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DOIS DISFARCES DA LIBERTINAGEM. NO ROMANTISMO BRASILEIRO Fabio LUCAS use. ‘Quando se considera o meio social em que floresce a narativa libertina, devernos ter em mente algumas variag¢ses de matizes: pri- meito, a circunsténcia de que, entre os chamades libertines, se encon- travam filésofos motivados contra o despotismo e interessados na igual- dade sexual entre homens e mulheres. Em segundo lugar, devemos le- var em conta outros pensadores que douttinavam pela busca dos pra- zeres mediante a tirania contra as mulheres. Por ultimo, reconhecidas as evidentes discrepéncias entre os libertinos, j4 que entre eles se incluitam atistocratas e burgueses, fem-se que a liberdade come principio geral unia a todos, libertinos e libertarios. Jamais liberticidas. © século das Luzes reservou Gs mulheres um novo olhar, confor- me se nota nos quadros de Chardin e Fragonard. Tem-se o advento das ciéncias humanas. Dé-se até a invengao da inféncia como aquisi¢Go daquele periodo, em conseqliéncia da percep¢ao diferenciada do ser humane. Essa atitude mental faz nascer na Alemanha a palavra antto- pologia. A vida da mulher, finalmente, seria fruto de uma escolha e nao de uma fatalidade. Na trama natrativa do texto libertino predomninam os attificios usa- dos pelo conquistador para submeter a mulher aos caprichos da luxtria. Duos metéforas presidem 0 contexto: uma, de natureza militar, trans- parece no vocdbulo “conquista’; outta, de origem espottiva, apdia-se Nos vocabulos “apresar’, “abater’, “subjugar’ e finalmente “comer, trazi- LETRAS - Rovista do Mostrado om Letras da UFSM (RS) julholdezembro, 1996 a dos da pratica da cage, Raymond Trousson postula bem o caréter me- os estiitamente literdrio da narrativa libertina, quando escreve: "Nao € 0 romance que é libertino, mas a filosofia que toma as aparéncias do 1o- mance.” A coneuista da mulher é, quase sempre, mais importante que a Posie € a volpia. © plano da conquista tem por obletivo, antes de Toi nada, aleangar a submisséio da conquistanda. O cécigo munda- No promove a circulagao da mulher. Nesse modelo refficante, em regi- me de toca, a meta quantitativa sobtepée-se a quaiiativa, O valor de froca se aproxima do vclor de Uso, tende até a substituir 0 valor de uso, quando extemar © ganho se forna mais gratiticante do que 0 proveito e16tc0. No fundo, a arte da sedugao consiste em levar 0 outo ao reco- nhecimento da lei do prazer. Arte do efémero, aseads na exploragao ‘dos sentidos e da paixéo, na propensda a devassiddo. De natureza eri- Curista, promove o culto da felicidade dos sentidos. O principio da fidelidade eqiivale 00 tabu do incesto das socie- dades noturais, na inh do estudo de Lévi-Strauss. 0 ambiente libertino ignoia o tabu do incesto, assim como aftonta o piincipio da fideiiade. © aduitério, corno regia oposta & privatizagae da mulher, constitu, na conduta libertina, a ruptura institucionalada, instula-se na universo da mundanidade como uma das chaves da libertinagem. Da-se a sociclizagao do prazer, retirando-o da esfera da privaci- dade pare o émbito da divulgagao indscreta dos jogos amorosos. Os salées eran o canal para essa atividade publicitaria, O grau extremo da socialzagao do prazer refugiova-se na oigia. © ambiente cortés e mun. dano era adequado para a difusdo dos episédios e das personagens envolvidas na tame do prazer erdtico. A fala do prazer se controntava com 0 prozet do fala. Etatomiania associada & poinolala, A quebra do sigilo tornou-se regra, imperava a frivolidade, © desegramento da con- dula, © impudar @ a dissinagéo. Longe ficava 0 primado da cristaliza- Go desenvolvido tempos depois por Stendhal, quando o amor é estu: dade como forna biolégica de graduagGo progressiva da exclusvide de. Os pensadores da fustragao procutaram demonstar a inocéncia dos sentidos e a Naturdiidade do ptazer. A lei natural implica a satisfa- * Cx Remarc © letinagem NO sécUO NM ne