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caviruto sesunco A infancia escolarizada dos modernos (M. Foucault) Se Foucault é um grande flisofo, 0 & porque se valeu da istria em proveto de outea css; como dizia Nietzsche, obrar contrac tempo assim, sobre o tempo, em prove- ‘ode outra coisa, Pis o que manifesta de que mancixa 0 arual € novo, segundo Foucault, &0 que Nietasche cha- rmava o intempestivo, 0 inatual, esse acontecee que se bifrca com a histia, esse ciagndstico que pega o rele vo da anise por outros eaminhos. Nao se trata de pre- dizer, mas de estar atento a0 desconhecido que chama a nossa porta G. Deleuze! No capitulo anterior, tragamos uma concepcio de in- Fincia que atravessa alguns dos Didhgos de Platio. Depois de situar a infincia na problematica mais ampla do pensamento de Platio, a caracterizamos por meio de quatro tragos princi- pais: possibilidade, inferioridade, outro desprezado, material a politica, Assim é pensada a infincia nos textos analisados. [Essas slo as marcas que consticuem um pensamento platSni co sobre a infincia. 7G. Delere, "Qué es un dispositive?” In E Babies, Deleuze fal (Orgs) ‘Mice Poco fli, Baseelona: Geis, 1990, p. 160. a Coho “ove: Eevee Stach de indagagio propostas, faremos uma mudanga de época ¢ de registro de andlise. Deixaremos momentaneamente 0s gregos, abandonaremos por um instante os filésofos da edueagio, mas 56 em um sentido técnico ou estreito da expressio. Vamos nos deslocar até a modernidade. Até 0 campo da histéria das sensibi- lidades. das mentalidades e do pensamento. © faremos com a ajuda de dois mestres de uma aproximacio filos6fica da histéria Ph. Ariés e M. Foucault Nossas intencio e perspectiva se mantém: estamos em busca de pensamentos que sirvam de material histérico para pensar 0 presente. Interessa-nos problematizar dois registros: um, mais amplo, o de um pensar dominante acerca da infincia, na Filoso- fia da Educagio de nosso tempo; outo, mais especifico, o das possibilidades educacionais de filosofia com criancas. Cremos ser importante para esta anilise incluir as marcas modernas de algumas idéias que atravessam certos modos de pensar essas possibilidades no presente. Por que Ariés e Foucault? Porque seus teabathos sio com- plementares na medida em que geram, a partic de perspectivas diferentes, elementos tedricos para problematizar aquele modo dominante de pensar a infincia, Hi um foco coincidente com relagao 1 epoca de estudo, o periodo que abarca, grasso modo, 08 séculos XVI a XVIII, ainda que ambos, em particular Atiés, se interessaram bastante também pelos séculos anteriores © seus estuclos Cheyatain até v 36 parcialmente diferente: enquanto Ariés ajusta o foco nos senti- ‘mentos e mentalidades da vida privada, em alguma medida me- ros interessado em seus aleanees sob a érbita do Estado, Fou cault se interessou por estudar todos os Ambitos onde se exerce 6 poder. E, ainda que tenha buscado “refleir filosoficamente coker 4 hiseds di dos saheres coma material hithrien”?, an para -lo em outras palavras suas, “fazer a hist6ria das relagdes que 7M Poucaule “Te style de Piste (1984). fo: DEW, p. 682 a AlBcioescolerivado dos modemes (M. Fowcoul) dade” neste capfcule nos cone centraremos, em particular, em sua anilise que se ocupa de um. tipo de interferéncia do Estado na vida privacla. A seguir, entio, 2 in€incia como rentimento e como saber ¢ poder, no jogo de relagdes entre o pensamento ¢ a verdade, seri em um e outro ‘aso, assunto privilegiado de nossa atengio. A invengio de uma infincia ‘Meu problema é saber como se péde fazer a questio do infantil ser tdo problemitiea, que podia e devia ser pen- sade falda. e mesmo funcionar como um discursa com Fangio e estatuto de verdade [.., até se tornar uma ex- periéncia fundamental — ao lado das experiéncias da eri ‘minalidade, da doenga, da loucura, da sexualidade ~ dos sujeitos da sociedade ocidental moderna [... S. Corazza! O trabalho jf clissico de Ph. Aris sobre a infincia dividiu as Aguas entre os historiadores da psicologia social.$ Pelo menos, os historiadores da infiincia no mais puderam afirmar impune- ‘mente uma nogio a-hist6rica da infincia ou, em todo caso, pas- saram a dever enftentar os argumentos de Ariés, que se tornou teferéncia obrigatéria para acdlitos e profanos. As teses centrais de Aris sio duas: a primeira € que nas sociedades européias, durante a época medieval, nfo havia um sentimento ou cons- ciéncia de “infincia", Nessas sociedades, 0 que hoje chamamos Mk Foucaul. “Le souci dela vite (1984). Ine DE, IV, p. 669, “S. Coranza Hina inf sem fms, RS: UNIJUT, 2000, p. 31. 