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2 TCC Completo Sem Resumo
2 TCC Completo Sem Resumo
Início da coleção
Colecionar é escolher, dentre inúmeros testemunhos materiais produzidos ao longo de
sua história, aqueles nos quais identificamos aspectos de representação. Os motivos
pelos quais iniciamos a coleção são vários: preservação da cultura brasileira, o valor
pela raridade, pela ancestralidade, a forma de confecção, a preciosidade do material,
sua antiguidade, etc.
Quando esses testemunhos passam a fazer parte da coleção exige-se do colecionador
responsabilidade para que sejam preservados do esquecimento, da ruína e do
abandono.
Nossa coleção já estava em formação, quando, em 1999, em um leilão em Campos do
Jordão, SP, adquirimos, uma obra do artista Mario Gruber, produzida em 1997, que nos
encantou e passou a ocupar um lugar proeminente de exposição em nosso
apartamento.
Ainda que seja difícil expressar com exatidão as razões que induziram à aquisição
desta obra figurativa, o fato é, que me encantei com a figura fantasiada com um traje
amarelado escuro usando um barrete como nos velhos carnavais, que me fez lembrar
uma antiga foto de família em que meu pai, criança, usava chapéu semelhante.
Não me pareceu uma obra esteticamente bonita, mas sim forte e significativa. O
personagem parecia querer falar alguma coisa através do gestual das mãos e certo
movimento corporal. Esta obra foi intitulada, posteriormente, Fantasiado n°1, 1997 Figura 1,
Reflito, já no inicio deste trabalho, sobre uma óbvia ironia. Por um lado, a discussão do
ato de colecionar e, de outro, o culto aos amores ausentes ou defuntos, como colocou
Walter Benjamin, lembrando o principal tema das primeiras fotografias. O rosto
humano. O rosto de meu pai enquanto criança, onde a aura acena fugaz, naquela
antiga foto que nem sei onde se encontra. De qualquer forma, a coleção segue, com
Mário Gruber.
A partir daí, procuramos aprofundar os conhecimentos sobre o artista e, infelizmente,
não havia bibliografia sistemática e precisa sobre sua vida e obra.
Aproximadamente dois anos após, quase adquirimos para nossa coleção uma obra
falsa de Aldo Bonadei. Em razão desse fato, decidimos nos assegurar sobre a
autenticidade das obras que eram parte da coleção, o que me colocou em contato com
Gruber em seu atelier, na época, localizado na esquina da Avenida Paulista com Bela
Cintra, em São Paulo, para examinar a obra já citada.
Ele não só confirmou a autenticidade da mesma, como mostrou vários outros trabalhos
que havia executado. A partir deste momento iniciamos uma relação que perdurou até
2011, quando faleceu.
O mais interessante do convívio foram as conversas, sempre variadas e curiosas.
Depois, comecei a perceber como era fascinante a maneira como concebia suas obras.
Era uma mistura de forma geométrica, um fato político, uma manifestação crítica e, não
raro, a ironia.
Formação da coleção
A partir desse conhecimento e aproximação a coleção passou a se dedicar
especialmente à sua obra. Nos primeiros meses a aquisição era de telas que ele
estava produzindo ou havia recém produzido. Desta forma, prevaleciam quadros da
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série dos Fantasiados, que na vivência do artista era bem aceita pelo mercado. Para
um melhor conhecimento do artista visitamos suas obras em espaços públicos 1.
Em nossos contatos pessoais falou sobre suas viagens, família, preocupações e
desafios. Pintava sobre temas distintos, como situações vivenciadas pelo Moleque
Cipó, um dos seus primeiros temas,ou balões de onde se percebiam lugares como a
Areia Branca que fazia parte do seu repertório há muitos anos. Havia uma certa
prevalência do tema carnaval e os fantasiados.
Naquele tempo ele insinuava que deveria adquirir gravuras que ainda tinha disponíveis,
embora produzidas há mais tempo. A falta de conhecimento me limitava a escolher
telas a óleo. Gradativamente percebi a relevância da gravura em sua obra. Seu
processo criativo começava com o desenho e era muito bem feito. Se o tema ainda o
intrigasse, naturalmente passava para a gravura e só depois da ideia cristalizada ele a
levava para a tela.
Algumas obras também foram adquiridas em situações de necessidade financeira. Não
tendo obra pronta para oferecer propunha a venda das mais antigas, em seu poder.
Naturalmente tive a curiosidade de conhecer melhor os trabalhos que havia produzido
nos mais de cinquenta anos de atividade e pude "garimpar" e adquirir alguns,
disponíveis no mercado por diversas formas.
Perfil da Coleção
Com o crescer da coleção, procuramos adquirir pelo menos uma obra de cada ano de
sua atividade profissional. Desta forma, a cronologia da data de execução das obras foi
o critério de catalogação inicial, pois na maioria das vezes ele datava e assinava seus
trabalhos.
Com melhor conhecimento dos temas que haviam causado inquietações no artista, o
olhar foi se aprimorando. O crescente aumento da coleção permitiu observar que em
alguns anos, em particular, não ocorrera repetição de temas. Curiosamente, temas
"aparentemente esquecidos" seriam retrabalhados anos à frente.
