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A TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA E A DÍVIDA

PÚBLICA FEDERAL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO


ENDIVIDAMENTO BRASILEIRO NA NOVA REPÚBLICA
THE THEORY OF PUBLIC CHOICE AND FEDERAL PUBLIC DEBT:
A HISTORICAL ANALYSIS OF THE BRAZILIAN DEBT IN THE NEW
REPUBLIC

Ana Karina de Oliveira Milhomem

CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL


Especialista em Controle Externo da Gestão Pública
Contemporânea da Escola de Contas e Capacitação
Professor Pedro Aleixo/PUC Minas, Belo Horizonte/
MG, Brasil. Graduada em Administração de Empresas
pela Faculdade de Administração Milton Campos, Belo
Horizonte/MG, Brasil. Servidora do Tribunal de Contas
do Estado de Minas Gerais.
E-mail: amilhomem@tce.mg.gov.br

Resumo Abstract
O presente artigo tem como foco analisar o The present article focuses on an analysis of Brazilian
endividamento brasileiro na Nova República à indebtedness in the New Republic in the light of the
luz da Teoria da Escolha Pública (Public Choice), Public Choice Theory, mainly with the advent of the
principalmente com o advento da promulgação da Constitution of the Republic of 1988. The provision of
Constituição da República de 1988. A provisão de public goods reinforced by the constitutionalization
bens públicos reforçada pela constitucionalização of rights and guarantees represents a challenge for
de direitos e garantias representa um desafio para the sustainability of the public debt, a fundamental
a sustentabilidade da dívida pública, instrumento instrument for the optimum intertemporal distribution
fundamental para a distribuição intertemporal of public policies. It is a study of theoretical-
ótima das políticas públicas. Trata-se de um estudo documentary revision and application of qualitative
de revisão teórica e documental e de aplicação methodology. It was concluded by the need to bring
de metodologia qualitativa. Concluiu-se pela up the issue in which the choices impact the direction
necessidade de trazer à tona a temática em que as of the government and the future of the Brazilian
escolhas causam impacto no direcionamento do economy.
governo e no futuro da economia brasileira.

Palavras-chave: escolha pública. Economia. Endividamento. Dívida pública. Política.


Keywords: public choice. Economy. Indebtedness. Public debt. Politics.

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1 INTRODUÇÃO
As decisões políticas são baseadas em critérios não técnicos, buscando-se, dessa forma, “ganhos”
eleitorais enquanto as decisões econômicas não são motivadas, geralmente, para a maximização dos
investimentos do Estado para o bem-estar coletivo. Nesse cenário político e econômico foi configurado
o estudo apresentado.
Sob a ótica da Teoria da Escolha Pública, os economistas procuraram entender esses processos com os
instrumentos de análise econômica. O livro The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional
Democracy, dos professores James Buchanan e Gordon Tullock, é, talvez, o grande marco dessa teoria.
É bem verdade que Schumpeter (1942), o grande economista austríaco radicado nos Estados Unidos,
já estudava o fenômeno com muita profundidade.
Um aspecto muito enfatizado por essa teoria são as chamadas “falhas de governo”. Se o mercado tem
falhas, muitas vezes a intervenção governamental não se justifica, porque as falhas de governo podem
ser mais relevantes do que as falhas de mercado.
A intervenção do governo, assim, em vez de resolver o problema que a ensejou, traz novas dificuldades
que pioram o estado anterior.
Tais falhas de governo ocorrem por vários fatores. Em primeiro lugar, exatamente porque os que
decidem pelo governo têm agenda própria — hipótese essencial da Teoria da Escolha Pública —,
que nem sempre coincide com o interesse público. Em segundo lugar, porque o governo decide com
informações limitadas, que podem estar equivocadas, levando, por consequência, a políticas erradas.
Assim, este trabalho pretende, em linhas gerais e pela revisão elaborada com base em leitura e
análise de bibliografia já existente, abordar o endividamento público brasileiro pela lente da Escola
das Escolhas Públicas em um ambiente de interferências políticas cujas decisões são complexas,
envolvendo situações novas e, muitas vezes, baseadas em pressões.
Nesse sentido, esta investigação questiona o seguinte: até que ponto a escolha pública dos
governos da Nova República fizeram bom uso do instrumento de endividamento para investir no
desenvolvimento econômico do Brasil.

2 A RESPONSABILIDADE DA ESCOLHA
A tomada de decisões é um processo cognitivo que envolve tanto a razão quanto a emoção. A todo
instante faz-se necessária a ação de escolher, o que implica exclusão de outra possibilidade. Assim,
indubitavelmente, esse processo decisório apresentará riscos e oportunidades.
Rudger Safranski (2011, p. 63) destaca: “mais precisamente, a tomada de decisão significa encerrar um
universo inteiro de possibilidades”. Dilemas apresentados a todo momento implicam um senso de
comprometimento com a responsabilidade da escolha realizada, e há que se capacitar e se abastecer
de informações ao ingressar no campo das probabilidades de escolhas, aplicando, mesmo que
automaticamente, uma relação contratual em que existirão perdas e ganhos.

