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carta ao editor

VILELA, N.J.; LANA, M.M.; MAKISHIMA, N. O peso da perda de alimentos para a sociedade: o caso das hortaliças. Horticultura Brasileira, Brasília, v.
21, n. 2, p. 141-143, abril/junho 2003.

O peso da perda de alimentos para a sociedade: o caso das hortaliças


Nirlene J. Vilela; Milza M. Lana; Edson F. Nascimento;Nozomu Makishima
Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70359-970 Brasília-DF; E-mail: nirlene@cnph.embrapa.br

Palavras-chave: pós-colheita, desperdícios, cadeia produtiva, conseqüências sociais.

Keywords: post harvest, waste productive chain, social consequences.

(Recebido para publicação em 07 de junho de 2002 e aceito em 10 de fevereiro de 2003)

A presentando sucessivos recordes de


safras, o setor agrícola brasileiro
destaca-se como uma das mais impor-
com boas condições físicas, em razão
de vencimento do prazo de validade es-
tipulado e, até mesmo pela falta de ou-
sistemas de produção de batata e cebo-
la nos principais estados produtores,
constataram um nível médio de descar-
tantes âncoras da economia. Em tras formas alternativas de aproveita- te de 30% de ambos produtos, no ato
contrapartida, o Brasil tem sido consa- mento. do preparo para comercialização, por
grado como um campeão em perdas pós- Especificamente no caso das horta- não atender aos padrões de qualidade
colheita e desperdícios. liças, estudos realizados constatam que exigidos pelo mercado.
No atual contexto sócio-político, a no Brasil os níveis médios de perdas As perdas no transporte, variam de
redução de perdas e desperdícios é con- pós-colheita são de 35%,chegando a acordo com as estações do ano, sendo
templada no programa “Fome zero” atingir até de 40%, enquanto em outros mais intensas nas épocas chuvosas. Ade-
como um dos meios prioritários para que países como nos Estados Unidos não mais, o mau estado de conservação das
hajam alimentos disponíveis para todos passam de 10%. estradas brasileiras, associado às altas
os extratos da população brasileira. Na safra de 2001, foram colhidas 15 temperaturas que ocorrem no Brasil ace-
O sucesso da meta governamental de milhões de toneladas de produtos leram a deterioração, de forma que as
combate à fome depende, fundamental- hortícolas, das quais foi perdida a quota perdas de produtos perecíveis, como
mente, de um esforço conjunto da so- de mais de 5 milhões de toneladas, que hortaliças, podem chegar a 30%
ciedade e, em particular, das instituições gerou, para a sociedade um prejuízo de (Caixeta Filho, 1999).
na implementação de todos os instru- US$ 1,026 milhões, estimado com base No mercado atacadista, as pesqui-
mentos e meios para se atingir este pre- nos preços médios de atacado no sas constataram que em Manaus as per-
mente objetivo social tão almejado. CEAGESP em 2001. das foram de 15% para tomate e 10%
Nesse sentido, a redução efetiva das A significativa quantidade perdida para pimentão (Brandt et al., 1974). Em
perdas e desperdícios, necessariamen- seria suficiente para abastecer os 29,3% São Paulo, as perdas médias estimadas
te, exige que ações e medidas sejam pra- da população brasileira (53 milhões de para cenoura, pimentão verde e pimen-
ticadas, em caráter emergencial, dada a habitantes) excluída do mercado de ali- tão vermelho foram de 12%, 16% e
magnitude das conseqüências geradas mentos por insuficiência de renda (Fun- 17%, respectivamente (Ueno, 1976) e
sobre a esfera socioeconômica. dação Getúlio vargas,2002). de 7%, 10,3%, e 11,1% para cenoura,
Entende-se por perdas, a parte físi- O problema das perdas pós-colheita pimentão e tomate, respectivamente
ca da produção que não é destinada ao de hortaliças vem ocorrendo em todo (Tsunechiro et. al., 1994). Em Minas
consumo, em razão de depreciação da território brasileiro e tem sido analisa- Gerais, houve perdas de tomate de até
qualidade dos produtos, devido à dete- do, em diferentes fases da cadeia pro- 10% na época seca e de até 50% na épo-
rioração, causada por amassamentos, dutiva e/ou canais de distribuição. ca das chuvas (Mukay & Kimura, 1986).
cortes, podridões e outros fatores. Os Com enfoque na cadeia produtiva Trabalho recente observou perdas de
alimentos são desperdiçados, quando, de hortaliças, pesquisas realizados em 20% no mercado atacadista do Rio de
em boas condições fisiológicas, são des- São Paulo detectaram perdas médias de Janeiro (CEASA-RJ, 2002).
viados do consumo para o lixo. Esta si- 35% (ABIA, 1996). Na rede varejista, em Minas Gerais,
tuação pode ser ilustrada, por exemplo: Na esfera dos produtores, traba- foram detectadas perdas de 27%, 42%
pelas sobras de refeições nos pratos em lhos recentes (2002) desenvolvidos e 40% para cenoura, pimentão e toma-
domicílios e restaurantes; aproveita- pela Embrapa Hortaliças em parceria te, respectivamente (Fundação João Pi-
mento parcial de frutos, raízes e folhas; com a Secretaria de Assuntos Estraté- nheiro, 1992). Na cidade de São Paulo
pelo descarte dos produtos in natura gicos da Embrapa para identificação de estimaram-se perdas de 34,4% de toma-

