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Mais um dia incerto para mim

Desde que meu marido o Jose, aquele taxista que foi atropelado, ficou sem uma perna e
outras fraturas irreparáveis, a nossa família ficou sem fonte de rendimento, porque todos
dependíamos dele…

A família dele e os vizinhos me zombavam e chamavam de desnecessária, e que a única


coisa que eu tinha para oferecer no lar era apenas o prazer sexual. Mesmo sendo
verdade tocou-me a alma. Num belo dia, decidi vender comida, como mandioca, pão,
badjia, etal, como forma de meter piteu na mesa. Arranjei um dinheiro básico, e tive que
fazer divida a alguns agiotas da praça, como forma de iniciar o meu próprio negócio,
não tive escolha! Tive mesmo que começar a fazer negócio para ajudar meu marido e a
família sustentar.

Vendia mandioca com piripiri, e alguns fritos nas manhãs, isso nalgumas esquinas da
cidade; nas tardes vendia bolinhos e arroz com feijão, e nas noites ficava em casa, essa
rotina era dura para mim. Pois tinha que atender os meus filhos menores, sendo que um
deles, tinha alguns mesitos de vida, e o meu marido, ao mesmo tempo tinha que ter as
minhas culinárias ainda em dia para poder vender e ter alguma moeda em casa. Arranjei
um frasco de vaseline, onde era o meu cofre. Nas primeiras semanas o negocio ia muito
mas muito bem, que consegui comprar uma muleta para o meu marido, caderno para as
crianças, e algumas coisas para casa - isso com o dinheiro do lucro resultante. Só que
nas últimas duas semanas as coisas não iam tao bem, parece que as pessoas do mal
voltaram a atacar a minha família – a policia municipal, aqueles que recebem do meu
imposto.

Só que desta vez, vieram mais para estragar do que proteger o meu negócio. Eles vieram
em seu novo carro – aquele branco e verde, no qual Eu fui uma das pessoas que ajudou
a comprar - através do meu imposto que eu pagava sempre ao fiscal.

Eles logo que me viram a vender ali na esquina do mercado brandão, não disseram
nada, apenas levaram os meus produtos. E meteram no carro, tentei suplicar a eles
mesmo assim não me percebiam, e eu com a criança la no colo, nem piedade de mim
tiveram. Houve uma grande confusão la, quem passasse por ali e quisesse acudir, era
logo ameaçado de ser preso.
Enquanto iam, vi eles se dividindo os produtos que eu vendia para ter sustento. Afinal
era fome? Se tivessem fome era só pedir, agora que confiscaram meus produtos junto ao
meu balde, como irei fazer?

Afinal que ordens e tranquilidade pública se faz roubando e arrancando produto de


pessoas inocentes? E quanto a pessoa que atropelou o meu marido faz tempo, não
merece ser julgado?

Era oque eu gritava, de tanto desespero…

Fui a casa, deixei criança, e fui la no comando da polícia municipal procurar saber qual
foi o crime que Eu cometi para ser confiscada meus produtos. Eles se riam de mim, por
ser pobre e analfabeta, e pela forma como estava vestida. Pelos vistos não levavam nada
do que eu dizia a serio. Foi até a secretária…

-Bom dia So Chefe, uns policias roubaram meus bolos, juntamente com os baldes, e não
consigo perceber o porquê disso. Eu sou pobre e não tenho quem me paga aos finais do
mês como vocês, então porque fazerem isso comigo? Eu tenho família por cuidar e
despesas por pagar, e vocês que recebem do meu imposto, ao invés de me protegerem
porque me fizeram isso? Que mal vos fiz? (dizia eu com algumas lagrimas nos olhos)

-Mas você pensa que é quem? Voce sabe há quanto tempo sou policia? Quem você
pensa que é para vir cair morta aqui e me chatear, saia daqui antes que meus nervos
subam, e eu te coloque você e sua família na cadeia. Ruaaa( assim foi a resposta do
policia, aquele que jurou a bandeira, garantir a ordem e tranquilidade, e me proteger).

Diria que são as palavras de um Zé Ninguém como eu, aliás, a diferença entre mim e ele
é a certeza de que as migalhas que chamámos de salário tem um dia fixo de entrada, já
eu, me jogo aa sorte, meus filhos não sabem quando ee que terão roupa nova, a família
nunca sabe se vai jantar, vivemos da incerteza mesmo do amanha, não se sabe se a
policia para além de recolher a minha mercadoria não vai recolher a minha frágil vida,
porque em momentos de desespero eu e outras colegas do sofrimento tentamos fazer a
união (defendendo o produto de todas), o que nos custa chamboco, agressões.

Já perdemos um jovem que vendia Putos (fiosses, maguinhas sei la como vocês
chamam), ele resistiu ao ponto de ser levado no carro e colocado debaixo daquelas
cadeiras que todo moçambicano não imagina em ficar por debaixo, a quando a
caminhada pisavam o miúdo brutalmente que acabou cuspindo sangue de “Adeus
mundo” pelo caminho e para evitar crime jogaram-no na estrada.

O debate dos vendedores no mercado parece muito político, porque fala-se de coisas
óbvias que na maioria das vezes são ignoradas por aqueles que deveriam debater e
prover mudanças,4500 a 7000 mil meticais (talvez com alguns subsídios) o salário de
quem me persegue, 3 filhos o mais velho na escola secundaria, outro na primária e o
mais novo na fase descartável. Nenhuma diferença entre a polícia e eu esposa de José o
aleijado, nunca chega para rancho, nunca chega para construção, nunca chega para subir
chapa para u serviço, nunca chega até mesmo para aumentar o nível de escolaridade.

E assim o meu filho, o filho do policial vao se encontrando na escola e se amar pela
equidade de pobreza que eles compartilham e se tornam amigos, formando quadrilhas
de roubo, tornando-se malfeitores, porque aqueles nossos sonhos de ser policia de ser
professor não colocar-nos-ao no patamar vital que sonhamos em alcançar, tendo assim
um ciclo de incerteza do dia seguinte nas nossas vidas.

Mais um dia incerto para meus filhos, para os filhos do polícia, para mim, para a policia,
e para todos os vendedores de rua das cidades.

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