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Nos dilemas e nas negociações apresentadas no contexto social, econômico e político para a tomada
de decisões, pressupõem-se a racionalidade e a simetria informativas, hipótese em que a Teoria dos
Jogos1 se revela mais proveitosa, pois delineia as estratégias e a matriz de ganhos e perdas.
Ao discutir a Teoria dos Jogos, revela-se o “dilema do prisioneiro”, um jogo em que se apresenta um
cenário constituído por dois suspeitos, X e Y, presos pela polícia, mas esta não tem provas suficientes
para condená-los; então, separa os prisioneiros em salas diferentes e oferece a ambos o mesmo acordo
a fim de minimizar a perda da liberdade. As possibilidades apresentadas pela polícia são:
a) se um dos prisioneiros confessar (trair o outro) e o outro permanecer em silêncio, o que
confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos;
b) se ambos ficarem em silêncio, ou seja, colaborarem um com o outro, a polícia só pode condená-
los a um ano cada um;
c) se ambos confessarem (traírem-se um ao outro), cada um leva cinco anos de prisão.
Cabe salientar que uma matriz de resultados é elaborada conforme as situações apresentadas em que
estão descritos o número de anos que cada jogador passará na cadeia, sabendo que quanto menor o
tempo da pena melhor será para o prisioneiro.
Sendo assim, cada jogador vai tentar maximizar o resultado individual e, dessa forma, a única decisão
racional a tomar será trair o outro prisioneiro. Cabe ressaltar que cada prisioneiro toma a decisão sem
saber a escolha do outro.
Na Teoria dos Jogos, a estratégia “trair” é chamada estratégia dominante, ou seja, aquela que apresenta
o melhor resultado, independentemente da decisão do outro jogador. No entanto, verifica-se que isso
é um equilíbrio ineficiente, pois existe uma solução melhor, se ambos escolherem colaborar. Assim, o
“dilema do prisioneiro” é uma ilustração de situações comuns em que a escolha do melhor indivíduo
conduz à traição mútua, enquanto a colaboração conduziria a melhores resultados. Portanto, o dilema
da escolha individual não é necessariamente o melhor para ambos2.
Retira-se, assim, a conclusão elementar de que na ausência de informação ou de incentivos à
reciprocidade não há geração de bem-estar coletivo.
Segundo Fernando Araújo (2007, p. 50), a situação apresentada exposta no “dilema do prisioneiro”
demonstra:
E o que nos diz o “dilema do prisioneiro”? Que, na ausência de conhecimento ou
informação partilhada, na ausência de confiança informada de uma parte na outra ou de
ambas num quadro disciplinador bilateralmente aceite, o “oportunismo” é a estratégia
dominante - muito elementarmente porque promete à contraparte, com elevada
probabilidade, a captura da totalidade do bem-estar em jogo, e não somente a fracção
que resultaria da partilha “honesta” do bem-estar entre ambas as partes. Bastará que os

A Teoria dos Jogos é uma teoria matemática criada para se modelarem fenômenos que podem ser observados quando dois ou mais
1

“agentes de decisão” interagem entre si. Ela fornece a linguagem para a descrição de processos de decisão conscientes e objetivos,
envolvendo mais do que um indivíduo (FIANI, 2015).
É oportuno esclarecer a situação conhecida como equilíbrio de Nash, em que cada pessoa em um grupo toma a melhor decisão para
2

si mesma, com base no que ela pensa que os outros farão. E ninguém pode melhorar mudando de estratégia: todos os membros do
grupo estão fazendo o melhor que podem (FIANI, 2015).

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ganhos da “captura oportunista” excedam os ganhos de “honestidade” - e o ponto é que
tendem a exceder.”

O autor faz uma análise sobre a relevância e a complexidade das decisões dos indivíduos baseadas
na simetria de informações e na confiança atribuídas às relações. Por via de regra, o mais interessante
deste “jogo” seria a percepção dos agentes em visualizar o círculo vicioso em que se envolvem e que a
decisão de colaborar seria a mais eficaz para ambos casos houvesse confiança e transparência.
A Teoria dos Jogos viabiliza a demonstração cabal da correção das críticas estruturalistas e dialéticas
à tese liberal, segundo a qual a busca exclusiva do autointeresse seria capaz de gerar equilíbrios
econômicos social e individualmente consistentes.

3 A TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA – PUBLIC CHOICE


A tomada de decisão coletiva é necessária em diversas áreas; entretanto, o fato de que o mercado
pode falhar em prover adequadamente tais áreas, não necessariamente significa que o governo pode
fazer as coisas melhor, pois há falha de governo também.
Dentro do contexto do jogo de interesses, a competição é inevitável, sendo necessário analisar o
processo decisório, os mecanismos que busquem o interesse público e, ainda, equalizar os dilemas
instituídos. Tomadores de decisões políticas não são desapaixonados buscando o “interesse público”,
mas podem envolver uma luta entre diferentes pessoas e grupos de interesse.
A Teoria da Escolha Pública procura analisar a política de forma pragmática, retirando o rótulo
benevolente de que os políticos agem para atender o interesse público e proporcionar o bem comum.
A Escola da Escolha Pública (Public Choice) analisa a política com os métodos da Ciência Econômica,
especificamente os da Escola Neoclássica. Foi, ao longo das duas últimas décadas, a principal crítica
teórica de outra corrente (essencialmente econômica) que fundamenta a intervenção do Estado na
Economia do Bem-Estar (Welfare Economics). Enquanto essa centra-se na análise dos “fracassos de
mercado” que justificavam a intervenção corretora do Estado, a Teoria da Escolha Pública veio clarificar
os “fracassos do governo” e os limites da intervenção desse mesmo Estado (SANTIAGO, 2008).
Pode causar estranheza aplicar o estudo econômico em questões políticas e governamentais. A
Economia trata, na verdade, de como escolher gastar quaisquer recursos disponíveis (por exemplo,
tempo ou esforço) na tentativa de obter outras coisas que são mais valorizadas — não se restringe a
escolhas financeiras.
Os economistas desenvolveram ferramentas simples, porém muito úteis para essa tarefa. Tais
ferramentas incluem conceitos como o custo de oportunidade, o valor que se coloca em qualquer
coisa que tenha de se sacrificar (i.e., tempo ou esforço), de maneira a atingir algum fim, e o benefício
— o valor que se ganha.
A Teoria da Escolha Pública trata da aplicação desses simples conceitos econômicos ao estudo de como
as escolhas coletivas são feitas — aplicando-as a projetos e funções das constituições, mecanismos
das eleições, partidos políticos, grupos de interesse, lobby, burocracia, parlamentos, comitês e outras
partes do sistema governamental.

