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PREFÁCIO
Qualquer análise das maneiras pelas quais o poder é desigual é reproduzida e discutido
na sociedade não pode deixar de levar em conta a educação. As instituições de ensino
representam um dos maiores mecanismos pelos quais o pode se mantém ou, então, é
enfrentado (Prefácio da terceira edição)
Possibilidades contra-hegemônicas.
INTRODUÇÃO
Deixe-me apenas afirmar agora que um dos nossos problemas básicos como educadores
e seres políticos é começar a encontrar maneiras de entender como os tipos de recurso
cultural e símbolos que as escolas escolheram e organizaram estão dialeticamente
relacionados aos tipos de consciência normativa e conceitual “exigidos” por uma
sociedade estratificada. (p. 36)
O foco, então, deve também estar nas mediações ideológicas e culturais que existem
entre as condições materiais de uma sociedade desigual e a formação da consciência de
seus indivíduos. Assim, quero aqui voltar-me às relações entre a dominação econômica
e a dominação cultural, isto é, aceitamos como dado e que parece produzir “de modo
natural” alguns dos resultados parcialmente descritos por quem tem se concentrado na
economia política da educação. (p. 3)
As escolas, nas palavras dos sociólogos britânicos do currículo não penas “produzem
pessoas”; também “produzem o conhecimento”. São agentes da hegemonia cultura e
ideológica – nas palavras de Williams, agentes da tradição seletiva da “incorporação”
cultural. Todavia, como instituições, não são apenas um dos principais agentes da
distribuição da cultura efetivamente dominante; entre outras instituições, e aqui algumas
interpretações econômicas podem parecer bastante potentes, ajudam a criar pessoas
(com significados e valores adequados) que não vêem outra possibilidade seria ao
contexto econômico e cultural existente. Isso faz dos conceitos de ideologia, hegemonia
e tradição seletiva elementos fundamentais para a sustentação política e analítica deste
livro. (p. 40)
[...] o modelo constitutivo da maioria dos currículos das escolas gira em torno do
consenso. Há poucas tentativas sérias de lidar com o conflito (conflito de classes,
conflito científico, ou outros). (.p.1)
Todavia, o fato de a tradição de análise ideológica ser menos visível na vida acadêmica
educacional e cultura norte-americana nos remete a duas outras preocupações: a
natureza anistórica da maior parte das atividades educacionais e a predominância, na
maioria dos discursos sobre currículo, de uma ética de melhoramento por meio de
modelos técnicos. (p.63)
Como devo demostrar em maior detalhe mais tarde, a linguagem da aprendizagem tende
a ser apolítica e anistórica escondendo assim as complexas relações de poder político e
econômico e de recursos subjacentes a boa parte da organização e da seleção
curriculares. (p.64)
Young (191) em sua defesa de que há “uma relação dialética entre o acesso ao poder e a
oportunidade de legitimar determinadas categorias dominantes, e os processos pelos
quais a disponibilização de tais categorias a alguns grupos capacita-os a afirmar seu
poder e controle sobre os outros”. Assim, para colocar de outra forma, a problemática
implica que se examine como um sistema de poder desigual em uma sociedade se
mantém e é parcialmente recriado, por meio da transmissão da cultura. A escola, como
agente bastante significativo da reprodução cultural e econômica, se torna, obviamente,
uma instituição importante (afinal de contas, toda criança frequenta a escola, e a escola
tem efeitos importantes como instituição de referência e socialização). (p. 66)
Assim, qualquer sociedade que aumenta a lacuna entre, digamos, ricos e pobres, no que
diz respeito ao controle do “capital” cultural e econômico (como relatos econômicos
recentes demonstram, nossa sociedade de fato faz isso) precisa ser questionada. Como
essa desigualdade é legitimada? Por que é aceita? Como Gramsci diria, como essa
hegemonia se mantém? (p. 67)
Dessa forma, para Bowles e Gintis, a educação não somente aloca os indivíduos em um
conjunto relativamente fixo de posições na sociedade –alocação determinada por forças
políticas e econômicas -, mas o próprio processo de educação, o currículo formal e
oculto, socializa as pessoas de modo a fazer com que aceitem como legítimos os papéis
limitados que de fato ocupam na sociedade. (p.67)
A forma pela qual as instituições econômicas dominantes são estruturadas para que
aqueles que herdem ou já tenham capital econômico se deem melhor, se repete no que
diz respeito ao capital cultural. O capital cultural (“bom gosto”, determinados tipos de
conhecimento anterior, capacidade e formas de linguagem) distribuído de forma
desigual por meio da sociedade, e isso depende em grande parte da divisão do trabalho e
do poder nessa mesma sociedade. “ Ao selecionar tais propriedade, as escolas servem
para reproduzir a distribuição de poder na sociedade”. Segundo Bourdieu, para
entendermos completamente o que as escolas fazem, quem tem sucesso e quem não
tem, não devemos ver a cultura como algo neutro, como algo que necessariamente
contribui para o progresso. Ao contrário, devemos ver a cultura como algo tacitamente
preservado pelas escolas e que contribui para a desigualdade fora de tais intuições.
(p.68)
Na verdade, para essa tradição mais crítica, as escolas recriam de maneira latente
disparidades culturais e econômicas, embora isso não seja, certamente, o que a maior
parte das escolas pretenda. (p. 68)
Quero empregar esse modelo mais crítico para engajar-me em algumas especulações
sobre como determinado conhecimento – especialmente o conhecimento considerado o
mais prestigioso nas escolas – pode na verdade estar ligado à reprodução econômica. (p.
