universidade e o setor produtivo é essencial e de que é a partir dele que
se mede a "utilidade" da academia é, no mínimo, simplificado para não dizer que se encontra
carregado de interesses ideológicos. É claro que a cooperação entre universidade e empresa
é importante e deve ser estimulada ao máximo, mas é igualmente importante deixar claro
que se trata de uma relação complexa que além das vantagens que ambos os lados dela
esperam também envolve riscos, sobretudo para a universidade. Também não tem lugar um
otimismo exagerado uma vez que, em muitos casos, o próprio sistema produtivo descarta a
produção das universidades em termos de cultura, ciência e tecnologia (Cunha 1997, p. 24).
Em muitos casos, a universidade é lenta demais para o ritmo do mundo empresarial que
prefere optar pela compra de pacotes tecnológicos prontos que têm aplicações imediatas. O
produto das pesquisas acadêmicas, oferecido de forma bruta desde o ponto de vista de sua
aplicação prática, não tem condições de ser absorvido pelo sistema produtivo. Isto gera uma
grande frustração, sobretudo naqueles setores acadêmicos que alimentam a esperança da
produção de ciência e tecnologia nacionais. Reclama-se do desinteresse das empresas pelo
investimento na área de ciência e tecnologia, mas se ignora os fatores custo (importar
tecnologia pronta é muitas vezes mais barato) e tempo. Na realidade, trata-se de uma
situação perversa uma vez que a mesma sociedade, a maior interessada na produção de

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ciência e tecnologia nacionais, exige, como consumidora, produtos de última geração que só
podem ser obtidos ou pela importação direta dos produtos ou pela compra rápida do know-
how técnico-científico para produzi-los.

Os altos subsídios dados pelos governos dos países desenvolvidos do Norte


às suas universidades, como, também, o forte investimento em pesquisa e
desenvolvimento pelas empresas multinacionais condenam à obsolescência
os conhecimentos produzidos em nossas universidades, em proveito da
venda de "pacotes tecnológicos" de marcas e de processos. (Cunha 1997, p.
25)

E não há como evitar isso uma vez que os desejos e as necessidades dos consumidores são
gerados pela mídia a partir de produtos dos países mais desenvolvidos que por condições
que não interessa discutir aqui estão sempre muitos anos à frente dos países em
desenvolvimento.

Muitas vezes, ao estabelecer laços de cooperação com a empresa, a universidade teme pela
perda de sua autonomia de pesquisa. As empresas estão interessadas em pesquisas que
podem rapidamente ser vertidas em produtos e que venham a gerar lucros. A universidade,
por seu turno, tem interesse na pesquisa básica e quer preservar seu posicionamento crítico.
Segundo Cunha,

as universidades da região podem inserir-se no mercado, sem perder sua


autonomia, com a condição de determinarem quando, como e para quê
farão tal inserção. Mas, sendo fiéis aos seus princípios, elas não poderiam
deixar de atuar, também, contra o mercado, cujos mecanismos, tão
celebrados nesse momento de globalização hegemonizada, reproduzem
eficazmente a miséria e a dominação em nossos países. (1997, p. 25)

Bem se sabe que a universidade não pode simplesmente ser "inquilina da utopia", negando-
se a prestar serviços à comunidade ou desenvolver projetos conjuntos com empresas, mas,
em contrapartida, não pode abrir mão de sua tarefa crítica, abandonando-se à subserviência
de reclamos econômicos numa sociedade comandada por grupos de interesse em que
amplas margens da população são condenadas à miséria.

É preciso ter em conta ainda um outro aspecto que muitas vezes passa despercebido neste
debate sobre a relação entre universidade e empresa. Trata-se da tendência de a
universidade submeter-se à lógica do lucro na medida em que privilegia, no seu
relacionamento com as empresas, as áreas de maior retorno econômico as quais, por isso,
tornam-se focos de atração para boa parte dos alunos e pesquisadores, aliás, pelo poder de
atração do retorno econômico, geralmente os melhores. O conhecimento a ser adquirido ou
produzido na universidade passa a ser interessante apenas na medida em que for possível
transformá-lo em dinheiro. A formação científica ou profissional é mais ou menos valorizada
segundo seu potencial de lucro. O poder de compra que este garante é a carteira de
identidade do homem contemporâneo. Muda-se a máxima cartesiana "penso, logo existo"
para "compro, logo existo", ou seja, quem não é capaz de comprar não existe. Mesmo sem
dispor de dados empíricos, nossa experiência nos permite afirmar sem risco que grande

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parte dos alunos que chegam à universidade apenas espera que ela lhes transmita
conhecimentos e habilidades com os quais futuramente possa ganhar dinheiro.

