Ressonancia

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6.

Ressonâncias e a
produção da voz

1 O que é a ressonância?
De uma forma geral podemos dizer que um sistema entra em ressonância se
lhe é fornecida do exterior uma excitação a uma das suas frequências próprias.
Dito assim, parece muito complicado, mas o que já aprendemos sobre ondas
estacionárias vai ajudar-nos a compreender este conceito.

Figura 1: Uma coluna de ar transmite com eciência as frequências resonantes a


tenua as frequências não ressonantes.

Já vimos que uma coluna de ar só sustém ondas estacionárias a frequências


bem determinadas. Isso assim acontece porque apenas a essas frequências (que
são as frequências próprias de oscilação da coluna) o comprimento de onda é tal
que permite satisfazer as condições aos extremos da coluna (de nodo ou antinodo)

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para que haja interferência construtiva entre as ondas incidente e reectida. Para
qualquer outra frequência que não uma das próprias a onda não se encaixa bem
na coluna, e como consequência não pode haver interferência construtiva entre
onda incidente e reectida e portanto onda estacionária.
Vejamos agora a gura 1. Nesta gura temos três altifalantes a emitirem
ondas de frequências diferentes.
Como se vê, apenas num dos casos se origina uma onda estacionária. Neste
caso a onda é transmitida com bastante eciência. Nos outros casos a onda é
menos transmitida. Isto tem a ver com o facto de que nas frequências resso-
nantes do sistema a amplitude de vibração das ondas estacionárias é grande.
Esta vibração é comunicada também à própria coluna. Por sua vez a vibração
da coluna comunica ao ar exterior uma vibração forte. Nas frequências não
ressonantes a amplitude de vibração é mais pequena porque as ondas incidente
e reectida tendem a cancelar-se mutuamente. Como consequência, a vibração
transmitida ao ar exterior também é mais fraca.
Concluímos portanto que as frequências ressonantes são as frequências corre-
spondentes às ondas estacionárias e que uma coluna de ar vibra e transmite mais
ecientemente o som às frequências ressonantes.
Um exemplo mecânico ajuda a compreender o conceito de ressonância. Uma
criança num baloiço realiza um movimento com uma dada frequência caracterís-
tica (digamos 1 Hz, por exemplo, ou seja, 1 s para o movimento completo de
vai-vem).

Figura 2: Para que o balouço absorva ressonantemente a energia fornecida pelo


robot é necessário que os impulsos sejam fornecidos à frequência natural de os-
cilação do balouço.

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Um robot é incumbido de empurrar a criança. Se a frequência com que o
robot empurra a criança for de 1,4 Hz, o que vai acontecer é que na maior parte
das vezes o impulso do robot não encontra a criança: dá um empurrão no vazio.
Como consequência o movimento do baloiço tende a acabar, ou pelo menos ser
aos engasgões. Se o robot, porém, for regulado para empurrar a criança à
frequência de 1 Hz, todos os empurrões são ecazes (se os dois movimentos es-
tiverem em oposição da fase, não é?), e o baloiço vai cada vez mais alto no seu
movimento. Isto quer dizer que se a energia for transmitida ao sistema (o baloiço)
à frequência de ressonância (que é a frequência natural so sistema, 1 Hz), então
ela é ecientemente transmitida. Por outro lado, fora da frequência de ressonân-
cia a energia exterior (do robot) é muito pouco ecientemente transmitida. É
ainda interessante notar que se o robot empurrar o baloiço a 2, 3, 4 ... n Hz
(n-ésima harmónica), a criança também vai ganhando sempre energia, embora
n−1 empurrões sejam em vazio e apenas um seja realmente ecaz.

2 Caixas de ressonância

Figura 3: As ressonâncias do violino provêm da própria estrutura da


madeira e da entrada e saída de ar através dos  . Retirado de
http://202.113.227.137/songz/index/hyper/hbase/music/imgmus/vior3.gif

O corpo de um violino é um bom exemplo de caixa de ressonância. A sua


estrutura é bastante mais complexa do que as colunas de ar que estudámos.
No entanto o processo físico da ressonância é fundamentalmente parecido: a
estrutura do violino vibra naturalmente a certas frequências. Qual é a origem

