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DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA REABILITAÇÃO MOTORA E ANÁLISE DO PÉ

TORTO CONGÊNITO COM USO DE TECNOLOGIA VESTÍVEL

1. INTRODUÇÃO

O Pé Torto Congênito (PTC) é uma doença comum na ortopedia pediátrica, chegando a uma
incidência no Brasil de 2:1000 nascidos vivos (FERREIRA, 2018). Caracteriza-se por apresentar
uma deformidade centralizada no tálus, com inversão e flexão plantar do retropé associados à
inversão e adução do mediopé e antepé (TEIXEIRA; OLNEY, 2007). O acompanhamento
clínico é muito importante e normalmente é realizado por meio de avaliações radiológicas e
fotográficas, exames físicos e questionários sobre as atividades funcionais e nível de dor
(ARASON; PURKARICH, 1990). Com o decorrer dos anos, novos os métodos de análise
biomecânicos, tais como eletromiografia, dinamometria, cinemetria e antropometria foram
surgindo e incorporados no tratamento do PTC para auxiliar nas avaliações quantitativas de
parâmetros importantes da marcha (ARASON; PURKARICH, 1990; WEDNE; BERGGREN,
1994).

Atualmente, sistemas baseados em câmeras (vídeo cinemática) e plataformas de força são as


tecnologias mais usadas para medir os parâmetros cinemáticos da marcha com alta acurácia
(FERREIRA, 2018; FLORES, 2014). O primeiro adquire o movimento espacial (tridimensional)
de vários marcadores distribuídos em lugares específicos do corpo, enquanto um software
analisa os diversos parâmetros desejados (FURNEE, 1997). Já a plataforma de força,
normalmente pequena (60x60cm), é posicionada em algum ponto ao longo do percurso, informa
a força de reação do solo com o indivíduo no instante em que se posiciona sobre ela. No
entanto, estes sistemas necessitam de um ambiente dedicado, apresentam portabilidade
reduzida e possuem custo elevado, formalizando sua disponibilidade, majoritariamente, em
poucas instituições de pesquisa (DJURIC-VOVICIC et al., 2011). As características acima
mencionadas podem dificultar o uso desses sistemas na rotina clínica e nas condições em que
o paciente está em casa.

Sensores inerciais, constituídos pelo acelerômetro e giroscópio, são as novas linhas de


sistemas para análise da marcha humana (TAO et al., 2012). A combinação destes dois
sensores possibilita obter parâmetros como velocidade, ângulo entre articulações, amplitude
dos movimentos, velocidade linear e angular, estabilidade, entre outros, sem a necessidade de
recorrer à vídeos cinemáticos ou referenciais externos. Essa nova abordagem está permitindo o
surgimento de dispositivos vestíveis (wearables) para aquisição de dados cinemáticos mais
portáteis, fisicamente menores, economicamente acessíveis, e dispensam a necessidade de
laboratório dedicado para a avaliação dos indivíduos (GREENE et al., 2010; BRANDES et al.
2005; JASIEWICZ et al., 2006; TAO et al., 2012; FERRI, 2014). Além de sua importância como
ferramenta para pesquisa, há um enorme potencial da aplicação deste tipo de tecnologia em
sistemas ambulatoriais, seja para auxiliar no diagnóstico clínico, visto que diversas patologias
desencadeiam anormalidades na marcha, ou, seja para quantificação do comprometimento
motor, este último servindo de referencial para o fisioterapeuta no planejamento da reabilitação
motora, bem como possibilitando uma constante reavaliação e acompanhamento da evolução
do paciente no tratamento (ZANG et. al., 2012).

Comparativamente ao método de análise de imagens de vídeo, os wearables dirigidos para a


área da observação da dinâmica e cinemática do movimento dos membros inferiores,
apresentam melhorias e vantagens substanciais, tais como: captam amostras de modo
sistemático ao invés de recolher dados somente nos pontos predefinidos como acontece com
sistemas de análise de imagens; oferecem uma melhor solução a um custo quase sempre mais
económico comparado ao método de análise de imagem; permitem adquirir novos dados dos
movimentos do pé, por exemplo, desde o momento de contato no chão até o momento em que
este deixa de o contactar; recolhem os dados normalmente com complemento de uma
aplicação (web, mobile ou desktop) e devolvem ao utilizador uma junção de informação tratada
e de fácil interpretação.

