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(02007 by Jean Manan © Dirks de pubis (CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 ~ Perdizes 5009-000 ~ So Paulo ~ SP ‘Tel. (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 cortex@cortezeditora.com.br ‘www.cortereditora.com.br Diregio Jost Xavier Cortez: Conselho Eaditorial de Educagio Jost Cerehi Fesari Marcos Antonio Loreri Marcos Cezar de Freitas Marli André Pedro Goergen Terexinha: Azerédo Rios Valdemar Seuissardi Vitor Henrique Paro CCoordenador Editorial de Educagio Marcos Cezar de Freitas Editor Amir Piedade Preparacio Alexandre Soares Santana Revisio Oneide M. M. Espinosa Roksyuan Paiva Edigio de arte Mauricio Rindeika Seolin Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mainardes, Jefferson Reinerpretando os ciclos de aprendizagem Jefferson Mainardes. — Sio Paulo: Cortez, 2007. Bibliograa: ISBN 978-85-249-0860-6 1, Educagio e Estado ~ Brasil 2. Ensino Fundamental ~ Brasil, Tieulo. 07-1206 CDD-379.81 {dices para catélogo sstemético: 1. Brasil: Ciclos de aprendizagem: Politica educa al 379.81 Impresso no Brasil — abril de 2007 Capitulo I Referenciais teéricos para se compreender a politica de ciclos Para entender a politica investigada, dois referenciais foram utilizados. O primeiro trata da abordagem do "ciclo de politicas" formulado por Stephen Ball e colaboradores (BOWE et al, 1992; BALL, 1994a), que oferece elementos para analisar a trajetéria da politica implementada desde os seus estdgios iniciais até 0 con- texto da pratica (escolas e salas de aula), bem como os seus resultados. O segundo referencial baseia-se no tra- balho de Bernstein. Os conceitos de regras de seqiien- ciamento/compassamento e regras criteriais e pedagogia visivel e invisivel (BERNSTEIN, 1990) contribuiram de modo significativo para a compreensdo da natureza da | politica investigada, bem como das suas implicacdes no contexto da escola e da sala de aula. Além disso, 0 con- ceito de recontextualizacao do discurso (BERNSTEIN, 1996) fundamentou a anlise do discurso da politica. De 1975 «1990, Bernstein publicou diferentes verses do texto "Classe social e pedagogias visiveis e invisiveis". No capitulo "Pedagogising knowledge: studies in recontextualisation”, publicado no seu iltimo Livro (1996, reeditado em 2000 com a inclusio de novos capitulos), Bernstein reformulou a distingdo entre pedagogias visiveis e invisiveis, reapresentando-as como modelos pedagégicos de competéncia e desempenho. Neste estudo, optou-se por manter a explanacio inicial de Bernstein, ou seja, 0s conceitos de pedagogias visiveis e invisiveis. 23 (ii 1.1 - A pesquisa em politicas educacionais no Brasil - um panorama geral Apés analisar 139 resumos de pesquisas sobre polj- ticas de educacao (dissertagdes, teses € pesquisas de do- centes), desenvolvidas de 1991. a 1997, Azevedo e Aguiar (1999) concluiram que a maior parte dos estudos (102 trabalhos) se destinava 4 andlise e avaliac4o de progra- mas € projetos, 22 tratavam da andlise sobre concepgées das politicas de educagao e 15 analisavam o papel dos partidos politicos e outras entidades da sociedade civil. ‘As autoras mostram que 51% dos trabalhos eram refe- rentes a politicas nacionais, 34% a estaduais, 11% a municipais e 4% a regionais. Azevedo e Aguiar (1999, p-43) asseveram que o campo de pesquisa em politicas de educagio é um campo "relativamente novo, ainda nao consolidado em termos de referenciais analiticos consistentes, e que, de resto, sofre as indefinigées re- sultantes da crise de paradigmas que afeta as Ciéncias Sociais e Humanas na contemporaneidade...". As mesmas autoras analisaram os trabalhos apre- sentados no GT Estado e Politica Educacional, da Associagao Nacional de Pés-Graduagio e Pesquisa em Educagio — Anped, de 1993 a 2000 (AZEVEDO e AGUIAR, 2001). Observaram que as pesquisas desenvolvidas se enquadravam nos seguintes subtemas, ¢ 08 dois primeiros compreendiam