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Resumo
O método da Grounded Theory, e suas técnicas de análise, apresentam-se como formas
viáveis de conduzir pesquisas qualitativas, sejam com a intenção de gerar teoria substantiva
ou apenas de proceder a uma ordenação conceitual. No entanto, tal como ocorre com outros
métodos de análise qualitativa dos dados, é necessário definir critérios de avaliação da
qualidade da pesquisa e como persegui- los na prática. Nesse sentido, este artigo tem como
objetivo desmistificar conceitos inerentes aos processos de análise e codificação do método da
Grounded Theory, por meio da apresentação de sugestões de técnicas de análise auxiliadas
por computador, que respeitem critérios previamente definidos para avaliação da teoria
gerada. São apresentados exemplos de como as análises podem ser operacionalizadas e como
conceitos, tais como sensibilidade teórica, comparações constantes e codificação, são
desenvolvidos na prática. Este artigo pode ser entendido como um relato de experiências dos
autores, com finalidade de incitar a discussão entre os pares e contribuir com a disseminação
do método junto à comunidade de pesquisadores em Administração, especialmente, no campo
da estratégia.
1. INTRODUÇÃO
resultados de acordo com os critérios aceitos para avaliação do rigor de uma teoria
substantiva.
É importante deixar claro que não se pretende aqui impor um método ou
procedimentos. Quanto a isso, até os criadores da metodologia da Grounded Theory, Barney
Glaser e Alsem Strauss, divergiram. É importante deixar claro para o leitor que o objetivo
deste artigo é proporcionar para os iniciados no método esclarecimentos sobre procedimentos
e técnicas de análise, ou seja, como, na prática da pesquisa, termos como comparações
constantes, amostragem teórica, sensibilidade teórica, saturação teórica, quebra e análise de
dados são operacionalizados. Para os pares e comunidade científica, o objetivo é desmistificar
os conceitos inerente às análises dos dados e apresentar sugestões de como eles podem ser
trabalhados na prática, servindo, assim, de mais uma fonte de informação para futuros
avaliadores exercerem seu escrutínio sobre o processo utilizado e sobre o nível de
fundamentação empírica da teoria gerada.
Também não se pretende neste trabalho, tecer discussões filosóficas sobre bases
epistemológicas. Da mesma forma que o método da Grounded Theory se propõe a
fundamentar seus resultados nos dados e não na literatura existente, busca-se neste artigo
evitar definições que não tenham a fundamentação empírica, ou seja, na prática da pesquisa.
Em outras palavras, não é relevante para a proposta deste artigo discutir a definição de
“codificação por comparações constantes”, proposta por Glaser (1992) como “operação
fundamental no método de análise por comparações constantes. O analista codifica incidentes
para categorias, e suas propriedades, e os códigos teóricos que as conectam”. Porém, é
relevante mostrar sugestões de como isso ocorre na prática, na ação do pesquisador, seja por
meio de exemplos, sugestões de técnicas e de procedimentos.
Este artigo é também um relato de experiências dos autores na utilização do método da
Grounded Theory na pesquisa em estratégia. São apresentadas possibilidades para facilitar a
análise dos dados, tendo o software ATLAS/ti como apoio, e tornar o pesquisador menos
sobrecarregado para que exerça plenamente suas funções podendo, assim, aproveitar o prazer
da descoberta e da constatação da emergência da nova teoria.
Inicialmente, é necessário apresentar, sucintamente, os principais fundamentos do
método da Grounded Theory. Em seguida, são apresentadas as sugestões para
operacionalização das análises dos dados, com ênfase na utilização do software ATLAS/ti, e
como esses procedimentos geram teoria substantiva com rigor e fundamentação empírica.
Esta seção não pretende revisar, com profundidade, a história do método e seus
desenvolvimentos, nem discutir sua epistemologia. Essa tarefa foi empreendida por Ichikawa
e Santos (2001), em um ensaio apresentando a Grounded Theory, então como uma nova
proposta para pesquisa qualitativa pesquisa organizacional. Esta seção tem como objetivo
nivelar os leitores sobre definições dos principais termos relacionados com as fases de coleta
e análise de dados, considerados nesta proposta, e que serão operacionalizados nas seções
subsequentes.
