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ART & LARAINE BENNETT Q TEMPERAMENTO QUE DEUS LHE DEU A CHAVE DE OURO PARA CONHECER A SI MESMO, SE RELACIONAR BEM COM 0 PROXIMO E SE APROXIMAR MAIS DE DEUS 5 ECCLESIAE SUMARIO Agradecimentos ..... Prefacio Introdugdo CAPITULO 1 CAPITULO II CAPITULO III CAPITULO IV CAPITULO V CAPITULO VI CAPITULO VII CAPITULO VIIL CAPITULO IX CAPITULO X AGRADECIMENTOS ~ Com profunda gratidio, agradecemos ao Padre James Swanson, t. c., quem primeiro nos mostrou a relevancia dos temperamentos para 0 nosso crescimento espiritual e psicolégico; ao Padre Richard Gill, L. C., nosso amado (e¢ sangiiineo) diretor espirirual, quem primeiro nos sugeriu que escrevéssemos um livro; ¢ ao Padre John Hopkins, L. c., que nos recorda que nao devemos nunca utilizar os temperamentos como um 4libi para nos esquivarmos das realidades dos nossos peca- dos atuais e da nossa necessidade de conversa. Nés também agradecemos ao nosso (excepcional melancélico- -sangtifneo) editor, Todd Aglialoro, por sua fé neste projeto, por sua atencao aos detalhes, ¢ por nao permitir que a sangiiinea Laraine ¢ 0 fleumatico Art chegassem a um acordo logo na primeira versao. Nés agradecemos a todos os nossos amigos que dividiram conosco as hist6rias de seus temperamentos e, de modo especial, aos nossos pais, William e Teje Etchemendy e Art e Mildred Bennett. Por ultimo, mas nao menos importante, somos gratos a Deus por ter nos presen- teado com nossos maravilhosos filhos — Lianna, Ray, Sam e Lucy — que participaram, com entusiasmo, de diversas discussdes acerca dos temperamentos e contribuiram com o nosso livro através de suas proprias historias. PREFACIO = Vocé provavelmente ja ouviu falar da histéria do caipira que des- cobriu que toda vez que levava seu cavalo para 0 novo celeiro que construira, via o animal bater a cabega no suporte de entrada. Certo dia, decidiu que iria resolver a situagdo ao esculpir seis milimetros da madeira do suporte em formato oval, logo acima de onde a cabeca do cavalo passava. A medida que estava indo colocar a mio na massa com a serra, um amigo surgiu e lhe perguntou o que diabos estava fazendo, cortando fora um pedago de sua estrutura. O bom homem The explicou o dilema do cavalo. “Mas”, insistiu o amigo, “por que vocé nao desenterra seis milimetros de terra da entrada do celeiro?”. Sem hesitar, 0 caipira responde: “O problema nao sao as pernas, mas a cabega”. Algumas vezes nés simplesmente nao percebemos 0 dbvio —e isso ainda mais verdadeiro quando se trata do relacionamento com nés mesmos! Mudangas de humor, reagdes emocionais, altos e baixos, reagdes automaticas, e comportamentos rotineiros aparentemente in- corrigiveis sao causa de incontaveis ataques cardiacos ¢ frustragdes com nés mesmos € com os outros. Queremos saber a origem de tudo isso ¢ 0 que podemos fazer a respeito. Nés procuramos respostas na prateleira de auto-ajuda, no consultério de um terapeuta, ou, talvez, na farmacia. Freqiientemente, no entanto, fracassamos ao tentar des- vendar as raizes das nossas dificuldades. Inconscientemente, as vezes nos percebemos lidando com sintomas, sem jamais descobrir a ori- gem do problema. Como nosso amigo caipira, desperdigamos energia u © ART & LARAINE BENNETT € nosso precioso tempo (e dinheiro!) em semi-solugées ¢ estratagemas. pessoais bizarros para retificar comportamentos negativos enquanto somos incapazes de perceber que as verdadeiras solugdes jazem em outro lugar, Isso acontece porque freqiientemente aquilo que € ébvio permanece obscuro até que alguém nos desperte para tal realidade. Portanto, se vocé esta buscando verdadeiras respostas para des- cobrir aquilo que te faz vibrar, escolheu o livro certo. E se vocé for um cristéo comprometido, tirat4 ainda mais proveito, pois