Um calçado do tipo papete, aqui denominada “Papete Inteligente”, foi equipada com sensores
inerciais para apoiar a reabilitação e avaliação do PTC. A Papete foi projetada e desenvolvida
em um projeto anterior de Iniciação Científica na Universidade Presbiteriana Mackenzie. A
Papete foi equipada com um módulo arduíno contendo sensores inerciais (giroscópios,
acelerômetros) e sensores de infravermelhos e fornece suporte para comunicação serial com a
plataforma de jogos Unity 3D e um módulo robótico. Fazendo uma analogia, a papete é como
um joystick que pode ser conectado no computador, via cabo USB, para controle de jogos.
1
Trata-se de um projeto guarda-chuva multidisciplinar envolvendo pesquisadores do Programa
de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento (PPGDD), pesquisadores e alunos da
FCI. O objetivo geral deste projeto guarda-chuva é projetar e desenvolver tecnologias wearable
e jogos para reabilitação e avaliação de membros inferiores e avaliar os efeitos de um programa
de intervenção fisioterapêutica com crianças com PTC. A Papete Inteligente poderá, portanto,

1
​(ACFS - Ankle ClubFoot Sockets): Desenvolvimento de um Par de Meias Inteligente para Avaliação e Reabilitação de Crianças com Pé
Torto Congênito
viabilizar um treinamento físico (reabilitação) com uso de jogos, o monitoramento e a avaliação
de crianças que tiveram correção parcial e/ou se encontram em tratamento e acompanhamento
de PTC.

A proposta deste projeto de iniciação científica (dentro do projeto guarda-chuva) é: a)


desenvolver e testar um módulo de jogos personalizáveis com Unity 3D para integração com a
Papete Inteligente. Os jogos serão projetados com apoio de fisioterapeutas do PPGDD visando
estimular movimentos de inversão/eversão (virar o pé para fora e para dentro no plano sagital);
abdução/adução (movimentar o pé para dentro e para fora no plano frontal); flexão
dorsal/plantar (movimentar o pé para cima e para baixo); b) desenvolvimento do módulo de
calibração da Papete com o jogo de forma a obter medidas iniciais dos pés que serão usados
como parâmetros de entrada para a configuração dos níveis de dificuldade dos jogos; c)
desenvolver um módulo de comunicação wireless com os jogos computadorizados; d) integrar
os jogos com a Papete; e) realizar um estudo de usabilidade com crianças com e sem PTC em
sessões reais de fisioterapia.

Na literatura é possível encontrar um significativo número de estudos que relatam o uso de


jogos de reabilitação motora, majoritariamente para membros superiores, dado que os
videogames comerciais normalmente acompanham joysticks de interação - manipuláveis com
as mãos - ou usam tecnologias de rastreamento de movimentos mais globais do corpo humano
como cabeça, tronco, braços e pernas. Adicionalmente, o nível de desafio que um jogo oferece
a um jogador pode influenciar para que o jogo seja envolvente para os pacientes. Trabalhos
anteriores relataram que usuários de jogos de reabilitação têm dificuldade com jogos comerciais
de plataforma, onde o nível de dificuldade do jogo não pode ser ajustado para suas
necessidades específicas (RAND et al., 2004). O alcance da função motora varia muito e o que
pode ser fácil para uma pessoa é impossível para outra. Para um engajamento ideal, os jogos
devem apresentar um nível ideal de desafio para cada jogador, ou seja, nem muito difícil que se
torne frustrante, nem fácil demais que se torne chato.

Os videogames tradicionais têm maneiras diferentes de variar os desafios para os jogadores.