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Entre as diversas ideias enfatizadas pela Escola da Escolha Pública destacam-se:
a) logrolling — é o termo usado para denotar a troca de apoio entre políticos; quando os partidos
são baseados em princípios de lealdade e disciplina partidária (GIANTURCO, 2017), a maior
parte da atividade de logrolling é desenvolvida no interior dos partidos (na formulação dos seus
programas); quando, ao contrário, os partidos são fracos e seus membros indisciplinados, as
atividades de logrolling tendem a ser intensas e muitas vezes sem princípios;
b) grupos de interesse — muitos grupos sociais organizados têm intenso interesse em influenciar o
governo pelos grandes ganhos que estão em jogo. Esses grupos são constituídos por empresas,
associações empresariais, grupos específicos de funcionários do governo etc. Tais grupos são
organizados, têm recursos e podem financiar lobistas de modo a exercer pressão sobre os
legisladores e os membros dos Poderes Executivo e Judiciário, de forma que seus discursos
ideológicos se pareçam com as reivindicações do interesse público. Os favores que almejam
são obtidos à custa dos contribuintes que, por não estarem organizados, não têm condições de
resistir porque a pressão concentrada ultrapassa a resistência difusa;
c) burocratas — vários teóricos da Public Choice estudaram a burocracia, tanto em organizações
públicas como em organizações privadas, procurando explicar interesses e motivações
dos burocratas e sua relação entre os interesses individuais e os da corporação. De acordo
com Niskanen (1971, p. 134), os burocratas tendem a maximizar os orçamentos dos órgãos
governamentais, pois o seu interesse está diretamente vinculado à amplitude da sua ação
administrativa;
d) rent-seeking — tarifas sobre produtos e monopólios proporcionam ganhos para indústrias.
Tradicionalmente, os economistas têm estudado os custos relacionados às perdas de consumo
associados à introdução dessas tarifas. Tullock (1967) identificou outros custos associados à
busca pelas empresas (seeking) por tarifas e monopólios.
As decisões políticas e coletivas, tais como aumentar os impostos sobre a propriedade para construir
uma nova estrada, são tão econômicas como qualquer outra: elas ainda envolvem uma escolha
entre custos e benefícios, não somente de cunho financeiro, mas também, de maneira mais ampla,
entre o que tem de ser sacrificado e o que é ganho como resultado. Contudo, existe uma distorção,
qual seja, quando alguém faz uma escolha econômica, vivencia ambos os custos (a saber, de tempo
ou esforço) e os benefícios (por exemplo, um empreendimento ou aquisição de um bem). Nas
escolhas públicas, em contraste, as pessoas que se beneficiam (os que utilizam a estrada) não são
sempre os mesmos que pagam o preço (os proprietários). Além disso, no mercado, ambos os lados
de uma transação devem estar de acordo — se o comprador ou o vendedor não estão contentes,
eles podem simplesmente desistir do negócio. Na política, pelo contrário, a minoria não pode dizer
não, ou seja, a minoria é forçada a aceitar a decisão da maioria e a tolerar o sacrifício imposto pela
decisão majoritária.

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4 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E OS REFLEXOS NA ORDEM
ECONÔMICA BRASILEIRA
4.1 Contexto histórico da Constituição de 1988
A Constituição de 1988 marca o fim do processo de transição da ditadura militar para a
redemocratização do Brasil. Foi fruto do projeto da Assembleia Nacional Constituinte, presidida pelo
então deputado federal Ulysses Guimarães, que denominou a nova Constituição de Constituição
Cidadã, tendo em vista a participação popular e a efetivação de garantias para o pleno exercício da
cidadania.
Foram décadas de experiências políticas, ideológicas, sociais e econômicas que fizeram com que o
texto de 1988 se concentrasse em princípios de forma escalonada, ou seja, a disposição abordada
como “Princípio Fundamental” deve incidir sobre todo o ordenamento, principalmente no que tange
à economia, pois está intimamente ligada à promoção do que se considera basilar dentro de uma
sociedade.
Com caráter democrático e liberal, essa Constituição sofreu influências da Constituição portuguesa
de 1976. Após mais de 20 anos de ditadura, o rompimento com o período político anterior propiciou
a formação de uma ideologia marcada pela contraposição aos fundamentos informadores do
constitucionalismo anterior, nos campos econômico e social. Em 5 de outubro de 1988, surgiu, então, o
texto que traria a redemocratização da nação, firmando novamente garantias essenciais aos cidadãos
que antes haviam sido cerceados pelo regime militar. Era a solidificação da transição entre o antigo
regime e a chamada “Nova República”.
A sociedade se preparava para eleger seu primeiro presidente após a promulgação do preâmbulo com
a garantia de eleições diretas, para homens e mulheres, bem como a livre escolha do presidente por
vontade popular, instituindo-se o Estado Democrático acima de qualquer vertente política seguida
pelo candidato. Percebem-se no texto constitucional disposições inovadoras, como os artigos que
tratam diretamente de questões muito atuais, por exemplo, o meio ambiente dentro do capítulo que
versa sobre a ordem econômica.