os autores estéo empenhados em fornecer-Ihe naé apenas a chave para 0 au- toconhecimento, mas também uma ferramenta extraordinaria para alcangar a santidade pessoal — a solugao derradcira para o problema do ego! Laraine ¢ Art Bennett nos fizeram um tremendo favor escrevendo este livro. Mergulhando em sua vasta experiéncia com a pratica do aconselhamento c, freqiientemente ilustrando a teoria com revelagdes pessoais, sinceras (e bem-humoradas)}, os autores possibilitaram com que o aprendizado sobre os temperamentos — e sobre como crescer em santidade através do temperamento que Deus nos dew — fosse facil e divertido, Eu, por um acaso, acabei aprendendo alguma coisa sobre os tem- Pperamentos pois eu mesmo tenho um; sou um caso classico de colé- rico-sangiiineo. Sou também um padre catdlico, confessor e diretor espiritual. Lido muito com o coragdo humano (uma béngdo e um privilégio extraordindrios!). Tenho visto de novo e de nove o quao incomparavelmente valorosa pode ser a compreensio do tempera- mento de uma pessoa para se viver uma vida genuinamente plena (e santa). Com que freqiiéncia, para meus filhos espirituais, o ponto de partida para um verdadeiro progresso na vida espiritual foi finalmen- te conquistar uma compreensdo do seu préprio temperamento! O temperamento que Deus lhe deu é para adultos — especialmente para aqueles que esto em busca da santidade. Quem deveria lé-lo? Maes e pais, solteiros, religiosos consagrados, noivos, recém-casados, casados ¢ com netos, conselheiros de todos os tipos (especialmente con- selheiros de casamento ¢ aqueles que aconselham noivos), padres (prin- cipalmente diretores espirituais ¢ confessores), bem como psicdlogos ¢ terapeutas. Todos irao desfrutar muito de um livro que tem a obrigagio de ser um padrao de referéncia no estudo dos temperamentos. 2 (© TEMPERAMENTO QUE DEUS LHE DEU @ £ uma leitura rapida de ser feita. Uma bomba de sabedoria ¢ sen- so comum articulados a uma prosa amigavel que entretém o leitor. Portanto, é um excelente investimento do seu tempo. Com o minimo de esforco, vocé ird assimilar uma porgao de informagées. £ como se cada pagina contivesse um grande avango na compreensao de si mes- mo e dos outros — ¢ todos nés sabemos o quanto isso € gratificante. O temperamento que Deus the dew habilita vocé a aparar as ares- tas da sua personalidade para que possa se comunicar melhor com seu cdnjuge ¢ filhos, e para se tornar um facilitador e criador de har- monia diante de sua familia ¢ amigos. Também ird lhe capacitar como nunca para cooperar com a graga de Deus no seu projeto de vida de transformagao em Cristo. Tenho certeza de que vocé ird amar este livro! Que Nosso Senhor utilize cada pagina para ajuda-lo a compreen- der que o seu temperamento é um dom que Ele lhe deu por um bom motivo — para que com e através do seu temperamento vocé possa se tornar um santo! Que Deus lhe abengoe. Pe. Thomas Berg, L. C., M. A. Ph. D. Sacramento, California Domingo de Ramos, 20 de margo de 2005 B INTRODUCGAO ~ “Temperamentos... Isso nao é, tipo, astrologia catélica?”. Perguntas assim aparecem freqiientemente quando qualquer um de nés aborda os quatro temperamentos classicos em uma conversa. No entanto, a concepgdo dos temperamentos nao € psicologia pop nem truque de auto-ajuda; na realidade, ela tem uma longa e vene- ravel tradicao dentro da espiritualidade catélica e da teologia moral. Muitos escritores espirituais formidaveis — tais como Sao Francisco de Sales, o Rev.mo Adolphe Tanquerey, ¢ 0 tedlogo contemporaneo Jordan Aumann, 0. p. — discutem 0 conceito de temperamento e como este afeta a vida espiritual. O conceito dos quatro temperamentos — colérico, melancélico, sangiiineo e fleumdtico — foi originalmente sugerido 350 anos antes do nascimento de