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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Rutvon Jaime Arturo Ra Vice-Rmivond Sandea Regina Gou et Almeica EDITORA UFMG uneron Wander Melo Mi Vece-Diaeion Koberso Ale icamla lee da Carmo Said CONSELHO EDITORIAL Wander Melo Miranda (7REstpnrre) Danielle Cardoso se Menezes Eduardo de Campos Valadares Fider Anénio Sousa Paiva Fausto Borém Flavio de Leios Carsalade ‘Marla Cristina Soares de Gowwéa Roberto Alexandre do Careue Said CONSELHO EDITORIAL DA COLECAO Rita Gusmda (otneroal ‘Ana Masia Bullies Carvalho, liana Rodrigues Silva ‘Marcos Aurétio Bulhdes Martins Mitia Helena raga e Yar da Costa Sara del Carmen Rojo de La Rosa Comite Cuexrivico Andrade Rocha Medel Mariana Lisa M Arnaldo Leite de Alvarenga Mariana Lima Muniz IMPROVISACAO COMO ESPETACULO Proceso de criagdo e metodologias de treinamento de alor-imprevisader Belo Horizonte | Editora UFMG | 2015 No entanto, o trabalho de traducio da tese, eserita origi- nalmente em espanhol, se mostrou excessivamente drduo. A cada leitura, surgia a vontade de refazer tudo. Esse processo se arrastou até 2011, quando fui convidada a publicar este livro pela Edirora UFMG, «A possibilidade concreta de publicacao ¢ ssidade de cumprimento dos prazos contribuiram para que a traducio ¢ a modifieagio do. texto original fossem feitas. Sendo assim, modlifiquei, ampliei e traduzi (eam a colaboracia da tradutora Cinara Diniz ¢ dos alunos de Iniviagie Cientifiea Mariana Vasconcelos ¢ Diogo Horta) minha tese, prajetando um livra que pudesse servir de referéncia ao estudo e a pratica da ane improvisagio teatral, Neste livro o leitor encontrard nfo apenas a andlise c a descrig’o do Match e de outros formatos impravisa- mente, os principies técnicos e-exercicios por dos, mas, principa mim recopilados, ctiados e descnvalvidos junto ao Impromadricl, & Uma Companhia ¢ ao Jogando no Quintal. Enfim, espero que 0 conselho-e a intuigao dos colegas, alunos € amigos se confirmem, € que o presente livro possa contribuir pata a antpliaggo da prdtica ¢ do discurso critica sobre a impro- visagio teatral no Bras Capitulo 1 SOBRE A IMPROVISACAO E © ESTABELECIMENTO DE VERTENTES NA CONTEMPORANEIDADE Atualmente, a palayra improvisagio ¢ amplamente aplicada em diversos contextos, sendo, em muitos casos, usada de maneira depreciativa, Dizer, na linguagem cotidiana, que algo improvi- a é dizer que catece de preparago, que ¢ eadtico ¢ sem rigor Pode ser que improvisar diante de um ptiblico parega uma pratica recente, entreta to, improvisagao ¢ teatro quase sempre andaram unidos, tornando-se, ert alguns momentos da histéria, sindnémes. Para discutir a coneeitualizagio de improvisagio, propomos um breve percurso por alguns diciondrios especializados, Portillo © Casado, em seu diciondrio Abecedario det teatro, definem a inn como: “(a) Atuagia que no se atém a um texto decoraco, E uma téenica comumente empregada como exercicio ndizagem para 0 ator ¢ come passo inicial na montage dle uma obra, (..) (b) Recuese do ator quando esquece momen- taneamente seu papel Essa. defini afirma a utilizagao da improvisagdo como ferramenta de formagio do ator e fiz. ref ncia a um segundo eenticlo da palavea que se aproxima muito ao sentido comum ele falta de preparagaere rigor, Entretanto, ne menciona a importancia da improvisagao no contexto do teatro contemporiineo nem sua trajetéria histérica, Patrice Pavis, em seu Diciondrio-de teatro: tica, semologia, teaz a seguinte definigio: ramaturgia, este Técnica da ator que interpéeta alge imprevisto, ndo preparado antecipadamente ¢ “inveniado” no ealor da agio. HA nmuites gras na improvisagio: a invengdo de um texto a partir de vin saretias conhe- commedia dell'arte}, 0 jogo dramti ido e muito preciso (asin, na a partir de