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destas frequências naturais? No caso do violino devemos considerar a própria
estrutura de madeira e a entrada e saída de ar através dos orifícios do violinos,
que se chamam de   (efes).
Quanto às ressonâncias da madeira, podemos pemsar no que acontece se bater-
mos na estrutura do violino. Ouve-se um ligeiro zumbido. Esse zumbido é origi-
nado pela vibração da estrutura às suas frequências próprias (que serão também
as frequências de ressonância).
Quanto à entrada e saída de ar através dos , podemos pensar no que acon-
teceria se aspirarmos um pouco do ar dentro da caixa do violino, reduzindo a
pressão interna. Quando destaparmos outra vez o violino a pressão tenderá a
reequilibrar-se e vai entrar ar de fora para dentro do violino. Devido à inércia
das moléculas acaba por entrar um pouco mais de ar do que é necessário para
equilibrar a pressão para dentro da caixa. Assim, neste ponto, acabamos por ter
uma pressão ligeiramente superior dentro da caixa. Agora o processo reverte-se:
como a pressão na caixa é levemente superior, o ar vai sair da caixa para o ex-
terior, para de novo reequilibrar a pressão. Também de novo, devido à inércia,
vai acabar por sair um pouco mais do que é necessário e neste instante a pressão
dentro da caixa ca inferior à exterior...O processo repete-se durante alguns ciclos
mais, embora cada vez com menos intensidAde. Esse movimento de vai-vém do
ar que se estabelece até ao reequilíbrio completo da pressão de ar dentro e fora
da caixa é também feito a uma dada frequência característica que depende das
características da caixa e da forma dos orifícios. Essa frequência é portanto uma
das frequências naturais do sistema e corresponderá a uma das suas ressonâncias.
As cordas do violino emitem frequências bem denidas, que correspondem às
notas musicais. A energia sonora emitida pelas cordas funciona como fonte de
energia exterior ao sistema (=caixa). Se as frequências de ressonância do corpo
do violino coincidirem com as frequências das notas, então dá-se ressonância. A
caixa do violino vibra ressonantemente com as cordas, reforçando a transmissão
do som. O violino tem então um som cheio e forte.
Por outro lado, se as frequências de ressonância da caixa não coincidirem com
as frequências das cordas, então a caixa vibra muito pouco em resposta às cordas.
O som é essencialmente fornecido pelas cordas e não pela caixa, e por isso parece
ninho, débil.
Na gura 4 estão representadas as frequências fundamentais das cordas do
violino e a transmissão das várias frequências pelo corpo do violino.

Vericamos que na gura de cima as frequências das cordas são próximas das
frequências de ressonância do corpo do violino. É assim que deve ser um bom
instrumento, amplicando as notas das cordas. No entanto nem sempre é assim.
Na gura de baixo vemos que as frequências de ressonância estão bastante mais
desfazadas das frequências fundamentais das cordas.
As cavidades bocal e nasal servem também de estruturas ressonantes que
transmitem selectivamente as frequências emitidas pelas cordas vocais. Tratare-

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Figura 4: As ressonâncias do corpo do violino e as frequências fundamentais das
suas quatro cordas .

mos este assunto em detalhe na secção seguinte.

3 Como é que se produz a voz?


Para compreendermos como é que se produz a voz devemos compreender a função
dos dois componentes fundamentais: as cordas vocais e as cavidades ressonantes
(oral e nasal).
Normalmente as cordas vocais estão relaxadas e não constituem qualquer
obstrução à passagem do ar. Isto está representado na gura 5a.

Figura 5: As cordas vocais contraem-se antes de começar o som.

Antes de falar a tensão das cordas vocais aumenta e estas acabam por fechar.
Isto está representado am (b)  (d) da gura 5.
O ar então é empurrado contra as cordas vocais, exercendo pressão sobre elas.
As cordas suportam essa pressão até um certo ponto, e depois deixam o ar passar.

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Inicia-se então a vibração das cordas vocais, exactamente da mesma forma que
as cordas que vimos no capítulo anterior.
Assim, a vibração das cordas vocais vai dar origem a uma frequência funda-
mental e a muitos harmónicos desta frequência. A frequência fundamental e a
proporção dos harmónicos depende da tensão das cordas. Na gura 6 mostram-se
várias aberturas das cordas (logo várias tensões) e o som fundamental a que essas
aberturas correspondem.

Figura 6: A frequência fundamental da vibração das cordas vocais depende da


abertura.

Na gura 7 mostra-se um espectro típico do som produzido pelas cordas


vocais.

Figura 7: Espectro do som produzido pelas cordas vocais.