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O peso da perda de alimentos para a sociedade: o caso das hortaliças.

te no varejo (SAASP, 1995). No Distri- deral, ficou constatado que não houve tal do varejista, que mantém maior vo-
to Federal observaram-se perdas médias diferença entre as lojas quanto à quali- lume ofertado. Nessa situação, ocorre
totais de 25%, sendo 13%, 30% e 20% dade das hortaliças recebidas e nem um aumento no consumo proporcional-
para cenoura, tomate e pimentão, res- tampouco quanto às causas de descarte. mente maior do que a redução na quan-
pectivamente (Lana et al., 2000). Diante deste fato, as diferenças entre o tidade ofertada devido às perdas. Nesse
No âmbito dos domicílios, obser- nível de perdas entre lojas estão relacio- sentido, a diferença entre as elasticida-
vou-se uma taxa de perdas de 20% no nadas à forma de gerenciamento, ma- des-preço da oferta e da demanda
consumo final dos produtos hortícolas nuseio e giro do produto em cada loja. quantifica os benefícios da redução das
(IBGE, 2002). Quanto às instalações físicas das lojas, perdas para a sociedade (Costa &
em especial da área de estocagem dos Caixeta Filho, 1996). Em outros termos,
Ainda são escassas as publicações
produtos, observou-se que, a maioria reduzindo-se as perdas, os varejistas
das pesquisas que quantificam perdas no
dos depósitos apresentava condições podem disponibilizar maiores quantida-
âmbito do consumo institucional (res-
inadequadas em temperatura e umida- des a menores preços para a sociedade
taurantes, refeitórios industriais, redes
de para o armazenamento de hortaliças e, assim, obter os seus lucros normais e,
de “fast-food” e refeitórios de hospitais
(Lana et al., 1999). ao mesmo tempo beneficiar a popula-
e merenda escolar). Apesar disso, esti- ção, que em grande parte, não tem po-
ma-se que no setor de refeições coleti- As perdas pós-colheita geram gra-
der aquisitivo para adquirir os produtos
vas as perdas chegam a 15%. Algumas ves conseqüências econômicas e sociais,
hortícolas no mercado.
empresas, procurando controlar perdas por proporcionarem variação no com-
portamento do mercado, induzindo mu- As perdas pós-colheita tão
vêm oferecendo treinamentos para os
danças em importantes parâmetros eco- indesejadas socialmente podem ser re-
funcionários, no manuseio correto dos
nômicos. Desta forma, um aumento de duzidas simplesmente pelo combate aos
produtos hortícolas (Ministério da
perdas faz com que a quantidade de fatores que as propiciam. Desta forma,
Integração Nacional, 2002).
equilíbrio de mercado diminua e o pre- entre os fatores responsáveis pelas per-
As perdas começam no campo por das citam-se as embalagens inadequa-
ocasião da colheita e no preparo do pro- ço de equilíbrio cresça. Quando o preço
de equilíbrio de mercado cresce, ocorre das. Isto é, a tradicional caixa K, utili-
duto para comercialização; prosseguin- zada desde a 2ª guerra mundial, causa
do nas centrais de abastecimento e ou- redução no excedente do consumidor.
injúrias mecânicas em grande parte dos
tros atacadistas; na rede varejista e con- Neste caso, o consumidor paga o custo
produtos nela acondicionados. Durante
sumidores intermediários e finais. das perdas que é embutido no preço fi-
o transporte, as caixas sofrem impactos
nal do produto. De forma geral, qual-
Em estudos de casos em supermer- ou vibrações. Nos carregamentos e nas
quer nível de perdas é prejudicial para
cados, observaram-se que as perdas descargas, as caixas são empilhadas ou
os consumidores (Vilela et al., 2003).
apresentam variações entre os meses do retiradas, freqüentemente, de forma ina-
