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O GAMINHA: Nosso primeiro jornal escolar

A experiência foi realizada em escola pública municipal localizada na periferia urbana


do Recife. A comunidade local é formada por famílias de baixa renda com grande índice de
desemprego e subemprego. As crianças que frequentam a escola são oriundas de famílias com esta
característica e a maioria dispõe de poucas oportunidades de acesso a bens culturais além dos
oferecidos pela escola.
A escola conta com uma estrutura simples oferecendo para o atendimento aos alunos,
além das salas de aulas, um pátio interno, um pequeno laboratório de informática e uma biblioteca.
Na estrutura administrativo-pedagógica conta com os professores, um coordenador pedagógico,
uma especialista em informática, um assistente de direção, dirigente e vice-dirigente e quatro
estagiários.
Ao iniciarmos nosso plano de trabalho do ano letivo 2005, no ciclo II ano II (4ª série),
não queríamos que as atividades de leitura e escrita, de forma alguma tendessem a ficar chatas. Por
isso refletimos sobre formas de transformar essas leituras e escritas em atividades prazerosas e
significativas para as crianças. A leitura pode ser uma fonte de informação, de conhecimento e de
prazer e é importante despertá-las para esse fato.
Durante o processo de diagnose da turma constatamos que poucos estudantes tinham
acesso ao jornal em casa, ou seja, que os pais não tinham o hábito de ler. A partir desse dado,
priorizamos a produção do nosso primeiro Jornal escolar, pois esse veículo é um importante
instrumento de comunicação e aproximação de toda comunidade escolar, além de possibilitar a
valorização das produções textuais dos estudantes e estimulá-los a elaborarem cada vez mais, textos
complexos e significativos, destinados a um auditório real, percebendo a função social da leitura e
da escrita.
Inicialmente fiz a enquete: Quem ler jornal na sua casa? Você já leu um jornal? Pois
queria fazer um levantamento referente ao acesso a leitura de jornais pelos alunos e também as suas
respectivas famílias. Após esse levantamento, construímos o gráfico, no quadro, para que eles
pudessem visualizar essa sondagem.
Começamos então a leitura de diversos jornais, impressos e on-line. Visitamos os sites:
www.recife.pe.gov.br, neste lemos o boletim diário , e www.ipec.org,br, lemos “Os Corujinhas” ,
eles adoraram, principalmente por sua linguagem ser apropriada para a faixa etária deles.
Demonstraram neste momento que seriam capazes de produzir seus textos. Acordamos que todas as
produções deveriam ser feitas na escola.
Posteriormente uma leitura das notícias com indicação da manchete, olho da notícia,
data, página, foto, legenda, autor e jornal que foi publicado. Uma leitura dos jargões jornalísticos.
A turma foi dividida em pequenos grupos com até seis componentes cada um. Cada
grupo ficou responsável por uma seção/ assunto para ser publicado no jornal. Esses conteúdos
foram definidos pelos estudantes. Nessa fase do processo discutimos o prazo para entrega das
produções e a escolha do nome do jornal, as crianças deram sugestões e perguntaram também, para
as outras turmas, possíveis nomes. Ficou eleito “O Gaminha”.
Após definição dos assuntos para cada grupo, iniciou então, a busca de informações
relativas aos conteúdos através de pesquisas em casa, na biblioteca escolar, em revistas, jornais,
periódicos, Internet, entrevistas. Os grupos foram nomeados de acordo com o assunto escolhido:
 Equipe Destaque, responsável pela escolha de uma personalidade para ser o destaque
do Jornal, como também conseguir a entrevista. Eles escolheram Daniela Dutra,
moradora da comunidade que conquistou o 2º lugar no concurso Jovem Cientista.
Conseguiram levá-la até a sala de aula. Oportunizaram assim, que todos os colegas
da turma também participassem da entrevista. Esta entrevista foi registrada pelo
Apoio de Direção, Professora Eunice, através de filmagem.
 Equipe Saúde - responsável pelas dicas de Saúde
 Equipe higiene – responsável por orientações de higiene
 Equipe nossa escola - responsável pela produção do texto com a origem da escola
 Equipe Informática e Games – Responsável por assuntos relacionados a informática
e dicas de jogos on-line.
Visitamos o Diário de Pernambuco na primeira semana de abril. Os estudantes
observaram com bastante atenção as etapas de produção do Diarinho e perceberam, através da fala
de Diogo Carvalho: “Eu produzo aqui neste computador a minha matéria, esta aqui que vocês estão
visualizando, depois encaminho para ser revisado, ou seja, corrigido e/ou levar alguns cortes. Eu
gosto de escrever, e às vezes escrevo muito, ultrapassando assim o limite permitido, por isso é
necessário às vezes que sejam feitos alguns cortes e reescrito”, que um texto é para ser escrito,
reescrito quantas vezes for necessário. Perceberam também que o texto produzido circula em
diversos setores até finalmente ser impresso. Ou seja, que o trabalho não foi apenas de uma única
pessoa e sim de uma equipe. O texto passa por diversas etapas. Através desse relato de Diogo
Carvalho, eles começaram a escrever seus textos sem vergonha de errar e aceitando as críticas dos
colegas do grupo. As ideias começaram a fluir livremente no papel ou no editor de textos Word.
No dia seguinte a aula passeio, fizemos uma discussão em sala sobre a visita ao Jornal
Diário de Pernambuco e produção de relatórios sobre esta visita.
Apropriados de algumas informações sobre as diferentes funções e níveis de linguagens
presentes no jornal, os estudantes iniciaram a elaboração artigos em sala de aula e aproveitamos
para abordar a importância de, em um artigo, termos uma introdução, que nos mostre sobre o que