mais de 50% dos trabalhos apresentados no periodo: a) Crise ¢ reforma do Estado, novos padrées tecno- logicos, neoliberalismo e politica educacional; 24 Referenciais tebricos para se compreender a politica de ciclos b) Estudos sobre politicas e programas governamentais; c) Educagio: legislagao e direitos; d) Estudos sobre a participacao da sociedade civil organizada na proposicao de politicas. Com base nas revisdes acima consideradas e ainda numa anilise das principais publicagdes da tltima dé- cada sobre politicas educacionais, é possivel sintetizar as principais caracteristicas das pesquisas em politica edu- cacional da seguinte forma: a) Este campo de pesquisa tem enfatizado andlises da formulacio de politicas e aspectos tedricos ¢ ideolégi- cos relacionados ao proceso de elaboragio das politicas. Embora esses estudos contribuam para a compreen- so das reformas e reestruturacdes do Estado, uma vez que estdo preocupados com questées mais amplas das politicas educacionais, muitos deles nao estabelecem relagdes com a implementacao dessas politicas. Ha ainda uma separagio entre formulagao € = | taco das politicas educacionais. b) Os estudos sobre implementagao de politicas e anilise de trajet6ria sio pouco freqiientes. sti | mente em virtude da falta de referenciais analiticos consistentes, mencionada por Azevedo e Aguiar (1999), muitos estudos tendem a ser mais descritivos e exploratérios do que analiticos. c) A nogao da existéncia de um ciclo de politicas esta presente em poucos estudos (e.g. DUTRA, 1993). Essa nogio, quando aplicada, tende a seguir abordagens lineares, tais como percepgao e definigao de proble- mas, agenda, formulado de programas, implemen- tagio e avaliagaio (NEPP, 1994; FREY, 2000) ae Estudos de trajetér desde o seu estigio de gestacfo, as micropoliticas dentro do Estado ea implementagio da politica no contexto da pritica, por meio de estudos de caso ¢ outros métodos de pesquisa (MAGUIRE e BALL, 1994). _A respeito de questées ‘teérico-metodolégicas sobre pesquisa e avaliagio de politicas sociais, politicas.pablicas e ‘educacionais, ver Lima |S e Santos (1976), |S (1987), Dutra (1993), Frey (2000), Artetche (2001), Barretto € Pinto (2001), Draibe (2001), Belloni et al (2003), Souza (2003) Azevedo (2004). As coletaneas organizadas, por Rico (1999) ¢ Barreira e Carvalho (2001) sio referencias importantes para se ter tum panorama geral de tuis questoes. 25 Capttulo | ‘Ainda sio poucos 08 textos de Basil Bernstein ¢ Stephen Ball publicados em portugues (Bernstein, 1975a, 1979, 1981, 1982, 1984, 1996, 1998, 2003; Ball, 1995, 1998b, 2001, 2002, 2004a, 2004b, 2005, 2006). A respeito da teoria de Bernstein, ver Etges e Ferrari (1979), Apple (1992), Moore & Maller (2003), Santos (2003) © Morais (2005). 26 d) Dentro dese campo de pesquisa, incluindo aqui as pesquisas sobre politicas de ciclos, ha uma forte tendéncia de pesquisas de cunho teérico ou ainda criticas ou comentarios sobre questées genéricas oy programas especificos. So poucos os trabalhos que utilizam a pesquisa etnografica ou estudos que envolvam observagGes sobre a implementacao de politicas na escola e na sala de aula (CARVALHO, 2001; PLACCO et al, 1999; LINCH, 2002). e) Ha um certo-desequilibrio entre macro e micro abordagens. Ha estudos que enfatizam os aspectos macroestruturais sem fazer referéncia aos processos locais e trabalhos que investigam processos locais sem estabelecer relagdes com 0 contexto mais amplo, Dessa forma, os referenciais adotados neste livro oferecem elementos para uma andlise inovadora e critica da implementagio dos ciclos de aprendizagem pela aplicagao de um referencial analitico (a abordagem do ciclo de politicas) ¢ de um referencial teérico (teoria de Bernstein) ainda pouco explorados nas Pesquisas sobre politicas educacionais no Brasil. 