4.2 Intervenção estatal no domínio econômico


A Constituição da República de 1988 traz em seu texto final uma heterogênea mistura de interesses
legítimos de trabalhadores, classes econômicas e categorias funcionais, cumulados com paternalismos,
reservas de mercado e privilégios corporativos. A euforia constituinte — saudável e inevitável após
tantos anos de exclusão da sociedade civil — levou a uma Carta que, mais do que analítica, é prolixa
e corporativa3.
O Estado, como ente detentor de grande parcela de nossa liberdade, tem como obrigação cuidar de
questões que dizem respeito ao interesse coletivo; contudo, com relação às atividades econômicas,
compete ao Estado a exploração apenas em caráter excepcional, seja de maneira direta, seja por

A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso
3

sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias,
e não a Constituição da nossa maturidade. (BARROSO, 2002).

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delegação da execução de alguns serviços e regulando a forma como cada atividade deve ser
desenvolvida.
A expressão “política econômica” pressupõe a adoção de uma diretriz escolhida para um dado fim,
conforme a ideologia adotada por um grupo social dominante e, como espécie de política pública,
há de ser implementada por uma ação estatal interventiva, definida, segundo o sistema jurídico-
constitucional vigente, para a consecução e a concretização de finalidades almejadas para a realidade
econômica.
Nessa linha de raciocínio, assim como a existência da intervenção econômica independe do modelo
de Estado, também independe do modelo de Constituição. As diferenças estarão nos graus e nos
sentidos que a essa intervenção forem conferidos. Por conseguinte, o controle dessa regulamentação
também deve ser deslocado ou alargado, pois os fins e os objetivos a serem assegurados — regrados
por normas programáticas e princípios — realizam-se por meio de políticas públicas, efetivando-se
dentro do prisma econômico vigente.
A relevância da implementação de políticas públicas em diversos setores da economia está
estritamente ligada ao desenvolvimento econômico do país; entretanto, dada à peculiaridade da
configuração regional do Brasil e à sua dimensão continental, o processo decisório é inexoravelmente
formado por dilemas e escolhas, envolvendo diversos atores e grupos de interesses em que haverá
exclusão de determinados setores da economia.
Uma estratégia de desenvolvimento econômico e social para o Brasil deve ser composta de duas
partes. A primeira é o ponto final, ou seja, para onde se quer levar a sociedade; e segunda é a trajetória
econômica que deve facilitar a chegada ao ponto final — um país com a máxima qualidade de vida
para todos.
O processo de desenvolvimento econômico é uma combinação de política e economia: organizar
a captura dos insumos e dos recursos disponíveis na sociedade e injetá-los no processo produtivo,
retroalimentando o sistema econômico.
Uma estratégia de desenvolvimento para ser factível deve, acima de tudo, proporcionar políticas
públicas como instrumento de distribuição de renda, mecanismos de estímulo ao setor privado e
estímulo ao pleno emprego, pois o desenvolvimento se dá quando há maior produtividade com o
maior nível de emprego possível. O mais trágico desperdício de uma sociedade é não prover emprego
decente para sua força de trabalho.
É necessário também incluir outros elementos nesse processo, de ordem cultural, política e
institucional, já que o desenvolvimento de uma região ou do setor da economia, na moderna teoria
do desenvolvimento, depende da combinação desses elementos e de seus indivíduos.
O envolvimento dos cidadãos e da sociedade civil na participação do orçamento público, dirigindo
suas demandas aos gestores e colaborando no processo de elaboração, gestão e avaliação das políticas
públicas, é fundamental para sua efetividade.
Entretanto, uma suposição tácita e central dessa abordagem foi que as decisões políticas seriam
tomadas de modo lógico e racional, por servidores e agentes públicos imparciais, procurando atender

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ao interesse público. Isso, por sua vez, iriam torná-las amplamente superiores às escolhas do mercado,
que são guiadas pelo interesse próprio e pelo lucro privado.
A Teoria da Escolha Pública aceitou que as decisões coletivas são necessárias para algumas questões
que inevitavelmente requerem ação comunitária. Entretanto, mostrou como o processo de tomada
daquelas decisões fica aquém do ideal assumido pelos economistas intervencionistas. Conforme
apontam os estudiosos da Teoria da Escolha Pública, as pessoas que tomam decisões públicas são,
na verdade, tão movidas pelo interesse próprio como quaisquer outras. Elas são, acima de tudo, as
mesmas pessoas: indivíduos não se tornam benevolentes tão logo consigam um trabalho no setor
público. É prudente assumir que o interesse próprio pode motivar as pessoas (BUTLER, 2012).
Elucidando a aplicação da Teoria da Escolha Pública no texto constitucional, verifica-se claramente
que, no período democrático, os direitos trabalhistas consagrados na Constituição da República
de 1988 sofrem a oposição das elites políticas e dos setores empresariais comprometidos com a
abertura comercial e a despolitização das relações econômicas. Nesse sentido, do ponto de vista dos
empresários brasileiros, para que o país pudesse cumprir adequadamente a nova agenda requerida
pela moderna economia capitalista “pós-fordista” seria necessário reformar as relações de trabalho.
As alterações na legislação trabalhista ocorridas recentemente indicam que o modelo legislado
de relações entre capital e trabalho, a despeito de suas características mais gerais, podem cumprir
diferentes papéis em momentos históricos diferenciados de uma mesma formação social. Se nos
anos em que foram predominantes as preocupações “tutelares” em direção ao polo mais fraco da
relação trabalhista, a norma, ao mesmo tempo em que cumpria seu papel de agente reprodutor
das relações sociais capitalistas, também serviu de importante elemento “integrador” das classes
no âmbito dos estados nacionais, no período neoliberal, e cumpriu a função de adequar as relações
sociais às exigências da economia e da “globalização” das firmas, na medida em que certos setores das
elites nacionais entenderam essas exigências como uma “lógica”, como um “imperativo” pelo qual foi
necessário lutar.
Assim, a norma jurídica contribuiria para a reprodução das relações sociais capitalistas em outro
“nível”, isto é, no âmbito do capitalismo internacionalizado, ainda que as dificuldades enfrentadas
pelo “projeto” ilustrem a complexa relação entre o processo político (que ocorre em nível nacional) e
a economia internacionalizada, pois, em decorrência da precarização das relações sociais promovida
por esses “ajustes” na legislação social, ocorreu, em vários países, forte e disseminada rejeição eleitoral
das elites que executaram tais programas.