Cristo para explicar as diferengas de personalida- de de acordo com os “humores”, ou fluidos corporais. E ainda hoje, depois de mais de dois mil anos de interferéncia médica ¢ avango da psicologia, o conceito de temperamento por si s6 — e, em particular, a classica divisao em quatro — ainda serve de referéncia para psic6- logos, educadores ¢ escritores espitituais contemporaneos. Por que estamos escrevendo sobre os temperamentos ¢ por que vocé deveria ler 0 nosso livro? Ao longo de muitos anos como conse- Iheiro profissional ¢ palestrante sobre assuntos de familia, Art come- gou a perceber que havia campo para o estudo dos temperamentos na psicologia e na espiritualidade moderna. No entanto, ainda que nds tenhamos descoberto que o mercado de livros crist@os estava 13 © ART & LARAINE BENNETT bem abastecido com livros praticos e acessiveis sobre os temperamen- tos para individuos e familias, para catélicos 0 tinico livro dedicado aos tempcramentos cra um curto panfleto escrito pelo Padre Conrad Hock em 1934 ¢ reeditado pelos padres palotinos. Ele ofereceu ape- nas tentadores insights que deixaram aquele gostinho de quero mais de um estudo minucioso, contempordneo — e pratico — sobre os temperamentos, especialmente para catélicos, um estudo que mos- trasse como os temperamentos afetam a nossa vida individual, nossas familias, nossos casamentos e, até mesmo, nossa vida espiritual. Nos- so livro tem a intengdo de suprir essa necessidade. O homem é uma misteriosa unio de corpo e espirito, A unica cria- tura na Terra que Deus criou para seu proprio bem é chamada a gran- deza. No Jardim do Eden, o homem era o senhor do mundo, imortal, presenteado com sabedoria preternatural e vida sobrenatural pelo proprio Deus. Suas faculdades superiores governavam perfeitamente suas paixGes € emogées; isto é, seu espirito conduzia seu corpo. A uni- dade ¢ harmonia originais — no interior de nés mesmos, bem como com os outros e com Deus — foram rompidas pelo pecado. Depois da Queda, o homem permanece dividido contra si mesmo, alienado de seu companheiro e & deriva de Deus, incapaz de superar o ataque das trevas, do caos e do mal. S40 Paulo, mais tarde, lamentaria a perda dessa harmonia original: Porque eu nao fago o bem que quero, mas fago o mal que nao quero (Rm 7, 19). Conseqiientemente, sentimos ambos, “um nobre chamado e uma profunda miséria”! que podem se reconciliar somente através de Cristo... assim como o pecado reinou dando a morte, assim reine a graca pela justiga (Rm 5,21); Deus agiu com Cristo de modo que Aquele que nao tinha conhecido pecado, Deus o fez pecado por nos (2Cor 5,21) para que fossemos salvos. 0. homem é um misteria para.os outros € para simesmo, Somente mado: uma com ahio intima com m Deus. Somente em Cristo nossas vidas serdo_renovadas ¢ transformadas, bem como toda a Criagao. Pelo que este mundo criado espera ansiosamente a manifestacao dos filhos de Deus (Rm 8, 19); a graga nunca destroi a natureza, mas a aperfeicoa. Este livro descreve os temperamentos — parte de nossa mature- za humana — ¢ como estes podem influenciar nossa personalidade, Gaudium et Spes, $13. 16 © TEMPERAMENTO QUE DEUS LHE DEU @ nossas motivagdes, nossas vidas. E importante compreender como o nosso temperamento individual nos afeta e como lidar melhor com seus pontos fortes ¢ fracos particulares para nos formarmos tanto hu- mana quanto espiritualmente. Mas é igualmente importante lembrar que os temperamentos nunca contam a histéria inteira. Compreender os temperamentos nao significa que agora temos carta branca para bater em nossos filhos ¢ esposos. Nosso temperamento nunca deve ser utilizado como desculpa para o mau comportamento. Autoconhecimento é uma virtude que Santa Teresa d’Avila disse que nunca deveria ser negligenciada: “Autoconhecimento é tao im- portante que, mesmo vocé tendo sido criado para 0 céu, nao gostaria que vocé relaxasse no cultivo de sua percepgio de si mesmo”.? O au- toconhecimento genuino resultaré em humildade — nunca em com- placéncia. Ao compreender melhor a nds mesmos ¢ as nossas pessoas queridas, seremos capazes de melhorar a nés mesmos e de crescer em nossa vida espiritual, de ajudar nossos filhos e esposos a também se tornarem individuos bem-sucedidos ¢ piedosos, Quando nds entende- mos nosso temperamento, podemos comegar a dominar as inclinagGes ou reagGes desagradaveis que talvez impegam o nosso crescimento na virtude e no amor. Nés iremos adquirir mais compaixao pelos outros ¢ ficaremos prontos para encorajar ¢ fortalecer as pessoas que ama- mos — para iniciar aquela transformagao do coragao que, através da graca de Deus, ird construir uma civilizagao de vida e amor aqui na ‘Terra e, enfim, uma intima amizade com Ele. 2 Santa Teresa d’Avila, © castelo interior, trad. Allison Peers. Nova York: Doubleday, 1989, p. 38, CAPITULO | O QUE E TEMPERAMENTO? =~ “E a personalidade nativa, ¢ 56 isso, 0 que capacita um homem para estar diante de presidentes ou generais, ou em qualquer contexto distinto, com desenvoltura —e no a cultura, ou qualquer conhecimento ou intelecto que seja”. Walt Whitman “A graga se constréi sobre a natureza”. Santo Tomas de Aquino “Conhece a ti mesmo, ¢ a tuas falhas, ¢ assim viverds”. Santo Agostinho Vocé alguma vez jd se perguntou o porqué algumas criangas parecem. ter nascido puras, enquanto outras deixam o rastro de um tornado. por onde passam? Por que algumas pessoas estao sempre alegres e otimistas, com seus copos “meio cheios” enquanto outras parecem estar envoltas em uma nuvem negra, com seus copos sempre “meio vazios”? Para alguns, nenhum pensamento que passa pela cabega dei- xa de ser expressado, enquanto outros medem cada palavra a ser dita. E por que sera que algumas pessoas enxergam qualquer manifestagao de opiniao como uma declaragdo de guerra, enquanto outras Pparecem ser capazes de ignorar os maiores insultos sem se afetarem? a @ ART & LARAINE BENNETT. De pavio curto ou equilibrado? “Aproveitar as oportunidades que surgem” ou “esperar para decidir”? Relaxado ou propenso a perder 0 controle? A resposta comega com o nosso temperamento. Cada um de nés nasce com um temperamento basico, que é a soma de nossas preferéncias naturais, ele molda nossos pensamen- tos, idéias, impress6es, ¢ a maneira como tendemos a reagir a0 nosso ambiente € a outras pessoas. E a nossa predisposigao para reagir de certas maneiras, que esta inculcada em nds. Nao ¢ algo aprendido ou adquirido através do contato com 0 nosso entorno. Nao ¢ produto de um trauma de infancia ou de memérias reprimidas. Em uma palavra, éa “natureza”, em oposigao aquilo que foi “cultivado”. O que o temperamento ndo é Temperamento nao é 0 mesmo que personalidade. Personalidade diz respeito 4 totalidade dos padrées de comportamento de um indivi- duo, seus pensamentos e emogies. Neste livro, estamos considerando temperamento somente aquilo que corresponde a um dos aspectos da personalidade total de um individue — 0 aspecto relacionado a comportamento e€ rea¢ao. Dentro da tradigo catélica, temperamento é definido como 0 pa- drao de inclinages ¢ reagdes que procedem da constituicio fisiolégi- ca de um individuo.? Nossa personalidade pode ser moldada inicial- mente por um temperamento basico, mas ¢ clara ¢ significativamente afetada pelo ambiente, pela educago e pelas livres escolhas. Para 0 propésito deste livro, iremos nos referir aos outros aspectos da per- sonalidade — produtos do ambiente, da criagao, da educagio, das reagdes habituais e do livre-arbitrio — como cardter. O temperamento deve ser visto como a matéria-prima