Antes do início, os jogos geralmente pedem aos jogadores que selecionem um nível de
dificuldade: fácil, médio, difícil, insano. Isso determina o ritmo do jogo, número de inimigos,
número de oportunidades para o jogador adquirir saúde ou armas etc. Nos jogos de reabilitação
de funções motoras, a configuração inicial afetará o ritmo, tamanho dos elementos do jogo,
distância do usuário, etc. Os sensores da Papete Inteligente poderão ajudar a entender o nível
de função motora do paciente e, a partir deles, mapear valores diretamente para a configuração
do nível de dificuldade do jogo. Neste trabalho, os jogos de reabilitação serão desenvolvidos de
forma a permitir uma configuração inicial como parte de nossa biblioteca de jogos, em que a
amplitude de movimento do usuário é avaliada usando a Papete Inteligente, ou seja, a mesma
tecnologia de interação usada para jogar. Os dados obtidos serão usados ​para medir o alcance
máximo e mínimo do pé em relação ao chão, bem como tempo de cadência e extensão/flexão
do pé para que os elementos de jogo possam ser posicionados de forma inteligente visando
prover engajamento. À medida que o jogador avança, o jogo adapta o desafio dinamicamente,
alterando o ritmo e as posições dos elementos do jogo, conforme descrito anteriormente.

1.1.​ ​PROBLEMA DE PESQUISA

Jogos para reabilitação motora normalmente são usados para reabilitação de membros
superiores, dada a variedade de plataformas comerciais disponíveis com joysticks para as mãos
ou sensores de detecção de movimentos mais globais do corpo humano. Geralmente, esses
sistemas de jogos convencionais são limitados na complexidade dos sinais de dados medidos,
bem como nos métodos em que esses sinais de dados são processados. Existe, portanto, uma
necessidade de um sistema que rastreie o movimento físico e a posição do pé do usuário;
transmita esses dados correspondentes ao movimento do pé via comunicação sem fio; e
execute um programa que utiliza o sinal recebido como dados de entrada para um jogo de
reabilitação motora do PTC.

Acredita-se que o fornecimento de plataforma de jogos interativos para esses pacientes com
PTC possa melhorar seu progresso na recuperação. Ao mesmo tempo, as medições coletadas
pelos sensores da Papete, através do jogo, podem ser usadas como base para o diagnóstico e
prognóstico de médicos e fisioterapeutas e como uma ferramenta para monitorar a condição
dos pacientes e obter exercícios de reabilitação relevantes e engajadores para seus pacientes.
Por ser um sistema barato, possui potencial promissor para adoção mais ampla na clínica e no
ambiente doméstico.

1.3.​ ​OBJETIVOS DA PESQUISA

O objetivo geral desta pesquisa é projetar, desenvolver e testar jogos computadorizados a


serem integrados na Papete Inteligente para reabilitação e avaliação de crianças com PTC.
Para isso será necessário executar as seguintes etapas:

1. Especificação dos requisitos dos jogos, projeto de design e jogabilidade;


2. Projeto e implementação de jogos personalizáveis com Unity 3D;

3. Desenvolvimento do módulo de integração via bluetooth com a Papete;

4. Desenvolvimento do módulo de coleta e armazenamento de dados dos pés;

5. Testes de integração com a Papete Inteligente;

6. Estudo de usabilidade com crianças com e sem PTC para testes de comparação;

7. Elaboração de 01 artigo científico para revista internacional.

1.4.​ ​JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA SOCIAL

O tratamento fisioterapêutico aplicado na reabilitação dos movimentos geralmente é baseado


em atividades físicas de repetição. Jogos de videogame, tais como Playstation, Wii e Kinect 360
têm sido explorados para o treinamento de pacientes com funções neurais danificadas ou para
assistência a pessoas com deficiência motora (BONNECHÈRE et al., 2016). Estas plataformas
de jogos possibilitam uma imediata percepção dos resultados alcançados e tornam as tarefas
repetitivas em ações lúdicas. Porém, jogos nestas plataformas atualmente não contemplam
todos os movimentos e análises da marcha.

