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PAPA, A QUESTAO DA LINGUA Anilear Cabral(+) Biseai 1, Combater o oportunismo na cultura . © que nés queremos é que aqueles que foram estudar, que adquiram 1, mais conhecimento respeitem 05 nossos dirigentes, porque cles 6 que s8o os di- rigentes de facto, mesme se nfo foram a escola. Mas que viu alguma deficiéncia, y devo penetrar no meio dos camaradas para ajudar a levantar cada vez mais, a melhorar 0 n{vel das nossas coisas, leso € que & duma pessoa que sabe mais, que aprendeu mais do que o: outros e que nos vem ajudar a levantar cada dia mas. Devemos combater tudo quanto seja oportunismo, mesmo na culturs Por exemplo, hé camaradas que pensam que, pra ensinar na nossa terra é fun. damental ensinar no crioulo jé. Entdo outros pensam que é melhor ensinar et ; fula, em mandinge, em balanta, Isso 6 muito agradavel de ouvir, os balantas ‘ouvitem isso, fica muito contentes, mas agora néo é possivel. Como é que V ‘mos escrever balanta agora? Quem 6 que sabe a fonética do balanta? Ainda nio se sabe, ¢ preciso mudar primeiro, mesmo o erioulo. Hu eserevo por exemplo, n’ca na bai. Um outro pode escrever por exemplo n’ka na bai. D& na mesm Nao se pode ensinar assim, Para ensinar uma Iingua escrita, é preciso ter uma maneira, sendo é um confuséo do diabo. Mas muitos camaradas, com sentido oportunista, querem ir para a frente com 0 erioulo. Nés vames fazer isso, mas depois de estudarmos bem. Agora a nossa lingua para ecrever €0 portugues. Por isso é que vale a pena falar-se aqui tanto 0 portuguts como 9 erioulo, Nao somos mais filhos da nossa terra so f larmos crioulo, isso néo ¢ verdade. Mais filho da nossa terra é aquele que cum- reas leis do Partido, as ordens do Partido, para servir o nosso pavo. Ninguém deve ter complexos porque ndo sabe balanta, mandinga, pape! ou fula ou mancanha. Se souber, melhor, mas se nao sabe, tem que fazer com {que 08 outros 0 entendani, mesmo que for com gestos. Mas so esté a trabalhar bem no Partido, vai pare a frente. Porque quem 6 que sabe mais manjaco do que 0 traidor Joaquim Batican? Quem sebe mais fula do que o traidor Sene Soné, quem sabe mais dctorindade dos fulas do que o traidor Tcherno Rachid? Camaradas, tenham paciéncia, mas quem 6 que sabe mais balanta que o traidor Fuab? Temos que ter coragem de contar aos camaradas as coisas clatas. Os n0s- s08 valores, sim senhor, mas sem oportunismo. ‘Temos que ter um sentido real da nossa cultura. O portugués (lingua) & uma das methores coisas que 0s tugas nos detxaram, porque a lingua, Ao & prova de mais nada, eenio um instrumento, para os homens se relacionarem luns com os cutros, 6 um instrumento, um meio para falar, para exprimir a reslidades da vida e do mundo, Assim como o homem inventon o radio para fa- lor A distincia, sem falar com a Uingue, s6 com sinais, o homom através do tempo do seu desenvolvimento, comegon a falar, a necestidade de comunicar.so fe-lo comegar a falar. Desenvolveu as cordas vocais, ete, até falar. E como a lin- ‘gua depende do ambiente em que se vive, cada povo criow a sua prépria lingua. * PAPIA So reparamos, por exemplo, na gente que vive perto do mar a sua Iingua tem muita coisa relacionada com o mar, quem vive no mato, a sua Lingua tem ‘muita coisa rolacionada com as florestas, Um povo que vive no mata, por oxem- plo, nao sabe dizer bote, ndo conhece o bote, nio vive no mar. Por exemplo, na ingua de certos povos da Europa, as coisas do mar, da navegagio dizem-se ‘como em Portugués, porque os portugueses viviam junto ao mar. Tudo isso tem ‘sua razio de ser. 2. A questéo da lingua portuguesa A lingua é um instrumento que 0 homem criou através do trabalho, da tuta, para comunicar com os outros. E isso dew-Ihe ma grande forga nova, po- que ninguém mais ficou fechado consigo mesmo paseram a comunicer uns com os outros, homens com homens, sociedades com sociedades, povo com ovo, pais com pais, continente com continente. Que maravilha! Foi o primeiro meio de comunicagéo natural que houve, a lingua. Mas 0 mundo avangou muito, nbs néo avangamos muita, tanto como 0 mundo e a nossa lingua ficou ‘a0 nivel daqule mundo a que chegamos, que nds vivemos, enquanto 0 tuga, em- bora colonialista, vivendo na Europa, a sua lingua avangou bastante mais do que @ nossa, podendo exprimir verdades concretas, relativas por exemplo, & ciéncia. Por exemplo nés dizemos assim: a lua 6 um satélite natural da terra, Satélite natural, digam isso em belanta, digam em mancanha. © preciso falar mito pera o dizer & possivel dizé-lo, mas é preciso falar muito até fazer com- preonder que tum satélite é uma coisa que gira volta de outra. Enquanto que fom portugués, basta uma palavra. Falendo assim qualquer povo no mundo en- tendo, Ea matemética, nés queremos