5 Neste testo nos valemos da segunda edigho de LE foe filial sos ancient ein, de 1973, que nel um nox prélogo do autor para a primeira cedigio de 1960. A ciaremos em sua versio em portugués, Hida socal da ries +d familia VORY 1960, Cougs “Ecco: Batson Stoo" de infincia estava limitado a este periodo relativamente curto, ‘mais frigil da vida, em que uma pessoa ainda nio pode satisfazer por si mesma suas necessidacdes basicas. Segundo essa rese, em um longo perfodo que vai até um momento difuso entre os séculos XVII e XVIH, aqueles a quem hoje chamamos de criancas eram adultos menores ou em menor escaia de amano. Essa afirmagao se vé corroborada peios pro- dutos cultursis da época. Até 0 séc. XIII, a arte medieval desco- nhecia a infincia® Gradualmente as obras artisticas incluem cada vee mais que hoje chamaunos de criangas, retravadas como pe- {quenos adultos, adultos “em miniatura” As ctiangas, ral como as compreendemos atualmente, eram ‘mantidas pouco tempo no Ambito da familia. Tio logo o peque- no pudesse abastecer-se fisicamente, habitava o mesmo mundo ‘que os adultos, confundindo-se com eles, Nesse mundo adulto, aqueles que hoje chamamos eriangas eram educacos sem que ‘existissem instituigdes especiais para cles. Tampouco existia, nessa época, a adolescéncia ou a juventude: os pequenos passavam di- retamente de bebés a homens (ou mulheres) jovens. Nao havia, ular ou es- naqueles tempos, nenhuma idéia ou percepgio part a de natureva da infancia diferente da adultez’ peci Esse registro se confirmaria com a lingua. Com efeito, no francés da época, s6 havia trés palavras para referie-se as idades: Infancia, javentude e velhice (enfance, jeamesreenieilless). A palavra Infancia nao tinha o sentido restritivo que tem hoje, mas deixava muito mais indeterminada a idade da pessoa aludida. Em teste~ munhos dos séculos XIV, XVI e XVI se denomina enfant pes- soas de 13, 15, 18 e 24 anos* A juventude significava “forga de ©Dh Avie Op 0h 1981/1960, 5. $0 22 * Diem, p 10-11 " Ibidem, p. 41-2. 86 no sée. XVI, enfane passa ater um sentido semelhan: te a0 atual, “ Ainfnciaescolaricada dos moderns (M. Foucault) iddade”, “idade média”. Nio havia lugar para a adolescéucia na linguagem nem no pensamento” ‘Uma sétie de priticas sociais como jogos, ocupagdes, traba- thos, profissdes € armas, nfo estava dererminada para idade algu- ima." As criangas eram vestidas como homens e mulheres tio logo ppudessem ser deixadas as faixas de tecido que eram enroladas em frente as criangas a respeito de assuntos sexuais.” Até 0 século XVII, predomina 0 que Ariés chama de “in fanuicidio colerado” junto a un sentinento de indiferen relacio a uma infincia demasiado feégil, em que a possibilidade de perda é muito grande”. Embora o infanticidio fosse legal- mente proibido © punido, era uma peitica corrente, sob a forma de um acidente. A vida das criangas tinha um valor semelhante 20 que tem hoje a vida dos fetos em nossas sociedades ocidentais, sobretudo naquelas em que se profbe o aborto, mas se admite ter tum bom nimero de espagos clandestinos para praticé-to, No séc. XVIII hé mudancas demogrificas substantivas: passa-se de uma alta fertlidade e alta mortalidade infantil a uma baixa fertilidade baixa mortalidade infantil. Isso, sugere Ariés, nfo pode ser expli- cado apenas pelos progressos da medicina e da higiene." Para en- tender esse processo, Ariés introdu uma outta tese. Ch seguinte canclusio de Ph. Ariés no Capitulo “As idades d vida", de Hina Sail da Coin da Fal: “Tero-se a rapressio, portato, de que, 2 ‘aca epoca corresponeriam tina dade priv ews pesiodiay i pa ticular da vida humana: a juventude é a idade prvilegiada do século XVI, “infinca, do sGculo XIX, ea ‘adolescénca, do século XX”. (idem, p. 48) Widen . 88:56 " ide, p68. " Ena outros, certos temas se repetam ma sociedade tradicional: brineavase com 0 sexo dos pequenos; na literatura hi abundantes cenas de pequenos trom ca Goan aparove accuncnb nina velghon i, pi25ss "Tide, p87 ° Tide, p. 17-18, 6 ocho “ovenho: Eumtncn Stoo" A segunda tese, complementar & primeiea, é que a partir de um longo periodo, e, de um modo definitivo, a partir do séc XVII, se produz uma mudanga considerivel: comeca a se desen- volver um sentimento novo com relacao a “infincia”, A crianca passa a ser 0 centro das atengdes dentro da instituicio familiar, AA familia, gradualmente, vai organizando-se em torno das crian- «as, dando-Ihes uma importincia desconhecida até entio:j4 no se pode perdé-las ou substitui-as sem grande dor, jé nfo se pode elimitar 0 seu mimero para poder té-las tio em seguida, preci atendé-las melhor. A ctianga se torna uma fonte de distragio € relaxamento para o adulto, que comeca a expressar ¢ tornar cada vez mais ostensivos tais sentimentos. A arte também oferece esse refle- xo com 0s novos retratos de criangas sozinhas € outros em que a crianga se torna o centro da composigio.” © Estado mostra um interesse cada vez maior em formar o cariter das criangas. Sur- gem assim uma série de instituigdes com o objetivo de separar € isolar a crianga do mundo adulto, entre elas, a escola."