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{I | Mauro Martins Amatuzzi AEDIEORA 2: Edigao por uma PSICOLOGIA /HUMANA E preciso que a Psicologia busque se aprofundar naquilo que é caracteristicamente humano. Do contrario ela nao podera contribuir no dialogo dos que buscam saidas verdadeiras para os problemas pessoais e sociais que enfrentamos em nosso mundo conturbado. E preciso que ela se debruce sobre os sonhos que alimentamos em nosso intimo, sobre nosso desejo de uma vida mais digna, sobre o sentido que queremos dar as nossas vidas, sobre as formas como podemos, de verdade, dar andamento as nossas mais legitimas aspiragdes. E isso nao apenas em termos individuais, mas, também, em termos da comunidade que constituimos, entre nés humanos e com a natureza, mae que nostodeia. Este livro procura resgatar para a Psicologia - como estudo e pratica de desenvolvimento da pessoa humana — aquilo que nos vem da tradigaéo humanista. Procura ‘9 sentido que pode ter o humanismo para a Psicologia (capitulo 1), ¢ os fundamentos. desse sentido numa fenomenologia da fala e do silencio (capitulo 2). Busca aplicar, em ‘seguida, 0 que foi ai levantado ao campo da pesquisa do humano (capitulos 3, 4 € 6), a psicoterapia (capitulos 5 e 7), construgaode uma psicologia popular (capitulo 8), e ao esforgo de construir uma comunidade verdadeiramente humana (capitulo 9). Por uma PSICOLOGIA Humana Mauro Martins Amatuzzi DIRETOR GERAL Wilon Mazalla Jr. COORDENACAO EDITORIAL. Willian F. Mighton COORDENAGAO DE REVISAO Erika F. Silva REVISAO DE TEXTOS Vera Luciana Morandim R. da Silva EDITORAGAO ELETRONICA Sofia Cavalcante REVISAO DE FILMES Rosangela A. Santos CAPA Fabio Cyrino Mortari Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Amatuzzi, Mauro Martins Por uma psicologia humana / Mauro Martins Amatuzzi. -- Campinas, SP: Editora Alinea, 2008. 2* edigio. 1, Psicologia humanista 1. Titulo. 01-4247 CDD - 150.198 indices para catalogo sistematico: 1. Psicologia humanista. 150.198 ISBN 978-85-7516-243-9 Todos 0s direitos reservados & Editora Alinea Rua Tiradentes, 1053 — Guanabara ~ Campinas-SP CEP 13023-191 — PABX: (0xx!9) 3232.9340 e 3232.2319 www.atomocalinea.com.br Impresso no Brasil Agradego aos editores das revistas abaixo mencionadas ¢ a diretoria ANPEPP juntamente com a Dr* Regina Maria Leme Lopes Carvalho, a ermissao de retomar textos ai publicados originalmente, para a composi¢ao presente livro: Arquivos Brasileiros de Psicologia Estudos de Psicologia (PUC-Campinas) Psicologia em Estudo Psicologia: Teoria e Pesquisa Prometeo ~ revista mexicana de psicologia humanista y desarrollo humano Coletaneas da ANPEPP. presentacao. ipitulo I. Humanismo e psicologia \pitulo IT. Siléncio e palavra .. Da fala ao siléncio surgimento do secundario...... A compreensao. ipitulo IIL. Investigago do humano ... ipitulo IV. Pesquisa do vivido pitulo V. Atendimento psicoterapico.... ‘A palavra foi feita para calar..... Escutar é abrir-se para o mundo, e responder upitulo VI. Versio de Sentido .... Compreendendo a VS a partir de sua histéria hist6ria e outras abordagens Tentativa de defini¢ao .. Para uma fundamentagao teéric: Principios gerais para 0 uso da Versio de Sentid Capitulo VII. Etapas do processo terapéutico A problematica... O material... Os caminhos da anilise....... Os resultados... O alcance desses resultados. Confirmagées externas ConsideragGes finais. Capitulo VIIL. Psicologia popular. Capitulo IX. Processos humanos ... O que é processo Os processos na vida A explicag4o psicoldgica do processo.. Processos grupais Processo comunitario e outros 4mbitos...... m sobre todos os humanos que em salas de aula, em ruas € , em sessOes de psicoterapia, em reunides de sindicatos, em ‘ec igrejas traduziram em atitudes seus compromissos e valores. a de tudo um manifesto a favor do existir humano em 0, numa arrojada aventura iluminada e nutrida pela palavra. juro Amatuzzi tem sido assim, um psicdlogo que filosofa, em tiplas atividades como professor, pesquisador, conselheiro € liste nao é apenas mais um de seus livros; constitui uma sintese nificados atribuidos, ao longo de mais de trés décadas, a consistentes no sentido de um engajamento com pessoas ¢ dades na lida diaria pela recuperagéo