Pela percepção da importância da gravura em sua obra, conforme já exposto,
passamos a adquiri-las em galerias especializadas.
Atualmente, a coleção particular é composta por aproximadamente 500 trabalhos.
Perto de metade por telas, com pinturas a óleo ou acrílico;
um terço por gravuras; e as demais: desenhos, aquarelas ou monotipias.
Com relação a cronologia de execução das obras, o perfil é o seguinte :
décadas de 40/50 (cerca de 10% das obras) ; década de 60 (15%) ; década de 70 (25%) ;década de 80
(15%) ;década de 90 (próximo a 10%) e as demais obras são dos anos 2.000 (25%).
Esta coleção foi catalogada utilizando seis dígitos alfanuméricos.
Os quatro primeiros dígitos numéricos informando o ano em que a obra foi produzida e, na maioria das vezes, assinada e
datada.
O quinto digito informa a técnica da obra, assim:
• a: pintura a óleo/acrílica;
• b: desenho, monotipia ou aquarela;
• c: gravura ou serigrafia.
1
Expostas na Estação Sé do metrô de São Paulo, bem como na biblioteca do Memorial da América
Latina, além de alguns dos retratos dos governadores do Estado de São Paulo expostos no Palácio dos
Bandeirantes
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Finalmente, o sexto digito, alfabético, indica a sequência em que a obra integrou a coleção naquele particular ano.
As Primeiras Emoções do
Autorretratos Moleque O Moleque Criando o Astolfo
As Primeiras Atividades do O Ovo, o Planeta, a Nave e o
Estudos Moleque Astolfo
Os Anjos da Renascença
Naturezas Mortas O Moleque e os Balões Brasileira
Colecionar obras de Mario Gruber, é como colecionar máscaras, que estão sobre as
mais distintas faces; chapéus ou gestos que são feitos com a palma da mão, sempre
parecendo querer narrar algo como menciona Walter Benjamin quando escreve:
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Vide lista de obras no Anexo III (comprimir Ctrl e o cursor sobre a Coleção Temática)
4
"(...) A narração, em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto exclusivo da voz. Na
verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus gestos, aprendidos na
experiência do trabalho, que sustentam de cem maneiras o fluxo do que é dito." (1986:221) (4)
(GONÇALVES, Antropologia dos Objetos, p.65).
Estes elementos estão presentes nas várias coleções temáticas mencionadas acima.
Percebemos como a coleção não é algo hermético e imutável e que, com
conhecimentos adicionais, alterações, possivelmente, venham a ocorrer e podemos
mencionar que:
Afinal, uma coleção é sempre parcial, ela jamais atinge uma totalidade. Pela sua natureza
mesma, ela problematiza essa totalidade, já que uma coleção jamais se fecha. Trata-se portanto
de um conhecimento sempre situado, produzido a partir de um sujeito situado numa posição
relativa. Um sujeito limitado a produzir, portanto, "verdades parciais".
(GONÇALVES, Antropologia dos Objetos, p.49).
Neste caso, o tempo causa algumas mudanças, mas, sem dúvida muitas das obras
importantes da coleção foram obtidas em casas de leilão 3, como também, em galerias. 4
Novamente vale lembrar de Benjamin quando escreve:
Uma das lembranças mais belas do colecionador é o momento em que vem em socorro de uma
obra, para o qual, em vida, talvez jamais tivesse tido um pensamento, e muito menos ainda o
desejo de possuir, só porque estava à venda, abandonada e sozinha, e, ele a comprou para lhe
dar a liberdade. Pois para o colecionador a verdadeira liberdade de toda a obra é estar nalguma
parte da sua coleção. (BENJAMIN; Um discurso sobre o colecionador; p. 232)
3
Casas de leilão: Renot, Lordello & Gobbi, Tableau, Pro-Arte, Vila Anticca, Cia Paulista de Leilões,
Garcia, James Lisboa, TNT, André Cencin e Artes & Eventos.
4
Galerias: Nóbrega, Portal, Nova André, Bel, Espaço de Arte M. Mizrahi, Almeida & Dale, Escritório de
Arte Soares Rodrigues, Espaço, Galeria 22, Paulo Galvão, Dutra e Galeria Paulistana.
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algumas obras. O interessante é que cada vez que era oferecida uma obra, mesmo
gostando, o procurava para ouvir sua opinião.
Com frequência ele sabia exatamente a quem havia vendido a obra e então passava a
narrar fatos curiosos pertinentes a cada situação.
A analise dos antigos proprietários de obras de Mario merece observação pois muitos
eram psiquiatras e psicanalistas, artistas plásticos e pessoas que tinham frequentado
as colunas sociais e de artes dos jornais, como é o caso de Joe Kantor (antigo
proprietário do Nick Bar).
De vez em quando, o entusiasmo em poder adquirir uma nova obra, é muito grande.
