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A destemperança de Valentina - parte I

Vingativa, ela só queria dançar 


Pensativa, ela não sabia amar
Carente, ela me disse "não quero saber!"
Inocente, se ela me visse não saberia o que fazer...

Se banhou no sangue de quinze escravos imaginários 


Na esperança de adquirir seus poderes mágicos 
Se entregou à toda sorte do amor de um fratricida 
imaginando saber o que a esperava do outro lado da vida 
Derreteu a capa de um volume ilustrado da bíblia só pra parecer "do . [bem"
Mas perdeu toda a compostura no palco da própria vida quando se viu sem ninguém

Reservada, ela não pode mais escutar "radiohead" 


Preocupada, seus hormônios lhe deixavam a flor da pele 
Desmedida, ela não sabe poupar palavrões
Desbocada, ontem mesmo leu um pedaço do Alcorão

"Saudações pra quem tem coragem" é lema da sua jaqueta, 


vulgarmente conhecida como pequena proxeneta 
Aquela que faz o intermédio entre o corpo e os outros corpos, 
Aquela que faz o intermédio entre seus corpos e o outro corpo,
E às vezes entre o seu corpo e alguns porcos...
Que na lama seguem inóspitos indesejosos de companhia
Ilustrados e moldurados por essa triste guria.
E a bandeira que segue agitada foi tomada pela moça 
que apressada segue irada desviando-se das poças

Perpetrada pelo pai e o irmão... 


Desgarrada, suas ideias de televisão 
Impaciente, desejava comer 
Irreverente, já mandou meio mundo se foder

De tanto pensar percebeu que a questão não era não saber amar
E sim não ter tempo para amar, não ter jeito para amar, não ter tino para o amor... 
Fazendo melismas contra o ventilador, achava que estava criando a tecnologia
[fonográfica do século,
E esperando Godot sofreu por seus maiores complexos...
Nesse intenso ufanismo latino-americano, sente-se um peixe fora d'água
Tão confusa e tão listrada, desprovida de real malícia,
Espectante apenas da paranoica conquista, dessa velha e vaidosa liberdade
Que se instaurou nessa cidade, desse Cristo Salvador!

Insana, percebeu-se no tempo 


Leviana, por seus cruéis julgamentos 
Sofrida, se mantinha erguida 
Valente, nas quebradas da vida

Cobre suas pálpebras com moedas todas as noites antes de dormir


Premeditando sua morte e pensando no modo de intervir
Com o barqueiro do Charco de Aqueronte quer beber, secar a fonte
Para descobrir de onde vem o torpor mais profundo
E saber por que não lhe agrada o mundo...

Henkell, Erik - da coleção "Brigadista e Zé Ninguém"

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