* A crianca adquire um novo espago dentro ¢ fora da instituicio familiar trabalho de Aris deu lugar @ uma intensa polémica, em particular nos anos 1970 ¢ 80." As principais criticas feitas a [Ariés sio trés: a) questiona-se a tese de que a infincia é uma invengio moderna, que ela nio existisse na Idade Média ¢ na Re- nascenga; b) critica-se seu romantismo, seu olhar nostilgico do passado; c) objeta-se sua metodologia de trabalho, em particular iden, p12. "Tide. 158 idan p63. hide, p11. ™ Ph, Arts cent as conseqiéncias sociais deste processo em: a) a polatiza ‘i da vida coca em torn da vida da fl protien; eh) adesaparigi, ‘salvo alguma excegio, da antiga socablidade. Idem p. 12 » Para um resuma da polémica nos 1970 ¢ inicio dos 80, ef R. Vann. “the ‘Youth of Centuries of Childhood", 1982, 66 Ainlénco escolrzada dos mdiemos M. Foucout) seu tratamento dos registros artisticos literirios e culturais uti- lizados como base empirica. Com rclacio a questio que nos ‘ocupa, a invengio da infincia, diversos estudos oferecem teste- munhas de que, pelo menos desde o séeulo XII, reconhece-se socialmente a adolescéncia, algo negado por Ariés.” proprio primeiro capitulo deste livro poderia ser usado como argumento de que ja entre os Gregos existia um sentimen- to de infincia.” Contudo, nfo pretendemos discutir historiogra- ficamente 0 texto de Ariés. Pensamos que a singulae polémica surgida a proposito de seu trabalho leva a moderar suas teses, ‘mas de forma alguma a ignoré-las. Consideramos seu trabalho pioneito € ainda nio superado em pelo menos duas dimensées: 1) aidéia de que a percepsio, periodizagao e organizacao da vida ‘humana é uma variante cultural e que a forma como uma socie- dade organiza “as etapas da vida” deve ser sempre objeto de ica; b} na moxcinidadks canoptia, sendy a invest io, pelo menos uma fortissima intensificacio de sentimentos, priticas eidéias em torno da infiincia ocorreu como em nenhum outro periodo anterior da histéria humana, Um dos critérios para valorizar um trabalho académico é perceber sua produtividade. Nesse sentido, o trabalho de Ariés abriu espagos para campos inexplorados eins trabalhos que, desde diversos registros discursivos ¢ referenciais tedricos, propuseram-se estudar a produtividade social desse sen- rimenta maderno da infincia, Por exempla, A. Nandy esmdan sua extensio, muito alm da vida privada, ¢ incluso da vida pi- blica em um Estado € postulou que um sentimento andlogo se Para uma rela dos diversos trabalhos que o mostram, ef Vann. Op ity 1982, p. 2886. 2 Jé oreo ets aeurréneia na intevdugin desta paste da trabalho. Embors ‘enhamos esclarecdo al que os vests de andlise slo diferentes, alguém podetia pensar no tabalho de Golden (Op. at, 1990), que citamos abundan- temente ¢ fa um weo de testemunhas muito mais amplo, como prova de tal seovimenta na Antigidade a Coco “aveaio: Brnca’ S800" encontrava na base do colonialismo curopeu moderno.” As- sint como no contento da instituigdo familiag, a erianga deveria ser conduzida e iluminada pelo modelo do “pai", no marco das, relagdes entre Estados, algumas nacdes deveriam ser submeti- das 20 “cuidado protegia” de outeas, as mais “desenvolvi- das”, para seu crescimento adequado No sée. XVI a leitura de relatos de Crist6vo Colombo diverte tanto quanto a dogu- rade uma menina.”> Contudo, onde talvez o sentimento de infincia tenha to- ‘mado mais forca tenha sido em uma instituigio nova, com com- plexos dispositivos de poder em um marco de confinamento € reclusio: a escola, Para entendermos a produtividade social da escola, estudaremos, a seguir, a concepcio foucaultiana de po- der disciplinar. BA, Nandy, “Reconstructing Childhood: A Critique of the [deology of | Adulthood”, 1987. 0 marco de eferénci de Nandy (biden, p. 57-9) €0 coloialsmo britinico 1a finda, mas suas conclusées excedem amplamente esse marco. As Amér ‘as, em particular a América Latina, esto cheias de associagbes a metiforas infra denten decors concep nataloginante ef picaliata que can sidera a Améries € 0 ameriano no desde sua historicidade, mas desde “o see", Nessa perspectiva,diversos autres insptados numa flosofia da bists- ria hegeliana ("El fundamento geogriico del historia universal” In: Lanes (4 Fide iri nnisertal Madi: Revista de Oceident, 1940) apontam ‘ser de Amétiea” como defectvo, infantil incomplete, promessa de futuro, atareza pra, fala de madres, mature natuatacuja ica possibildade de desenvolvimento the vem de fora, “um ainda no” quanto is possibildades de er. cozeespondénca eletriniea,Adviana Arpinie Ross Lienta me fre ram notar que essa visio atravessa tanto os autores de uma ideologia antiamericanisn quando 0s americanistas. Por exemplo, entre os no: americanstas,. Ortega y Gasset ("Hegel y América” (1928, In: Obra Cam pear, Madd Revises de Occidente, 1946, Vo. I) entte os amerieanict ‘A Catuelli (Amc Biot Ensayo de antl los de a itera, Buenos Aires: Troquel, 1961) reproduzer essa visio, No interior do pensameato latino-americano, estas vsies psicoloyista eontologizantes foram superar herve dene on aun 1960. Cf este ey A Ray Towed letinoamerian, Mésico: Fondo de Cultara Beonémica, 1981. Relato de Mme, De Sévigne spud Ph, Ariés. Op it . 