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dos ntenacionas de Catlogago na Pubcaio (0P) ‘Camara Bola do tro, Se Basi) Montanari Maso, 1948 ‘Comido cone cutura / Masso Montanad raducio de {etiia Marthe de Andrade - 580 Paulo“ Edtora Snae So Paulo, 2008, Tul eign dbo come cur ISBN 978-867350-768-4 1 Almentos-Hisrin2 Hbitosalmentares~ stra ul, oe-10944 co0-6413 Incas pra catlogo sisters: 1. Alimentagio: Aspects cultura sncos 6413 2, Alimentos: Aspectasistérices € atures massimomontanari comidacomocultura tradugéo Leticia Martins de Andrade jogar com 0 espaco A luta pelo dominio do espaco é um tipo de alternativa (ou de variante) ao jogo do tempo: atranjar comida de outros lugares mais ou menos distantes, empenhando-se em derrotar as restri- {Ges do territério, além de derrotar a variabilidade sazo- nal dos produtos. € uma pratica antiga que permaneceu por milénios como um privilégio social, aliés, um sinal do privilégio social. Como escreve Cassiodoro, ministro do imperador Teodorico (século VI d.C.): "Apenas 0 cidadao comum se contenta com o que o tertit6rio fornece. Amesa do principe deve oferecer de tudo e suscitar maravilha somente ao vé-la". Desta forma, representa e celebra a sua diversidade. A.agao sobre 0 espaco e a aco sobre o tempo se cru- zam e se reforcam alternadamente. Mas, com o passar a fabri dos séculos, a primeira tende a se tornar progressivamen- te mais importante que a segunda: o fendmeno é visivel jd na Idade Média, com a ampliacdo das correntes comer- ciais, e fica cada vez mais evidente com as viagens ao redor do mundo, que se multiplicam a partir do século XVI. © paso decisivo é a revolucao nos transportes, induzida pela industrializacao oito-novecentista, que per- mmite resolver alhures os problemas do aprovisionamento alimentar, tornando menos determinantes as técnicas de diversificacao produtiva e aquelas de conservacao ou, pelo menos, combinando-sea elas com um peso cada vez mais significativo. A relagao dos homens com o espaco, enfim, modificou-se radicalmente, ampliando-se até culminar na légica da “aldeia global”. Hoje, nos patses industrializa- dos, & possivel encontrar produtos frescos em todas as 6pocas do.ano, empregando o sistema-mundo como area de produgéo e de distribuicao. Isso constitui uma verda- deira revokigio se nos referimos & nova dimensao plane- ‘aria da economia alimentar e 8 amplido do corpo social envolvido (pelo menos nos paises ricos, os mecanismos do mercado global e a drastica diminuicao dos custos ampliararr potencialmente a faixa dos consumidores & quase totalidade da populacio). No plano cultural, toda- via, essa revolucgo é apenas aparente: as necessidades e 08 desejos que ela satisfaz sao necessidades e desejos an- tigos, mesmo que antigamente se realizassem em espa- 0s mais limitados e para um numero mais restrito de consumidores. A propésito desses temas refletia perspicazmente Bartolomeo Stefani, cozinheiro-chefe na corte mantuana dos Gonzaga no século XVII e autor de um importante tra- tado de cozinha que destacava como os alimentos nunca sfo, a rigor légico, “contra-estagio”. Nao se espantem, escrevia ele, se “nestes meus discursos, em certos momen- tos, peco algumas coisas, como, por exemplo, aspargos, alcachofras, erilhas [...] nos meses de janeiro e fevereiro, e coisas semelhantes que, & primeira vista, parecem contra- estagao”, Nao se espantem se, em 27 denovembro de 1655, no banquete preparado em honra da rainha Cristina da Suécia, de passagem por Mantua durante a viagem que a levava a Roma, mandei servir como primeiro prato (em 27 de novembro!) morangos ao vinho branco. A Itélia (hoje dirlamos: a Terra) é t4o rica de coisas boas que seria um pecado nao leva-las para a mesa dos gastrénomos. Diante de tal abundancia ~ aqui Stefani apresenta uma lista de especialidades regionais -, por que se fechar em seu pré- prio e pequeno horizonte? Por que se limitar ao “pao da cidade natal"? Na realidade, eles tém “bons cavalos e boa bolsa” (dito de outra forma: répidos meios de transporte e adequada disponibilidade de dinheiro), 0 suficiente para encontrar noutros lugares, frescas e em qualquer estacao, “todas aquelas coisas que eu sugiro” Bons cavalos e boa bolsa: os carqueiros e os TIR' que abastecem nossos supermercados, fazendo cair, juntamen Sigla para Transports Intemationaux Routiers, que pode se referir 8 convengSo que regula 0 transporte internacional de mercadorias Subriearbuprbpate carside ‘te com ospregos, as imagens de prestigio que desde sem- pre acompanharam os produtos exéticos. Hoje, a distin- ‘G20 se deslocou para outro lugar: paradoxalmente, para © “territério" longamente desonrado. Mas voltaremos a falar sobre isso. sobre rodovias eferrovias na Europa ou aos préprios caminhées e trans quec fazem, como neste caso. (N. T) “6 conflitos “[...] € © homem criou suas plantas e seus animais.” Mas historicamente aquele homem ndo existe, uma abstracao que se encarna em homens concretos, que vivem (no plural) em sociedades mais ou menos complexas, nas quais os choques de po- der e 0s conflitos pelo controle dos recursos so uma rea- lidade permanente. Sob essa luz, deveros reconsiderar muitas das coisas ja ditas, observando, em linha geral, que 0s conflitos assumem caracteristicas diversas de acor- do com o seu desenvolvimento em comunidades social e culturalmente coesas, ou envolvem relagoes de natureza diversa entre comunidades e culturas diferentes. Nas sociedades mais simples, a contraposigéo aconte- ce entre classes dominantes e classes subatternas em cada comunidade e em cada territério. Por exemplo, a socieda- a

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