O método da Grounded Theory adota as considerações ontológicas e epistemológicas
do subjetivismo, conforme definições de Morgan e Smircich (1980), as quais consideram que
a realidade pode ser socialmente cons truída a partir da interação entre indivíduos que a
legitimam por meio de símbolos. É um método interpretativista de pesquisa que busca
explicar a realidade a partir dos significados atribuídos pelos envolvidos às suas experiências.
Contudo, diferentemente de outros métodos subjetivistas como o método
fenomenológico, a etnografia e a experiência vivida, os procedimentos de análise do método
da Grounded Theory intencionam tornar os resultados os mais objetivos possíveis, tanto do
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AMOSTRAGEM
AMOSTRAGEM TEÓRICA
MICROANÁLISE TEÓRICA
DADOS
O ciclo ilustrado pela figura acima contina até que ganhos marginais no poder
explicativo da teoria, para mais evidências coletadas, seja aproximadamente nulo. Quando
isso acontece, atinge-se a saturação teórica das categorias (GLASER, 1992; STRAUSS;
CORBIN, 1998). A saturação teórica deve ser entend ida como uma “utopia estimulante”. É
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uma meta que o pesquisador deve perseguir. No limite de seus esforços e dos dados
disponíveis nenhum novo dado deve gerar novas descobertas, e deve estar associado às
categorias existentes.
ELEMENTOS DESCRIÇÃO
Unidade hermenêutica
Reúne todos os dados e os demais elementos.
(Hermeneutic unit)
Documentos primários São os dados primários coletados. Em geral, são transcrições de entrevistas e notas
(Primary documents) de campo e de checagem. São denominados de Px, onde x é o número de ordem.
Trechos relevantes das entrevistas que geralmente estão ligados a um código. Sua
Citações referência é formada pelo número do documento primário onde está localizada,
(Quotes) seguido do seu número de ordem dentro do documento. Também constam da
referência as linhas inicial e final.
São os conceitos gerados pelas interpretações do pesquisador. Podem estar
associados a uma citação ou a outros códigos. São indexados pelo nome.
Códigos Apresentam dois números na referência. O primeiro se refere ao número de citações
(Codes) ligadas a ele; e o segundo, ao número de códigos. Os dois números representam,
respectivamente, o grau de fundamentação (groundedness) e o de densidade
(density) do código.
Notas de análise Descrevem o histórico da interpretação do pesquisador e os resultados das
(Memos) codificações até a elaboração final da teoria.
São os elementos mais poderosos para exposição da teoria. São representações
Esquemas
gráficas das associações entre os códigos (categorias e subcategorias). O tipo das
(Netview)
relações entre os códigos é representado por símbolos.
Comentário Todos os elementos podem e devem ser comentados, principalmente os códigos,
(Comment) fornecendo informações sobre seu significado.
Figura 2 - Principais Elementos do ATLAS/ti
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O que o entrevistado B quis dizer com "caixa preta" quando se referiu a como o cliente percebe o tipo de
operação da construção civil? Fazendo uma comparação “close-in” e aproveitando a metáfora do próprio
entrevistado, quais são as características da caixa preta de um avião? 1. Algo que não se conhece o conteúdo
apriori, inviolável (incerteza). 2. Depois de aberto revela muitas coisas (surpresa). 3. Quando é aberto, o desastre
já aconteceu (prejuízo).
Uma caixa preta deve revelar surpresas, nada que se conhece apriori, e cuja revelação só se conhece após o
desastre. No caso da aquisição do imóvel, o cliente se depara com uma caixa preta, com as proriedades listadas
acima. Do ponto de vista do cliente:
NOTA 2
ANÁLISES DAS DIMENSÕES DA BUROCRACIA E SUA MUDANÇA DE "NAQUELE TEMPO" E
"HOJE"
Este memo fala da burocracia, especificamente para liberação de empréstimos. A burocracia, "naquele tempo"
era menor, quando ele B1 dizia "bastava". Hoje não basta mais somente um bom projeto.