que um ar- tista utiliza para criar sua obra: a pedra utilizada na escultura € facil ou dificilmente esculpida; tem uma certa cor e padrao; é dura ou ma- ledvel. Mesmo que o artista use a inspiracdo, a experiéncia e 0 talento 3 Jordan Aumann, o. r., Spiritual Theology (Teologia espiricual|. Allen, Texas: Clissicos Cristios, 1980, p. 140; Adolphe Tanqucrey, The Spiritual Life [A vida espiritual|. Tour- nai: Desclée and Company, 1930; reeditado por TAN Books, p. 8 no Apéndice. n (0 TEMPERAMENTO QUE DEUS LHE DEU @ Para criar uma escultura unica; mesmo que o artista sempre esculpa em marmore, o produto final sera sempre unico. Portanto, da mesma forma, a personalidade total de um individuo sera afetada por sua educagdo, experiéncias, livre-arbitrio... e graca. A matéria-prima é 0 temperamento, mas a criagao final requer a edu- cago, o talento e a inspiracao do artista. O temperamento pode mudar? Devido ao fato de que o temperamento é algo com o qual nascemos, ¢ nao algo que adquirimos como resultado de nossa criagdo ou de nos- sas escolhas feitas na vida, é algo que nao pode nunca ser totalmente destruido. Mas pode ser moldado e lapidado, Ao longo do tempo nés podemos até aprender a agir de maneitas que sio opostas ao nosso temperamento; fazer o contrario daquilo que “sairia naturalmente”. Se eu, por exemplo, tendo a ser naturalmente calado e inclinado a solidao, isso nao significa que nao possa’me tornar um bom orador publico ou agir de maneira extrovertida quando a ocasiao assim 0 pedir. Quando dizemos que somos “introvertidos”; queremos sim- plesmente dizer que abordar as pessoas de forma mais reservada é a nossa primeira escolha; é nossa preferéncia, nosso “instinto natural”. Portanto, nosso temperamento nao define completamente nossa personalidade, nem tampouco nos prende a um padrao de reacées. Mas nos diz sim como naturalmente tendemos a reagir, e torna cer- tos comportamentos, reagdes, virtudes e vicios mais faceis ou dificeis para nds. Conhecer a si mesmo, e aos outros E importante lembrar que, ainda que 0 temperamento seja uma peca- -chave na mancira como somos feitos e como tendemos a nos compor- tar, ndo é o mais crucial de todos os fatores que influenciam a nossa per- sonalidade, nossas agGes, e, até mesmo, nosso destino eterno. Em ultima instancia, a nossa vida sera moldada pela maneira como exercitamos 23 @ ART & LARAINE BENNETT aquele dom fundamental de Deus: nosso livre-arbitrio. Um individuo nao pode jamais ser reduzide 4 soma de seu temperament ou de seu ambiente. Contudo, 0 estudo dos temperamentos é muito util. Compreender nosso temperamento ajuda a aprofundar 0 conhecimento sabre nés mesmos ¢ sobre os outros. £ facil para nés fazer vista grossa para nos- sos préprios defeitos ¢ maus habitos, o que torna dificil avangar no autoconhecimento: Por que olbas tu para o argueiro que estd no alho de teu irmao, e nao notas a trave no teu olho? (Mt 7, 3). Quando co- megamos a enxergar a nds mesmos como realmente somos, podemos comegar a fazer mudangas conscientes para melhor. Compreender os temperamentos também nos ajuda a aceitar,com- preender e verdadeiramente valorizar os outros. Pais podem aprender © que realmente motiva um filho especifico baseando-se em seu tem- peramento. Cénjuges podem aprender a expressar melhor seu amor um pelo outro e como evitar falhas de comunicagao que as vezes surgem diretamente da disparidade entre temperamentos. Professores irdo adquirir empatia por seus alunos, ¢ patrdes irao aprender o que pode motivar seus funcionarios. Nés iremos ter uma visao das dificul- dades espirituais que talvez estejamos enfrentando devido ao nosso temperamento, e podemos aprender novas maneiras de progredir em nossa vida espiritual ¢ crescer em santidade. Em suma, os quatro