uni tema ou de uma senha, a invengéo gestual ¢ verbal sem modelo na expresso corportl, a desconstragao verbal ea pesquisa de uma nova “Linguagem fisiea” |ARTAUD) + Pavis ressalta a otilizagio da improvisagio cama instrumento dle pesquisa de novas linguagens que rompein com a légica do- discurso teatral, sobretudo a partie de século XX, ampliandle sua importancia no contexto te6rice e pratico do teatro, Entretanto, info faz referéncia a uma série de experiéncias que surgem a partir da segunda metade do século XX e que contribuem para ampliar as possibilidades de improvisagao diante de pablico, conforme veremos a seguit Segundo 0 dicionaria da Oxford University: Improvisagio, uma performance improvisada por um ator ow wnt ‘grupo de atores que pode serum elemento do treinamento do ator usa fage na criagio deum papel ou parte de um estdgio da pradugao, Muito da histéria do teatro se centrou na habilidade do ator de improvisar a partir de um tema dado, como nas cenas cimicas do niistery play, nas antigas farsas c comédias oriundas da tracigd popular ¢ também das produgies da Commedia dell'arte. Sua peatica continua no melodrama, na pantomima eno Mitsié Hall, (..) Mas, no final do século XIX, a supremacia do autor colacou o atot mais como intérprete de um papel ‘do que como criador de situates, Mas mesmo Stanislavski reconheceu » valor da improvisagdo durante 6 processo de pesquisa para ajudaro \lora expkorar 08 antecedentes ¢ a mativagée de seu papel. Enquante ago a0 texto, a influéncia do dade desurrealismo eneorajow de espontiinea € rejeitou a que esse chamou" work of art”, Essa 1 resultou na emergtnela da eriagdo coletiva haseada inteitamente oa improvisagie de um grupo a partie de uma pauta niinima, Dar se lesenvolven 0 happening e eventos similares que incorporavam as rea- «Ja audigncia, eriande uma experiéneia teatral diniea eonsiderada vitos prefetivel A repeti¢ie controlada da pega escrita.” O diciondio da Oxford descreve com precisio a trajetéria da improvisagia e do teatro improvisado até a contemporaneidade, considerando-a clemento fundamental da criagio teatral em diversas momentos da Histéria do Teatro Ocidental. Entretanto, clepois dos Aappentigs, ¢ simultaneas a cles, houve ¢ hé outvas formas de prética da improvisagao tearral que nio so citadas, assim come em Pavis, A partir da citagao acima, surge uma pergurita fundamental, que nos guiard durante toda esta pesquisa, © pretendemos dar algumas earacterizagdes do fendmeno, uma ver que definigdes absolutas seriam necessariamente incomplera por que a impravisagae, na contemporancidade, é “considerada par muitos preferivel & reperigdo conteolada da pega escrita”? Fmvoutras palavras, de onde vem 0 interesse contempartineo pela improvisagio diante #o puiblico? Ampliando a informagao apresentnda por Pavis ¢ pelo dicio nirio da Oxford, 0 Dictionaire encyclopedique de théatye reflete solve o interesse contemporinco da improvisagio: ‘© interesse contemporaneo pela impravisagao se desenvelveu nos nos 60, Improvisadores se reportaram as ideologias espontanestas, wo desejo, talver naif, de inventar alguma coisa a partir de nada, (o In come unva forma de se opor ao teatro de texto, » de representagao sentida coma muito literati! provisar aparece aa Mas ¢ realmente possivel eriar @ partir do nada? Aton, espago « publica sdo os clementas essenciais para a existéncia do fato teatral, portanto, para haver teatro, necessitamos da conjungiio dosses trés elementos. Assim, como podemos dizer que com trés elementos tao poderasos partimos do nada ao improvisar? © eu! corpo (entendido como total, sem distingdes entre mogdes © seus desejos, 0 ator é corpo/mente}, suas vivéncias, suas piblico também 0 é ¢ traz consigo essa toralicdade no momento da recepgio de um onde tudo é