1589. “ AinBncioexcoleritada dos moderns (M. Foucaul) A invengio de uma disciplina (O que é,afinal, um sistema de ensino senio uma ritual zagio da palavras cenio uma qualifieasio © uma Bxagio dos papéis para os sueitos que falam; senio a constirui- io de um grupo douttinitio ao menos difuso; sento ‘uma distribuicio © uma apropriacio do diseurso com seus poderes ¢ seus saberes? M, Foucaule® Etimologicamente, o termo divaplina deriva do vocabulo latino idéntico. Segundo os estudiosos da lingua, 0 grupo se- mintico é obscuro e de formagio enigmética” Alguns afiemam que a palavra é a forma abreviada de uma mais extensa, disipul- na, 8a qual se enconteatia a raiz “pu”, que dé ugar em latim apuer, ‘erianca’®* Mas no ha qualquer certeza disso. A palavea discplina esti certamente ligada ao verbo discere, que significa ‘aprender’. Ao mesmo verbo estio ligadas palavras como displ ‘quer apten- de’ ‘0 aluno’, ‘0 aprendiz’‘isefpulo.” dedi, ‘desaprender’, € doctus, ‘quem j aprenden’. Em seus primeiros usos, dscphinasigni- fica ensino, educagio, disciplina¢, sobretudo, disciplina militar (dis K. Hoskin. “Foucault examen’, 1993, p. 4. © A. Castello, C, Mircico. “Glosario etimolégjeo de términos usuales en Ia praxis docente”, 1998, p. 19. © CE, neste wabalho, "O que significa aprender”, p. 199 8 o Coxtho,"evencio: Emttncae Soot de disciplina com minha turma”); b) saber (como quando nos referimos a “disciplinas” tais como Filosofia, Musica ou Educa- fica). Aplicada a uma erianga, a dsciplina evoca um duplo gio processo de saber e poder: apresentar determinado saber 4 crian- 6 € produzir estratégias para manté-la nesse saber." De modo ‘que, desde a etimologia até os usos atuais do terme, a disciplina 0 saber € 0 poder—e a infincia estio juntas, ‘Mas nio s6 0 estio na etimologia e no uso. O termo dinpl- nna sintetiza, para Ni. Foucault, um modo como, de forma predo- minante, se exerce poder nas sociedades européias durante os séculos XVII e XVII." A categoria disciptina & a criagio con- ceitual de Foucault, uma invengio te6rica que permite pensar ‘como funcionam algumas instituiges modernas, quais sio os mecanismos que regulam —o estatuto € o regime que adquirem — 4 relagdes entre o saber € © poder nas sociedades que abrigam tas instituigdes onde circulam eriangas: ae ‘80 nem com um aparelho; cla é um tipo de poder, uma ‘modalidade para exercé-lo, que comporta todo um con- lisciplina” no pode se identifiesr com urna instil junto de instrumentos, de téenicas, de procedimentos, de niveis de aplicagio, de alvos; ela & uma “sien” ou ‘uma “anatomia” do poder, uma tecnologia.” A disciplina é, entio, um modo de exercer o poder, uma tecnologia de poder que nasce ¢ se desenvolve na modernidade Assim, 0 poder disciplinaré exercido em diversos espagos sociis: "'K, Hoskin, Op a, 1993, p34. "M Foucaule. Vigir¢ Pi, 1997/1975, p, 184. Observe-se que dizemos “om mado que 9 exerce poder" nfo “o moda” oa “o Pode", com maiiseul, Para Foucault, o poder consiste em rclagies endo exist fora dese exericio ‘elacional (f, entre outros, “Le jew de Michel Foucault” (1977), DE, Il, p. (097%), DE, 302; "Prison st le pomenir Répweec certains iio IM, p. 631; “Phe Subject and the Power", 1983a,p 219-220.) ® M, Foucault, Vigiar Pair, 1997/ 1975, p. 189 70 Ainfacio escolorizada dos modemas (M. Foucoul), em instituigdes especializadas (como os carceres ou os institutos corretivos), em instituigdes que @ usam como insteumento es- sencial para um fim determinado (as casas de educacio, os hos- pitais), em instituigdes que preexistem a ela e a incorporam (a familia, o aparato administrativo), em aparatos estatais que tém como tungao tazer reinar a disciplina na sociedade (a policia). ‘A pergunta que mais interessa a Foucault no que diz respei- to a0 poder é “como ele se exerce?”.™ Foucault enfrenta 0 que denomina de concepgées tradicionais de poder: a “hipétese re- pressiva” ou sua representagio “juridico-discursiva”." Essas for- ‘mas concebem o poder como uma forma de dizer “no” a partir dos aparatos ideologicos do Fstado. Essa &a postura do marxis- mo dominante na universidade francesa nos anos 1970: supde- se um certo sujeito prévio cuja relagio com a verdade e cujas ccondigdes econdmicas € politicas estio mascaradas e oprimidas pela ideologia dominante. O poder setia, nesta visio, um ele- ‘mento negativo que impede uma relacio plena com a verdade e ‘um sistema econdmico ¢ politico socialsta. A condicio para tal estado & revolugio do proletariado, que as classes sociais hoje explotadas “tomem 0 poder” € invertam as atuais relagdes de classe dominantes.* Essas anilises tém, a partir da ética foucaultiana, varios problemas, Por um lado, supdem um sujcito originatio, idéntico absolute como fundamento de sua anilise; por outro lado, no percebem como as condigdes econdmieas e politicas no sio * Talver seja necessivo insistr que “o poder no se , no se troca nem se retoma, mas se exerce, $6 existe em ago (.), 0 poder io é prinipalmente -manutengio reprodgio das relagdes econdmeas, mas acima de tudo urna relagio de forga, Questo: 0 poder se exerce, o que é este exercicio,em que consist, qual é a sua mecinica?” (M, Foucault. "Genealogia€ poder” I Miedo per, 1999/1976, p. 179, CEA rnd deer, 1999/1976, 192; 100;"Congo del 14 gennao 1976" In DE, Ill p. 175 ss;"As malhas do poder” (1976) In: DE, IV, p. 184-6. ™ M. oucault. A end a frmas jr, 1999/1974, p. 26-7 n Coco “foucsio: Ermtncnt Sxteo" tum véu para o sujeito, mas aquilo por meio do que este se cons titui; am do mais, colocam alguns sujeitos dentro do poder € ‘outros fora, como se tais dicotomia e exterioridade fossem pos- siveis; por iltimo, elas nao conseguem perceber a forca produti- va, afirmativa, do poder.” Ao contririo, para Foucault, o poder nio é algo que se toma, algo que se tem ou se conquista, mas algo que se exerce. Com efeito, nio existe o Poder por um lado e os individuos por outro, mas individuos exercendo poderes no que ele chama de a arte do governo, ‘Governo’ nio quer dizer, nesta ética, aparato estatal, ‘mas 0 modo como se dirige, em qualquer Ambito, a conduta dos individuos. Governar, diz. Foucault, ¢ estruturat o possivel cam- po de asio dos outros.