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Pêndulo Duplo

ou
Lição 0 de Mecânica Lagrangiana,
Análise Numérica e Teoria do Caos

Pedro Queiroz
Departamento de Fı́sica
Instituto Superior Técnico

Novembro de 2005

1 Introdução
O Problema 3 da Série 8 de Introdução à Computação1 requer a compreensão
da mecânica de um pêndulo duplo (Figura 1) e, portanto, exige a resolução de
equações de movimento algo complexas. O sistema diz-se caótico, isto é, o seu
comportamento é altamente dependente das condições iniciais (neste caso, os
valores iniciais θ1 e θ2 ).
Está fora do âmbito da cadeira que os alunos dominem as técnicas matemáticas
aqui descritas, mas tão só que tenham uma noção dos cálculos que conduzem ao
modelo que vão implementar no seu programa. É também um primeiro contacto
com alguns métodos de cálculo (analı́tico e numérico) de grande utilidade e
aplicação em Fı́sica.

Figura 1: Pêndulo duplo [1].

1 http://arjuna.ist.utl.pt/IC

1
2 Equações de Lagrange
Uma das ferramentas da Mecânica Clássica utilizadas para abordar sistemas
complexos são as Equações de Lagrange [2, 3].

2.1 Lagrangiano
L (q1 , q2 , . . . , qs , q̇1 , q̇2 , . . . , q̇s , t) = T − V (1)
d ∂L ∂L
− =0 (i = 1, 2, . . . , s) (2)
dt ∂ q̇i ∂qi

L −→ Lagrangiano
T −→ Energia cinética do sistema
V −→ Energia potencial do sistema
qi −→ Coordenada generalizada
t −→ Tempo
O Lagrangiano L para um sistema clássico com s graus de liberdade é definido
por (1)2 .
No caso do pêndulo duplo:
s = 2
q1 = θ1
q2 = θ2

A partir de (2) (chamada Equação de Lagrange ou Equação de Euler-Lagrange,


consoante a sua aplicação) podemos deduzir as equações de movimento do sis-
tema [2].
Para m1 :
1
T1 = m1 l12 θ̇12
2
U1 = −m1 gll cos θ1
Para m2 os cálculos são um pouco mais complexos. Recorrendo às coornadas
cartesianas x2 e y2 (origem das coordenadas no ponto de suspensão e eixo das
ordenadas vertical e com sentido para baixo):
x2 = l1 sin θ1 + l2 sin θ2
y2 = l1 cos θ1 + l2 cos θ2
Obtemos assim:
m2 ¡ 2 ¢ m2 h 2 2 i
T2 = ẋ2 + ẏ22 = l1 θ̇1 + l22 θ̇22 + 2l1 l2 cos (θ1 − θ2 ) θ̇1 θ̇2
2 2
E, por fim:
m1 + m2 2 2 m2 2 2
L= l1 θ̇1 + l θ̇ + m2 l1 l2 θ̇1 θ̇2 cos (θ1 − θ2 ) +
2 2 2 2
+ (m1 + m2 ) gl1 cos θ1 + m2 gl2 cos θ2
2 O formalismo lagrangiano é muito mais abrangente e complexo, mas deixemos isso para

outras núpcias.

2
2.2 Equações de Movimento
O Lagrangiano em si não tem significado fı́sico, mas permite, como dito anteri-
ormente, deduzir as equações de movimento do sistema [1].
Comecemos por θ1 :
∂L
= (m1 + m2 ) l12 θ̇1 + m2 l1 l2 θ̇2 cos (θ1 − θ2 )
∂ θ̇1
µ ¶
d ∂L
= (m1 + m2 ) l12 θ̈1 + m2 l1 l2 θ̈2 cos (θ1 − θ2 ) −
dt ∂ θ̇1
³ ´
− m2 l1 l2 θ̇2 sin (θ1 − θ2 ) θ˙1 − θ˙2
∂L
= − l1 g(m1 + m2 ) sin (θ1 ) − m2 l1 l2 θ̇1 θ̇2 sin (θ1 − θ2 )
∂θ1
(2) toma assim a forma:
(m1 + m2 ) l12 θ̈1 + m2 l1 l2 θ̈2 cos (θ1 − θ2 ) + m2 l1 l2 θ̇22 sin (θ1 − θ2 ) +
+l1 g (m1 + m2 ) sin (θ1 ) = 0
Dividindo por l1 isto simplifica-se para:
(m1 + m2 ) l1 θ̈1 + m2 l2 θ̈2 cos (θ1 − θ2 ) + m2 l2 θ̇22 sin (θ1 − θ2 ) + (3)
+g (m1 + m2 ) sin (θ1 ) = 0 (4)
Da mesma forma, para θ2 :
∂L
= m2 l22 θ̇2 + m2 l1 l2 θ̇1 cos (θ1 − θ2 )
∂ θ̇2
µ ¶ ³ ´
d ∂L
= m2 l22 θ̈2 + m2 l1 l2 θ̈1 cos (θ1 − θ2 ) − m2 l1 l2 θ̇1 sin (θ1 − θ2 ) θ˙1 − θ˙2
dt ∂ θ̇2
∂L
= m2 l1 l2 θ̇1 dotθ2 sin (θ1 − θ2 ) − l2 m2 g sin θ2
∂θ2
(2) para θ2 torna-se (dividindo já por l2 ):
m2 l2 θ̈2 + m2 l1 θ̈1 cos (θ1 − θ2 ) − m2 l1 θ̇12 sin (θ1 − θ2 ) + m2 g sin θ2 = 0 (5)
O sistema de equações diferenciais de segunda ordem formado por (3) e (5) pode
ser resolvido numericamente em ordem a θ1 (t) e θ2 (t).
A Figura 2 mostra uma solução particular do problema, que permite rapida-
mente concluir que estamos perante um movimento complexo. Convém relem-
brar que estamos perante um sistema caótico, pelo que os resultados dependerão
muito dos valores dados às diversas variáveis.