Fonga, IN Uberines RoeRbtos, Soo Pou: Fun feiCorpra dos lets, 199. , 188, UFSM (AS) june/dezombr5, 1996. G0 dos sentidos, de acordo com a propria conformagao psiquica € fisica do homem. O Unico limite residiria em nao se perturbar a paz so- Cial. Dai ser a conduta libertina privilégio de poucos, reservada aos refi- nados aristocratas. Parte dos libertinos pregava as vantagens do sigilo, Protegidas [7] pelo segredo e a discregdo, pois era conveniente que os libertinos se apresentassem probos e decentes. Comum a todos era a condenagao do despotismo e a corelata relvindicagdo da liberdade. Na parte mais emancipada da burguesia, 0 prazer se associava a sabedoria. A nogdo de virlude tinha implicito o sentido de transformagGo social e politica, sobre o qual teorizava a filo- sofia libertina, De certa forma, com excecao talvez de Rousseau, os fild- sofos iluministas pregaram a igualdade do sexo, enquanto, entre os 10- Mancistas, prosperava a tese feminista, salvo Réstif de la Brétonne. Caso especial sera 0 Marqués de Sade, que se opde tanto aos valores do Ancien Régime como aos principios dia llustragao. Em dade momento, Sade exprime esta maxima: "6 160 injusto possuit uma mulher como possuir escravos’. $6 que, para ele, 0 core- lato € que toda mulher deve submeter-se ao desejo de qualquer ho- mem, A igualdade se desioca do sujeito para 0 objeto: todas as mu- Iheres podem ser objeto de desejo e todos os homens sdo iguais na medica em que todos tém direito de possuir qualquer mulher. Isto con- traria a llusttagGo. A novela libertina tem por meta contestar os codigos de moral social e religiosa. A funda¢gGo da sociedade apdia-se, de modo geral, num sistema de interdi¢des, que limitam as paixdes, condicionam a razGo, operam a iso do corpo e do espitito, orientam o prazer, cerceiam a liberdade, em barreiras ao poder e 4 riqueza, através de modelos politicos e @ regulamentam a fé religiosa. Em compensacéo, a sociedade humaniza os interditos gragas a necessidade de transgressao, Estudo de dois casos do Romantismo Com 0 periodo roméntico brasileiro, expressdo da independéncia Politica do pais, sob 0 governo monarquista e escravocrata, administra- va-se, na versdo romanesca, “a liberinagem das boas maneiras’, que ‘opera a passagem da literatura licenciosa para a literatura dos peque- LETRAS ‘em Letas da UFSM (RS) julholdezembro, 1996 nos pecados, das transgiessdes rotineiras que NGo afrontam os pieceitos monogamicas e 0 regime de escravidéo. Para ilustrar a ef0séo da fénva livertinagem, tomemos dois exem- plos de romances que gerenciam dois temnas/taious do periode moncr- uico: a prostituicGo e 0 escravatura. S40 Luciola de José de Alencar, publcado em 1862’ e A Escrava Isaura de Bemardo Guimaraes, publi- cado em 1865" NGo se desvela um plano preconcebido, a estratégia da sedu- cdo por parte de Paulo, herdi de Luciola. Pe'o contratio, as artimanhas da conauista se apresentam mais decisivas por parte da hetoina que empresta o nome 4 narratival. Seria o meio de ela se libertar do estigma de corfesd que 0 qualifica & se reinstalar no plano das virtudes social- mente protegidas. A medida que Lucia (Lucicla) se desvela, surge a sua principal dicotomia. Seu name primitivo era Maria da Gléria, que ela, em determinada ocasido, astuciosamente trocou, a0 adotar o registro civil de uma companheia falecida. O desvelamento se dé perante a plimeia pessoa a quem efetivamente amou. O amor a liperta das pri- sOes Contratuais que @ came Ihe oferecia, como condigao de sobrevi- véncia. J6 em A Escrava Isaura, o movimento psicolégico da heroina se mantesta pela negatividade. Ela resiste aos diferentes assédios de se- dugdo, impulsionados pelo desejo que ela involuntariamente desperta- va. A tatica adotada foi defender a sua viagindade. Vaie dizer, as virtu- des consagradas pela moral burguesa latifuncidtia, Conteime aponta Raymond frousson, entre o homem e a mulher se desenvolve uma relagdo de senhor e escravo, da qual a mulher sO pode defenderse por meio da dissimulagdo e do cxtiicio. E indica al- {guns trechos do Liaisons Dangereuses (1782) de Choderlos de Lacios em, que se lé: “Bios (as mulheres) perceberam enfim que, sero mais fracas, seu Unico recurso era seduzir. {. . .