* De modo que 0 exercicio do poder € tum modo como certas ages estruturam o campo de outras pos- siveis ages”. Assim, se afirma o cariter produtivo, nfo apenas repressivo do poder. Como se exerce, especificamente, o poder disciplinar? Por meio de uma série de dispositivos (um jogo de elementos hete- rogéneos € varidveis que abarcam 0 dito € 0 nio-dito: discursos, instituigdes, organizacdes arquiteténicas, decisdes regulamenta- 15 leis, medidas administeativas, enunciados cientificos, propo- sigdes filos6ficas, morais, flantrépicas, que ocupam, em um momento histérico determinado, uma posigio estratégica domi- rnante),"” que estruturam 0 que 0s outros podem fazer com a fungdo principal de “ditigit condutas”. > Tide, 27 @ A rntade de cbr, 1999/1976, p, 86-87 ‘Te Subject and the Power", 19832, p. 221 © idem, p. 222. “Le jeu de M. Foucault” (1977) In: DF, IM, p 299-301. G. Deleuze fez uma cextraoedndra eitura da nogio foueauliana de dispositiva em *-Que es en Aisposiivor in, Balber, G. Deleuze eta (Ungs). Ane Foncu, ruaa Barcelona: Gedisa, 1990, p. 155-163. Deleuze interpreta os dsposiives como umm conjunto de inkas que tracam diversas dimensdes:curvas de visibildade ‘curva deenunciaglo “miquinas para fazer vere para fazer false") lina de n Ainfoncia excolaizada dos modemes (M. Foucoul) Disso se desprende que a funcio principal do poder disci- plinar é normalizadora, sto é, inscreve as possiveis ages em um determinado campo ou espago a partir de uma normatividade ‘que distingue o permitido eo proibido, o correto eo incorreto, 0 so € 0 insano, Trata-se de micropoderes, multidirecionais, hete- rogéneos. As técnicas principais dos dispositivos disciplinares sio “instrumentos simples”: a vigilincia hierarquiea, a sangio normalizadora ¢ o exame. A vigikincia hierarquica funciona como uma maquina in- discreta, Esti composta de técnicas que se baseiam no jogo do olhar: téenicas que permitem ver sem ser visto e que induzem efeitos de poder a partir de seu proprio emprego técnico, sem importar o que se vé ou se deixa ver. A arquitetura ji nfo 86 se ‘ocupa do que seta visto a partir de fora ou se vigiard de dentro para fora, mas do que possibilita um controle interno, 0 que petmite tomar visiveis os que esto dentro: o acampamento mi- litar € 0 modelo das cidades operitias, hospitais, asilos, prisGes € casas de educacio®, Assim o explica Foucault: As instituigoes disciplinares produziram uma maquina ria dle controle que funcionou como um microscépio do comportamento; as divisdes tenues e analiticas por elas realizadas formaram, em torno dos homens, um apare Iho de observagio, de registro € de treinamento® Com o ereseimento da economia, a vigilincia eresce e se especifica cada vez mais. Torna-se indispensivel em todas as instituigdes. © mesmo acontece nas escolas paroquiais. Alguns forga que penetram as coisas eas palavras (‘a dimensio do poder”, inkas de “objetivagio e linhas de subjetvagio ("nas de fuga” que se subtraem as “M.Foucaul, Vigiare Pani, 1997/1975, p. 153. © De, p54, © Dido 186 B CCovseio “Eovcncho: Emtec Sie” alunos especialmente selecionados passam a cumprie novas fun- ges: devem observar quem abandona sua cadeira, quem fala e ido atende, quem se comporta mal na missa e iniimeras detalha- das atividades nio-permitidas; s6 alguns poucos deles cumprem fangdes pedagégicas, e no de vigilincia. Gradualmente, as fun- oes pedagégicas e de vigfincia se unem, até aleangae um dispo- sitivo que integra trés procedimentos: ensino especifico, aquisi- s4o de conhecimentos por meio de exercicio da atividade pedagégica e uma observagio reeiproca e hierarquizada.* Por sua parte, a sangio normalizadora reiine cinco tragos: 1) castiga-se os detalhes mais insignificant ¢ coloca-se valor pusitivo a elementos téenicos apatentemente neutros: ha uma micropenali- dade do tempo (atrasos, auséncias,interrupgdes cas tarefas), da ati- vidade (falta de atengio, deseuido, fila de zelo) dha ruaneira de ser (escortesia, desobediéncia), dos discursos (conversas, insoléncia), os compos (atitudes “incorretas”, gestos impertinentes,sujcira), da sexualidade (falta de puder, indecéncia);* 2) 0 que se castiga so 0 desvios, tudo 0 que nio se submete a uma regra que tem uma refe- réncia tanto juriica quanto natura 3) os castigos tém uma final dade corretiva, procuram corrigir 0s desvios:” 4) as sancBes sio acompanhado também de diversos processos mais profundos: 1) Inverte-se a Funcio das disciplinas, de uma funcio neutrali- zante, do mal ou de outros petigos, a uma funcio positiva, pro- dutora; por exemplo, enquanto no séc. XVII se justfica o desen- vvolvimento das escolas para evitar os males da ignorincia dos pobres que nao podiam instruit seus filhos, ao contritio, na segunda metade do séc. XVIII, se as justifica para fortalecer os corpos, para disponibilizar & crianca fazer trabalhos mecinicos, diclhes um carater firme; ‘as disciplinas funcionam cada vez. mais > Tide, 164-5, Vamos analisaro exame com mais dtahe no proximo item, ° Para as eatas origina de J Bentham e outros comentitios, ef 7: da Silva (Org). 