possivel, princtpalmente porque, supostamente, ainda nao hi “nada” Alem desses trés elementos indispensé veis ao teatro, poclem ser incroduzidos outros, pelo ator ou pelo publico,a fim de contribyuir spetdculo, O espago ¢ 0 lugar do encontro, para o surgimento de “algo”, um objeto, uma musica, um cheiro ete, Assim, 0 nada é quase uma topografia impossfvel. Sempre ha algo ¢ €a partir da tranquilidade da abservagao do que ja existe que a cena improvisada se constedi ‘Ao ineés dle partir de uma base narrativa,.os improvisadores poslem ser estimulados por diferentes indutores: um espago de jogo,uum ou mais ‘objeros, um. personagem, wm som, vm gesto, wma mascara ¢ explor clos, Nesse caso, a provocagio ao jogo 6 mais eficax ¢ a produgio mais betta, pois, se existir narrativa, ela nasce do jogo que se estabelece gragas ao ator! Esse jogo pode ser conduzido pelo ator, mas o priblico é cocria- dor da cena, mesmo que ele néo se mova, que nao fale, que nio se expresse diretamente, Ainda assim, stexiste cena parque o piblico esti ali observando, Observaré um verbo ¢, portanto, uma agin. E para o piblico ¢ com o pablico que o teatro improvisado criado, Uma criagie effmera por exceléncia, pois desaparece & medida que é construfda, Assim, a improvisagio é um espago de poten- cialidades, por mais que alguns espeticulos acabem reduzindo-o 4 repetigao de formulas muito concretas, A impravisagia pode Jo e nada, pode ser boa ou rim, ¢ 0 que for sera criado em ser licidade com 0 pablico uma tinica ver. Talvez nesse espago dle potencialidades, de construgzo, tenhamos a sensacio, real ou luséria, de estar eriando algo endo apenas reproduzindo padrdes, © ator deixa de ser imérprete de palayras alheias e passa a dizer as proprias,e @ pitblice sai da escurinho confortivel da plateia e te transforma em eoeriadar da cena, Segundo Peter Brook, em seu livro Provoedeiones, mega percebendo o pablico, sentindo-o da maneita mais simples possivel. (..) Ao fazé-lo, est registrando 0 modo como o pul i como crn uma conversa logo nos damos conta do que é 6 {que importa e que interessa a nosso interlocuto! )Também a piblico teebe isso de imediato, compreende que participa ati mente no crnvolvimento, na crescimento da 260, ¢ se surpreende gratamente ue é parte integrante do evento,* Nessa caracterizacio do campo epistemelégico da impro- wo, [arse necessirio diferencié-Ia da falta de técnica e de preparagao. A improvisagao exige um ereinamento especifico que habilite © ator, trabalhando sua eapacidade de reagio, permitindo- the escutar a si mesmo, a seus companheiros e ao piililico. Como esemplo maximo da excelente preparagio dos atores que se desti- improvisagao dignte do piblico estio os. € representagiio publica faz com 0 que os que a jyabcam tenham que relacionar-se de maneita diferenciada com © [ricasso, assim como agueles que a assistem, A improvisa no espeticulo, como yeremos ao longodeste trabalho, provaca perfeigto ¢ de tral, valorizando 0 process ¢adii- tindo © fracasso como um elemento habicual de sua prética, Isso fal entre criag wina interagao diferenciada com a necessidade weabamentode uma abra t {implica um treinamenco ignalmente diferenciade dos atores que se \lispoen a pratics-la nfo apenas como proceso de formagio ou G30 de um espetaculo, mas como espetéculo em si mesmo, sera descrito ¢ analisade no Capitulo 8, com Dive treinam vo de caracterizar as metodologias mais utilizadas pelos ie a praticam, fundamentadas nas propostas de Keith 4 pritica como artista € docente de improvisagio somno espeticulo desde 2000, Com isso, pretendemos contribuir pura a definigde de um caimpo tedrico e artistico recente quecresce {hos vistos em nosso pais ¢ contextualiza-lo dentro do campo s estunlos teatrais, +

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