Com isso, as universidades são obrigadas a competir num mercado acadêmico cada vez mais
dominado pela mesma lei da produtividade e do lucro que rege o mercado em geral. As
perguntas fundamentais a respeito do ser humano, da formação, da cultura e da ética são
ridicularizadas no interior da academia como "coisas que não servem para nada". O lucro, diz
Forrester, torna-se "a única lógica, como a própria substância da existência, o pilar da
civilização, a garantia de toda a democracia, o móvel (fixo) de toda a mobilidade, o centro
nervoso de toda a circulação, o motor invisível e inaudível, intocável de nossas animações"
(1997, p. 19). E, referindo isto à universidade, Renaut não entende por que "a gente não se
pergunta jamais se a incapacidade de tantos universitários de participarem, com suas
competências, dos debates atuais não seria um dos mais cruéis indícios do rebaixamento
contemporâneo da universidade" (1995, p. 23). É claro que este não é um problema
exclusivo da universidade e talvez nem nasça em seu seio, mas é sem dúvida parte de sua
missão contribuir para superá-lo. Trata-se, no fundo, de salvar a dimensão mais profunda do
homem preservando-o de sua exteriorização total no material. Para a universidade trata-se
de uma questão ética que afeta a essência de sua atividade e de seu sentido social. O que
queremos dizer é que o sentido social da universidade está sendo abreviado e reduzido à
função de prestar serviços e cooperar com empresas. Sem negar que isto possa também ser
socialmente relevante, acreditamos que o sentido social da universidade vai muito além
disso.

A universidade não pode mais voltar-se exclusivamente para o desenvolvimento unilateral da


ciência e tecnologia como se esta perspectiva exaurisse o projeto humano. Há outras
questões vitais para a sociedade e para a comunidade a partir das quais a comunidade
decide seu futuro. Habermas critica com muita razão a universalização da racionalidade
técnica e instrumental que torna a sociedade, como já dizia também Max Weber, não uma
comunidade de seres humanos que convivem a partir da adesão a normas dialogicamente
estabelecidas, mas um complexo administrado pela imposição de normas técnicas. Ciência e
tecnologia que encontram sua justificativa na eficiência assumem um papel fortemente
ideológico na medida em que fogem da reflexão crítica uma vez que as regras técnicas
requerem aceitação incondicional. Parece-nos, por isso, que a universidade, para além de
seus evidentes deveres no campo da ciência e tecnologia, deve sentir-se responsável
também pela emergência de uma nova responsabilidade favorável à reconstrução de uma
sociedade que, sem rejeitar os ganhos da ciência e tecnologia, seja capaz de reinventar uma
cultura mais humana.

A universidade deve retomar seriamente a questão de sua função social na tensão da cultura
e da profissionalização. É preciso encontrar um novo equilíbrio entre a formação
técnico/profissional e a formação humanista/cultural. Para isso, é necessário que a
universidade leve a sério, em todas as áreas de atuação, sua função cultural. Não se trata
apenas de abrir pequenos espaços no currículo para a abordagem de temas humanísticos ou

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de artes, mas de ampliar com todo o rigor o conceito de formação acadêmica. Isto implica
uma revisão profunda da prática acadêmica à qual estamos acostumados atualmente.

Para tanto, não se deve partir de idéias gerais a respeito da identidade ideal da universidade
para, em seguida, tentar aplicá-las normativamente, como se fazia tradicionalmente, mas
construir um novo modelo universitário com base na realidade concreta da sociedade e do
homem de hoje. Para isso, nem o local nem o global devem ser considerados isoladamente,
mas ambos como fatores inter-relacionados que determinam a sociedade e o homem. É,
portanto, mister que a universidade desenvolva a necessária sensibilidade social para que,
reconhecendo seus problemas e suas necessidades, possa instituir sua nova identidade e
desenvolver estratégias de atuação. O debate sobre as funções da universidade deve, por
conseguinte, ser posto desde uma perspectiva contemporânea, preservando proximidade
com as questões mais relevantes da sociedade, tal como elas se apresentam na realidade.