0 panipia. Belo Horizonte: Auténtica, 2000. © Vigiar e Pai, 1997/1975, p, 189-190. * Biden, p. 184, % Coco “oveacho: Exmincn Seo" como técnicas que fabricam individuos dteis”. 2) Os mecanis- ‘mos disciplinares se dispersam, saem da clausura das insticuigdes fechadas; pot exemplo, as escolas crstis no s6 formam criancas déceis, mas também vigiam os costumes e 0 modo de vida de seus pais: 3) Alguns mecanismos de disciplina se estatizam; 0 exem- plo mais claro é a organizacao de uma policia centralizada."* © panoptismo mostra a onipresenca do poder: esta em to- das as partes, vem de todas as partes.” O poder se exerce sempre 4 partir de inmeros pontos, no jogo de relagdes méveis (nunca fixas), nio-igualitirias (as forgas tém sempre um peso distinto), imanentes (ndo sio exteriores a outro tipo de relagio, por exem- plo, econdmicas, sexuais, epistemoldgicas), 20 mesmo tempo in- tencionais (supdem fins ¢ objetivos) ¢ no-subjetivas (nio sio 0 produto de uma opgio ou decisio de um individuo ou um geupo de individuos), ¢ que geram pontos de resisténcia igualmente méveis ¢ transitérios (sempre que se exerce o poder se exerce também um contrapoder)* A invengio de uma instituigao formadora Nio sio apenas os prisioneizos que sio tratados como ‘eriangas, mat as eriangas como pisioncinas, As etanyas softem uma infantilizagio que nio é delas, Neste se do, é verdade que as escolas se parecem um pouco com as prisdes, as fibricas se parecem muito com as prises. M. Foucault” 5 Di, Dida, 186-7. Did p. 187-9, ° A santa de abr, 1999/1976, p. 89 Tide, 89-92 'M. Foucault,G. Deleuze. "Os intleessis eo poder”. M, Fault, Ming ‘hs Pak, 1999/1972, p73 a fla € de G, Deleuze, 6 AnlBncia escolozode dos modernoe (M. Foucault) Entre as instituigdes disciplinares, nos interessa especial- mente a escola. A intencionalidade formadorn da eseols tem sido reconhecida de forma crescente: os profissionais de educagio afirmam, de forma explicita, que se interessam, sobretudo, pela “Formac” de seus visitantes; que a escola se prope nia sé, 011 ‘no especificamente, transmitir conhecimentos, mas antes que outras coisas, formar pessoas, produzir certos tipos de subjetivi- dades. De forma mais implicita, mas no menos evidente, a es- cola € a instituigio onde, para dizé-1o em palavras foucaultianas, “a disciplina constieui o eixo da formacio do individuo”.* De todas as téenicas do poder disciplinar.o exame éa mais ‘especificamente educacional e escolar"! Com eftito, a escola & ‘um “aparelho de exame interrupto que acompanha em todo o ‘seu comprimento a operacio do ensino”, uma comparagio per- ppétua que permite medir e sancionar:* O exame garante a passa- gem de conhecimentos aos alunos €, 20 mesmo tempo, permite tomar deles saberes que cada um reserva para o docente. Suas «és caracteristicas mais importantes sio: 1) inverte a economia da visibilidade no exercicio tradicional do poder (0 examinador se torna invisivel e 0 examinado permanentemente visivel); 2) faz entrar a individualidade no campo documental (dissemina ‘um “poder documental”: 0 exame é acompanhado de sistemas de registro, métodos de identificagio, sinalizagio e descri¢io); 3) faz de cada caso um caso (0 eato € 0 individuo tal como se 0 pode deserever, julgar, medi, comparar com outros e a quem se tem que chassificar, excluir, normalizar, etc) Assim sintetiza wslea 6 Finalmente, oexame se acha no centro dos processos que constnuem o indvidao como efcto« objet de poder, como etito © objeto de saber. Eee ue, combinando G. Noyola, Moderna ilu y edacacen, 2000, 113. © Hoskin. Op a p38. “© M, Foucault. Vig Pair, 1997/1975, p. 16, © Tide, p. 166-171 Coch “oven: Evetncn Snt20" ‘grandes fungOes diseiplinares de reparticio e classifica ‘io, de extragio méxima das forgas ¢ do tempo, de acu _maulagio genética continua, de composigio dima das ap. tiddes. Portanto, de fabricacio da individualidade celular, ‘oxginica, genética e combinat6ria, Com ele se itualizam, aquelas disciplinas que se pode caracterizar com uma. palavra dizendo que sio uma modalidade de poder para co qual diferenea individual é pertinente Quanto mais andnimo ¢ funcional se torna o poder disci plinar, tanto mais se exerce sobre sujeitos cada vez mais indivi- dualizados. Essa individualizagio e esse isolamento deram-se his- toricamente de forma pausada ¢ geadativa Dos insteumentos do poder disciplinar, o exame contribui para a individualizagio das pessoas de modo firme ¢ como nenhum outro instrumento, Na scala, dir Foncanla crianga ecré mais individualizada da qne a adulto,® processo que se consolida a partir de uma profunda alteragio em certas instituigdes sociais. Com efeito, até o século XIII, 0s colégios sao apenas asilos para estudantes pobres, € 6a partir do século XV, eles se convertem em instituigdes de ensi- no. Sua maior abrangéncia e sua crescente divisio interna acom- panham o crescente sentimento social a respeito