temperamentos nos fornecem uma chave para desvendar o mistério do nosso proprio eu e o de nossas pessoas ama- das, e pode nos abrir um caminho para melhorar todos os nossos re- lacionamentos, identificando aquelas tendéncias naturais que podem nos beneficiar ou enganar. Origem dos temperamentos A tradigio que nos forneceu os quatro temperamentos “classicos” remonta a muitos mil anos atras. Hipécrates (c. 460-377 a.C.), o“pai das ciéncias médicas”, talvez te- nha sido o primeiro a desenvolver uma teoria da personalidade. Fle ale- gava que os corpos humanos contém quatro tipos de fluidos, e que cada individuo poderia ser enquadrado em um dos quatro temperamentos, 24 CO TEMPERAMENTO QUE DEUSLHE DEU © com base em um desequilibrio daqueles fluidos no seu corpo — dai as denominagoes nao tao atrativas: © Colérico: bilis amarela do figado. * Sangitineo: sangue do coragao. © Melancélico: bile negra dos rins. * Fleumdtico: fleama dos pulmées. Por volta de de 190 d.C., o fisico romano Galeno, seguindo Hipo- crates, sugeriu que o equilibrio dos nossos fluidos corporais (os “hu- mores”) de fato afeta os nossos temperamentos, mas de forma positi- va, em vez de ser resultado de um desequilibrio negativo. Além disso, © temperamento “sangilineo” era ansioso ¢ otimista; 0 “melancélico” era doloroso; o “colérico” apaixonado, e o “fleumatico” calmo. Na Repiiblica, Platio escreveu sobre quatro tipos de caracteres € suas contribuigdes para a ordem social, O psicdloge clinico David Keirsey relaciona os caracteres de Platao aos quatro tipos de tempera- mento originais: 0 iconic era o “artistico”, ou sangiiineo; 0 pistic era o “guardiao” ou “cuidador”, o melancolico; 0 noetic era um “idealista” ¢ era colérico; e a caracteristica dianoetic era “racional”, um “investi- gador légico”, ou fleumatico.* No século xvi, um fisico e alquimista suigo chamado Paracelsus comparou os quatro tipos de temperamentos aos quatro elementos: fogo, ar, agua e terra. Ele adicionou o conceito de “quinto elemento” ou “quintesséncia”, que constituia a conexio misteriosa ¢ 0 equilibrio entre 0s quatro clementos, ida que 0 conceito dos quatro elementos tenha circulado des- de os gregos antigos, a palavra temperamento primeiramente veio a uso no século xvit. A palavra latina femperamentum, ou “mistura”, foi usada para indicar o equilibrio necessdrio para se atingir sauide e bem-estar. Em 1920, o psicélogo suigo Carl Jung avangou com a teoria de que diferentes tipos de personalidade se aproximavam do mundo exterior de maneiras distintas e, portanto, podiam ser claramente categorizadas. ‘Ainda que tenba sido temporariamente esquecido ao longo da iltima parte do século x1x, na primeira parte do século xx havia quase cinco mil relatérios sobre o sujeito. David Keirsey, Please understand me 1 (Por favor me compreenda Ii}. Prometheus Nemesis Book Company, 1978, p. 25. @ ART & LARAINE BENNETT Isabel Briggs Myers (1897-1979) passou quarenta anos refinando a tipologia jungiana até chegar ao Indicador de Tipos de Personalida- de Myers-Briggs, com seus dezesseis tipos de personalidade. O Indica- dor de tipos de Personalidade Myers-Briggs, ou MBTI, € considerado um dos inventdrios de personalidade disponiveis mais amplamente utilizados ¢ teve uma 6tima repercussao popular. Contudo, David Keirsey, no seu Classificador de Temperamentos Keirsey, determinou (depois de uma extensa pesquisa sobre ambos, a tipologia jungiana ¢ 0 MBrt) que os dezesseis tipos de fato se resurnem a — surpresa! — quatro temperamentos bdsicos* Keirsey admite que dois mil anos de consisténcia em termos da dis- tino dos temperamentos nao é um acidente. Essas distingdes “refle- tem um padrao fundamental na base mesma da natureza humana”.