} Praticaram a penose arte da recusa, mesmo quando desejavam conseniir’. Mas, advitto-se: tanto o romance ierfino, quanto © dos roménticos brasileitos mantém o principio andro- céntrico, * uriorernen a ecigdo preparads Por Vicente AGE, 30 Paulo: McGrowhil do BOs, 1977 * Unlacremes 0 edo preperosa por Dougie Tulane. So Pau: Moderna, 1994. Coe¢60 ravessos. a ‘LETRAS - Revista do Mestrado om Letras ca UFSM (RS) julho/dezombro, 1996. No caso de Luciola nao se nota, de inicio, o embate da con- quista, geraimente explorado pelos ficcionistas em termos de cidadela {@ ser assattada, como numa cartada militar. 0 jargao da casema & comum aos escritores que narram 0s casos amorosos. No romance de Alencar, inexiste 0 enfrentamento entre a sedugdo e a complacéncia, Esta ndo é atingida por via da astiicia retérica ou do jogo folhetinesco da galanteria. A indulgéncia de Luciola jé estava gravada na externali- dade protis-sional. Apresenta-se na condigao de mulher publica, refina- da prostituta. Com a evolugao de narrativa é que a heroing procura re- gtedir ao estado de inocéncia de que scira pela via traumatica. Libertine, no caso de A Escrava Isaura, sefia © patrao desdenha- dor das regras de bomn-tom e continuador das patranhas paternas. Com efeito, 0 riatador traga-the rigotoso perfil: “Leéncio pegou na isca e vol tou @ patria um perfeito dandi, gentile elegante como ninguém, tra- zendo de suas viagens. em vez de conhecimentos e experiéncia, enorme dose de fatuidade e petuldncia e um tao perfeito traquejo da alta sociedade, que 0 tomarieis por um principe. Mas © pior era que, se razia © cérebro vazio, voltava com a dima corrompida e 0 coragéo estragado por hdbitos de devassidas e libertinagem. Alguns bons e ge- 1net0s0s instintos, de que o dotara a natureza, haviam se apagado em SeU CoragG0 ao rogar de péssimas doutrinas confirmadas por exemplos ainda piores” (op. cit. p.22). Mais adiante se diz que "Leéncio era um digno herdeito de todos ‘08 maus instintos e da brutal devassidao do comendador’ (ob. cit.:26} Casado, posto diante da escrava Isaura, Leéncio ndo sabia dominar as Paixdes do coragéo e os “trenéticos desejos’ (cf. op. cit, p, $1). Portanto, Isaura era 0 seu objeto libidinoso. Néo media esforcos “para vencer-he a isengdo e lograr seus favores" (ct. op. cit. p.31), En- quanto isto, a protagonista, assediada por vérias formas, ao sentir a al tercagGo entre Leéncio e seu cunhado Henrique a seu respeito, se pos- tara. a um canto, “como coiga malferida escutando o rugir de dois tigres que disputaram entre si o direito de devoré-la’ (op. cit. p.31). Leéncio desenvolvia um conceit desprimoraso sobre as mulheres. Sentindo-se ameagado pela esposa, informada de suas intengdes pelo imao, pro- curou defenderse "com 0 escudo da mais cinica indiferenga’, diz o narrador, que prossegue: “Inspiravamihe esse alvitre o orguho eo mau ‘LETRAS - Revista do Mestrado em Letras da UFSM (RS) juoldezembro, 1996 cy Conceito em que tinha todas as mulheres, nos quais no reconhecia pundonor nem dignidade" (op. cit. p.37). —m menor escala, temos uma piéiade [?] de conquistadores ou de pretendentes da cobicada escrava: 0 monstruoso jardineiro Belchior 0 oportunista pajem André. O preferido de Isaura sera aquele que a livere da escraviddo e a projete no plano do casamento convencional, ‘omitindo suas ofigens afticanas e seu estatuto de escrava. No cap, 11 do romance, o narrador traga 0 perfil de Alvaro, o libertador de Isaura, ‘Qp6s as mais incrivels peripécias. Num breve pardgrafo, fica sintetizado © conjunto de qualificativos que fazem dele © ser ideal, a luz das teses defendidas no romance: “Tinha ddio a todos os privlégios e distingses sociais, e € escusado dizer que era liberal. republicano e quase socia- lista.” Logo adiante 0 natrador acrescenta: "Com tais idéias Alvaro nao podia deixar de ser abolicionista exaltado, € no o ec 36 em palavras” (op. cit. p.65). Cutiosa a caracterizagao dessa personagem. £ apresentada de forma tao rigida nos seus valores morais que chega a ser pintado corno um puritano. € 0 que temos no cap. 14: Observava Atvare em seus costumes, como ié sabemos, @ severidade de um quater, @ setic incapaz de abusat do amor que havia inspirado 4 formosa desconhecida, aninhando em seu espitto um pensamento de sedu- ‘¢00,{0p. cit. p.83) Quando ¢ revelada a condigao de escrava em relagao a Isaura, ‘até entao uma incégnita, 0 narrador pondera 0 seguinte acerca de Al- varo’ © pudor, « inocéncia, 0 talento, a vitude e o infortinio 21am sempre pala ele cosas respeitive's e sagradas, quer se achassem na pessoa de uma piincesa, quer na de ume escrava, Sua aleigdo 21a to caxta € pura como 0 p8s60a que dela ea objeto, © nunca de leve the possaia pelo pensamento abusor da precdtia © Nu mide posigGo de sua omonte para piofanat-he a can- dura imocuiada (op. cit. p.101) No quadto da sacralzagdo da moral e dos hdbitos burgueses, acrescentem-se os tragos acesos com que se desenha a pueza da escrava 140 desejada, a ponto de ela comportar-se como a Virgen Dolorosa: Com 0s othos arrasados de lagrimas, que em fio ne es- cortegavam pelas faces desbotadas, entreaberta a boca melancéiica, que ihe tremia ao passar da prece mutmutada entre solugos, atradas em desordem pelos espaduas as negias © opuientas madeiras, vottando para 0 céu © busto mavioso plantado sobre um colo escutural, ofereceria ao artista inspiraco 0 mais belo e sublime modelo para a efigie da Mae Dolorosa, a quem esse momento ditigia suas ordentes sUplicas. (op. cit. P58) Na poesia de Bemardo Guimaraes se nota maior &nfase libertina ou pomogréfica nas composicées O Elikir clo Pajé, A Origem do Méns- truo, Galope intemal (balada erético), Uma filha do campo, Que te darel?, quando a linguagem descamba para a rudeza e a vulgaridade. Mas 0 fundamento satiico se toa as vezes marcante, Em O Elixir do Pajé 0 titmo mecanico de alguns dos versos de Goncalves Dias é paro- diado, encontra ali a sua versdo contestatéria, em forma de deboche. Mais uma vez 0 autor se bate pela reabiltagao do prazer contra os proi- bigées. Em Luciola acontece freqlentemente a encenagdo da festa galante da atta burguesia. Os saides da atistocracia foram convertidos Nos teatros de variedades, de espetaculos dramaticos ou musicais, 140 comuns nos romances brasileiros do século passado. Tomaram-se lu- gates estratégicos de enconttos amorosos e oportunidades do exercicio da galanteria e da conquista, Arealidade topografica é, em tese, contrastante entre Luciola e A Escrava Isaura. A cidade domina a primeira narrative; na segunda, a fazenda, embora as cenas decisivas se tenham desenvolvido num sa- ldo de bailes de Recife. Vale para ambos os romances o método da cristalzagao de Stendhal, a fim de se determinar 0 gradativo peso da exclusividade do amor. E sera oportuno evocar o preceito de Diderot, segundo 0 qual “foi a titania do homem que transformou em proprieda- de a posse da mulher". LETRAS - Revista do Mestrado em Letras da UFSM (RS) julholdezembro, 1996 a A aproximagao das esteras ideolégicas em que se plantaram as Narrativas libertinas do século XVIlle os romances de atuacao critica no romantismo brasileiro leva a urn jogo de analogias e de distanciamen- tos. A ordem social que os pensadores combateram eta baseada na interdigéo dos prazeres, que tinham {sic] como insumentas a moral ea religiGo. O livertino velo para quetrar a liturgia das condutas suiometidas permanente vigiancia. Nos romances brasileitos fica subentendido que a harmonia entre a sexudidade € a moralidade representa a precondigéo para se cons- truir a sociedade ideal. As partes contratantes do pacto amoroso dese- jam tomar-se