Além do potencial de uso em sessões de reabilitação motora de membros inferiores, a Papete


Inteligente, integrada ao módulo de jogos, poderá trazer contribuições para a área da
cinemática por permitir obter parâmetros cinemáticos do movimento, isto é, posição, orientação,
velocidade e aceleração dos pés de crianças com PTC. As clínicas de fisioterapia poderão ser
beneficiadas com a definição de técnicas de medição e análise quantitativa de movimentos dos
pés, inclusive de crianças (geralmente difíceis de medir dado tamanho reduzido do pé), com o
auxílio deste sistema portátil, de baixo custo e de fácil operação. Geralmente, laboratórios de
análise biomecânica da marcha possuem custo muito elevado e exigem profissionais treinados
na coleta e avaliação dos dados, o que inviabiliza sua utilização em ambientes clínicos
afastados dos grandes centros (Persona et al., 2005). Por último, por se tratar de um dispositivo
vestível e de simples manuseio, a Papete poderá viabilizar um maior estímulo para continuidade
de exercícios terapêuticos em domicílio.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. PÉ TORTO CONGÊNITO

O pé torto congênito (PTC) é uma deformidade congênita de maior prevalência na ortopedia


(SANTINI; FILHO, 1977). É caracterizada por um pé excessivamente virado (equinovarus) e
arco longitudinal medial alto (cavus) que, se não tratado, leva à incapacidade funcional a longo
prazo. No Brasil, cerca de 2:1000 nascidos vivos são acometidos pelo PTC (FERREIRA, 2018).

A etiologia do PTC não é totalmente esclarecida e a explicação mais comum está relacionada à
parada do desenvolvimento fetal em torno da 8° e 10° semana de vida intrauterina, fase em que
os pés apresentam aspecto anatômico bem parecido com o PTC, o que impediria o curso
normal de correção espontânea da deformidade (FERREIRA, 2018). Alguns estudos também
ressaltam a influência dos fatores genéticos no aparecimento do PTC (FERREIRA, 2018).

O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico e deve ser iniciado o mais cedo possível,
porém, com acompanhamento a longo prazo, devido ao risco de recidiva da doença
(FERREIRA, 2018). O tratamento para pé torto congênito pelo método de Ponseti (PONSETI,
2000) deve ser iniciado nos primeiros dias de vida e engloba a manipulação das pernas da
criança pelo médico ortopedista e a colocação de gesso a cada semana durante cerca de cinco
meses. Depois deste período, a criança passa a usar bota ortopédica, utilizada para imobilizar o
pé até completar os 3 ou 4 anos de idade. Este método destaca-se por propiciar resultados
mais satisfatórios e diminuir a Crianças que tiveram correção parcial de PTC, após cinco ou seis
anos, necessitam de tratamento complementar para a correção definitiva do pé (SOARES,
2007; FERREIRA, 2018).

Geralmente é preciso treinar o movimento de eversão para a correção da pisada pronada (pé
virado para dentro) ou exercícios de inversão para correção da pisada supinada (pé virado para
fora). Esses movimentos são controlados pelos músculos da perna para execução dos
movimentos essenciais do pé (flexão plantar, flexão dorsal, inversão, eversão, supinação e
pronação – Figura 1). Sendo a supinação um conjunto dos diferentes movimentos do pé, ou
seja, é uma combinação de inversão, flexão plantar e adução. Enquanto a pronação é o
inverso, é uma combinação de eversão, flexão dorsal e uma ligeira abdução (Da Luz, 2016).
Figura 1.​ Movimentos do pé (Fonte: Da Luz, 2016)

A presente pesquisa limitar-se-á ao estudo dos movimentos de pronação (combinação de


eversão, flexão dorsal e uma ligeira abdução) dos pés que são muito importantes para a
marcha e, consequentemente, para as atividades de vida diária e para o esporte.

2.2. DESIGN DE JOGOS PARA REABILITAÇÃO MOTORA

Burke et al, (2009), identificaram três princípios de design de jogos que consideram de
particular importância para a reabilitação: jogo significativo, manipulação de falhas e
estabelecimento de níveis apropriados de desafio. Para criar e manter um jogo significativo é
importante considerar o conceito de feedback, os métodos pelos quais o jogo responde às
mudanças ou escolhas feitas pelo jogador. O feedback pode ser auditivo (efeitos sonoros e/ou
diálogo verbal), visual (texto, imagens, indicadores de pontuação) e tátil (vibração).