5 ENDIVIDAMENTO PÚBLICO BRASILEIRO


5.1 Modelo federalista do Brasil
Cabe ressaltar que federalismo pode ser definido como um sistema de governo em que a autoridade
é exercida concorrentemente por um governo nacional e por governos estaduais ou municipais
(provinciais); e nesse sistema nem o governo central nem os subnacionais adquirem os seus poderes
um em função do outro, mas sim de uma fonte comum a todos: a Constituição (HARADA, 2017).

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O federalismo brasileiro, apesar de ter sido inspirado no modelo norte-americano, diferencia-se desse
em vários aspectos. Logo no início, ou seja, já no processo de formação do país, encontra-se a primeira
diferença fundamental. Enquanto a Federação americana foi formada pela união das colônias e,
posteriormente, pelos estados, que já existiam previamente, tendo, portanto, sido aprovada por todos
eles, no Brasil, o governo central precedeu aos estados.
A federação brasileira não necessitou de nenhuma aprovação por parte dos novos estados, os quais
sucederam às províncias do império. Isso evidencia que as três ideias básicas do federalismo (igualdade,
autonomia e cooperação) já não foram observadas no início do modelo federalista brasileiro. Na
verdade, o que existia era uma hierarquia de poderes e a luta pela autonomia por parte das esferas
subnacionais, o que implicava um agravamento das desigualdades regionais.
Estados e municípios são bastante dependentes do governo central e lutam, de forma predatória,
por recursos, para que possam exercer suas competências que, por sua vez, não estão claramente
definidas no texto constitucional.
A repartição de competências é um ponto fundamental na configuração do sistema federalista. A
divisão segue o “princípio da predominância do interesse” (SILVA, 1999), segundo o qual competem
à União as matérias de caráter mais geral, aos estados, as de interesse mais regional e, por fim,
aos municípios, os assuntos mais restritos, de cunho local. O Brasil adota uma divisão vertical de
competências, ou seja, a Constituição não determina todas as atribuições de forma exclusiva a um
ente, havendo partilha de certas funções entre todos os envolvidos.
A Constituição da República de 1988 promoveu uma grande alteração na aparência e na organização
da forma federativa de Estado, e o traço principal e mais marcante que se extrai dessa Carta é o
fortalecimento em definitivo da União em relação às outras unidades da Federação. O governo central
mantém, hoje, uma posição de cômoda hegemonia na atividade legislativa em todos os níveis.
Portanto, é de se atentar para a real e efetiva aplicação da ideia da federação no país, pois, sob o manto
de nova repartição de alçadas entre os entes federados e de democrática elevação do município, a
unidade formadora da Federação brasileira está, na verdade, centralizando mais o controle de poder
nas mãos da União e enfraquecendo, progressivamente, a autonomia dos estados-membros.
No Brasil, questões como limites de endividamento são decididas em nível federal, havendo, portanto,
a obrigatoriedade de uniformização entre os diferentes estados, e a mesma lei vale para todos.
O controle do endividamento dos estados e municípios é de competência do Senado Federal. Além
disso, Estados como Roraima e São Paulo, que possuem realidades completamente diferentes,
são submetidos às mesmas restrições de endividamento da Emenda Constitucional n. 3 e, mais
recentemente, da Resolução n. 78/1998 do Senado Federal (que substituiu a Resolução n. 69/1995),
sem, entretanto, possuírem nem a mesma capacidade de pagamento nem a mesma necessidade de
financiamento.
No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, as questões referentes a limites (e condições) de
endividamento público estadual e municipal são de competência do Senado Federal.

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A Constituição da República de 1988 determina, no art. 52, que compete privativamente ao Senado
Federal:
[...]
VI — fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da
dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII — dispor sobre limites globais e condições para operações de crédito externo e
interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e
demais entidades controladas pelo Poder Público Federal; [e]
[...]
IX — estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
[...]