cénjuges, isto 6, suometerem-se a0 mesmo jugo, ainda que acolhido voluntariamente. Os herdis tendem a misturar o mito ca- valheiresco aos jogos da seducao. Em Luciola explora-se 0 ambiente mundano, mas 0 que impera é ‘© processo de superagéo dos vicios. Em A Escrava Isaura retratam-se as leis da escravidéo, mas 0 que progride é forga do bem, espelhada nas virtudes burguesas. As norativas brasleiras permitemse ligeiro antimora- lismo, quigé breve amoralsmo. Recusam quaiauer sombra de imorall- dade. Um dos tragos marcantes de seu substrate consiste na unidade: do prazer ao saber. Ambas as heroinas, Licia e Isaura, demonstram refi- namento espiritual, tiveram apurada educagao. No caso de ‘saura temos uma fidelidade que acaba por reverter as posi¢ées sociais. Ao enunciar 0 mundo escravagista, Bernardo Gui- mardes 0 denuncia. Isauta, tendo saido da ignordncia, ganhou corsci- éncia de si, de sua personalidade, e passou a exercer 0 livre atbitiio, a se tomar desejante, agente ativo do desejo; nde apenas desejada. Na historia de Licia € de Isaura criam-se as precondigées de uma espécie de liberdade feminina. E dado ds mulheres um destino que se opde a seus deveres. Cutiosamente, nos séculos XVII @ XVI da Franca, somente a mulher da vida realiza parcela da liberciade de es- colha, escapa da fatalidade. Pode conceber-se segundo as préprias possibilidades. ‘Como nas novelas libertinas, 0 que esta em questGo nos roman- ces brasileitos é a liberdade. Antes de converter-se ao amor burgués, Luciola desenvolve teses Contraditérias sobre os prazeres, que visam a interpor limites & sua. con- da UFSM (RS) julholdezembro, digéo de cortesd. Reflete: "Esqueci que, para ter 0 direito de vender o meu corpo, perdi a liberdade de dé-lo a quem me aprouver! © mundo € légico!” (Luciola, 1977, p.116). O narador confere-Ihe a graca de ter a “poesia da voluptuosidade". E invoca um preceito fisiolégico de Balzac: “Fazer nascer um desejo, nutiilo, desenvolvé-lo, inita-lo, afinal satistazé- lo, 6 um poema completo” (op. cit. 9.714). Pelo que se vé da narrativa, estévamos perante um esquema de sociedade que se permitia produzi tipos como Rochinha, Couto e $4, uma roda de frivolos a gravitor em tomo das mulheres pUblicas. Pelo andamento do romance de José de Alencar, prova-se que Luciola guardava a nostalgia da pureza e da inocéncia. HG uma cena em que, em dia de entemecimento, Luciola resolve apresentar-se com as mes- mas vestes Com que surgiu pela primeira vez na vida de Paulo, recem- chegado & Corte, sem desconfiar da condicdo social da moga. Trava- se, entdo sugestivo didlogo, apés a exibigdo do vestido: Agora lemibro-me! Estou vendo-a como a vi da pri meita ver! = Como daquela vez nao me veré mais nunca! O que ine fatta? + Falta 0 que © senhor pensava e née tornaré a pensar! sso ela com @ vor pungida por dor intima! (0b. ct 7.25) © que 0 romance demonstra é a passagem da mulher debo- chada, impudica e demoniaca para aquela que se enredou no amor € com este se defende. Numa passagem inicial, Luciola oferece a equa- ¢G0 da mulher dependente, num quadro social de escassas opgées: “uma mulher que pede, marca o prego de sua gratiddo ou do seu ‘amor; a mulher que nao pede é um abismo que nunca se enche!” (op. cit. p.39) Desta flamejante postura, evoluird para um ser desprotegido, & mercé das tramas do destino. Chega a renunciar o amor, em beneficio dos seus entes queridos. A vitéria do bom senso desqualifica o t6nus I bertino. LETRAS - Revista do Mestrado om Letras da UFSM (RS) juoldezembro, 1996 9 Uma nota final: em ambos os casos narratives, os de Luciola e de Isaura, 0s pois se tomam ausentes, pois falta a ambas a cena familiar da prime inféncia. Simbolicamente ficam amenizadas os le's da con- servagao da heranga e dos costumes. De inicio, seu destino ficou en- tregue ao jogo da fatalidade. ry LETRAS - Revista do Mestrado em Letras da UFSM (RS) jlholdezembro, 1996.

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