1.2 - A abordagem do ciclo de Politicas (policy cycle approach): um referencial analitico para o estudo de Politicas educacionais : Em diferentes paises, as Pesquisas sobre implementa- S40 de politicas tm indicado que muitas politicas e refor- mas delineadas para melhorar a qualidade da educagéo tém sido mais retéricas que substantivas no seu impacto Sobre a organizacao da escola e das salas de aula. Um Referenciais tedricos para se compreender a polftica de ciclos corpo substancial da literatura tem documentado um grande distanciamento entre as intenges das politicas € a implementaciio destas nas escolas. Muitos estudos con- sideram as politicas como no problematicas ¢ as escolas e professores como resistentes 4 mudanga. Em busca de novas possibilidades de entender os processos de imple- AAs pesquisas descavolvidas por Ball inserem-se em uma concepsao designada como pesquisa eritica | sobre politicas | educacionais ou pesquisas | criticas comprometidas mentacio, 0 trabalho de Stephen Ball oferece um potencial | com a justisa socal considervel. ‘A abordagem do "ciclo de politicas", que adota uma orientag’o pés-estruturalista, baseia~se nos trabalhos de Stephen Ball ¢ Richard Bowe, pesquisadores ingleses da rea de politicas educacionais. Esta abordagem destaca a natureza complexa ¢ controversa da politica educacional, enfatiza os processos micropoliticos e a a¢ao dos profis- sionais que lidam com as politicas no nivel local e indica a necessidade de se articularem os processos macro ¢ micro na anilise de politicas educacionais. E importante destacar desde o principio que este referencial tedrico- analftico nao é estatico, mas dindmico e flexivel, como seré brevemente apresentado a seguir. A principio, Ball e Bowe (1992) tentaram caracterizar © processo politico, introduzindo a nogo de um ciclo continuo constituido por trés facetas ou arenas politicas: a politica proposta, a politica de fato e a politica em uso. A primeira faceta, a “politica proposta’, seria referente a politica oficial, relacionada com as intengGes nao somente do governo e seus assessores, departamentos educacionais e burocratas encarregados de "implementar" politicas, mas também intengGes das escolas, autoridades locais e outras arenas onde as politicas emergem. A "polf- tica de fato” seria constituida pelos textos politicos e textos legislativos que dao forma 4 politica proposta e sao as bases iniciais para que as politicas sejam colocadas em pratica. Por ultimo, a "politica em uso” referir-se-ia aos No texto original, os ‘autores empregaram os seguintes termos: intended policy actual policy © policy-in-use. 27 Capftulo | 28 discursos ¢ praticas institucionais que emergem do pro. cesso de implementagao das politicas pelos profissionais que atuam no nivel da pratica. Logo em seguida, porém, Stephen Ball e Richard Bowe romperam com essa formulacao inicial porque a linguagem utilizada apresentava uma certa rigidez que eles nao desejavam empregar para delinear o ciclo de politicas. Para eles, ha uma variedade de intencdes ¢ disputas que influenciam o processo politico e aquelas trés facetas ou arenas apresentavam-se como conceitos restritos, opondo-se ao modo pelo qual eles queriam representar 0 processo politico. No livro Reforming education and changing schools, publicado em 1992, Bowe e Ball apresentaram uma versio mais refinada do ciclo de politicas, descrevendo um ciclo continuo constituido Por trés contextos principais: o contexto de influéncia,o da producio do texto e o da pratica. Esses contextos esto inter-relacionados, nao tém uma dimensio tempo- ral ou seqiiencial ¢ nao sao etapas lineares. Cada um deles apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e envolve disputas e embates (BOWE et al, 1992). Figura 1 - Contextos do processo de formulagéio de politicas (Contexts of policy making} Context of influence ee Context of f . text 0! Policy text <+———_» ee production Fonte: Bowe et al. (1992), P:20- Referenciais tebricos para se compreender a politica de ciclos O primeiro contexto é 0 de