3 Solução Numérica
3.1 Método de Euler
Como já foi dito na secção anterior, o pêndulo duplo leva-nos a equações que só
podem ser resolvidas numericamente.
Um problema de equações diferencias ordinárias tem a forma:
y 0 = f (x, y) y (x0 ) = Y0 (6)

3
Figura 2: Resultados numéricos para o movimento do pêndulo duplo [1].

Os métodos numéricos mais populares para resolver (6) são chamados de métodos
de diferenças finitas. Um dos mais simples é o Método de Euler [4].
Seja Y (x) a solução exacta e y(x) a solução aproximada. Vamos definir nodos
x0 , x1 , . . . , xn , . . . onde queremos calcular valores da nossa função y0 , y1 , . . . , yn , . . .
(yn ≡ y (xn )):

xj = x0 + jh j = 0, 1, . . .

O valor de h tem de ser escolhido inferior ao tempo tı́pico de evolução do sis-


tema [5].
O Método de Euler diz-nos então que:

yn+1 = yn + hf (xn , yn ) (n = 0, 1, 2, . . . )

3.2 Problema do Pêndulo Duplo


Voltemo-nos então de novo para o nosso problema.
Vamos agora partir o nosso sistema em dois diferentes. O primeiro relaciona θ1
e θ2 com as suas derivadas θ̇1 e θ̇2 . A solução numérica é trivialmente simples:

θ1,j = θ1,j−1 + θ̇1,j δt


θ2,j = θ2,j−1 + θ̇2,j δt

Note-se que é aqui, na escolha de θ̇1,j e θ̇2,j em vez de θ̇1,j−1 e θ̇2,j−1 que surge
o Método de Euler-Cromer. Esta nova escolha implica que se resolva o resto do
problema em primeiro lugar.
E o resto não é tão fácil. Comecemos por estabelecer ω ≡ θ̇ e, consequentemente,
ω̇ = θ̈. Resolvendo o sistema de equações formado por (3) e (5) em ordem a θ̈1
e θ̈2 obtemos [6]:

−g(2m1 +m2 ) sin θ1 −m2 g sin(θ1 −2θ2 )−2 sin(θ1 −θ2 )m2 (ω22 l2 −ω12 l1 cos(θ1 −θ2 ))
ω̇1 = l1 (2m1 +m2 −m2 cos(2θ1 −2θ2 ))
2 sin(θ1 −θ2 )(ω12 l1 (m1 +m2 )+g(m1 +m2 ) cos θ1 +ω22 l2 m2 cos(θ1 −θ2 ))
ω̇2 = l2 (2m1 +m2 −m2 cos(2θ1 −2θ2 ))

4
Deve ser agora claro o que o nosso programa tem de fazer (para simplificar, seja
α ≡ ω̇):

−g(2m1 +m2 ) sin θ1,j −m2 g sin(θ1,j −2θ2,j )−2 sin(θ1,j −θ2,j )m2 (ω2,j
2 2
l2 −ω1,j l1 cos(θ1,j −θ2,j ))
α1,j = l1 (2m1 +m2 −m2 cos(2θ1,j −2θ2,j ))
2 sin(θ1,j −θ2,j )(ω1,j
2 2
l1 (m1 +m2 )+g(m1 +m2 ) cos θ1,j +ω2,j l2 m2 cos(θ1,j −θ2,j ))
α2,j = l2 (2m1 +m2 −m2 cos(2θ1,j −2θ2,j ))
ω1,j+1 = ω1,j + α1,j δt
ω2,j+1 = ω2,j + α2,j δt
θ1,j+1 = θ1,j + ω1,j+1 δt
θ2,j+1 = θ2,j + ω2,j+1 δt
α1,j+1 = ...
α2,j+1 = ...

Referências
[1] E.W. Weisstein, Double Pendulum, Eric Weisstein’s World of Physics
(http://scienceworld.wolfram.com/physics), Wolfram Research.
[2] L.D. Landau e E.M. Lifshitz, Mecânica (Fı́sica Teórica Vol. 1), Editora Mir,
Moscovo (1978).
[3] V.I. Arnold, Métodos Matemáticos da Mecânica Clássica, Editora Mir,
Moscovo (1987).
[4] K.E. Atkinson, An Introduction to Numerical Analysis (Second Edition),
John Wiley & Sons, Nova Iorque (1988).
[5] J. Seixas, Introdução à Computação em Ciência e Engenharia, Escolar
Editora, Lisboa (2005).
[6] E. Neumann, Double Pendulum Physics Simulation, My Physics Lab
(http://www.myphysicslab.com) (2004).

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