Vários de seus trabalhos são voltados a temas ligados a brinquedos e crianças,
principalmente, na primeira fase em que vai apresentando as emoções e atividades do
Moleque Cipó. Curiosamente, o ato de colecionar os trabalhos do artista, quase que
nos faz voltar a ser criança ou mesmo ter um apelo quase sexual, conforme relata
Walter Benjamin em reflexões feitas em 1930 :
O Eros que, esfolado, volta esvoaçando à boneca é aquele mesmo que certa vez emancipou-se
dela, através de calorosas mãos infantis, razão pela qual o colecionador e amante mais
extravagante está aqui mais próximo da criança do que o cândido pedagogo, que trabalha por
empatia. Pois criança e colecionador, até mesmo criança e fetichista - ambos situam-se no
mesmo terreno, mas certamente em lados diferentes do maciço encarpado e fragmentado da
experiência sexual. (BENJAMIN; o Elogio da Boneca; p. 97).
dizendo que era um trabalho típico seu e já preparando a caneta para assinar
declaração de autenticidade. Mostrou-me o atelier, que era bastante impressionante,
com dois cavaletes distribuídos em ambientes distintos. Várias obras estavam em
processo de pintura, penduradas em paredes metálicas com pequenos orifícios.
Perguntou se gostava daquilo que estava exposto e eu, simplesmente, disse que sim,
ainda sem prestar a devida atenção. Tomamos café, ele fumou pelo menos duas das
inesquecíveis cigarrilhas Talvis.
Menos do que duas semanas depois, telefonou-me dizendo que havia pintado um
quadro especial e que poderia ser do meu interesse. Fui, gostei, houve uma certa
negociação, sem grandes problemas. Pouco depois, voltou a ligar para eu ver o novo
quadro que havia pintado. Nessa obra ele já introduzia componentes do Realismo
Fantástico. Já éramos, então, bons amigos e trocávamos lembranças de experiências
de viagens, principalmente, à Bélgica, enquanto caminhávamos para tomar um café na
Padaria Bella Paulista. Aproximadamente um mês depois, ele voltou a ligar, para
apresentar três obras expostas em uma das paredes metálicas, perguntando se eu
gostaria de ficar com uma. Ocorre que as obras eram absolutamente diferentes entre
si, e duas muito interessantes. Uma, era uma paisagem em que se destacava um balão
que sobrevoava uma vila, que mais tarde eu viria a saber ser Areia Branca. A outra, era
um engravatado jovem que parecia conversar com o observador, convidando-o a entrar
no ambiente e ficar a vontade.
Confesso que a dúvida entre optar era muito grande, e ele percebendo a minha
hesitação, já conhecendo, alguns dos meus hábitos, habilidosamente sugeriu que eu
levasse o quadro com o balão, pois se eu sentasse em um local confortável, tomando
um uísque enquanto observava o quadro, veria uma série de elementos,
aparentemente, não visíveis. O resultado foi que conversamos mais um pouco e levei
os dois que havia gostado.
Acompanhava, atentamente, as exposições e os principais leilões que ocorriam em
São Paulo, da mesma forma, que visitava regularmente seu atelier sem
necessariamente adquirir obras.
Surgiu então a oportunidade de adquirir uma pequena obra, produzida em 1963, em
um importante leilão da cidade, por um valor bastante razoável. Após adquirir, mostrei
ao Gruber que informou a obra ter pertencido à coleção de Mário Schenberg, e que a
havia denominado/caracterizado como de arte feérica. Tratava-se da obra sem título,
representando uma Menina com um boneco de pano, que mais adiante fui perceber
que era uma etapa na formação do personagem Astolfo. A obra necessitava uma
limpeza, mas estava perfeita e como, tipicamente, nos seus trabalhos era datada e
acabou sendo denominada Menina e Astolfo, 1963 Figura 2.
Com frequência, ele não dava título à obra, deixando para o observador que fizesse a
sua própria interpretação.
Foram muitas as horas em que acompanhei sua vida através de notícias de jornal,
críticas publicadas, fotografias e catálogos de exposições que foram cuidadosamente
colocados em ordem cronológica no enorme álbum feito por Dona Iná, sua mãe, que
ficava aberto e exposto sobre uma escrivaninha não longe do cavalete central. Foi a
partir desse álbum que eu pude conhecer melhor sua vida e obra. A partir daí,
verifiquei os detalhes de obras que estiveram nas várias exposições em que participou.
Algumas delas serviram de modelo, após solicitação minha, para que voltasse a pintar
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Frequentemente, ele não dava títulos às suas obras, focando na essência de algo que
o sensibilizava, buscando ironia e ambiguidade e deixando para que o observador
criasse a sua própria interpretação. Este comportamento lembra a Walter Benjamin
quando escreve:
Em caso algum a preocupação com o destinatário se revela fecunda para o conhecimento de
uma obra de arte ou de uma forma artística. E é assim não apenas porque toda a relação com
um público determinado ou com os seus representantes corresponde a um desvio, mas também
porque até o conceito de destinatário “ideal” é nefasto em toda a reflexão no âmbito da teoria da
arte, porque a função desta última é tão somente a de pressupor a existência e a essência do
homem em geral.
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A própria arte pressupõe a existência corpórea e espiritual do homem – mas em nenhuma das
suas obras a sua atenção. De fato, nenhum poema se destina ao leitor, nenhum quadro ao
observador, nenhuma sinfonia aos ouvintes. (BENJAMIN; A Tarefa do Tradutor; p.82).