O feedback tem uma importância particular para a reabilitação, onde o conceito de progresso no
jogo pode diferir daquele nos videogames tradicionais. O fracasso, por exemplo, sempre foi um
aspecto proeminente dos videogames, não apenas presente, mas esperado pelos jogadore.
Nos jogos de reabilitação da função motora, nos quais os membros afetados estão sendo
mobilizados, existe o risco de que, se o jogador sofrer falha durante o jogo inicial, ele possa
atribuir essa falha à função motora ruim e isso pode resultar em um engajamento ruim no jogo.
Claramente, isso precisa ser testado com os usuários. Burke et al. (2010) sugere, portanto, que
a falha nos jogos de reabilitação seja tratada de forma conservadora. Como o engajamento é
um pré-requisito para um resultado terapêutico positivo, todo engajamento deve ser
recompensado. Ao lidar com a falha de maneira positiva, é mais provável que os jogadores
permaneçam envolvidos com a intervenção. Isso não significa que o jogo não deva oferecer
desafios e drama, já que esses são motivos importantes para que os jogadores se envolvam
com o jogo.

O nível de desafio do jogo pode influenciar para que o jogo seja envolvente. Trabalhos
anteriores relataram que usuários de jogos de reabilitação têm dificuldade com jogos de
videogames comerciais, onde o nível dos ambientes do jogo não pode ser modificado (RAND et
al, 2004). O alcance da função motora entre pessoas com deficiência varia muito e o que pode
ser fácil para uma pessoa é impossível para outra. Para um engajamento ideal, os jogos devem
apresentar um nível ideal de desafio para cada jogador; nem muito difícil que se torne
frustrante, nem fácil demais que se torne entediante. Antes do início, os jogos geralmente
pedem aos jogadores que selecionem um nível de dificuldade, por exemplo: fácil, médio, difícil,
insano. Isso determina o ritmo do jogo, número de inimigos, número de oportunidades para o
jogador adquirir saúde ou armas etc. Nos jogos de reabilitação de funções motoras, a
configuração inicial afetará o ritmo, tamanho dos elementos do jogo, distância do usuário, etc.

2.3. JOGOS PARA REABILITAÇÃO DOS PÉS

Existem diversos sistemas de jogos que empregam dispositivos operados manualmente, como
gamepads, joysticks, controladores, mouses e teclados. Geralmente, esses sistemas de jogos
convencionais são limitados na complexidade dos sinais de dados medidos, bem como nos
métodos em que esses sinais de dados são processados. Por exemplo, os consoles de jogos,
como o Dance Dance Revolution (DDR), utilizam certas técnicas para receber interativamente
sinais do movimento do pé do usuário durante o jogo. Embora o DDR seja capaz de detectar
esses movimentos e processar a localização e o tempo para interagir com o ritmo ou a batida
de uma música, o dance pad limita os sinais de dados processados com relação à forma e
posição que os pés tocam o chão, importantes para tratar o PTC. Além disso, as danceterias
são grandes, pesadas e relativamente caras.