da dignidade humana. foram, certamente, as versdes de sentido, mas nunca em ento do sentido do proprio viver, como valorizagao do cotidiano nstrugao de experiéncias pessoais. - Os capitulos que compédem esta obra mantém a énfase no smo como uma perspectiva de abordagem ao psicolégico, na ‘a como definigdo primeira do ser humano, na investigagao do ido como possibilidade de uma apreensio compreensiva do diano, no processo como historicidade critica e constitutiva. Por uma Psicologia Humana & um titulo que marca a Mificagao do autor com a praxis de uma atividade profissional, O cuidar ... Criando bolsdes de humanismo . Referéncia: cuja matriz de pensamento substancia um compromisso com desenvolvimento de uma abordagem interdisciplinar aos problemay e ao desenvolvimento humano, aplicada a individuos, grupos ¢ comunidades. Isso, em esséncia, define 0 proprio surgimento di Psicologia Humanista em sua retomada dos valores renascentistas, com énfase na recuperagao da importancia do homem em seu tempoe contexto, valorizado em sua totalidade. Sim, quero a palavra Ultima que também é tao primeira que jé se confunde com a parte intangivel do real. Ainda tenho medo de me afastar da légica, porque caio no instintivo eno direto, e no futuro: ainvengao do hoje ¢ © meu Unico meio de instaurar o futuro. Clarice Lispector em sua Agua Viva parece traduzir de maneira simples e ainda assim magnifica a importancia de um livro como este, em que da palavra emerge a confirmagao do vivido em sua concretude atual e do transcendente como devir humano. De um ponto de vista estritamente pessoal, julgo imprescindivel também reverenciar 0 homem Mauro Amatuzzi, meu colega e parceiro num processo em que a cronologia do tempo é de menor importancia face a grandeza do inusitado, das vivéncias diversas, das contradigdes feitas de encontros e desencontros, da magia em momentos de descoberta académica. Em meio ao turbilhdo das pesquisas, dos relatorios, das reunides administrativas, sobrevive o aconchego de abragos essenciais, de olhares certeiros, a nos acalentar a certeza de que ainda nos importamos com o outro, este amigo que pode ainda ser cumplice nas horas, tantas vezes vazias e despidas de significados, em que o humano parece escapar de dentro de nossos papéis ¢ desempenhos. Vera Engler Cury O texto a seguir corresponde originalmente a uma palestra pronunciada na JV Jornada de Psicologia Humanista, promovida pelo Centro de Psicologia da Pessoa e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em agosto de 1988, ¢ depois publicada em Arquivos Brasileiros de Psicologia, 41, (4), pp. 88-95, set./nov. de 1989, com 0 titulo O significado da Psicologia Humanista, posicionamentos filoséficos implicitos. Ainda gosto bastante dele. Parece-me que ele aponta para a largueza do territério de uma Psicologia realmente Humana. Fiz pouquissimas modificagGes, somente para adaptar o texto ao novo titulo. Hoje creio que & melhor falarmos do Humanismo na Psicologia, do que da Psicologia Humanista. essencial do que quero dizer a respeito desse assunto pode ser colocado em algu- mas poucas proposigées. E a primeira é a inte: o homem nao é um “bicho que fala”, mas le ¢ a propria palavra, isto é, ele é palavra. Reen- tro aqui uma idéia que é tanto de Heidegger ymo de Buber: nao é a linguagem que se encontra homem, mas 0 homem que se encontra na lin- uagem. A segunda proposi¢ao é que isso nao é poesia” ou jogo de palavras, como talvez possa parecer, Trata-se de uma afirmagao muito precisa, jue nos coloca num outro ambito de considera- Ges, ou seja, que implica mudanga radical de pon- to de vista. E a terceira é justamente que essa 10 Mauro Martins Amatuzzi mudanga radical de ponto de vista 6 0 que mais caracteriza a con- tribuigao do humanismo para a psicologia. Nao se trata, com efeito, nem de uma mudanga de objeto, nem de uma mudanga de método, e nem mesmo, quem sabe, de uma mudanga tedrica. Trata-se na rea- lidade de uma mudanga na relagdo com o objeto. Essa mudanca 6 capaz de assumir em determinados momentos 0 mesmo método, s6 que num contexto onde o sentido global é outro, o que faz com que a visdo resultante (a teoria, nesse sentido) seja outra, mais abrangente, capaz de conter as vis6es