aprender matemética, nio 6 assim? Por exemple, raiz quadrada de 36. Como ¢ que se diz raiz quadrada em balanta? & preciso dizer a verdade para entedermos bem. Eu digo por exemple: a intensi- Gade de uma forga 6 igual a massa vezes a aceleragio da gravidade. Como é que ‘vamos dizer isso? Como é que se diz acelerapao da gravidade na nossa lingua? Em crioulo néo hé, temos que dizer em portugués. Mas para a nossa terra evancar, todo o filho da nossa terra, daqui a al- guns anos tem que saber 0 que é aceleragio da gravidade. Nao explico isso ‘agora, porque nfo hé tempo, temos muito trabalho. Mas camaradas amanhd, para avangarmos a série, no s6 os dirigentes, todas as criangas de.9 anos de idade tém que saber o que é a aceleragio da gravidade. Na Alemanha, por ‘exemplo, todas as criangas sabem isso. Hd muita coisa que ndo podemos dizer na nossa lingua, mas ha pessoas que querem que ponhamos do lado a lingua ‘portuguesa, porque nés somos africanos endo queremos a lingua de estrangei- ros, Esses querem 6 avangar a sua cabeca, néo é o sett povo que querem fazer ‘avancar. Nés, Partido, se queremos levar pera a frente o nosso povo durante ‘muito tempo ainda, para escrevermes, para avangarmos na ciéncia, a nossa Iin- gua tem que ser o portugues. isso é ume honra, £ a tinica coisa que podemos ‘agradecer aos "tugas", no facto de ele nos ter deixado a sua agua depis de tor roubado tanto na nossa terra. Afé um dia em que, de facto, tendo estudado pro- fundamente o crioulo, encontrando todas as regras de fonétiea koas para 0 crioulo, possamos passar a escrever o crioule. Mas n6s néo proibimes ninguém 60 |e eocrever o,crioulo, se alguém quiser eserever ume carta ao Tehutchu om [crioulo, pode escrever. Somente ole na resposta que mandar, vai escrever de maneira diferente, mas faz-se compreender. Mas para a cléncia, o crioulo ainda ndo serve. Mesmo em balanta. Lembro-me de um eamarade nosso, que infeliz- mente morréu, Ongo, nés escreviemos em portugués passavamos para crioulo € tle escrevia em balanca. Por que é possivel escrever em balanta. Diz-se por ‘exemplo, Watna ou, ent8o, m’ca lossa. Eu sei escrever, mas escrovo & minha maneira, Mesmo "adjarama’ em fule, pode escrever-se com d ej ou pode escre- yer-se #6 com j, mas lé-se djarama porque oJ no comego da pelavra tem o valor de dj, Mas tomos que arrenjar ume regra como em mandinga ou noutras Ifn- gues, é preciso arranjar uma rogra primelro. ‘Tem que ser cemaradas, porque femos de firar 0 méximo proveito da experiéncia de outros povos, néo 56 de ‘nossa propria experiéneia. , 3, Acumular experiéncia e criar “Mas se quisermos empregar essa experiéncia, para a utilizarmos na ‘nossa terra, femos que utilizar as expressGes de outras linguas. Ora, se temos ‘uma lingua que pode explicar tudo isso, usemo-la, nfo fez mal nenhum. ara nés tanto faz usar 0 portugues, eomo 0 russo, como 0 francés, como fo inglés, desde que nos sirva, como tanto faz usar tractores dos russos dos in- ‘gleses, dos americanos, ete, desde que tomendo a independéncia, nos sirva para Javrar a terra. Porque a lingua 6 um instrumento, mas pode acontecer que te- nhamos jé uma lingua que pode servir ¢ que toda a gente entenda. Enliio néo ‘vamos por toda a gente a aprender russo, ndo vale a pene, tanto mais que ferios uma lingua que é 0 nosso crioulo, que & parecida com 0 portugués. Se nas nossas escolas ensinamos aos eltmos como 6 que o crigulo vera do portugués e do africano qualquer pessoa saberé portugués muito mais depressa. O crioulo prejudica quem aprende portugues, porque no sabe qual é a ligagdo que existe tire o portugués e o crioulo, mas se se couhecer @ ligagio que hi isso faciita aprender o portugués. ‘Temos que aeabar com toda a indiferenga da nossa gente em matéria de cultura, com consciéneia nas nosses deciées, na nossa determinagéo de fazer as coisas. J conseguimos combater isso, E devemos evitar que, porque uma coisa 6 do estrangeiro, j& € boa'e temos que o acoitar imediatamente. Ou ento, por- ‘que 6 estrangelro, néo vale nada, vamos recuser. Isso nfo 6 cultura, isso é uma ‘mania, um complexo, seja de inferioridade ou de estupidez. Devemos saber diante das coisas do estrangeiro, aceitar aquilo que 6 aceitivel o recusar o que no presta, Devemos ser capazes de fazer a critica. Ea nossa lute, se reparar, ‘mas bom, tem sido, numa parte de nossa acyéo, @ aplicagdo constante do pri pio da assimilagéo exftiea, quer dizer, aproveitar dos outros, mas criticando f’quilo que pode sorvir para nossa terra ¢ aquilo que néo pode servir. Acumular experiéncia e criar "Bstes sho alguns aspectos da nossa resisténcla no plano cultural, de que ‘eu queria falat aos camaradas.” (Transcrito de Nb Pintcha de 21,24 e 26 fev. 1976). 62

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