influéncia, onde normal- mente as politicas puiblicas sfo iniciadas ¢ os discursos politicos sao construidos. E nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a defini¢ao das finalidades sociais da educagao e do que significa ser edu- cado. Atuam nele as redes sociais dentro e em torno de partidos politicos, do governo e do proceso legislativo. E também neste contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a poli- tica. O discurso em formagio algumas vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado por principios ¢ argumentos mais amplos que esto exercendo influéncia nas arenas piblicas de ago, particularmente pelos meios de comu- nicagao. Além disso, hé um conjunto de arenas piblicas mais formais, tais como comissdes ¢ grupos representa tivos, que podem ser palco de articulacao de influéncia. Os trabalhos mais recentes de Ball contribuem para uma anilise mais densa das influéncias globais € internacio- nais no processo de formulacao de politicas nacionais. O contexto de influéncia tem uma relagio simbi6tica, porém nao evidente ou simples, com 0 segundo con- texto, o da produgao do texto. Enquanto 0 primeiro esta freqiientemente relacionado com interesses mais estrei- tos e ideologias dogmaticas, os textos politicos normal- mente esto articulados com a linguagem do interesse publico mais geral. Os textos politicos, portanto, repre- sentam a politica. Essas representagdes podem tomar varias formas: textos legais oficiais ¢ textos politicos, comentérios formais ou informais sobre os textos ofi- ciais, pronunciamentos oficiais, videos etc. Tais textos nio sfo, necessariamente, internamente coerentes e claros, e podem também ser contraditorios. Eles podem usar os 29 (capi SS De modo semelhante, termos-chave de modo diverso. A politica nao é feita Michael Apple (1997) ., islati ‘ a eae ae (9°) | Gnalizada no momento legislativo ¢ os textos precisam “Fes currculos,ensinoe | ger lidos em relagao ao tempo ¢ ao local especifico da sua avaliagio nas s oe | producio. Os textos politicos sao resultado de disputas¢ sempre os resultados acordos ou compromissos | acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes nos qusis:g0P2 | Iugares da produgao de textos competem para controlar dominantes, para manter ‘ OWE seu dominio, necessiam | as representagoes da politica (B et al, 1992), a eT ep levaremcontias “A ssim, politicas sao interveng6es textuais, mas elas is e possibilidades, sempre frig temporitio A regpostas a esses textos tem conseqiiéncias reais, que esti constantemente : ; ; sujeito a ameasas, mas so vivenciadas dentro do terceiro contexto, o da pritica, harvest cmp lectise De acordo com Ball e Bowe (BOWE et al, 1992), 0 para a atividade contra- maneeine Bp cee hegeméniea" (p.25) — contexto da pratica é onde a politica € sujeita a interpre- preocupagées dos menos eee ; poderosos. Este acordoé — também carregam limitagdes materi tagdo e recriacao e onde ela produz efeitos e conseqiiéncias que podem representar mudangas e transformagées signi- ficativas na politica original. Para os autores, o ponto-chave € que as politicas nao sao simplesmente “implemen- tadas" dentro dessa arena (contexto da pratica), mas sio sujeitas 4 interpretaco e, entao, "recriadas": ‘0s profissionais que atuam no contexto da pratica [escolas, por exemplo] nao enfrentam os textos politicos como leitores ingénis, eles vém com suas historias, experiéncias, valores propésitos(. Politicas serao interpretadas diferentemente uma vez. que asbi torias, experiéncias, valores, propésitos e interesses sao divers: A questito é que os autores dos textos politicos nao podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas,selei- nada, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas poten ser superficiais etc. Além disto, interpretagao é uma questa disputa, Interpretagoes diferentes serdo contestadas, wma vei qt serelacionam com interesses diversos, uma ou outra interpreta predominard, embora desvios ou interpretagies minoritarits ossam ser importantes” (BOWE et al, 1992, p-22)- Esta abordagem, Portanto, assume que 0s profess” res e demais profissionais exercem’ um papel ativo ™® Processo de interpretacio ¢ reinterpretagao das politics Referencials teéricos para se compreender a politica de ciclos educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e acredi- tam tem implicagGes no processo de implementacao das politicas. 