Benjamin reflete com mais intensidade sobre o tema da identificação entre a essência
do produto intelectual e a adequabilidade a distintos indivíduos, ligando a multidão e o
flâneur em sua análise sobre a obra de Baudelaire. Este, por sua vez, havia traduzido o
conto O Homem da Multidão de Edgar Alan Poe no qual a ideia de multidão era
fundamental:
Se a mercadoria (obra de arte) tivesse uma alma - com o qual Marx, ocasionalmente, fez graça,
esta seria a mais plena empatia já encontrada no reino das almas, pois deveria procurar em
cada um o comprador a cuja mão e cada morada se ajustar.
Ora, essa empatia é a própria essência ... à qual o flâneur se abandona na multidão.
(BENJAMIN;Obras escolhidas III; p.52).
que: seu olho aberto, seu ouvido atento, procuram coisa diferente que a multidão vem ver. Uma
palavra lançada ao acaso lhe revela um daqueles traços de caráter que não ser inventados e
que é preciso aprender ao vivo; essas fisionomias tão ingenuamente atentas vão fornecer ao
pintor uma expressão com que ele sonhava, um ruído insignificante para qualquer outro ouvido,
vai atingir o do músico e lhe dar a ideia de uma combinação harmônica. (BENJAMIN; Obras
Escolhidas,III; p.233-234).
É interessante a obra Bacia do mercado Santos, 1962 Figura 12 onde parece haver diálogos
e negociações entre os pequenos grupos que se apresentam.
Há um elemento comum a Gruber, Benjamin e Baudelaire com o pensamento de Marx
e o antagonismo ao progresso/tecnologia, quando segundo Benjamin, a modernidade
traz como marco o florescer do capitalismo selvagem, do trabalho fabril descrito por
Baudelaire:
Não importa o partido a que se pertença, é impossível não ficar emocionado com o espetáculo
dessa multidão doentia, que traga a poeira das fábricas, inspire partículas de algodão, que se
deixa penetrar pelo alvaiade, pelo mercúrio, e todos os venenos usados na fabricação de obras
primas. (BENJAMIN; Charles Baudelaire :Um lírico no auge do Capitalismo; p.73)
Gruber foi militante do Partido Comunista e no início dos anos 1950, pós retorno da
França, época em que criaria o Clube da Gravura em Santos.
Walter Benjamin, tem uma observação interessante sobre a conspiração política:
Gruber costumava relembrar o período em que viveu em Paris, no Pós guerra, com
poucos recursos, vivendo no bairro proletário de Puteaux, próximo ao atual centro
financeiro de Paris, La Defense, e se deslocando a pé até o centro onde estavam as
principais avenidas e galerias da cidade, como um verdadeiro flâneur. Certamente esta
lembrança o fizeram a refletir sobre citação de Walter Benjamin:
"O pedestre sabia ostentar em certas condições sua ociosidade provocativamente. Por algum
tempo,... foi de bom-tom levar tartarugas e passear nas galerias. De bom grado, o flâneur
deixava que elas lhes prescrevessem o ritmo de caminhar." (1989:122).
(GONÇALVES, Antropologia dos Objetos, p.67).
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No inicio da década de 1990, ele iniciou uma série, que denominou de "Os Noivas".
Eram figuras, aparentemente, masculinos que bem vestidos, engravatados, tendo
sobre a cabeça uma espécie de véu se movimentavam, sós ou em grupo e,
frequentemente, acompanhados de tartarugas. Assim, foram produzidas as gravuras
"Os Noivas", 1990 Figura 20; "Os Noivas n°2, 1990 Figura 21 e "Os Noivas", 1997 Figura 22
onde a ação dos personagens parece ocorrer em Areia Branca, região onde, segundo
o artista, os sindicalistas o quiseram como vereador. A tartaruga, passa a ser um
elemento que o artista incorpora em seus trabalhos juntamente com engravatados e
anjos da renascença brasileira como em Multidão com Anjos, 1989 Figura 23 onde há a
impressão de uma algazarra carnavalesca.
Sonhos e Emoções
Ele relata que quando criança sofrera de terrores noturnos. Seu pai, calmo e carinhoso
é quem conseguia acalmá-lo. Menciona, ainda, o clima de mistério que percebia em
Santos, particularmente, à noite. Alguns de seus trabalhos são ligados a imagens
escuras, dando a impressão de advir do subconsciente da criança que sonha com a
formação de imagens amedrondatoras, como: S/T (rosto), c.1972 Figura 24; S/T (cabeça de
homem), c.1948 Figura 25; S/T (homem pelado), 1950 Figura 26; Mão estendida, 1970 Figura 27
que passam a compor o que classificamos de As Primeiras Emoções do Moleque.
