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a traducao vivida JOSE OLYMPIO ORA oucos livros exibem um titulo vivida, Publicado em 1975, quan do Paulo Rénai jé era quase septuage- nirio, o livro transmite, justamente, a experiéncia de uma vida enriquecida e multiplicada pelo conhecimento pro- fando de muitas linguas estrangeiras ~ 0 que significa muitas € muitas vi das. Sempre didatico e diseiplinado, 0 teadutor reuniu aqui oito conferéncias sobre 0 set oficio, delas retirando nio apenas uma ligao de profissionalismo, mas também uma dimensao ética que se fez presente em toda a sua existéncia Ouso sugerir que o leitor come: cea ler este livro quase pelo fim, pela conferéncia intitulada “Saldos de ba: tango”. Apesar de falar de sie dos seus percalcos quando iniciou sua carreira de tradutor, o tom do depoimento de Paulo Rénai é, para maior assombro dos seus leitores, de modéstia e hum dade. No texto se aprende, por exem plo, adiferenca entre traducio e versio. ‘mas no apenas por meio de defini- ‘Ges académicas. A diferenga, no caso, se dé por meio da experiéncia provada tefletida, degustada e, por fim, com partilhada com seus leitores, que tam- bém acompanham com entusiasmo os episédios “tragicdmicos e pitorescos” de sua fase inical Paulo Rénai foi um erudito, um scholar, um douto conhecedor de lin: ‘guasc obras. Mas, nele, aexperiénciade comhecer ¢ de investigar (além de tra duzit) nunca se separa do prazer que, confessado, transmite a notavel sen- sualidade de quem o confessa. Leia-se, por exemplo, o arroubo com que o tra- dutor encerra um parégrafo no qual es- timula os mais jovens a repetirem a sua aventura paciente e dedicada: “Ora, se ha um estudo que traz consigo grandes satisfagoes fntimas é sem diivida 0 das linguas estrangeiras.” £ com a convicgio de quem nun- ca entendeu a vida sem traduzi-la de quem ganhou a vida, em mais de tum sentido, por haver traduzido que Paulo Rénai nos apresenta outras di- mensdes do seu oficio. Neste livro ele comenta as dificuldades de definic conceito mesmo de tradugéo. Aponta € denuncia os perigos da polissemia, distinguindo bem 0 ato da criagio literdria e 0 ato da sua transmissio para outro idioma, Salienta o desafio da traducio poética, possivelmente a ‘operacio mais complexa ¢ de resul tados por vezes mais frustrantes com que um profissional como Paulo Rénai pode envolver-se. Coerente-com seu percurso vital de tradutor, 0 autor traz seu testemunho sobre “A Operacéo Balzac", empreendimento monumen- tal de supervisionar a tradugio de toda A comédia humana ~ feito pouco igualado no Brasil e em outros paises Felipe Fortuna rotta tansaisra A tradugao vivida é a um so tempo livro de memdrias, de experiéncia profissional e de amor as palavras — que, uma vez presentes na vida, podem ser infinitamente traduzidas ti — paulo rénai a tradugao vivida 4 edigio JOSE OLYMPIO EDITORA Rio de Janeiro, 2012 © herdeiros Paulo Rénat Reservam-se 0 pinetTOs desta edigdo 2 EDITORA JOSE OLYMPIO LTDA. Rua ARGENTINA, 171 ~2° andar ~ Sio Crisévio ‘20021-380 ~ R10 de Janeiro, RJ ~ Repibliea Federativa do Brasil Ter: (21) 2585-2060 Printed in Brazil / Impresso no Brasil Atendimento direco 20 leitoe aidireto@record.com.br Tel: Ql) 2585-2002 ISBN 978-85-03-01106-8 Capa: Victor Burrow Foto: ARQUIVO DE Fawn ‘Texto revisado segundo o Nove Acordo Ortogrifico da Lingua Portuguesa, CIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Ry ‘Renal, Paulo, 1907-1992 [RETSt Arado vivida / Prolo Rénai 4ed.— Rio de Jani: fed. José Olympio, 2012. diem Incl bibliogeafia ISBN 978-85-05-01106-8 1, Tradugo einerpreagio. I Talo. cpp: 418.02 14886 DU: 8125, ‘Aos meus queridos amigos Dinah Silveira de Queinz e Dirio Castro Alves NOTA DO AUTOR, © presente VOLUME nasceu de uma série de conferéncias sobre tradugo, proferidas nas Aliangas Francesas do Rio de Janeiro, Sio Paulo e Porto Alegre em 1975 a convite do professor Jean Rose, delegado-geral da Alianca Francesa no Brasil, a quem agradego cordialmente pelo precioso estimul. Paulo Rénai SUMARIO (O brasileiro Poulo Rénai (Aurélio Buargue de Holanda Ferreira) 1. DEFINICOES DA TRADUCAO E DO TRADUTOR ‘Traducio interlingual, intralingual, sociolinguistica © intersemidica. Indecisio do sentido das palavras, importincia do contexto. Tradugio