Esta aproximação com o local e o regional representa, de certa forma, um nadar contra a
corrente, pois são hegemônicos aqueles interesses que correspondem à racionalidade
científico-tecnológica, marcada por uma lógica universalizante que estandartiza formas de
ser, de pensar e de agir, próprias do homem concreto, inserido em sua comunidade e
cultura. Com relação a este surto homogeneizador, as características e os modos de ser
locais são curiosamente considerados alienados. Na sociedade contemporânea, o homem
está ameaçado por um processo de desenraizamento quanto à sua cultura e à perda de sua
identidade. Mais sério é este risco para as gerações mais jovens que se formam num
ambiente de fratura e sem pertença no qual a mídia exerce uma influência avassaladora e
sem precedentes na desconstrução da identidade cultural e na elaboração de identidades
fluidas e fragmentárias. Neste meio, conforme diz Henry Giroux, "os valores já não nascem a
partir de uma pedagogia modernista de fundamentalismo e verdades universais, nem de
discursos tradicionais baseados em identidades fixas e com uma estrutura final" (1996, p.
73). Esta realidade constitui talvez o maior desafio para a educação nos dias de hoje, pelo
menos se acreditamos que o homem é algo mais que mero objeto de mercado e que a
educação deve contribuir para formar este algo mais no homem. Uma das principais tarefas
será a de recuperar o espaço humano que já foi perdido. Refiro-me em especial à deplorável
situação em que se encontra considerável parcela dos jovens da nova geração. É uma
geração que já não aspira a coisa alguma, desnorteada e fragmentada, que espera passar o
tempo, que vê a morte e a vida como um espetáculo, que não sente responsabilidade social,
que cultua a imediatez do momento, da experiência e do prazer. A droga é um prazer assim
imediato e representa a fuga de um mundo sem sentimento e sem esperança. Tudo é fluido,
precário, relativo. Nada mais abriga nem obriga; nada mais entusiasma, desafia ou
compromete. O homem, a sociedade e a própria vida sofrem de um profunda carência de
sentido. Este mal, talvez o mais terrível dos nossos tempos, deverá um dia ser enfrentado,
quem sabe quando o refúgio da atividade frenética, que a todos agita, ocupa e aliena, não
oferecer mais proteção suficiente.

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A pergunta que se coloca para os educadores, e partimos do princípio de que todo professor
universitário deve também ser educador além de cientista e pesquisador, é se já não estão
confrontados com um novo tipo de ser humano, forjado na organização de princípios criados
pela intersecção da imagem eletrônica que veicula programas como "Faustão", "Gugu
Liberato" ou "Silvio Santos", como representantes da cultura popular e do sentimento fatal de
indeterminação. O individualismo que estes programas transpiram tem muitas faces, sendo a
principal a da irresponsabilidade social inescrupulosa. Uma química fatal que mistura
individuação, privatização e desidentificação e funde "as fronteiras entre Estado e sociedade,
entre esfera pública e privada, entre sociedade e indivíduo" (Kumar 1997, p. 180). Hoje,
confirmam-se muitos dos temores manifestados por Adorno quando ele, já na década de
1930, manifestava sua crítica com relação à "indústria cultural". A mídia, conforme diz
Kumar, "não apenas comunica como constrói. Em sua pura escala e ubiqüidade, ela está
construindo um novo ambiente para nós, um ambiente que exige uma nova epistemologia
social e uma nova forma de resposta" (p. 134).

O consumismo, diz o mesmo autor em outra passagem, "invadiu os assuntos corporais e


sexuais, a publicidade tem procurado nos conscientizar de novas ansiedades de identidade e
segurança pessoal e garantir-nos que há mercadorias e serviços que podem satisfazer todas
as nossas necessidades e aliviar todos os nossos medos" (p. 200). A cultura do homem que
na história representa seu esforço de libertação e a luta por sua autonomia biológica e
espiritual é hoje um instrumento de submissão, adestramento e embotamento do homem. A
questão da cultura não é apenas um problema individual, mas "ela tornou-se ‘um produto
por direito próprio', o processo de consumo cultural não é mais simplesmente um apêndice,
mas a própria essência do funcionamento capitalista" (p. 126). Veja-se a relação ou mesmo a
fusão que se estabelece entre cultura e comércio que pode ser constatada no papel decisivo
da publicidade que exerce na cultura contemporânea. Na medida em que o homem pode,
isto é, quando suas condições intelectuais e econômicas permitem, ele torna-se frio, distante
dos conflitos sociais, da angústia, da dor e do sofrimento dos excluídos. A própria ciência,
através da suposta exigência metodológica do distanciamento, assume neutralidade ante
este objeto.

Essa neutralidade e independência de seus objetos lhe confere o direito da generalização e


aplicação de seus resultados a qualquer campo. Nesse contexto, coloca-se a questão da
relação entre ciência, a qual representa, conforme Habermas, o interesse técnico de domínio
e aproveitamento da natureza, e a ética que, segundo o modo de ver do mesmo autor,
representa o interesse prático ou o domínio das decisões práticas do ser humano.
Progressivamente, o indivíduo se distancia da cultura (Crochik 1996, p. 46), dos impasses da
sociedade em que vive. O homem reage com a fuga ante os graves problemas sociais que
tanto mais o envergonham quanto melhores são as condições científicas e técnicas para
resolvê-los. Isto não significa que o indivíduo se torne mais autônomo, pois sua frieza, seu
isolamento e seu distanciamento vão de passo com sua submissão às regras técnicas que
servem como justificativa ante a falta de vontade coletiva de resolver os problemas. As

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regras técnicas administram homens e coisas, impedindo que os indivíduos ajam segundo
sua própria consciência.