anteriores, s6 que como parciais, ¢ reco- nhecidas como parciais. Nessa nova visio a teoria, alias, se torna ela mesma relativa: nao se trata mais de teorizar, como um fim. A teoria passa a ser ela também um momento de algo mais amplo, que 6 0 que afinal importa. E esse algo mais amplo é antes um compromisso que uma teoria. Uma das coisas que subjaz a essas proposigdes 6 que a consideracao do sentido é fundamental. Para compreender 0 ser humano, tenho que lidar com questées de sentido. A consideragdo do ser humano em termos de causa ¢ efeito, antecedente e conseqiiente, parte e todo, por mais cabivel, correta ou verdadeira que possa ser, nao da conta do que seja o ser humano como totalidade em movimento. Em outras palavras: posso explicar certas ocorréncias humanas ou comportamentos a partir de “causas” internas ou externas (motivagGes inconscientes ou configuragdes de estimulo, por exemplo), posso analisar relagdes de antecedente-conseqiiente (como por exemplo 0 efeito de uma recompensa), ou posso explicar certas coisas em fungao das relagdes parte-todo (como por exemplo quando digo que o modo de ser de uma pessoa é a repercussao individual de problemas ou situagées coletivas bem caracterizaveis). Posso ainda descrever como é que tudo isso se articula numa espécie de historia geral de conflitos e fantasias, e que se aplicaria a todas as pessoas ou a maioria (psicologia do desenvolvimento). Cada uma dessas coisas é valida e possivel, e de fato é feita, com muitas pesquisas, certamente. Mas nenhuma delas em separado, e nem todas somadas, dio conta do ser humano como totalidade em movimento. Algo fica faltando, e nao é algo que possa ser cumprido dentro de cada um daqueles enfoques. Nao é tanto que essas explicagdes estejam incompletas. Sim, até estdo, e haverd sempre mais a Por uma Psicologia Humana u pesquisar nessa linha. Mas a incompletude a que me refiro é de outra ordem. Talvez “explicagdes” dessa natureza nao bastem, e por mais que somemos explicagdes nao estaremos entendendo ainda o principal desafio que se coloca para nés face ao nosso viver: 0 que vamos fazer com nossa vida? Que sentido vamos dar a ela, ¢ de tal forma que nao nos isole de um sentido mais global? Sob esse enfoque o ser humano nos aparece nado como resultante de uma série de coisas, mas como, fundamentalmente, o _ iniciante de uma série de coisas, ¢ os desafios daquilo que ele deve criar no so respondiveis com explicagées daquele tipo. O homem 86 aparece naquilo que ele tem de mais proprio, com a questo do sentido, nio com a questao da causa explicativa. A relagao explicativa se refere ao homem como resultado, como repertorio, ou como recebido, e, portanto, em definitivo, ao homem como passado. Nao se refere ao homem atual, ao homem desafiado, ao homem tendo que responder e posicionar-se, ao homem presente (face a um futuro). Este homem atual, presente, desafiado, interpelado, em movimento, é 0 que encontra as questdes de sentido: essas so as quest6es presentes, que surpreendem o homem como existente (nado apenas como natureza, como diria Merleau-Ponty). Dizer que o homem é um “bicho que fala” (0 que equivale a dizer que é um “animal racional”) é ficar no ambito das explicagoes, e portanto, do homem como resultado. Mas isso nao é ainda o homem atual. S6 poderemos chegar a ele mudando 0 ponto de vista e assumindo as questées de sentido que definem sua atualidade. O que cle fala? O homem atual, presente, existente, € constituido pelas questdes de sentido. Ora, a palavra é exatamente a questio do Sentido. Por isso o homem atual se encontra na palavra, e nio o contrario. E na decifragao de suas questdes de sentido que o homem pode se instaurar em sua atualidade. Mas é preciso tomar cuidad essa decifragaéo pode ser vivida como uma redug&o ao esquema explicativo onde apenas encontraremos 0 homem-resultado, e nao o homem em sua atualidade. Isso, para Merleau-Ponty, seria permanecer no nivel da palavra secundaria, da fala inauténtica, do falar sobre, da fala sobre falas. A fala sobre falas é ainda um discurso No passado. A decifragao do sentido sé sera um discurso no presente fe for vivencial, experiencial, uma vivéncia do préprio sentido

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