* ‘Os mesmos quatro temperamentos basicos permaneceram pratica- mente inalterados (ainda que a terminologia talvez tenha mudado) ao longo dos séculos. Cada um de nés é tinica ¢ predominantemente #m dos tempera- mentos: colérico, fleumdtico, melancélico ou sangiiineo. Hoje, pes- soas ao redor de todo o mundo estao redescobrindo o valor e a sabe- doria contida nessa ferramenta tio antiga para a compreensao de si mesmo e dos outros. Fazendo os temperamentos trabalharem para vocé Com a pratica clinica ¢ ao longo de muitos anos gerenciando progra- mas € pessoas, descobrimos que conhecer as diferengas dos tempe- ramentos realmente ajuda a melhorar a comunicagao entre esposos, filhos ¢ colegas; de fato nos ajuda a compreender nossas préprias forcas e fraquezas individuais. Colocar o temperamento para trabalhar comega com 0 autoconhe- cimento. Se eu sei, por exemplo, que tenho pavio curto, tentarei evi- tar situagdes de provocacao que inevitavelmente me deixam nervoso, 5 Keirscy, Please Understand Me 1, p. 26. 6 Ibid. Diferentemente de Keirsey, no entanto, nés diferenciamos os temperamentos de acordo com introversio/extroversio e preferémcias de pensamentofsentimento (onde per samento e sentimento sio entendidos em termos da distingio entre pessoas que tomam decises baseando-se em légica/idéias ou em relacianamentos/pessoas). 26 (0 TEMPERAMENTO QUE DEUS LHE DEU @ € posso aprender a praticar técnicas para acalmar. Posso, ao mesmo tempo, tentar ser mais compreensivo com aquele colega de trabalho lerdo que me deixa maluco. Enquanto pai ou mae, posso compreender melhor as diferengas nos temperamentos dos meus filhos. A crianga pensativa e sonhadora que parece estar perdida nos préprios pensamentos nio esta sendo deliberadamente anti-social, tampouco foi privada de contatos sociais apropriados; € simplesmente parte de seu temperamento. Compreen- dendo o seu temperamento, sou capaz de perceber que jogd-la no meio de um monte de criangas barulhentas nao serd a melhor maneira de encorajar suas habilidades sociais, ¢ irei, em vez disso, gentilmente ensina-lo como desenvolver habilidades de conversagao. Cada temperamento tem seus préprios pontos fortes e fracos. Nés devemos aceita-los ¢ estar conscientes deles, e também trabalhar para capitalizar os pontos fortes e melhorar os pontos fracos. No entanto, nao buscamos compreender o nosso temperamento apenas para ter uma deseulpa que venha a calhar para 0 nosso proprio mau compor- tamento. Em vez disso, queremos compreender melhor os outros, me Ihorar nossos relacionamentos, expandir nossa capacidade de amar, e nos tornar mais eficazes na busca por nossos objetivos. Pessoas de certos temperamentos, por exemplo, acham as entre- vistas de trabalho especialmente desafiadoras. Elas sdo tentadas a minimizar seus talentos e habilidades — nao devido 4 auténtica hu- mildade, mas simplesmente devido a uma tendéncia natural de ser cauteloso, introvertido ou timido. Conhecer a si mesmo nestas deter- minadas situagées pode ajud4-lo a lutar contra essas tendéncias na- turais, em vez de simplesmente se deixar levar por aquilo que é mais comodo para vocé. Os pais irdo descobrir que algumas criangas, devido ao seu tempe- ramento, possuem uma tendéncia natural de subestimar os detalhes — nao porque tenham déficit de atenc3o ou estejam se comportando mal. Os pais podem ajudar essas criangas a adquirirem consciéncia desta tendéncia e a desenvolverem estratégias para superd-la. A compreensao dos temperamentos pode ajudar os cénjuges a co- locar de lado alguns daqueles continuos e interminaveis argumentos: “Por que ela sempre quer sair bem quando estou na expectativa de uma noite trangiiila em casa? Por que ele fica tao nervoso quando a casa esta bagun¢ada? Nao é minha culpa que as criangas brincam a

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