ano e entre lojas. As causas das diferen- Para atender às necessidades de dequada.
tes variações de perdas durante o ano, abastecimento, o varejista faz aquisições
Na rede varejista, os depósitos não
para qualquer produto hortícola, podem de maiores quantidades, pagando me-
oferecem as condições satisfatórias; os
ser naturais e/ou provocadas. As causas nos aos produtores, relativamente, para funcionários não estão treinados para
naturais são atribuídas aos fatores cli- assegurar suas margens de lucro na lidar com as hortaliças, por isso prati-
máticos, que podem acelerar a comercialização. Além disso, algumas cam formas incorretas de manuseio, des-
senescência dos produtos e favorecer o lojas vêm exigindo que os produtores pejando os produtos nas gôndolas sem
desenvolvimento dos patógenos causa- (fornecedores) façam, gratuitamente, re- os cuidados necessários, o que resulta
dores de apodrecimento. Assim, nos posição de estoques na quantidade sufi- em ferimentos ou amassamentos.
meses de verão, as ocorrências de altas ciente para cobrir o valor dos resulta-
Os consumidores, por sua vez, ma-
temperaturas e elevadas taxas de umi- dos financeiros negativos obtidos, men-
nuseiam excessivamente os produtos
dade do ar criam as condições favorá- salmente, pelas diferenças entre os va- durante a escolha, contribuindo ainda
veis para o desenvolvimento de fungos lores de compra e de venda. Estas dife- mais para depreciar a qualidade dos
e bactérias que contaminam os produ- renças têm sido atribuídas às perdas e mesmos. Em conseqüência, grande parte
tos. No período de inverno as tempera- às promoções (preços de venda abaixo dos estoques de produtos hortícolas das
turas mais baixas favorecem uma me- do valor de aquisição) praticadas pelas lojas é diariamente destinada ao lixo.
lhor conservação, retardando a lojas da rede varejista. Naturalmente, Diante deste fato, os gerentes do setor,
maturação e a multiplicação de sem poder de barganha no mercado, os parecem se omitir, ignorando comple-
patógenos, proporcionando assim me- produtores individuais se submetem aos tamente as conseqüências econômicas
nor risco de contaminação. As causas planos de negócios dos varejistas que, e sociais que são geradas.
provocadas são debitadas às embalagens por sua vez, têm grande poder na coor- Os prejuízos causados à sociedade
inadequadas e ao manuseio incorreto denação da cadeia e procuram satisfa- pelas perdas e desperdícios dos produ-
dos produtos. zer os consumidores que exigem ótima tos hortícolas devem ser, em maior par-
Analisando a incidência de danos qualidade dos produtos. te, debitado às formas de gerenciamento
antes e após a comercialização de hor- Em temos econômicos, a redução e manuseio incorreto dos produtos na
taliças na rede varejista do Distrito Fe- das perdas causa aumento da receita to- rede varejista.

Hortic. bras., v. 21, n. 2, abr.-jun. 2003. 143


N. J. Vilela et al.

Para que as perdas e desperdícios BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO MUKAI, M.K.; KIMURA, S. Investigação das
NACIONAL. Refeições coletivas: um segmento práticas pós-colheita e desenvolvimento de um
sejam reduzidos é necessário um traba- que apresenta oportunidades para o produtor: per- método para análise de perdas de produtos
lho de conscientização junto a todos os das podem chegar a 15%. FrutiFatos, Brasília: v. hortícolas. Viçosa: CENTREINAR, 1986.253 p.
agentes envolvidos na cadeia. Nesse 3. p. 41, 2002.
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144 Hortic. bras., v. 21, n. 2, abr.-jun. 2003.

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