Este gráco indica a proporção das harmónicas no som produzido. A altura


das barras do gráco é proporcional ao peso das harmónicas no som emitido.
a
Podemos ver que a frequência fundamental é 125 Hz e que a 24 harmónica, a
3000 Hz, ainda tem um peso signicativo! A gama de frequências usada na fala
é realmente cerca de 100 Hz a 3000 Hz.
O gráco mostra ainda que o espectro do som emitido pelas cordas vocais
é bastante uniforme, não se salientando particularmente nenhuma frequência.
Poderíamos caracterizar o som emitido pelas cordas vocais como quase ruído.
Realmente, se zermos o espectro do ruído (recolhido numa zona ruidosa, por
exemplo, uma rotunda em hora de ponta ou o ruíodo numa sala grande e cheia
de pessoas a conversar), obtemos uma gura muito semelhante à gura 7, com a
única diferença de que será contínuo. O que é que isso quer dizer? O espectro
da gura 7 é descontínuo porque só aparecem valores discretos de frequência,

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correspondentes aos harmónicos. Por exemplo, não há som aos 199 Hz, porque
a
entre a frequência fundamental a 125 Hz e a 2 harmónica a 250 Hz não há mais
nenhuma frequência possível. No caso do ruído todas as frequências são possíveis.
Portanto podemos imaginar o espectro do ruído como igual ao da gura 7, mas
a cheio.
Portanto, o som emitido pelas cordas vocais é muito pouco denido parece-se
quase com ruído, pois contém quase todas as frequências usadas na fala com igual
peso. É a cavidade ressonante, constituída pelas cavidades oral e nasal, que vai
transmitir selectivamente as frequências presentes no som emitido pelas cordas
vocais e moldar o espectro.
De acordo com o que já vimos, esperamos que os sons correspondentes às
frequências próximas das frequências de ressonância sejam amplicados e que os
sons correspondentes a frequências afastadas das ressonâncias sejam atenuados.
E quais são as frequências de ressonância associadas às cavidades oral e nasal?
Por incrível que pareça, as cavidade oral tem muito aproximadamente as car-
acterísticas de uma coluna de ar fechada numa das extremidades e de compri-
mento de 17 cm.

Figura 8: A cavidade oral é semelhante a uma coluna de ar aberta numa extrem-


idade e fechada noutra.

Se nos lembrarmos que as frequências ressonantes para uma coluna fechada

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numa extremidade são da forma

(2n − 1)v
fn = , n = 1, 2, 3, . . . (1)
4L
e que as frequências de maior importância para a fala estão entre 300 e 3000 Hz,
vemos que as três primeiras harmónicas da cavidade oral estão aproximadamente
aos 500, 1500 e 2500 Hz.
É claro que se trata de um modelo. No entanto é um modelo que nos permite
compreender bastante bem a física da formação da voz. A realidade é bastante
mais complexa, mas a verdade é que as frequências de ressonância encontradas
andam perto dos valores que se determinam com este simples modelo.
Quando o espectro da gura 7 é ltrado pela cavidade oral ressonante, um
resultado típico pode ser o que está mostrado na gura 9.

Figura 9: Espectro típico de um som depois de ltrado pela cavivadae oral resso-
nante.

Nets gura veos as três frequências ressonantes. Estão próximo de 500, 1500 e
2500, como se disse, mas apenas próximas. As frequências ressonantes observadas
neste caso particular são 1000 Hz, 1750 Hz e 2500 Hz.
Cada som é caracterizado pelas suas três frequências mais fortes, que são as
frequências de ressonância das cavidades oral e nasal. Quando falamos mudamos
continuamente a conformação da cavidade oral, e é isso que altera os valores das
três frequências de ressonância.
Por outro ladoa tensão aplicada às cordas vocais faz alterar a frequência fun-
damental e portanto o espectro das harmónicas emitidas. É a combinação dos
dois efeitos (variação das frequências de ressonância e variação do espectro de har-
mónicas emitido pelas cordas vocais) que produz a riqueza de sons que usamos
para comunicar.
As três frequências ressonantes formam três picos no espectro do sons falados.
Chamam-se a esses picos de formantes, já que correspondem às frequências
dominantes que realmente determinam a forma do som. Evidentemente que as

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outras frequências também contribuem para o som, mas não há dúvida de que é a
posição das formantes que determina a sua estrutura e que o caracteriza. Podemos
dizer que o ouvido está treinado para reconhecer as formantes. Veremos isso um
pouco melhor no capítulo sobre o ouvido.
Na última gura vemos a posição e peso relativo das formantes em alguns sons
do inglês. Nesta gura só estão representadas as formantes por simplicidade. É
claro que as outras frequências continuam lá, mas não foram representadas,

Figura 10: Formantes de vários sons do inglês.

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