Walter Benjamin, trata de seus sonhos em que o medo e/ou o desconforto, se faz
presente:
Uma tradição popular adverte contra contar sonhos, pela manhã, em jejum...Quem está em
jejum fala do sonho como se falasse de dentro do sono...Em uma noite de desespero eu me vi
em sonho renovar tempestuosamente amizade e fraternidade com o primeiro companheiro de
meu tempo de escola, que já há decênios não conheço mais e de que mesmo nesse instante
mal me lembrava, Ao despertar, porem, ficou claro para mim: o que o desespero, como uma
explosão, tinha posto à luz do dia, era o cadáver desse homem, que estava emparedado lá,
parecendo dizer: quem mora aqui agora não deve assemelhar-se a ele em nada... (BENJAMIN;
Obras Escolhidas,II; p.12-13).Os
trabalhos Ceia, 1947 Figura 28 e S/T, 1949 Figura 29,
também presentes em As Primeiras Emoções do Moleque deixam evidente que
o fantástico já era parte do sonho do Moleque.
Brinquedos e crianças
Um dos primeiros personagens imaginados pelo artista foi o Moleque Cipó.
Baseado na sua infância em Santos quando, sendo de classe média, convivia na praia
com moleques de poucas posses, mas com criatividade para sobreviver e superar
limitações através de resistência e flexibilidade que ele associou com as do cipó. Daí, a
criação do Moleque Cipó, que será o fio condutor para estudar a psique do brasileiro ao
longo do tumultuado período que se estende do final dos anos quarenta até a primeira
década do novo milênio. Há na figura do Moleque Cipó um componente de
autoimagem do artista.
A principal manifestação da criatividade do moleque era a de aproveitar elementos que
encontrava, usados e jogados no lixo, ou que, meramente, encontrava na rua. A partir
daí, produzia chapéus feitos com jornal ou chaleiras/bules, ou ainda, brinquedos
velhos, como podemos ver nas obras "Menino Cipó" c.1952 Figura 30, e "Fantasiados", 1960
Figura 31.
Walter Benjamin já havia refletido da reutilização de objetos para atender o imaginários
das crianças, em texto de 1928:
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Mas uma coisa devemos ter sempre em mente: jamais são os adultos que executam a correção
mais eficaz dos brinquedos - sejam eles pedagogos, fabricantes ou literatos - mas as próprias
crianças, durante as brincadeiras. Uma vez perdida, quebrada é reparada, mesmo uma boneca
principesca transforma-se numa eficiente camarada proletária na comuna lúdica das crianças.
BENJAMIN; História cultural do brinquedo (1928); ps. 69-70.
A obra Construção, 1979 Figura 32 dá mostra da criatividade da criança ao brincar.
Comer
Gruber pintou a obra "Menino tomando sopa", 1967 Figura 33 que na coleção está
classificada no que chamamos, As Atividades do Moleque.
O curioso, é que o ato banal de se alimentar é lindamente representado e, o texto a
seguir, proveniente das reflexões de Benjamin se adéqua bem:
Jamais provou uma iguaria, jamais degustou uma iguaria quem sempre a comeu com
moderação. Assim se conhece talvez o prazer da comida, mas nunca a avidez por ela, que leva
à mata virgem da comezaina. É na comezaina, a saber, que estes dois se reúnem: a imoderação
do desejo, e a monotonia com que ele se sacia. Comer, isto significa antes de tudo: comer
radicalmente. Não há dúvida de que isso alcança mais profundamente a coisa devorada que o
prazer...se esquece de tudo o mais que existe na Terra para comer...E tu mesmo que estás
sentado,talvez ao lado dele, à mesma mesa, no mesmo banco, e, contudo te sentes distante e
sozinho...O jejum é uma iniciação em muitos mistérios e não menos no mistério de comer. E se a
fome é o melhor cozinheiro, o jejum é o melhor entre os melhores... Primeiramente, ele deposita
em tua língua uma máscara de vapor. Muito antes de tua língua molhar a colher, teus olhos já
lacrimejam, tuas narinas já pingam sopa (borscht). Muito antes que tuas entranhas se ponham à
escutar e teu sangue seja uma onda que inunda teu corpo com a espuma perfumada, teus olhos
já beberam da abundancia rubra desse prato. Agora eles estão cegos para tudo o que não seja
sopa ou seu reflexo nos olhos do comensal...Então vais descobrir o segredo da sopa que, dentre
todos os pratos, é o único que tem o dom de saciar suavemente, de aos poucos penetrar-te,
quando com outros um brusco e inamistoso "basta" abala de repente teu corpo inteiro.
(BENJAMIN; Obras Escolhidas - Walter Benjamin; Imagens do Pensamento; ps.213-217).
Este tema existe, também na forma de gravura com o título de "Moleque Cipó tomando
sopa", c.1963 Figura 34 com uma sequencia de 10 provas de cor, muito interessante.
É em uma situação como esta que o percebemos quando diz: "Para mim, a gravura em
metal em preto e branco é música de câmera, enquanto a pintura tem o som da
orquestra sinfônica" (GRUBER; A gravura no fio da navalha; 1992).
a crítica do poder militar que se tornou ponto de partida de uma acesa crítica da violência em
geral - crítica que, pelo menos, ensina que ela não pode já ser exercida de forma ingênua nem
tolerada-, aquele poder transformou-se em objeto de crítica, não apenas por querer instituir um
Direito; ele foi julgado de forma talvez ainda mais arrasadora no que respeita a uma outra
função. O que, de fato, caracteriza o militarismo - que só chegou a ser o que é devido ao serviço
militar obrigatório - é uma duplicidade na função da violência. O militarismo é a compulsão ao
uso generalizado da violência como meio para atingir os fins do Estado.