Fazendo comparações “close-in” sobre o processo de liberação de financiamentos, posso analisar o processo de
liberação de crediário de uma loja, que possui as seguintes propriedades: 1. volume de informações solicitadas 2.
tipo de garantia exigida 3. nível do risco assumido pelo credor que se reflete na taxa de juros 4. tempo para
liberação 5. proximidade da decisão de quem libera 6. volume liberado.
Essas propriedades devem guiar minhas amostragens.
Figura 7 – Exemplo de notas de microanálise
Essas propriedades me ajudarão a responder as questões colocadas no memo MA: nível de risco percebido, que
abordam as situações em quando que a imagem, indoneidade e tipo de regimes de construção são valorizados ou
não pelos clientes. Isso tudo me ajudará a explicar o fenômeno da administração do risco. Agora neste mesmo
memo irei validar as propriedades. Em B1, codificarei para o código "percepção do risco pelo cliente" e depois,
como fiz para C, buscarei criar os tipos "is a" e dar a fundamentação empírica (groundedness) devido.
Citações em B1:
REF REG FIN IMAG END CRON OBSERV/CONTEXTO
163 - + + - o pedro vendia rapido antes do cruzado
162 - + - compra para investimento antigamente
158 + - merado pessoal e comprador
168 - + + - compra para investir em 80
010 - + + - idem
154 - + + - mercado pessoal, vendas fáceis pelo Pedro
160 - + + - naquele tempo, venda na planta coma pastinha
166 - + cliente quer o máximo de fin bancário
165 - + idem
026 - + + - vendia na planta pois havia confiança
-----------------
Grupo: mercado cético
Divisões:
Características:
Neste tipo de percepção do risco o mercado não está disposto a assumir o risco da incorporação nem está
disposto a assumir financiamento bancário. A aquisição do imóvel ocorre nas fases mais adiantadas do
cronograma.
Citações em B1:
REF REG FIN IMAG END CRON OBSERV/CONTEXTO
156 - - cliente quer financ direto hoje
167 - - + - + oprotunistas e aventureiros estragam o mercado
172 - - + hoje, cliente quer financ direto
157 - - cliente não quer financiamento de banco
086 - + cliente não compra a custo, volta ao inc prec fech
Figura 8 – Exemplo de identificação e validação de categorias
Geralmente, após uma grande parte dos dados tenham sido codificados, e as relações
entre as categorias identificadas, o pesquisador tem condições de inferir sobre qual é a
categoria central que consegue integrar todas as outras categorias identificadas em um
esquema teórico principal, como o exposto na figura 1.
Durante este processo, central na codificação seletiva, busca-se por proposições sem a
validação adequada até que se atinja o ponto da saturação teórica. Exige um grande esforço de
integração e recuperação das informações. A integração da teoria ocorre da seguinte maneira:
a) descobre-se a categoria central, ou seja, sobre o que a pesquisa trata, usando as
técnicas da redação da estória ou revisando as notas e os diagramas (STRAUSS;
CORBIN, 1998). A idéia é que o esquema teórico principal seja abstrato suficiente
e simples (reduzido) que abranja toda a variação do fenômeno, explicado nas
proposições;
b) a categoria central deve também ser difinida em termos de suas propriedades e
dimensões, relacionando com as demais categorias;
c) refina-se a teoria, buscando por incoerências lógicas ou por proposições sem
fundamentação empírica ou densidade;
d) valida-se a teoria utilizando as técnicas propostas na figura 11.
Uma teoria substantiva deve conter categorias fiéis à realidade dos entrevistados e
deve estar livre de pressuposições do pesquisador (forcing), o que lhe fornece validade e
confiabilidade. Seu grau de generalização deve ser entendido como poder explicativo, ou seja,
a capacidade de prever as estratégias em função da presença de condições causais e
intervenientes.