literal ou livre, ‘Tentativas de definir 0 que € tradugio. Quem e como: se torna tradutor. Requisitos do tradutor ideal: conhe- cimento da lingua-alvo e da lingua-fonte, bom-senso, cultura geral, eapacidade de documentagio, Frustragtes e compensagdes do tradutor. Palpites para 0 aprendizado do oficio. Bibliografia minima, 2. AS ARMADILHAS DA TRADUGAO A f na existincia auténoma das palaveas. Husdes do instinto etimol6gico, Perigos da polissemia. Emboscadas dos “falsos amigos”. Armadilhas do poliglotismo. Ci- ladas dos homénimos. Intraduzibilidade dos teocadilhos? A desatengio, outro perigo. © que sio os paronimos? A. sSinonimia, questio de estilo, Holifrases e caracteristicas nacionais, Incongruéncia das nogGes designadas pela mes- ‘ma palavea. Dessemelhanga das conoragaes. O peoblema dos nomes préprios: anttopSnimos, nomes simbélicos, hipocoristicos, adjetivos pitrios e topénimos. Metiforas vivas e congeladas; sua traduso, adaptagio e condensagio. B 9 a 3. OS LIMITES DA TRADUCAO. (Os meios complemencares da linguagem: recursos outros: que no a palavra. Utilizagio diferente dos sinais de pontuagio. Os pontos de exclamagio ¢ de interrogacio. Papéis desempenhados pelo travessio. Expressividade das aspas. Citagdes disfargadas. Maiisculas e minis clas ideol6gicas. Pontuagio individual. Reticéncias. Significado dos tipos de letras. Escolha de um alfabeto de preferéncia a outro. Valor conceptual da ordem das palavras. Quando se traduz 0 no dito ¢ se omite 0 dito. Mensagem em palavras no nocionais: artigos, pronomes, numerais, conectivos, Questbes de tratamen= to: axidaimos, verbos de cortesia. Palavras estrangeira, 4. USOS E ABUSOS DA TRADUCAO. ‘Apogen e decadéncia da tradugdo entre nés, Influénecia prejudicial do best-seller, Remuneragio inadequada e press Escolha do original. Recurso a.um texto interme= diirio, ou tradugio de tradugZo. Tradugao 2 quatro mios, ‘Tradugdes através do portugues de Portugal. Tradugio e adapcagio, Alteragbes ¢ corregGes do original. Vantagens desvantagens do copidesque. A tradugio dos titulos, ‘ou como verter textos sem contexto. 5, AS FALACIAS DA TRADUGAO Utilidade relativa dos tratados. Duas tentativas de siste= matizagio. As perguntas que o tradutor deve formulae. A tradugio preconizada por Joo Guimaries Rosa. 0 Hamlet, de Tristio da Cunha. Por que cada século volta atraduzir as obras clissicas? A tradugio como reflexo da sensibilidade e das ideias de uma época. Onze tradugtes de trés versos de Virgilio comparadas com o original Em que consiste afinal a fidelidade da tradugio? O que diria Thomas Diafoirus a Bélines e fosse brasileiro, 10 m 107 133 6. © DESAFIO DA TRADUGAO POETICA, ‘Deve-se teadusie poesia em verso ou em prosa? Divers abordagens do problema. O que se perde na traducio, ‘exemplificado num rubai de Fitzgerald, em “Repouso”” de Henriqueta Lisboa, em “Roma” de Cecilia Meireles, em "Poema de sete faces” de Carlos Drummond de ‘Andeade, € numas quadtas de Fernando Pessoa. Dois cextremos: 0 Puchkin de Nabokov e o Horicio de Ezra Pound. © problema das rimas estudado nas centa € tantastradugdes do soneto de Arvers. O laboratério de Latislas Gara e seus produtos, 7. SALDOS DE BLANCO ‘Minhas reminiscéncias de tradutor. Comego traduaindo odes de Horicio numa atmosfera saturada de influéncia latina. Mecanismo intimo da tradugo poética. Torno= ime tradutor de letras hiingaras em francés. Diferengas Intrinsecas entre tradugio e versio, Curiosidades da lingua hiingara. Experiéncias de tradutor comercial e técnico, Como descobri a poesia brasileira. Dificuldade de aprender portugués na Hungria da década de 1930. No Rio de Janeiro, encontro providencial com Aurélio, Buarque de Holanda Ferreira. O que foia versio de Mar de histrias. Traduo a quatro miose mais. A versio para francés das Memérias de um sagento de micas. © que fiz para difondir a literatura hiingara no Brasil. Outras, tradugdes minhas. Estudos sobre teoria € técnica da tra ducio e trabalhos conexos. 8. A OPERACAO BALZAC Uma experitncia de editorago: A cométia humana, de Balzac. Concepei0 ¢ extensio dessa obra. A interdepen~ déncia das partes ea volta das personagens. Um afresco da Franca do século XIX uma suma da civilizagio 158 189 213 u

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