A questão federativa está associada, em termos concretos, à definição das competências de cada
esfera do governo e da alocação dos recursos financeiros necessários à execução dessas competências.
Evidencia-se, assim, o papel fundamental que a questão tributária assume quando se trata do
federalismo. É natural que assim seja, uma vez que é a disponibilidade de recursos que determina,
efetivamente, o grau de autonomia de uma entidade federada e delimita suas competências.
O regime fiscal federalista é normalmente considerado capaz de gerar um equilíbrio na redistribuição
de recursos públicos oriundos do governo central. Entretanto, tal resultado nem sempre é verdadeiro.
Essa redistribuição pode desequilibrar-se e tornar-se dependente da distribuição do poder político
entre os estados bem como da composição da base de sustentação política do governo central.
Essas interações entre atuação política e redistribuição de recursos, mesmo sendo essência do
regime federalista, tornam o controle da despesa pública mais difícil. Entender tais circunstâncias é
importante para a implementação de uma política redistributiva bem como para o delineamento de
políticas mais efetivas em relação aos estados. Para as instituições políticas encarregadas da definição
e da supervisão das relações intergovernamentais, esse ingrediente é fundamental, em se tratando da
manutenção de uma política destinada à redução dos desníveis de renda a médio e a longo prazos em
vez da manutenção de políticas puramente clientelistas.
O que se observa no cenário atual é que ainda há concentração excessiva das receitas e de gastos na
União, transferência de encargos para estados e municípios sem receitas correspondentes, além de
redução da base das transferências intergovernamentais.

5.2 Endividamento X investimento


Conforme a literatura de finanças públicas, as três funções clássicas do governo são as funções
alocativa, estabilizadora e redistributiva (HARADA, 2017). A função alocativa é a primordial para o
endividamento dos estados, e o governo intervém na alocação dos recursos econômicos e produtivos
quando os mecanismos de mercado falham em assegurar a eficiência na alocação de recursos.
A introdução do mecanismo do endividamento para financiar esses gastos acrescenta à consideração
de equidade geográfica a equidade intertemporal. Muitos bens e serviços providos pelos estados e
pelos municípios são despesas de capital que resultam em projetos que possuem uma vida útil e,
portanto, oferecem retorno à população durante todo esse período.

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A consideração de equidade intertemporal sugere que, para evitar o surgimento do free rider4, o
pagamento desses projetos deve ser efetuado durante o seu período de vida útil. Quando um projeto
é integralmente financiado com dívidas, que são roladas indefinidamente, as gerações presentes se
beneficiam do projeto, enquanto as gerações futuras poderão ficar exclusivamente com as dívidas,
caso a vida útil do projeto já tenha se esgotado.
Avaliar quais políticas públicas devem ser atendidas é um grande desafio determinado por variáveis
complexas, como a descontinuidade de gestão pela mudança periódica de governo, tendo em vista
que no Brasil as políticas públicas são geralmente direcionadas à política de governo e não à de Estado.
Esse aspecto se traduz na desconstrução de estruturas e benefícios gerados por outros governos para
que a “marca” do atual se perpetue. No que concerne à Teoria da Escolha Pública, verifica-se o interesse
em atender às expectativas dos grupos mais poderosos e bem organizados.
Para compreender melhor a Public Choice, basta observar que o crescimento dos gastos públicos
é devido ao autointeresse de eleitores, políticos e burocratas, ou seja, pesquisadores ligados à
Public Choice têm procurado demonstrar que os gastos públicos e a burocracia crescem de forma
significativa e ineficiente. Dessa maneira, a despesa pública, em total contraste, é uma decisão
altamente arbitrária; o voto democrático pode, na melhor das hipóteses, apenas influenciar a
destinação do gasto, mas as demais questões persistem sem solução.
O endividamento público é um instrumento fundamental para a distribuição intertemporal ótima
das políticas públicas. É por meio dele que a provisão dos bens públicos pode ser temporalmente
dissociada da arrecadação dos recursos para lhe fazer face. Para que o instrumento do endividamento
possa cumprir de forma adequada seu papel, faz-se necessário que o emissor adote uma política
crível, em que os valores contratualmente estipulados sejam honrados. Em outras palavras, a política
fiscal tem de ser sustentável.
Na condição de periferia do sistema mundial, coube ao Brasil somente uma forma de mudança das
estruturas econômicas. Essa modificação estrutural envolveu a necessidade de queimar etapas no
processo de desenvolvimento da industrialização no país para modernizar a economia nacional,
o que se fez possível somente com o advento da República, com isso instalaram-se indústrias,
construíram-se estradas de ferro, modernizaram-se portos e fundaram-se bancos, porém, à custa
de grande dívida contraída aos financistas europeus. Uma das principais percepções a respeito da
Teoria da Escolha Pública, quanto ao cenário apresentado, é que os resultados políticos diferem
dos resultados de mercado. Essas diferenças não decorrem das motivações comportamentais dos
indivíduos, mas das estruturas institucionais dentro das quais os governantes buscam alcançar ou
atingir interesses.
Em decorrência da tomada de decisão fundamentada no “desenvolvimento econômico”, ao contrair
dívida pública, o governo suga a poupança da nação para gastos questionáveis, em que o desperdício
4
A microeconomia define o comportamento free rider como sendo aquele em que um ou mais agentes econômicos acabam
usufruindo de um determinado benefício proveniente de um bem, sem que tenha havido uma contribuição para a obtenção
de tal. Esse problema surge na provisão de um bem público, já que o mesmo tem como características a não rivalidade e a não
exclusividade, ou seja, a ele não pode ser atribuído um direito de propriedade. Dessa forma, “os indivíduos não têm incentivos
a pagar tanto quanto o bem realmente vale para ele”. E é justamente por isso que a provisão de bens públicos é menor que a
socialmente desejada. (GIANTURCO, 2017).