70)
Deve estar claro agora que uma das maneiras pelas quais as escolas são usadas para
propósitos hegemônicos está no ensino de valores culturais e econômicos e de
propensões supostamente “compartilhadas por todos” e que, ao mesmo tempo,
garantem” que apenas um número determinado de alunos seja selecionado para níveis
mais altos de educação por causa da sua “capacidade” em contribuir para a
maximização da produção de conhecimento tecnológico de que a economia necessita.
(p. 101)
Como tem sido dito repetidamente aqui, o conhecimento que chegava às escolas no
passado e que chegam hoje não é aleatório. É selecionado e organizado ao redor de um
conjunto de princípios e valores que vêm de algum lugar, que representam determinadas
visões de normalidade e desvio, de bem e de mal, e da “forma como as boas pessoas
devem agir”. (p. 103)
PODER E CULTURA
O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente a forma das disciplinas
ou dos comportamentos que ensinam – as regras e rotinas para manter a ordem, o
currículo que reforça as normas de trabalho, obediência, pontualidade, etc. O controle é
também exercido por meio das formas de significado que a escola distribui: o “corpus
formal do conhecimento escolar” pode tornar-se uma forma de controle social e
econômico.
Reprodução cultural das relações de classe
A perspectiva a que se opunham esses autores era aquela que defenda uma concepção
técnica do currículo ...
A NSE introduziu uma nova forma de analisar o currículo, que incidia exatamente sobre
escolhas eu se fazia para definir o que deveria ser ensinado, afirmando que a seleção do
conhecimento definida era a expressão dos interesses dos grupos que tinham maior
poder para influir nessa definição. (p. 1111)
Uma delas é que, se considera que o que conta como conhecimento é socialmente
construído e, portanto, é expressão das relações de poder na sociedade e na escola, o
currículo é fundamentalmente um instrumento político para manter as relações de poder
existentes. (p. 1112)
Além disso, suas afirmações incidem no que pode ser considerado o ponto nevrálgico
das discussões atuais sobre o currículo: a relação entre a definição de um currículo
comum e o atendimento às especificidades, às diferenças de múltiplas naturezas
presentes nas escolas. Provocam-se, assim, a pensar na tensão entre igualdade e
equidade. (p. 1113)
Esse processo atinge os currículos que, cada vez mais são inquiridos a mudar. Os
dilemas para os formuladores de políticas, gestores, cursos de formação de professores e
para as escolas no que se refere ao currículo são outros: adequar-se as avaliações
standartizadas nacionais e internacionais ou construir propostas criativas que dialoguem,
de fato, com a realidade sociocultural brasileira, articulando conhecimento científico e
os outros conhecimentos produzidos pelos sujeitos sociais em suas realidades sociais,
culturais, históricas e políticas? Compreender o currículo como parte do processo de
formação humana ou persistir em enxergá-lo como rol de conteúdos que preparam os
estudantes para o mercado ou para o vestibular? E onde entra a autonomia do docente?
E onde ficam as condições do trabalho docente, hoje, no Brasil e na América Latina?
Como lidar com o currículo em um contexto de desigualdades e diversidade? (p.99)
Por isso, uma análise que nos permita avançar ou compreender de maneira mais
profunda esse momento da educação brasileira não pode prescindir de uma leitura atenta
que articule as duras condições materiais de existência vivida pelos sujeitos sociais às
dinâmicas culturais, identitárias e políticas. É nesse contexto que se encontra a demanda
curricular de introdução obrigatória do ensino de História da África e das culturas
afrobrasileiras nas escolas da educação básica. Ela exige mudança de práticas e
descolonização dos currículos da educação básica e superior em relação à África e aos
afro-brasileiros. Mudanças de representação e de práticas. Exige questionamento dos
lugares de poder. Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada em nossa cultura
política e educacional, em nossas escolas e na própria universidade. (Nilma, 2012,
p.100)
E uma lei que não é somente mais uma norma: é resultado de ação política e da luta de
um povo cuja história, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos
Tal qual o esquema histórico racial elaborado por Fanon, a partir da visão do
outro, do branco, tecido de detalhes, anedota, contos, no Brasil, a imagem que o branco
faz do negro é construída com detalhes, anedotas, contos, provérbios, noticiários de
jornais, artigos de revistas, programas e anúncios de TV. Essa representação tem como
um de seus principais veículos de disseminação o currículo escolar brasileiro. (p.41)
Analisando a história do currículo, observa-se que ele tem suas origens no terreno do
controle social. O paradigma intelectual do currículo tomou forma no início deste século
e tornou-se um conjunto identificável de procedimentos para seleção e organização do
conhecimento escolar, a serem transmitidos a outros educadores. (p.41)
Para que o currículo escolar tenha o poder de controle social, é necessário que os
significados educacionais que ele expande representem o capital cultural hegemônico na
sociedade, ou seja, a cultura da classe dominante. Isso porque o controle social é
exercido pelo grupo detentor do poder, que tem o poder porque consegue equalizar as
diferentes aspirações e visões de mundo, representadas pelos segmentos sociais
oprimidos, através da internalização da sua ideologia, expandida por seus aparelhos
ideológicos. (p.42)