(BENJAMIN; O anjo da história - sobre a crítica do poder como violência; p.66).
As obras citadas no tópico acima foram classificadas na coleção como O Moleque Cipó
cerceado.
A violência é apresentada em algumas situações ligada a brincadeiras infanto-juvenis,
como Cipó malhando a Judas, 1962 Figura 42.
Mais adiante verificamos trabalhos com o menino apresentando um sorriso pouco
decifrável em Menino da Agulha branca (careca), 1974 Figura 43 e que, sutilmente, pode ser
percebido como uma arma branca tanto quanto em Menino observando o pião (careca),
1975 Figura 44. Já em O Menino do facão, 1976 Figura 45 a violência é mais evidente, tanto
quanto em Menino com chapéu, 1975 Figura 46. Há uma outra forma de violência que
importou e influenciou Gruber em seus trabalhos que é aquela da dependência cultural.
É aquela em que impôs o Taylorismo e que podemos ver seu impacto em S/T (CLASSE
MÉDIA TENTANDO SUBIR NA VIDA), 1980 Figura 47 e a ironia de um tecnicismo exagerado.
Da mesma forma, em O Grande Alfinete, 1980 Figura 48 e O Quebra Nozes, 1980 Figura 49, há
uma proposta quase violenta de abrir a cabeça de seguidores de modismos irrefletidos
e culturalmente limitantes.
Narrador
As mãos dos personagens pintados por Gruber parecem, com frequência, ajudar na
narrativa de algo, muitas vezes, enluvadas e espalmadas ou com o indicador em riste
como que a enfatizar algum ponto importante. Este componente existe já nos moleques
que mostram algo a ser protagonizado, como em Fantasiado com gravata verde, 1978 Figura
50. Há ocasiões que estão em roupas a caráter, proveniente da Commedia dell´ Arte,
como Fantasiado, 1979 Figura 51, ou Fantasiado n° 11, 1986 Figura 52, ou do momento
presente, vindo do nordeste brasileiro, como em L'espiègle aux gants rouges, 1979 Figura
53, ou de algum lugar fantástico como o Profeta dos anzóis III, 1993 Figura 54.
Walter Benjamin, no ensaio escrito em 1928 sobre Brinquedos e jogos, lembra que: "O
adulto, ao narrar uma experiência, alivia o seu coração dos horrores, goza novamente
uma felicidade." (BENJAMIN; Reflexões: A criança, o brinquedo, a educação; 1984).
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Máscaras e Experiências
Máscaras são extensivamente utilizadas pelo artista. Podemos vê-las no Moleque que
está a narrar momentos da história como em Menino com Máscara n°3 (Vermelha), 1970
Figura 59 , ou como quando se inicia o processo de busca de alterego do Moleque, e
que será denominado de Astolfo, em Máscara, 1966 Figura 60; ou no intermediário da
pirâmide humana experimentando a chegada do Astolfo, em ST (pirâmide humana), 1967
Figura 61.
Ao examinar estas obras, percebemos como se adéquam com o pensamento de
Benjamin, quando escreve:
a situação é a seguinte: a assim chamada imagem interior do próprio ser que trazemos em nós
é, de minuto a minuto, pura improvisação. Ela se orienta, se assim podemos dizer, inteiramente
de acordo com as máscaras que lhe são exibidas. O mundo é um arsenal de tais máscaras. Só o
homem atrofiado e desolado o busca como simulação em seu próprio interior. Pois nós mesmos
somos em geral pobres em imagens. Por isso nada nos faz tão felizes como alguém que se
aproxima de nós com uma caixa de máscaras exóticas e então nos apresenta os exemplares
mais raros, a máscara do assassino, do magnata das finanças, do circunavegador. Olhar através
delas nos encanta. Vemos as constelações, os instantes, nos quais fomos verdadeiramente um
ou outro, ou todos de uma vez. Todos nós almejamos este jogo de máscaras com êxtase.
(BENJAMIN; Obras Escolhidas - W. Benjamin; Imagens do Pensamento; p.212).
O texto lembra a angustia e melancolia que podem ser percebidos em: ST (Figura
humana com máscara observando máscaras ao chão), 1982 Figura 66 e, possivelmente,
refletem a alma do artista com o falecimento de Cecília Helena Decourt, ex esposa e
pessoa que influiu muito em sua vida e carreira e a prevalência do regime militar na
política brasileira.
Misticismo e fetiche
A partir da década 1980, e, principalmente na década de 1990 produz obras que
conduzem o Moleque a um novo estágio. Lembremos que em períodos anteriores, o
Moleque já se vira cerceado em sua liberdade e manifestara alguma violência
presumida e depois evidente, em alguns trabalhos, parecendo acompanhar os
sentimentos da dinâmica da política nacional.