5 importante destacar que as interpretagdes e teinterpretacdes sio constituidas nas relac6es sociais e precisam ser entendidas no contexto de sua producio. _ Em 1994, no liveo Education reform: a critical and post structural approach, Ball (1994a) expandiu o ciclo de politicas acrescentando outros dois contextos ao referen- cial original: o contexto dos resultados (efeitos) e o da estratégia politica. O quarto contexto do ciclo de politicas —0 contexto dos resultados ou efeitos — preocupa-se com questdes de justica, igualdade e liberdade individual. A idéia de que as politicas tém efeitos, em vez de sim- plesmente resultados, é considerada mais apropriada. Nesse contexto, as politicas deveriam ser analisadas em termos do seu impacto e interacdes com desigualdades existentes. Esses efeitos podem ser divididos em duas categorias: gerais e especificos. Os efeitos gerais da politica tornam-se evidentes quando aspectos especificos da mudanga e conjuntos de respostas (observadas na pritica) sio agrupados e ana- lisados. A negligéncia em relagio aos efeitos gerais é mais comum em estudos de casos particulares que tomam uma mudanga ou um texto politico ¢ tentam determinar © seu impacto na pratica. Tomados de modo isolado, os efeitos de uma politica especifica podem ser limitados, mas quando efeitos gerais do conjunto de politicas de diferentes tipos sao considerados pode-se ter um pano- rama diferente. Esta diviséo apresentada por Ball sugere- nos que a andlise de uma politica deve envolver o exame: a) das suas varias facetas e dimensoes e das suas implica- Ges (por exemplo, a anilise das mudangas e impacto em/sobre curriculo, pedagogia, avaliaciio organizacio); | Nesse ponto, & fandamental mencionar a ressalva feita por Silva Jinior ¢ Ferretti (2004): "Ball argumenta sobre processos de interpretagio, o que nio nos parece muito indicado segundo a abordagem central pela qual optamos {[marxismo]. Na verdade, © que se realiza(...) sio, de fato, diferentes processos de apropriagao ¢ objetivacao relativos & politica oficial” (p.72). 31 Captulo! 32 b) das interfaces da politica com outras politicas seto- tiais e com o conjunto das politicas. Isto sugere também a necessidade de que as politicas locais ou as amostras de pesquisas sejam tomadas apenas como ponto de partida para a andlise de questées mais amplas da politica. Ball (1994a) apresenta ainda a distingao entre efeitos de primeira ordem e de segunda ordem. Os efeitos de primeira ordem referem-se a mudangas na pratica ou na estrutura e sido evidentes em lugares especificos ou no sistema como um todo. Os efeitos de segunda ordem referem-se ao impacto dessas mudancas nos padrées de acesso social, oportunidade e justia social. O ultimo contexto do ciclo de politicas € 0 de estra- tégia politica. Esse contexto envolve a identificagio de um/conjunto de atividades sociais e politicas que seriam necessdrias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela politica investigada. Segundo Ball (ibid.), esse € um componente essencial da pesquist social critica e do trabalho daqueles que Foucault chama de "intelectuais especificos", que é produzido para us? estratégico em embates ¢ situagdes sociais especificas. No ciclo de politicas descrito acima, a simplicidadee a linearidade de outros modelos de anilise de politics sio substituidas pela complexidade do ciclo de politicas. A abordagem do ciclo de politicas traz varias contribui- g6es para a andlise de politicas, uma