iremos falar; desenvolvimento do texto, em que podemos apresentar nossas descobertas e
conclusão, fechamento do texto para expressar nossa opinião. Depois, as crianças foram para o
laboratório de informática, em pequenos grupos, digitar a produção textual utilizando o editor de
textos Word e enviaram por e-mail seus artigos, para os colegas e para a professora. A troca dos
textos estimulou a análise, produção e a qualidade dos textos. Cada equipe pegou o texto de um
outro grupo, fez uma leitura crítica, apontou possíveis erros, pediram mais informações e
contribuíram com opiniões e dicas.
Posteriormente, as equipes receberam o texto que elaboraram de volta, fizeram uma
releitura, agora com as contribuições e iniciaram uma reestruturação do texto, acolhendo as
modificações que acharam pertinentes. Com o texto pronto, elaboraram um título para a matéria e
uma chamada para publicação no jornal. Fomos para a fase da elaboração do rascunho da
diagramação do jornal:
 Cada grupo recebeu páginas de jornal (que foram lidos na fase discussão sobre diferentes
funções e níveis de linguagens presentes no jornal) para uma releitura.
 O rascunho foi produzido utilizando jornais ou revistas velhas (cobertos com papel
jornal ou ofício).
 A equipe colou os textos feitos no computador nos lugares que desejem que sejam
publicados, deixando espaços para as fotos;
A culminância do projeto foi uma festa. Os estudantes fizeram a propaganda do
jornal oralmente para a comunidade escolar. Enfatizaram a importância da amizade através de uma
coreografia com música “Canção da América” de Milton Nascimento e pediram para não poluírem
o rio Morno (rio que passa atrás da nossa escola, que foi tema de estudo em um projeto anterior:
Rio Morno ou Rio Morto) cantando o Rap “Rio Morno”, composição de um aluno da turma depois
entregaram os jornais. Consegui através da Diretoria de Ensino Geral da prefeitura do Recife, 1.000
cópias do Gaminha, garantindo assim, que todos os estudantes, funcionários e convidados
recebessem “O Gaminha”.
Os estudantes-editores participaram motivados das atividades propostas, demonstraram
facilidade na construção das produções textuais e suas respectivas revisões, domínio do Editor de
Textos. Alguns alunos conseguiram se apropriar da ferramenta e-mail. Inclusive anexar
documentos.
Não conseguimos efetivamente a participação de todos os alunos nesta primeira edição
do jornal. A equipe Dicas de Saúde e Higiene, não conseguiu negociar em equipe e conclui as suas
produções. Durante os preparativos para o lançamento do jornal, os membros dessa equipe,
indagaram se poderiam participar de alguma forma no evento de lançamento. Sentimos neste
momento despertar o interesse e a valorização deles na atividade. Refletimos que o jornal era nosso,
da nossa escola e que todos poderiam participar inclusive a ajuda deles seria muito importante para
nós. Produziram textos para o lançamento, participaram da coreografia (que foi ensaiada com a
colaboração de uma moradora da comunidade e estudante de dança), organização do espaço físico.
E espontaneamente se comprometeram que “no próximo iria ter com certeza uma produção deles”.
Isso foi muito gratificante!
A atividade de produção do Jornal Escolar “O Gaminha” contribuiu para apropriação de
conhecimentos sobre diversas habilidades de leitura e escrita. E para que os estudantes percebessem
que língua escrita é para ser lida e quem tem uma função social. Tudo o que escrevemos deve estar
de forma clara para que outras pessoas possam entender. Que através da língua escrita podemos
expressar nossas ideias.
Constatamos que 80% deles demonstraram interesse pela leitura e produção do jornal.
Além das produções que cada grupo ficou responsável em elaborar, produziram outros textos, de
acordo com interesse deles.
Todos os estudantes da turma leram diversos jornais. “O Gaminha” foi bastante
repercutido na escola. As crianças demonstraram interesse pela leitura e colaboração. Recebemos
diversas cartinhas dos estudantes de outras turmas, parabenizando-nos pela iniciativa de publicação
do jornal.
A avaliação das atividades foi formativa, efetuada durante todas as fases do projeto,
observando se os alunos construíram conhecimentos significativos. Fazendo alterações quando
necessário. A partir das informações já citadas, pudemos observar que nossos objetivos foram
significativamente contemplados.
A ideia central do projeto, estimular a leitura e escrita das crianças a partir de uma
situação social real, pode também ser remetida para outros projetos que não tenham
necessariamente o jornal como foco, mas outros suportes ou gêneros textuais que circulam na vida
real das crianças e que a escola muitas vezes ignora. Um projeto é possível de realizar, em várias
realidades escolares de nossa cidade e de outras, considerando é claro uma maior ou maior
dificuldade em função das características de cada uma. Outra forma de ampliar o projeto seria
estabelecer o intercâmbio com outras crianças de outras escolas, que já implementaram ou estão
implementando o jornal escolar a fim de trocarem experiências. Essa troca poderia se dar através da
internet ou mesmo do correio convencional, e nesse caso estaríamos inserindo na vida das crianças,
tanto um gênero de texto (correspondência) utilizado em situação real, quanto dois meios de
comunicação importantes, aproximando a vida escolar da vida social dos alunos, e reforçando o
intento quando coloquei a proposta desse projeto e de outros já implementados: incentivar a
construção de uma escola viva, pulsante e significativa.
Maristela Andrade
maristelaandrade@yahoo.com.br

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