da infincia.” Como conseqiiéncia, de forma cada vez mais ampla e sofistica- da, a educagao das criangas jé nao é mais feita no meio dos adul- tos, em contato direto com a vida. Num dos seus iltimos textos, Foucault reforgou a idéia de que nas escolas, nfo apenas as relagdes de poder, mas também as habilidades para lidar com as coisas eas fontes ¢ mecanismos de Widen pT tm *P,Aés Op ai, 1981/1960, p 169-171 © Wid, 1697 © Iden p11 7” ‘Ainfncio escolrzada dos modemos M. Fovcoul) posigio do espago, as formas meticulosas de regular a vida inter- na da instituiglo, a distribuigao de pessoas e fungdes constituem tum loca compacta de eapacidade-comunieacio-pader Nas es- colas, 0s individuos nao fizem qualquer coisa, em qualquer mo- mento, em qualquer lugar. Os espagos sio cuidadosamente deli- mitados, o tempo é marcado por um cronograma preciso, regular € regulado, os aprendizados sio organizadas em etapas, de for- ‘ma tala exercitar em cada periodo, um tipo de habilidade espect- fica Um conjunto de formas repuladas de comunicacio (ligBes, questionstios, ordens, exortagdes, sinais codificados de obe- dincia) ¢ um conjunto de priticas de poder (clausuramento, vigi- Hancia, recompensas e punicéo, hierarquia piramidal, exame) con- formam o campo do que é possivel perceber, dizer, julgar, pensar « fazer na instituigio escolar. Nas palavras de Foucault: ‘Um cada vez melhor processo ni vigiado de regulagio cada vez mais econdmico ¢ racional ~ se tem buseado com avide? entre as atividades produtivas, fontes de co- tnunicaydo © do jogo de relays de poaer.™ E importante destacar que esses blocos compactos nao caem verticalmente, de cima para baixo, Eles sio multidirecio- nais, Nao slo os professores que “oprimem” os alunos, nem os diretores que submetem os professores, mas todos eles sio su- jcitados no interior desses macigos conjuntos de capacidade-co- municagio-poder. Certamente, nem todos ocupam a mesma posicio relativa nessa rede e, portanto,estario afetados de diver- sas formas por ela, mas nio deve entender-se esse processo em termos de “opressio” ou “tirania” de uns contra outros. A escola sujeita os individuos ~ professores, alunos, diretores, orientadores ceducacionais, pais, servidores — a esses consistentes mecanismos © M. Foucault. “The Subject and the Power”, 1983a,p. 218 ™ Biden p. 219. Coucho “foucacio: Eines Sito" fan mesmo tempo em que obietivam esses individuos (por _um jogo de verdade que Ihes é imposto,”'os tomando como ab- jetos silenciosos de modos de investigacio que pretendem alean- car o estatuto de ciéncia, de priticas que dividem, ¢ de formas de vida que se volvem sobre si mesmas), 0s subjetivam (pelo mesmo jogo de verdade que os faz falar sobre si, conhecer-se e contribuir nna produgio de uma verdade ¢ uma consciéncia de si)® 4 dissociado da De modo tal que o que um sucito € nfo e: experiéncia de si mesmo que é induzido a ter numa instituigao como a escola. Nesse sentido, os mencionados blocos de capaci- dade-poder-comunicagio condicionam, pelo menos, cinco dimen- sbes da experiéncia de si que é possivel se obter numa escola: a) perceptiva (aquilo que € possivel perceber de si); b) diseursiva (aquilo que é possivel dizer de si); €) moral (aquilo que é posstvel julgar de si, segundo as notmas ¢ valores dominantes); d) cogni- tiva (aquilo que é possivel pensar de si); € ¢) de governo (aquilo que € possivel fazer consigo mesmo).”*U que percebemos, dize- mos, julgamos, pensamos ¢ fazemos numa escola esti imerso ‘num complexo jogo de priticas discursivas e nao-discursivas que _getum us condigGes para que (cnfnnos uma certa eapreriéncia de ‘Um jogo de verdade é “um conjunto de regeas segundo as qui, em rela com certosassuntos, 0 que um sujeito pode dizer depende da questso do verdadelto edo fas." (M. Foucaul “Foucault” (1984), In: DE, INp. 632). verdade nio ¢ algo a descobriy,é um “conjunto de pracedimentos regulados pela producto, lei, reparticio,crculago e funcionamento ds enunciados”. ‘M. Foucault, "Katreten a¥ee Michel Foueaule” (1976). In: DE 1, p. 159. The Subject and the Power", 1983s, p. 208 "Esta coneetualizagio est inspenda numa semelhante, proposta por]. Larrosa| ("Teenologiae del yo y EdvcaciSn”, 1995, p 202-323), embors difra pati ‘mente dela Ai, dstinguem-s cinco dimenséies: dic, disewsiva, moral, nar ‘iva e prises. Com a dimensio perceptiva me proponho alarga explicit mente a esfera dos seaidos; concentro as dimensbes dscutsiva ¢ areaiva ‘numa #8, deigno a dimensio do farer como de governo pars chamaraaten so sobre a autogovernamentabilidade como a forma especifica de estrtarar © campo da prdpria asia, e incorpato uma dimensio relaiva x0 imbito do pensar sobre to Ainfonco escolorzedo dos medemos M. Foucoul} estamos sendo. essa forma, numa escola se joga muito do que uma erian- Mas ecce jogo (as regeas que permitem jogat) no se di nos sa saberes que ali se aprendem ou na cidadania que dizem estar-Ihe ensinando, © ponto mais energético do jogo esti na constitui- 4a da prdiprin mode de ser, na forma que toma a etlanga no interior de uma série de estratégias reguladas de comunicacio ¢ priticas de poder que permitem produzit um certo “eu”. Essa forma poder