vez que © process? politico é entendido como multifacetado e dialético,%” cessitando articular as perspectivas macro € micto. Na extensa literatura de politica educacional publ cada em lingua inglesa, as tensdes entre referenciais an iticos que enfatizam o controle do Estado (por exemp! Referenciais tebricos para se compreender a politica de ciclos DALE, 1989, 1992; OZGA, 1990) e aqueles que enfati- zam a interpenetra¢ao entre macro e microcontextos € influéncias (BALL, 1994a) tém sido bastante debatidas (OZGA, 1990; TROYNA, 1994; POWER, 1995). Roger Dale (DALE, 1989, 1992) € considerado um dos mais importantes defensores da abordagem estadocéntrica no processo de formulagio ¢ andlise de politicas educacio- | nais, Essa abordagem enfatiza o papel das macroinfluén- cias sobre os profissionais que atuam no nivel micro. Entretanto, ele enfatiza que o Estado nao é um todo | monolitico e nao é sinénimo de governo. Ozga (1990) | apdia a abordagem de Dale ¢ tem salientado que os modelos estadocéntricos sao suficientemente capazes para acomodar a complexidade e a diferenga e que é apenas de forma caricaturada que parecem ser muito deterministas. A abordagem do ciclo de politicas aqui descrita foi delineada para estabelecer uma ligacao entre estas duas posigdes (Estado e processos micropoliticos ou entre macro ¢ microanilises) pela formulagio de um referen- cial tedrico que incorpora ambas as dimensdes. Para Dale (1992), focalizar o Estado nao € apenas necessario, mas constitui o "mais importante componente de qualquer compreensio adequada da politica educacional'" (p.388). Ball (1994a) reconhece a importancia da anilise do Estado afirmando que qualquer teoria decente de poli- tica educacional deve analisar o funcionamento e o papel do Estado. Porém, "qualquer teoria decente de politica educacional nao deveria limitar-se 4 perspectiva do controle estatal" (ibid. p.10). Ball (1998a) argumenta ainda que a anilise de politicas exige uma compreensio que se baseia nao no geral ou local, macro ou microinfluéncias, mas nas Segundo Dale, reduzir 0 Estado aos drgios que compéem o governo é reduzir 0 todo a0 que pode ser considerado a sua parte mais ativa € visivel. Com base em Roger Dale, Afonso (2000) explica que o Estado esti longe de poder ser concebido como um todo monolitico jé que "é il esconder, ou nfo valorizas, as importantes diferengas existentes, entre ¢ no interior dos varios aparelhos estatais, a respeito da maneira como se devem estabelecer as. prioridades, nfo apenas ante as solicitagdes ou exigncias que sobre esses aparelhos recaemn, mas também tendo em consideragio a eapacidade de satisfazé-as”(p.99). A respeito de teorias de Estado, relagto Estado~ sociedade e 0 papel do Estado na educagio, ver Caroy (1984, 1994), Freitag (1986), Apple (1997), Afonso (2000), Krawezyk et al (2000, 2003), Silva Jinior (2002), Tollini (2002), Peroni (2003) e Nogueira (2004). 33 Capttulo | 34 "relagoes de mudanga entre eles e nas suas interpenetracies" (p.359). Em sintese,na perspectiva pés-estruturalista, bem como em outras abordagens analiticas, uma divisig rigida entre macro € micro é dificil de ser sustentada eg supremacia da microinvestigagao é igualmente suspeita (POWER, 1995). 1.2.1 - Criticas 4 abordagem do ciclo de politicas O referencial teérico-analitico do ciclo de politicas formulado por Ball e Bowe gerou varios debates entre autores ingleses, americanos ¢ australianos ligados ao cam- po da anilise de politicas educacionais. Esses debates incluem respostas positivas, criticas ¢ respostas de Ball aos comentarios (BALL, 1993b, 1994b, 1997). Lingard (1993) argumenta que o ciclo de politicas precisa de uma teoria de Estado mais sofisticada. A partir de uma perspectiva marxista, Hatcher e Troym (1994) consideram que a abordagem do ciclo de politicas nfo tem uma teoria de Estado clara, o que seria crucil para uma adequada compreensio da politica educacional ¢ de suas