Walter Benjamin em ensaio sobre surrealismo, comenta:
...as posições burguesas de esquerda são uma irremediável vinculação entre a moral idealista e
a prática política. Certos traços fundamentais do surrealismo e da tradição surrealista somente
se tornam compreensíveis pelo contraste com esses pobres compromissos ideológicos. É difícil
resistir à sedução de ver o satanismo...num inventário de esnobismo...descobriremos que o culto
do mal é um aparelho de desinfecção e isolamento da política, contra todo diletantismo
moralizante, por mais romântico que seja esse aparelho...porque é na política que a metáfora e a
imagem se diferenciam da forma mais rigorosa e mais irreconciliável. Organizar o pessimismo
significa simplesmente extrair a metáfora da esfera da política, e descobrir no espaço da ação
política o espaço completo da imagem.
(BENJAMIN; Obras Escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política; p.30)
O ocultismo passa a estar presente em trabalhos como Montando, 1980 Figura 67; S/T
(Menino e touro com máscara), 1993 Figura 68; Mascarado com bois, 1992 Figura 69 e outras
obras que na coleção constam da classificação de O Moleque Enfeitiçado, dando a
impressão de que o Moleque é dotado de poderes excepcionais e que pode influenciar
outros seres. Vale lembrar que a maior partes destas obras foi produzida num período
cujo quadro político, em nível nacional, estava sob o efeito do governo Collor e, em
nível internacional, vivia a queda do Muro de Berlim, a desintegração da União
Soviética e o fim da guerra fria.
Alegorias e Símbolos
Um dos componentes de sua linguagem, é o estandarte, que foi utilizado de forma
extensa por décadas, em várias obras. Em boa parte, o estandarte é usado como um
mero símbolo do carnaval, que tanto sensibilizou o artista, conforme cita:
O carnaval é uma coisa que me intriga até hoje. É um fenômeno, né? Mas acontece que esse
fenômeno tá sendo tocado por racionalistas horrorosos que instituem prêmios, competições,
desfiles. E desvirtuou, né? Eu sou do tempo que você ia pra rua e o carnaval se dava na rua,
batalha de confete com carro, serpentina. Lança-perfume. Lança-perfume era liberado, rapaz!
(TORRES; Gravação de Mário Gruber; 2009).
Ocorre que, pouco a pouco, o estandarte foi sendo utilizado para anunciar novos
conceitos ou mesmo, estados de espírito. Passa a ser uma alegoria, que revela novas
possibilidades de significação. É através de um estandarte que anuncia a formação da
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imagem de um boneco, que se tornará o alterego do Moleque e que Gruber irá chamar
de Astolfo, como Estandarte com 2 personagens (máscara), c.1966 Figura 72.
Da coleção, na classificação Os últimos trabalhos do Artista, vemos obras em que
relata a sua insatisfação, como em Estandarte, 2009 Figura 73 , ou o seu cansaço, como
que se despedindo da vida, tendo a alegoria do estandarte como meio de expressão
em Estandarte triste em amarelo, 2008 Figura 74 e Estandarte em amarelo, 2009 Figura 75.
A alegoria funciona em Benjamin como uma cadeia de ideias que facilita o acesso aos
conceitos, experiência de ser da linguagem que predispõe para o conhecimento do
verdadeiro.
É interessante suas observações quando relata sentimentos da infância em Berlim:
Na maior parte das vezes, era minha mãe quem me fazia a cama. Sentado no divã,
acompanhava seus movimentos de sacudir os travesseiros e as cobertas e pensava nas noites
em que me davam banho e, em seguida, me traziam à cama o jantar numa bandeja de
porcelana. Sob o esmalte, em meio a uma brenha de framboeseiras silvestres, aparecia uma
mulher se empenhando em desfraldar ao vento um estandarte com a divisa: "Vá para o Ocidente
ou para o Oriente, mas é em casa onde você melhor se sente". E a lembrança do jantar e das
framboeseiras era tanto mais agradável quanto mais o corpo sentisse superar para sempre a
necessidade de comer alguma coisa, Em compensação, lhe apetecia ouvir histórias...Eu as
amava, pois da mão de minha mãe já gotejavam histórias que , logo, em abundância, emanariam
de sua boca. (BENJAMIN, Infância em Berlim; p.108 e 109).
Por outro lado, a linha de costura que é parte do símbolo, será modificada de diversas
formas, transformando-se em cordas, correntes, ganchos, cipós, pregos, alfinetes,
gravatas e vários outros elementos como pode ser observado em S/T (Estudo de Astolfo
e elementos de retenção), 1970 Figura 82, que poderão limitar o indivíduo fisicamente ou
mentalmente, criando uma alegoria da limitação. Estas obras estão classificadas nas
coleções temáticas: O Moleque sendo Limitado e O Moleque Dependente.
Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao nevoeiro.
Aquele pássaro, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espetáculo espantoso,
contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, mesmo no centro
do mundo dos pássaros. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um
pássaro pode conceber: um homem voador....Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos
gritos, e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é,
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nunca mais será como os outros pássaros...(PAUWELS E BERGIER; O despertar dos Mágicos;
p.12)
Curiosamente, o artista, desenvolveu uma série de trabalhos mostrando o
relacionamento entre o homem e a ave, que está classificado na coleção, como A Ave
e o Moleque com obras como: Menino coroado de pássaros, 1994 Figura 83; Fantasiado Com
Pássaros, 1990 Figura 84; Personagem e pássaro ʺPertuiʺ, 1994 Figura 85; Fantasiado,1988 Figura 86
e outras gravuras e pinturas mostrando desde a submissão da ave às necessidades do
homem, passando pela convivência harmoniosa mostrado poeticamente, a uma
amalgamação da figura do homem e da ave, até uma coleção de trabalhos em que o
homem cavalga a ave para ir ao céu.