Hee et al., (2017) apresentam o desenvolvimento de um jogo PONG baseado em


eletromiografia interativa (EMG) para exercícios de dorsifexão e flexão plantar dos pés. O jogo
PONG é um jogo clássico que pode ser facilmente compreendido e jogado por jovens e idosos.
Dois sensores EMG de superfície foram utilizados para adquirir atividade muscular dos
músculos tibial anterior e gastrocnêmio. Pichierri et al. (2012) apresentam o resultado de uma
intervenção cognitivo-motora usando um videogame de dança para melhorar a precisão da
colocação dos pés e da marcha em condições de dupla tarefa em adultos mais velhos. Lv et al.
(2014) desenvolveram jogos para os pés para demonstrar uma interface inovadora baseada na
abordagem de detecção de movimento do pé para smartphone. O método de detecção e
rastreamento híbrido baseado em visão computacional fornece um suporte essencial para a
interface de interação com os pés, rastreando com precisão os sapatos do usuário. A patente
dos Estados Unidos US20100035688A1, consiste em um sistema e um método que obtém
dados de movimento e posição de sensores do calçado de um usuário e transmite sinais de
dados correspondentes para um receptor via comunicação sem fio. O receptor, por sua vez,
insere esses sinais como dados para um processador configurado para executar um programa
de computador. Todos esses trabalhos mostram que a proposta desta pesquisa é viável.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo possui caráter exploratório e descritivo, do tipo série de casos envolvendo uma
equipe multidisciplinar, composta por pesquisadores das áreas de: Ciência da Computação da
Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FCI-UPM) e
do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento (PPG-DD). Inicialmente
coube a parte da equipe de desenvolvimento (FCI-UPM) especificar, projetar e implementar a
Papete Inteligente. Em seguida, foi elaborada a proposta à qual pertence este projeto de IC,
que é de desenvolvimento e avaliação do módulo de jogos para reabilitação do PTC.

4.1. ARQUITETURA DA PAPETE INTELIGENTE

A Papete Inteligente foi construída com hardware Arduino implementado sob um


microcontrolador ATmega328P da Atmel. O hardware tem conexão com dois tipos de sensores
posicionados estrategicamente nos pés, conforme mostra a Figura 2:

1. ​Sensores de distância à laser modelo VL53L0X posicionados próximo ao primeiro


metatarso e ao calcâneo: responsáveis por medir respectivamente o ganho no movimento de
dorsiflexão e flexão plantar através da análise da distância do sensor em relação a chão. A
alimentação do sensor VL53L0X é fornecida via Arduino com tensão variando entre 3,6V à 5V.

2. ​Acelerômetro com giroscópio modelo MPU-6050 posicionado na cabeça do terceiro


metatarso​: responsável por detectar movimentos de inversão/eversão do pé. A alimentação do
sensor MPU-6050 é fornecida via Arduino com tensão variando entre 3V à 5V.

Apesar da baixa voltagem para alimentação dos


sensores, os mesmos apresentam-se fixados na parte
externa das alças do calçado visando evitar o contato
dos circuitos eletrônicos com a pele do paciente.

Figura 2.​ Posicionamento dos sensores


na Papete.

Atualmente a Papete está integrada a um módulo de comunicação serial, via porta USB com a
Unity 3D, mas nenhum jogo foi ainda desenvolvido. É objetivo deste projeto desenvolver um
módulo de conexão sem fio, via wifi para simplificar a portabilidade do calçado e facilitar o uso
em sessões de reabilitação motora da marcha e jogos com exercícios propostos
especificamente para reabilitação do PTC. A conexão USB permite não somente a
comunicação da Papete com o jogo, como também a alimentação do hardware Arduino.

4.2. DESENVOLVIMENTO DO MÓDULO DE JOGOS

O jogo a ser desenvolvido consiste em um jogo de plataforma 3D de corrida de carro. Isso


significa que o personagem no jogo deverá tentar evitar armadilhas (buracos, cones e curvas na
pista), inimigos e deve tentar alcançar a linha de chegada no final de cada estágio. Existe um
sistema de pontos que o jogador deve cumprir para terminar uma etapa. O jogo consiste em
três etapas diferentes (já discutidos e validados com o fisioterapeuta):

● Etapa 1 - flexão dorsal e plantar: constituída de um circuito aberto, com pista reta e
sem curvas, onde o jogador deverá movimentar o pé para cima e para baixo para coletar
estrelinhas.

● Etapa 2 - abdução/adução: ​constituída de um circuito aberto, com pista reta e sem


curvas, onde o jogador deverá movimentar o pé para dentro e para fora no plano frontal
para trocar de pista e evitar cair nos buracos e atropelar cones.

● Etapa 3 - inversão/eversão: constituída de um circuito fechado, com trechos de pista


reta e curvas, onde o jogador deverá virar o pé para fora e para dentro no plano sagital
para realizar as curvas e evitar sair da pista.