Talvez as universidades regionais, por vocação mais próximas do homem do interior, possam
poupar-lhe esta dolorosa travessia pelo caminhos errantes da razão moderna, desviada de
seus objetivos de raiz, isto é, da construção de uma sociedade melhor e de um homem mais
feliz. Kant queria que a razão conduzisse o homem à sua maioridade, dominador de seu
entorno e dono de seus atos. O que aconteceu foi este mundo científico-tecnológico cujas
regras, em muitos sentidos, são a gaiola de ouro do homem contemporâneo, como já
insinuava Weber. Esta sociedade tecnológica tem, de fato, necessidade não apenas de
técnicos seguros de suas competências especializadas, mas também de líderes capazes de
tomar decisões e de fazer opções de maior amplitude, de desenvolver uma visão mais ampla
da área à qual seus saberes e suas habilidades técnicas se aplicam (cf. Renaut 1995, p. 226).

"Universidade" não é um conceito unívoco. Há universidades de diferentes tipos e estes se


definem pela sua vocação. Esta vocação define-se, por sua vez, a partir do contexto
sociocultural na qual ela está envolvida, dos objetivos que cada instituição se propõe e dos
recursos humanos e materiais de que dispõe. Só isto seria assunto para longos debates. Para
dizê-lo de forma muito pragmática e sucinta, cada universidade precisa assumir sua história
e sua identidade na intersecção com o ambiente no qual está inserida. Assim, a
particularização e a diversidade são a outra face da universalização e padronização do
movimento contemporâneo da globalização. Pode-se dizer que os dilemas da universidade
giram em torno do universal/local e do social/individual. E é neste sentido que vemos não
apenas o caminho por onde as universidades chamadas regionais ou comunitárias devem
caminhar, mas a importante missão que têm a cumprir no cenário acadêmico nacional no
que diz respeito ao atendimento das necessidades de populações regionais como também ao
conhecimento, ao reconhecimento, à preservação e ao desenvolvimento de culturas locais.
De outra parte, não se pode amordaçar as universidades com vocação e recursos para o
desempenho de um papel mais amplo e universal no campo das ciências básicas, das
ciências humanas e da cultura.

Conclusão

Na primeira parte buscamos desenhar, em rápidos e parciais traços, as grandes


transformações que estão ocorrendo no presente momento histórico com conseqüências
profundas para o indivíduo e para a sociedade. Foram destacados sobretudo o importante
papel da informática como elemento essencial deste processo de transformação e a
centralidade da problemática do trabalho ou melhor do não-trabalho.

Em seguida, voltamos nossa atenção para a universidade, supostamente a instituição


precipuamente encarregada da produção e divulgação de conhecimentos. A universidade
que temos ainda está presa às suas raízes modernas e precisa agora encontrar sua
identidade e função no novo cenário epistemológico e social. Defasada com relação às

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principais características da sociedade contemporânea, a universidade precisa repensar de
forma profunda sua função e identidade no momento histórico atual. Um dos aspectos desse
processo deve ser, a nosso ver, a recuperação de sua função crítico-cultural.

Estes dois movimentos do texto estiveram constantemente assistidos pelo interesse da


relação entre ciência e sociedade, desde o ponto de vista da universidade. Constata-se que a
universidade subordinou-se às normas do mercado, passando a instrumentalizar pessoas
para determinadas tarefas ao invés de formar indivíduos. O próprio indivíduo abriu mão de si
mesmo, de sua formação como ser humano global (que conhece, sente, ama, chora e sofre)
para atender exclusivamente aos requerimentos do sistema tecnoeconômico. Ficou reduzido
a uma função no sistema.

Nesse sentido, a nova realidade que se delineia para as próximas décadas não é apenas um
dado que deve ser incorporado pela universidade, mas representa, na atualidade, seu maior
desafio. Tanto ela deve pensar criticamente esta realidade e contribuir para seu
dimensionamento humano, quanto deve repensar sua própria função e identidade na
perspectiva das mudanças que ocorrem.

Acreditamos que os fundamentos, assim colocados, podem servir como subsídio para o
estabelecimento de uma política universitária no campo da ciência e tecnologia e, também,
para dar início a uma reflexão mais ampla sobre os fundamentos da universidade na
sociedade de hoje.

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Prof. Msc. Gilmar J. Fava –gilmar@unifebe.edu.br 20

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