relagdes com os interesses econdmicos. Nt realidade, Ball (1990b) tentou oferecer uma resolusé? para a lacuna tedrica entre uma perspectiva neomarxistt (centrada no Estado) com as suas "generalidades ordenadis! (€nfase €m questdes mais amplas) e uma perspectiva plure lista com as suas "realidades desordenadas de infiués™ one dogmas, conflitos, acordos, intransigénciay ef Sem ee ALL aunenae (1993) Hatcher ¢ Tioyna 177" m que Ball é inconsistente na sua aborda6 Referenciais tebricos para se compreender a politica de ciclos A influéncia de Foucault ea falta de uma perspectiva feminista foram também apontadas por Henry (1993), Hatcher e Troyna (1994) ¢ Lingard (1996). Henry (1993) afirma que falta na abordagem do ciclo de politicas de Ball o engajamento com as perspectivas neomarxistas € feministas. Na sua resposta, Ball (1993b) concorda com as criticas de Henry, mas reitera 0 contraste entre 0 "desordenamento" que caracteriza a realidade das politi- cas e a abordagem macroanalitica, preocupada com a anélise de questdes mais amplas (por exemplo, o Estado € as suas relacGes com o capital, as relacdes das respostas locais com a agenda do Estado etc.). Com base na pers- pectiva pés-estruturalista, ele destaca a importancia de se considerar a disputa e a resisténcia para o desenvol- vimento de uma teoria da mudanga e para a mudanga. Hatcher e Troyna (1994) dizem que a abordagem proposta por Ball nio resolveu a lacuna entre o plu- ralismo e o marxismo, porque a instancia criada por ele favorece o pluralismo. Eles argumentam a favor de um reconhecimento maior do papel do Estado no controle dos resultados das politicas. Ball (1994b) considera que o argumento de Hatcher e Troyna é estruturalmente determinado e estatico. Lingard (1996) ressalta que o ciclo de politicas de Ball contribuiu teérica e empiricamente para a anilise de politicas, mas afirma que ele nao considerou a questo dos efeitos das politicas sobre género e raga. Lingard conclui que uma anilise pés-moderna sozinha nao é suficiente para definir uma politica estratégica para combater as injusticas sociais reveladas pela pesquisa de Ball (1994a). Pode-se destacar que o impacto das po- liticas sobre grupos especificos ¢ localizados, tais como 35 Capitulo | 36 género, raca, classe, necessidades especiais, entre outros, é sem diivida necessario e pode ser considerado na dis- cussao dos dois tiltimos contextos do ciclo de politicas (dos resultados/efeitos ¢ de estratégia politica). A idéia de que hé efeitos de primeira e de segunda ordem evi- dencia a preocupacio de Ball com as questées de justiga social, padrdes de acesso € oportunidades sociais. Com base em algumas dessas criticas, Vidovich (2002) sugeriu certas modificagdes no referencial teérico-anali- tico inicial. A autora sugere que: a) hd necessidade de se estender 0 terreno do contexto de influéncia de uma nagao individual para o contexto global, algo que também foi considerado por Ball em textos subseqiientes (1997, 1998a, 1998b, 2001); b) a influéncia do Estado precisa ser incorporada de forma mais ampla do que esta evidente na abordagem delineada por Ball; c) € necessério destacar, explicitamente, as inter- telagdes entre os diferentes niveis e contextos do processo politico (macro, intermedidrio e micro) a0 examinar como esses contextos esto continuamente inter-relacionados. Apesar de tais criticas, pode-se afirmar que a abordagem do ciclo de politicas oferece instrumentos para uma andlise critica da trajetdria de politicas e programas educacionais. Uma das vantagens dessa abor- dagem é a sua flexibilidade, uma vez que é apresentada como uma proposta de natureza aberta e como um ins- trumento heuristico. A explanagio que os autores fazem de cada um dos contextos é bastante breve. Assim, os pesquisadores que tomam tal abordagem como referen- cial tedrico-analitico precisam refletir sobre as questées

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