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é inevitável. A poupança é direcionada ao financiamento de atividades improdutivas, privando
investimentos lucrativos de recursos escassos.
É costumeiro analisar a situação fiscal do governo de um país com base em sua relação dívida / Produto
Interno Bruto (PIB). São muitas as razões por que esse único dado pode ser um indicador importante
de solvência. Em primeiro lugar, o valor da dívida pouco quer dizer se não é sabido o tamanho da
economia, já que o valor do superavit potencial depende, entre outras variáveis, do total de recursos
que essa economia é capaz de produzir.
Um aspecto também relevante da discussão está relacionado ao fato de que, ainda que o conceito de
sustentabilidade esteja associado ao comportamento de longo prazo da política fiscal, muitas crises
de solvência dos governos são caracterizadas por restrições de liquidez de curto prazo. É, nesse caso,
importante ter em mente que a análise da situação fiscal de um governo deve compreender ambas as
dimensões da questão.
Comparando o Brasil dentro de um contexto mundial, os avanços quanto ao crescimento econômico
deixam a desejar, desde o momento em que os dados estatísticos começaram a ser apurados
sistematicamente.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento do PIB mundial ocorreu na seguinte
sequência:
a) “anos dourados” — 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) a 1973 (choque do petróleo);
b) década de 60 — maior crescimento do PIB mundial;
c) década de 70 — prejudicada pela crise de petróleo;
d) década de 80 — baixo crescimento do PIB mundial;
e) década de 90 — prejudicada pelos anos ruins de 1991 a 1993 (Bush, recessão);
f ) período de 2003 a 2006 — crescimento elevado nos anos Clinton e mais rápido que na década
de 60.
A economia brasileira desde o início dos anos 80 vem alternando pequenos ciclos de crescimento
com desacelerações econômicas, muitas vezes abruptas. Esse padrão de crescimento se reproduz ao
longo dos anos 2000: em 2000, o PIB cresceu 4,3%; entre 2001 e 2003 houve uma forte desaceleração
(nesse período, o PIB cresceu a uma taxa média de 1,7% ao ano); entre 2004 e 2008, a economia
brasileira cresceu a uma média anual de 4,8%; em 2009, houve uma breve recessão devido ao
contágio da crise mundial; em 2010, a economia cresceu 7,6%, vindo a desacelerar entre 2011 e
2014 para 2,4% a.a. em média. Em 2015 e 2016, a economia entrou em forte e prolongada recessão,
com crescimento negativo médio de -3,7% a. a., puxado para baixo tanto pelo setor de serviços
quanto pelo setor industrial. Pelo histórico apresentado, verifica-se que o crescimento médio do PIB
brasileiro foi de 2,1% ao ano, em outras palavras, o desempenho do PIB foi medíocre.
Em contrapartida, a Dívida Pública Federal (DPF) evolui substancialmente. Subiu 1,59% em termos
nominais na passagem de abril para maio de 2018, somando R$ 3,716 trilhões, conforme dados do
Tesouro Nacional. Pelas metas estabelecidas no Plano Anual de Financiamento (PAF), a DPF deve
oscilar entre R$ 3,78 trilhões e R$ 3,98 trilhões.

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Em maio de 2018, a dívida pública bruta atingiu um patamar inédito: 77% do PIB, o equivalente a R$
5,133 trilhões, conforme dados do Banco Central (BC). No entanto, se fosse utilizada a metodologia
do FMI, que considera na conta os títulos do Tesouro Nacional na carteira do Banco Central e que
somaram R$ 595 bilhões no quinto mês do ano, ou 8,9% do PIB, esse dado seria muito pior. Chegaria
a 85,9% do PIB, percentual acima da média dos países europeus e muito próximo aos 87% do PIB
previstos pelo fundo para a dívida pública bruta brasileira no fim daquele ano.
A grande crítica que se faz dirigida à política fiscal, não apenas do atual governo, como também do
anterior, é exatamente que a política de obtenção de superavit primário5, da ordem de 4% do PIB ou
mais, coincidiu com um aumento expressivo do gasto público, uma vez que ambos os fenômenos
foram simultaneamente viabilizados pela existência de uma elevada — e crescente — carga tributária.
Tudo se processa então como se, ao invés de existir uma restrição orçamentária a ser obedecida, dado
um nível de receita condicionante do valor da despesa, a causalidade fosse contrária, uma vez que as
demandas por maior gasto público para certo compromisso de geração de superavit primário impõem
o nível de taxação “requerido” para fechar a equação de financiamento.
Nesse sentido, níveis de superavit primário que podem ser satisfatórios para conservar estável a relação
dívida/PIB revelam-se insuficientes para evitar uma alta dessa relação, na presença de valores elevados
da taxa de juros e/ou de baixo crescimento econômico. Em linhas gerais, isso descreve os percalços
sofridos por essa relação depois do Plano Real, em um contexto histórico como o dos primeiros 10
anos de estabilização, caracterizados por taxas de juros elevadas e por crescimento baixo, na média
do período.
A urgência do reequacionamento da dívida tem a ver com o quociente da dívida sobre o PIB, não
apenas pelo crescimento da dívida, mas também pela queda do PIB. Esse é o ponto de discussão. A
dinâmica da dívida pública deve ser reorientada, verificando a sua contaminação pelo crescimento
dos seus custos quando faltam o denominador PIB e o rumo previsível para esse denominador.
Como instrumento de financiamento do Estado, a dívida deveria cumprir seu papel e ter um impacto
positivo sobre a sociedade, pois, ao contrair uma dívida, o governo obtém recursos para investir em
infraestrutura e programas sociais, por exemplo; porém, o endividamento traz como consequência os
juros, que afetam o crescimento da própria dívida pública, tornando-se um ciclo vicioso.
Analisando a situação fiscal prospectivamente, o Brasil tem cinco grandes desafios, ligados entre si:
a) aumentar o crescimento da economia em relação às taxas medíocres dos últimos 25 anos;
b) conseguir reduzir a taxa de juros, da média real de 11% durante o período de oito anos, 1999-
2006, mesmo após a mudança cambial de 1999, para um nível mais razoável, na faixa de 6% a
7% até o final do próximo governo, e 4% posteriormente;
c) diminuir de forma mais intensa a relação dívida pública/PIB, ainda muito elevada;
5 Superavit primário é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros. O
deficit primário ocorre quando esse resultado é negativo. Ambos constituem o “resultado primário”. O resultado primário é importante
porque indica, segundo o Banco Central, a consistência entre as metas de política macroeconômicas e a sustentabilidade da dívida,
ou seja, da capacidade do governo de honrar seus compromissos. A formação de superavit primário serve para garantir recursos para
pagar os juros da dívida pública e reduzir o endividamento do governo em médio e longo prazos. Disponível em:https://www12.
senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/superavit. Acesso em: 22 nov. 2018.