ter muitos perimetros e diferentes contornos, mas todos cles estatio contidos na Forma “crianca”, que, de alguma ‘maneita, 0s dispositivos do poder disciplinar disseminam. A for- magio das criangas na escola moderna procura atingir a todas clas, da mesma maneira, com a mesma forma, Ser sujeito escolar € jogar um jogo no qual se é jogador € iogado ao mesmo tempo. O jogo da verdade praticado na escola moderna niio da espago a um sujeito qualquer. © que um indivi- duo € eno é, 0 que ele sabe e nto sabe de si, é objeto de interven- ‘es, tendentes & constituicio de um tipo especifico de subjetivi dade. Nas escolas, os individuos tém experiéncias de si que modificam sua relagio consigo mesmos numa diregio precisa, Si0 cexpetiéncias demarcadas por regtas € procedimentos que incitam subjetividades déces,disciplinadas, obedientes. A escola moderna nfo € a hospitaleira da liberdade, embora precise dela para acolher © exercicio do poder disciplinar e niio a mera submissio do outro. A invengéo de um professor-pastor ‘A questo é determinar 0 que deve ser 0 sujeito, a qual ccondigio ele esti submetido, qual estaruro ele deve ter, qual posisio ele deve ocupar no teal ou no imaginério, * Parsa concepeio de Foucault do suite como forma, of. "L'éthique du soul de soi comme pratique dela liberte" (1989). I: DE, IY, p. 718-9, at para devir sujeito legitimo de tal ou qual tipo de conhe- cimentay em resiimo, se trata de determinar sen mode de “subjetivagio”. M. Foucault Os textos dos anos 1970 de Foucault estio impregnados pela anilise do poder. O objetivo principal de Vigiar e Punir (1975) & tracar uma genealogia de como se exerce o poder disciplinar em algumas instituigdes da modernidade. Depois de publicar o pri- meito volume da Histinia da sexuatidade (1976), onde analisa os discursos, poderes e saberes produzidos sobre a sexualidade,” Foucault interessou-se de forma muito mais notoria pelas impli- cages de exercicio de poder na constituigio da subjetividade. Por outro lado, concentrou-se em estudar como foi comparativa- mente exercido 0 poder entre os antigos, os medievais ¢ os mo- detnos, em formas tais como 0 poder pastoral ¢ as recém-men- cionadas técnicas de si. Finalmente, enfatizou as relagdes entre poder, liberdade e ética, procurando conceber outras formas de subjetividade por meio de priticas reflexivas de liberdade. Num ensaio publicado dois anos antes de sua morte cault chega a dizer que € 0 sueito, ¢ nio o poder, o tema principal de suas pesquisas. Sugere que o primeiro o levou ao segundo. tudou a questio do poder porque, para compreender a constitui- fo da subjetividade nas sociedades modernas, era necessirio en- tender as relagdes de poder nas quais os individuos estavam inseridos” Para Foucault 0 termo “sujeito” tem dois sentidos: ® M, Foueaulk. “Foucault. In: DE, 1V,p. 632. ties do poder” em "Método", Tbidem,p 8897 ” M. Foucault. “The Subject and the Power, 1983a,p, 208-226. 0 texto foi originalmente publicado em 1982. 6p. 57-48, Besse ene, ag oma “ana > Nos anos 1970, histéria ea teoria econdmicas proviam bons ferramentas| para a anise das relagdes de producto, a Lingistieae a Semistiea bons insteamentos pata o esta das relagdes de sigitiasio, No entanto, alo 2 ‘Avofnco scslainede dos modemos (M. Frau) Hi dois sentidos da palavea sujeito:sujito aalgum ow tropelocontrole e pela dependéncia;e atado & sua pro= pria identidade pela eonsciéncia ou conbecimento de si. Os dois sentidos sugerem uma forma de poder que subjuga e faz sujeito a.” O problema do sujeito como o entende Foucault pode- ria ser colocado da seguinte forma: como chegamos a ser aqui- Jo que somos? Qual éa anatomia da constituigio da subjetivi- dade nas sociedades modernas? Para Foucault essas perguntas tém alguma semelhanca com a empreitada kantiana: trata-se de delinear uma ontologia critica de nds mesmos. Mas, di- ferenga de Kant, a investigagio no busca as condiges trans- condontais de: historicas e genealdgicas: procura constatar por meio da emer- géncia de quais mecanismos singulares, no meio de quais jo- gos de forgas, ¢ de quais dispositivos especificos, nalgum momento descontinuo da histéria, procede aquilo que nos constitui no que somos.” Este trabalho genealdgico pode exercer-se em trés dominios: com relagio 4 verdade que cons- titui os individuos em sujeitos de conhecimento; com relagio a0 poder pelo qual nos constituimos como sujeitos atuantes sobre outros; com relagio 4 ética por meio da qual nos constituimos ‘exista uma teoria sobre poder, mais do que aquees extndos buscados erm ‘modelos legas, com uma concepsio apenas repressiva do poder. Esas te: rias apenas dio conta de um aspecto do poder, aquele segundo 0 qual 0 poder uma forga que diz ns, masniio reconhecempositividade do poder, ‘yuu apacidaie afmativa tooo que ee produ. Bis alia necessidade de 1uma teoria do poder que auxilie a compreensio de sua produividade na constituigi da subjecividade nas inttugBes modernas. Como uma forma de subsidiar a compreensio da questio do sujeito (cf. M. Foucault. Op ct, 1983a,p. 209) iden 9.202 "Nietzsche, la généaloge, histoire” (1971). Ins DEM, p. 1468 8

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