Para avaliar uma teoria substantiva, Glaser (1992) propõem 4 critétios: grau de ajuste
à realidade (fit), relevância para o envolvidos, controle na predição de suas ações e capacidade
de permitir modificações. Sugere-se aqui, os cirtérios propostos por Kerlin (1997), adaptados
de Sherman e Webb (1988), para avaliar a qualidade de uma teoria substantiva. A descrição e
contribuição para a qualidade da teoria de cada critério encontram-se na figura a seguir.
Além dos critérios acima, devem ser utilizados critérios sugeridos por Strauss e Corbin
(1998). O autores colocam que os trabalhos que visam gerar e elaborar uma teoria substantiva
devem considerar também os seguintes critérios: adequação do processo de pesquisa utilizado
e fundamentação empírica da pesquisa. Algumas técnicas que visam aprimorar a qualidade da
teoria em cada um dos critérios perseguidos, elaboradas a partir de de Guba e Lincoln (1982),
Merriam (1998) e Strauss e Corbin (1998), estão descritas na figura abaixo.
TÉCNICAS DESCRIÇÃO
Uso de múltiplas fontes de dados na busca por divergências que possam revelar novos
Triangulação
facetas sobre o fenômeno.
Consiste-se em analisar citações em comum para diferentes códigos, verificando a
Ataque à teoria
relação entre eles, por meio da ferramenta de query do ATLAS/ti.
A cada rodada de coleta e análise, os dados devem ser checados com os informantes. Ao
Checagem com os
final das análises, os principais resultados da teoria, o resumo (storyline) devem ser
entrevistados
checados com os informantes.
Longo tempo Durante o período de convívio, pode-se conhecer os informantes e suas principais
No campo características.
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Amostragem
Um estudo longitudinal, por exemplo, permite que diferentes condições contextuais
em diferentes
sejam consideradas na teoria.
contextos
Todo o processo da pesquisa e das análises dev estar registrado nas notas e esquemas do
Auditorias ATLAS/ti, permitindo que auditores possam resgatar o processo de interpretação e
confirmar os resultados encontrados.
Figura 11 - Técnicas Utilizadas para Aprimorar a Qualidade da Teoria Substantiva
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
conhecimento do leitor sobre a Grounded Theory. Também não houve a intuito de servir de
guia ou roteiro, nem submeter os leitores à ditaduta de um método.
Um dos objetivos deste artigo é, na realidade, contribuir na disseminação deste
método de pesquisa na área da estratégia. Acredita-se que a Grounded Theory é uma solução
metodológica para análises qualitativas. Em muitos projetos de pesquisa qualitativa, as
técnicas aqui apresentadas podem ser utilizadas sem que o pesquisador tenha intenção de
gerar teorias, mas apenas proceder uma ordenação conceitual. A Grounded Theory é um
método robusto que prorporciona, se bem aplicado, o rigorismo metodológico tão perseguido
pelos avaliadores de pesquisa qualitativa.
Outro aspecto digno de nota, é a capacidade de o método proporcionar explicações
sobre fenômenos relacionados à estratégia relevantes para o contexto brasileiro. Pode-se
expor as limitações da teorias gerais, geralmente estrangeiras, e apresentar propostas fiéis ao
contexto pesquisado, com maior relevância e controle.
Finalmente, qualquer que seja a pesquisa, principalmente a que utiliza o método da
Grounded Theory, trabalhos em grupo são extremamente mais eficientes do que o esforço
espartano de um pesquisador único. A formação de grupos de pesquisa orientados por uma
linha definida claramente, e abraçada por todos, torna o trabalho intelectualmente superior e
mais robusto. Softwares de análise qualitativa de dados, como o ATLAS/ti, permitem de
forma simplificada a multiautoria nas análises e a interação com pacotes de análise estatística.
Notas
1
Versão WIN 4.1 (Build 5.1)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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