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d) ampliar o espaço para o investimento público, negativamente afetado por 25 anos de crise
fiscal;
e) reduzir a carga tributária, parte importante do cardápio requerido para estimular um maior
crescimento da economia.
Os determinantes próximos do desenvolvimento econômico constituem capital físico, capital humano,
infraestrutura, políticas econômicas etc. Esses fatores, no entanto, são escassos. Indivíduos (pessoas,
empresas e governantes) fazem escolhas que condicionam os estoques de capital físico e humano,
políticas econômicas implementadas, entre outros. Há uma razão mais importante que explica por que
alguns países são ricos e, ao mesmo tempo, fazem escolhas que conduzem a maior desenvolvimento.

6 CONCLUSÃO
Precipuamente, cabe elucidar que é função do Estado promover políticas públicas e seu papel
deve figurar ativamente, quando este utiliza os investimentos para impulsionar o desenvolvimento
nacional ou regional, ou passivamente, quando os investimentos passam a surgir devido aos gargalos
na infraestrutura que dificultam a expansão do setor produtivo.
A Teoria da Escolha Pública aplicada ao sistema democrático; contudo, não é suficiente para que se
possa definir o papel exato que cabe ao Estado na administração de jogos econômicos complexos
e no enfrentamento de soluções perversas dos recorrentes “dilemas de prisioneiro”. Essa teoria vem
cumprindo papel proeminente na atualização do debate sobre o papel do Estado na regulação dos
conflitos de interesse, bem como nos fundamentos do contrato social economicamente consistente,
ao traduzir num sistema matemático rigoroso e operativo alguns dos dilemas clássicos da Filosofia e
da Ciência Política.
Analisar as Constituições brasileiras e identificar a atuação do Estado dentro do sistema econômico é
perceber a importância de como ideologias, movimentos sociais e contextos políticos e econômicos
interferem na organização das formas de ação do próprio Estado na economia.
A Carta Magna de 1988 implementou fortemente um sistema de princípios e regras, compreendendo
uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica e uma ordem social. Nesse momento,
promove a regulação econômica, inaugurando o Estado Social e dando ensejo ao surgimento das
chamadas constituições econômicas.
É importante registrar que o contexto histórico da promulgação da Constituição da República ansiava
pela valorização do trabalho humano e pelos dispositivos protetivos sociais que assegurassem a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Contudo, essa escolha baseada no “interesse
público” e nascedouro da redemocratização trouxe, após 30 anos de existência, ônus e desafios a
serem discutidos, principalmente no que concerne à amplitude de direitos e aos custos advindos das
obrigações estatais impostos pelo texto constitucional.
No Brasil, em nome do assistencialismo, vem-se agredindo a eficiência econômica, desde a sustentação
de esquemas protecionistas até a manutenção, por exemplo, de um regime de aposentadoria que
privilegia a classe média e alta com um discurso populista de proteção aos pobres. A despesa brasileira
com a previdência vem aumentando como a proporção do PIB há 20 anos, desde a redemocratização,

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conferindo um papel errôneo, ou pelo menos oneroso, ao governo. Como consequência, vivencia-se
uma carga tributária insustentável.
Pôde-se constatar a precária qualidade da administração pública e a limitada capacidade de
planejamento setorial e de execução do governo. Constatou-se, ainda, que a fragilidade regulatória e
de marcos legais favorecem a promoção da insegurança jurídica, contraindo o limite do investimento
da iniciativa privada.
Democracias consolidadas têm-se valido das lições da Teoria da Escolha Pública, e há mais
reconhecimento dos interesses privados dos legisladores e dos burocratas e da necessidade de
restringi-los. Tais políticas estão se tornando comuns: legislação com termo final para limitar o tempo
de vida de agências e programas públicos, privatização e desregulação, simplificação tributária,
competição entre e dentro das agências governamentais, experimentação de mercado para provisão
pública, barreiras constitucionais aos empréstimos governamentais e outras medidas.
Por fim, a Teoria da Escolha Pública, por si só, não pretende proporcionar alguma esperança ilusória
de “sistema social” ou “interesse público”. Ela somente procura ser fonte de informação para o debate
político, explicando as diferentes dinâmicas entre indivíduos motivados que emergem de diferentes
instituições políticas e destacando as consequências distintas que surgem como resultado.

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