Há um efeito lúdico marcante e lembra algo como que feito para apreciação das
crianças e que nos leva a Walter Benjamin, quando comenta em um ensaio sobre a
Visão do Livro Infantil, escrita em 1926:
Em uma estória de Andersen aparece um livro cujo preço "valia a metade do reino".Nele tudo
estava vivo."Os pássaros cantavam e os homens saiam do livro e falavam". Mas quando a
princesa virava a página "eles pulavam imediatamente de volta, para que não houvesse
nenhuma desordem".
(BENJAMIN; Visão do livro infantil (1926); p.55)
O artista produziu uma sequencia de 20 desenhos ST (A Ave e o Homem), c.1975 Figura 87
mostrando a vida e crescimento dos pássaros até o momento em que se defrontam
com o homem e que mais parece história em quadrinhos.
Procuramos nas estrofes abaixo resumir o que ocorreu com as asas dos Anjos da
nossa renascença:
E assim chegam os Anjos da Renascença
resultado de muita pesquisa sobre o Maneirismo.
É um relato, para o brasileiro, da consequência
da luta pelo poder e da cultura externa ter dependência.
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Podemos acompanhar a mutação não só das asas, como também do enfoque que é
dado aos anjos, através os trabalhos Anjo da Renascença, 1980 Figura 92; Anjo da
Renascença Brasileira, 1982 Figura 93. As crianças começam a aprender sobre o uso das
asas, e isto pode ser visto em momentos diferentes através de Anjos da Renascença
Brasileira, 1978 Figura 94 e Anjos da Renascença Brasileira (Les papillons), 1982 Figura 95, até
acontecer uma revoada de Anjos Da Renascença Brasileira, 2006 Figura 96. Há uma releitura
do Anjo do futuro, em Anjo da Renascença Brasileira, 1986 Figura 97.
Veja-se o quadro admirável, onde um pequeno ser argênteo, tatuado do mais belo azul, oferece
a outro, alto e solicito com a mancha preciosa do seu rubro olhar convencional, a esfera em que
Mario Gruber parece representar obsessivamente as forças germinativas, robôs, marcianos,
cosmonautas, - não importa, - eles são vivos e comoventes, produzem gestos humanos, e a
prata quase fosforescente do seu corpo-couraça é uma carne de mundos sonhados... O gesto
propiciatório que este fazia em direção do ovoide não deu efetivamente lugar a uma
reciprocidade, à instauração mágica de um novo ser, que completa o gesto pela oferta do objeto
esférico? Só que aqui tudo é solido, sendo etéreo, pois as manchas de cor se tornaram volumes,
e o que parecia exercício prolongou em formas estuantes de vida.
Diante de quadros como este... é como se vislumbrássemos a pintura do futuro. Tudo que é jogo
com a cor, a proporção, o volume, conserva-se na sua essência mais pura; mas não em
abstrato. Conserva-se como instrumento de uma imaginação que recria o mundo com dignidade
e senso da tragédia, buscando formas novas, transfigurando o que há de contingente na
representação do objeto. Sejamos francos: na orla do mundo que nasce Mario Gruber levanta o
véu de uma nova pintura.(MELLO E SOUZA; Gruber - Galeria Atrium)
Ao analisar esta obra em que, liricamente, mostra figuras absolutamente distintas entre
si, em um trabalho conjunto no cuidar da esfera que, simbolicamente, significa a vida,
percebemos uma perspectiva otimista com relação ao futuro, algo que foi identificado
por Mário Schenberg quando coloca:
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O problema do Tempo esteve sempre no centro da vivencia artística de Gruber com uma ênfase
no sentido do passado, de um passado subsistindo no presente ou de um presente aprisionado
pelo passado. Agora Gruber começa a vivenciar um futuro que parece descer espiralando sobre
um aqui – agora, vindo das profundidades cósmicas. Para Gruber o sentimento do passado ou
do presente-passado foi sempre impregnado de angustia, mas o do presente-futuro e do futuro
denotam uma alegria nascente. (SCHENBERG; publicação em 05/09/1976 na Folha
Ilustrada).
É neste período que cria a figura que se tornará o Astolfo e que será um espaçonauta,
um ser extraterrestre ou mero boneco de pano em Astolfo, 1967 Figura 101 e Boneco
astronauta, 1967 Figura 102. O Astolfo fará parte de sua obra, até o final de seus dias, como
em Astolfos, 2009 Figura 103 e estará presente na forma de criança, adolescente, formará
família, será, eventualmente, vegetal.
Da mesma forma que poderá ter contato com humanos e ter a sua textura alterada
para distintos materiais.
Considerações Finais
psique do brasileiro com o estilo dos grandes mestres, e o uso da ironia e ambiguidade
em seus trabalhos.
REFERÊNCIAS