Para tornar um jogo jogável e interessante, ele deve ter um design, gráficos e jogabilidade
adequados. A engine de games Unity 3D possui Assets (modelos gráficos, texturas etc) que
podem ser reutilizados para criar os cenários do jogo. Dessa forma, caso haja tempo de projeto,
será possível criar novos estágios conforme orientações do fisioterapeuta. A princípio, o jogo
será desenvolvido de forma a rodar em computadores, visto que a comunicação serial da Unity
com a Papete já foi realizada em um estudo anterior. Mas é objetivo deste projeto, verificar a
possibilidade de desenvolvimento para dispositivos móveis (tablets), por isso a necessidade de
desenvolvimento do módulo de comunicação Bluetooth com a Papete. Normalmente, jogos
desenvolvidos com a Unity 3D usam teclas “para cima”, “para baixo”, “para esquerda” ou “para
direita” para acionar eventos consecutivos, como pular, mover para esquerda, mover para
direita, etc. Aqui, o jogo proposto irá pesquisar os sinais da Papete gerados pelos movimentos
dos pés do usuário para mover o carro na pista.
4.3. ESTUDO DE USABILIDADE

Embora o objetivo de qualquer sistema de reabilitação da função motora deva ser a melhoria
no(s) membro(s) afetado(s), é necessário executar ensaios em larga escala com usuários por
um período de várias semanas para avaliar a eficácia de qualquer intervenção no resultado da
função motora. Esta validação será feita em um segundo momento pelo fisioterapeuta, em seu
projeto de doutorado, para averiguação de aplicabilidade clínica e, portanto, está fora do escopo
deste projeto. Optou-se, portanto, focar na avaliação da usabilidade e jogabilidade dos jogos.
Serão coletados dados observacionais e de questionário para determinar a percepção dos
participantes sobre a usabilidade, apelo e prazer de usar os jogos com a Papete Inteligente.
Para a medição da usabilidade, serão desenvolvidos testes para determinar o grau de
eficiência, eficácia e satisfação gerados nos dois grupos de crianças que usarão o jogo
conforme recomenda a ISO 9241-11. Dez crianças, entre quatro e dez anos de idade, cinco
com PTC e cinco sem PTC, serão alvo destes testes e serão recrutadas pelo fisioterapeuta. Os
objetivo do estudo é comparar os dois grupos, em termos de usabilidade, e também para
comparação dos parâmetros de medidas dos pé como angulação, velocidade e cadência entre
crianças típicas e atípicas (com PTC).

O teste de usabilidade terá duração de no máximo 30 minutos e será aplicado 3 vezes, em dias
alternados (ex.: segunda, quarta e sexta-feira) para todos os participantes. Este estudo tem
como objetivo verificar problemas de usabilidade e ergonomia relacionados ao uso dos
equipamentos (ex. peso, tamanho dos calçados, controle motor do calçado, etc.), bem como de
funcionamento do jogo, entendimento das tarefas e averiguação do tempo de intervenção. O
teste de usabilidade será constituído de tarefas programadas para serem realizadas durante a
fase de intervenção. Inicialmente o participante será apresentado ao estudo de usabilidade
(objetivos, procedimentos etc.); assinará os termos de consentimento livre e esclarecido; e
seguirá para o uso do jogo com a Papete. Ao final de cada sessão de teste, o participante
responderá, por meio de entrevista, um questionário de usabilidade e jogabilidade proposto por
Desurvire et al, (2004).

5. CRONOGRAMA

O projeto possui duração de 12 meses, conforme especificado na Tabela 1.

Tabela 1.​ Cronograma de Atividades

Atividades Meses
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Levantamento e x x
especificação dos
requisitos do jogo.

Projeto do jogo x x
(storyboards)

Desenvolvimento do jogo x x
(Etapa 1)

Desenvolvimento do jogo x x
(Etapa 2)

Desenvolvimento do jogo x x
(Etapa 3)

Testes de integração com x x x


a Papete

Estudo de usabilidade x x
(planejamento e
execução)

Análise dos dados x

Elaboração do artigo x x x
científico

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